Vida em Folhas Brasileira

Autor(a): Lucas Porto


Volume 1 – Arco 1

Capítulo 12

 

Redondezas de Prawf
Centro da floresta. Lago Azul.

— Estou profundamente decepcionado com você. — AlthoGron se virou para Kishi que havia acabado de chegar. — Um assassino infame como você, com pena de matar um único homem?

Ele ficou quieto, sem dizer nada.

— Como o acordo não foi cumprido, temo dizer que a vida de Alissa terá que ser retirada.

Você acha que vai me manipular igual aos outros? 

— Manipular? Ah Kishi, você tem uma ideia muito sobre... — Ele parou abruptamente. — Você não é o Kishi.

Não, não sou — confirmou. — Você quebrou a mente de Kishi, não foi ele que teve pena daquele ninja, fui eu.

— Um Noredan sentindo pena? O que? Acha que é algum tipo de herói por isso? — ironizava cerrando os punhos. — Monstros são monstros, e isso nunca irá mudar.

E um Kyodan egocêntrico. O que? Acha que é algum tipo de Deus? — Ele sorria enquanto se aproximava lentamente. — Por que não sai  um pouco desse pedestal para que possamos conversar, senhor.

— Tenha mais respeito quando se dirigir a mim — esbravejava em um tom tão alto que fazia os pássaros voarem de medo. — Você é um ser imundo, não deveria carregar o nome de Dan.

É a primeira vez que vejo um da sua espécie. Sabe, os outros odeiam vocês, alguns deles até mesmo os temem, mas agora o vendo, vejo que você é apenas uma criança birrenta. 

— Acha mesmo que um nore pode se dirigir assim a mim?! Uma criatura condenada como você não tem moral...

Mas eu estou vivo — anunciou abrindo os braços em forma de cruz, com um sarcasmo que fazia AlthoGron tremer de raiva. —, diferente do resto de vocês.

Cansados daquelas provocações, o Noredan sentiu o peso do mundo em suas costas o fazendo cair de cara no chão. Entretanto, quando estava caindo, ele deu um soco no chão fazendo um buraco. E por conta disto, ele conseguiu se mover para o lado aproveitando o espaço ali feito para escapar.

Assim que escapou, o Noredan foi correndo na direção de AlthoGron que com um movimentar das mãos fez uma rocha surgir entre eles. Sem quaisquer problemas o Noredan deu outro golpe fazendo a rocha que AlthoGron usava como escudo se partir em mil pedaços.

Estendendo seu braço, os dedos do Noredan ficaram a centímetros do rosto de AlthoGron que com mais um simples movimento o afastou sem problemas. O Noredan foi repelido para trás voando a vários e vários metros até atingir suas costas em uma árvore.

— Acha mesmo que vai conseguir tocar em mim?!  

Vocês mataram milhares de nós! E depois nos encarceraram como animais! — A pressão estava o esmagando, era difícil se mover. — E ainda nos chamam de demônios?! Jindan, Kyodan, são todos iguais! Estou cansado disso!

Gastando de sua própria energia, a pressão que AlthoGron colocava no corpo do Noredan foi desfeita. O noredan caiu de joelhos de cabeça baixa, a quantidade de energia que ele teve que gastar foi absurda, mas ao menos agora ele poderia se mover livremente.

— Você anulou minha zona de comando? Miserável. A culpa é de vocês por terem nascido do nada, vocês não significam nada! Não possuem propósito! — Ele perdeu a compostura, demonstrava ódio, sentimento esse que a eras não demonstrava.

O Noredan riu.

Sem propósito? E quem precisa de um?

Ouvindo aquelas palavras, AlthoGron travou. Era como se revivesse algo em seu interior, uma lembrança tão antiga quanto ele próprio.

Nesse momento os olhos negros desapareceram, Kishi retornou ao controle de seu corpo e aproveitando da distração do inimigo, ele correu. Ele assistiu toda a conversa que aqueles dois tiveram, mesmo entendo quase nada, sua perspectiva havia mudado.

Quando o Noredan surgiu em seus pensamentos ele controlou o corpo de Kishi impedindo que ele desse fim a vida do pobre soldado. Nós não somos monstros, Kishi não entendeu aquelas palavras a princípio.

Mas agora parecia compreender.

Seu coração manchado foi a faísca para o caos que suas mãos causaram aos outros. Ele se sentia poderoso quando matava, gostava daquilo. E mesmo agora, com boa parte de sua memória perdida, na primeira oportunidade que teve, ele cometeu um massacre.

