Vida em Folhas Brasileira

Autor(a): Lucas Porto


Volume 1 – Arco 1

Capítulo 10

 

Respiração pesada...

Correndo...

Dando passos cada vez mais rápidos.

Ofegante. 

Conforme corria e o ar entrava em seus pulmões, ele cuspia sangue, sentindo uma dor imensa. Kishi correu sem parar procurando por seu pai, olhando para todas as direções possíveis, eles se viram pela última vez ali, onde ele está? A cada segundo sua cabeça se contorcia com a ideia de ele estar...

"Não, não pensarei nisso..."

— Kishi! — Seu pai surgiu saindo de dentro de uma casa. — Você está muito machucado, por que não está se curando? O que houve?

— Eu não consegui vencê-lo, ele.... Ele... — caiu de joelhos no chão, mesmo com seus olhos negros nenhuma de suas feridas havia se curado. Ele não sabia o que fazer.

Retirando o corpo de uma jovem de suas costas, Edo arregalou os olhos e tampou a boca. Sem acreditar no que estava vendo. A pele havia ficado de cor cinza, suas veias verdes, fragilidade transbordava tanto quanto o sangue que saia de sua boca. seu lindo cabelo vermelho agora quase tocava o branco.

— Meu Deus, o que aconteceu com ela... — cochichou em relutância.

— Eu, eu.... — A cada instante, Kishi entrava em mais e mais desespero ao ver o corpo de sua amiga naquele estado. — Não a protegi, não a protegi, não a protegi... Eu não protegi a Alissa, pai.
Juntando as palmas das mãos, o senhor Edo novamente soltou brilhantes luzes verdes da ponta dos seus dedos. No momento em que ele tocou Alissa e sentiu sua dor, foi quase como ser perfurado por uma espada.

Edo já tratou de várias doenças, foi um médico por certo período de tempo, então ele tinha certeza que