Indo em direção a AlthoGron ele fechou seu punho. Antes ele acreditava que não poderia salvar Alissa, que não havia outra escolha a não ser pagar o preço, mas o Noredan mostrou que não, como um ponto negro incandescente em meio ao mar branco, ele lhe mostrou uma nova opção.

Lutar.

O punho fechado de Kishi atingiu o rosto de AlthoGron com força. Ele já não estava mais com a força colossal do Noredan, entretanto, sua própria força era capaz de atingir o Kyodan e fazê-lo dar passos para trás em recuo.

— Você... Me tocou...? — dizia enquanto passava a mão na parte do rosto onde foi atingido.

— Eu quero a Alissa. —ordenava com os olhos semicerrados. — E nunca mais quero ver esse seu rosto feio.

AlthoGron o olhou de cima. Inconformado em como um humano poderia se dirigir daquela forma a ele. Eles se encaram por um instante, sem desviar o olhar. AlthoGron então suspirou.

— Que seja. — Em um movimentar das mãos, o corpo de Alissa que flutuava acima do lago veio voando em sua direção. Kishi a agarrou, ela estava bem. — Não pense que as coisas ficaram assim. Em um futuro próximo você será cobrado. Esteja ciente disso.

— Não me importo. Se você tentar nos incomodar de novo. — Ele ativou os olhos negros por um instante. — Não teremos piedade.

AlthoGron não se deixou intimidar pela arrogância de Kishi. Apenas o deu as costas e desapareceu. Assim que sumiu, o céu negro sem estrelas que cobria o lago aos poucos foi perfurado pelas lanças do Sol.

 

 

Aldeia de Prawf
No interior de uma das casas.

Abrindo os olhos devagar, Alissa estava confusa e desnorteada. Ela tentou se levantar, mas todo o seu corpo gritou em uma dor absurda. A última coisa que se lembrava era daquele homem velho, líder dos ninjas, eles tinham a capturado e... Kishi a salvou. 

— Finalmente acordou. — Ela se virou para o lado e viu Kishi encostado em uma parede. — Está se sentindo bem? Quer que eu chame meu pai?

— Não, obrigada. — disse. — Onde eu estou?

— Em uma das casas dos moradores, eles a emprestaram para que você possa se recuperar.

— Eles estão bem? E o Telo? — Ela se agitou um pouco, suas costas doeram.

— Calma, você ainda está se recuperando. Eles estão seguros, a ameaça da Lótus não existe mais.

— Entendo, que bom...

De cabeça baixa ela se sentia inútil por não poder ajudar. Olhando as próprias mãos enfaixadas ela fechou o punho. O que seu pai estaria pensando caso pudesse vê-la agora? Suspirou.

Kishi virou a cabeça para o lado, começou a olhar a madeira da casa. Essa era uma das poucas casas que ainda estavam em bom estado. Os moradores terão dificuldade em reconstruir a aldeia, a grande maioria está fragilizada pelos últimos acontecimentos. 

Alissa olhou para ele, como sempre, sem nenhum ferimento externo. Algo estava mudado nele, ela não sabia o que, mas seu rosto estava mais sério que o de costume, como se tivesse passado por maus momentos.

— O que foi? — perguntou quando a notou o olhando— Se estiver com dor eu posso chamar meu pai. — Não precisa, estou bem.

— Tem certeza?

— Tenho...

Eles ficaram quietos por mais alguns minutos.

— Kishi...

— Sim?

— Você está mais sério que o normal.

— Eu sempre fui sério. Não se importe com detalhes bobos.

— Tem razão... — mentiu. — "Não. Durante a nossa viagem até Prawf você riu muito, parecia estar muito feliz. O que foi que aconteceu..." — Pensou.

— Vou te deixar sozinha agora, descanse bastante. Se precisar de algo é só me chamar.

— Não faça essa cara. — Kishi parou. — Eu não te ouvi porque eu quis. Eu lutei por que eu quis. Se eu tivesse mais força... Se eu fosse forte o suficiente para lutar sozinha...

— Alissa...

— Kishi, você não devia se sentir responsável pelos meus ferimentos. — Eles se encararam.  — Este é o meu ferimento. Este é o caminho que eu escolhi, você não tem responsabilidade nenhuma sobre isso.

Kishi...

Sorriu.

— Você só tem uma vida — disse, a pegando de surpresa. — Por isso cuide bem dela, parceira.
Ele saiu do quarto.

Alissa abaixou a cabeça, agora estando sozinha, ela também sorriu.

— Sim, eu vou... — choramingava, deixando algumas lágrimas caírem em suas roupas. — Eu vou ser forte igual a você...



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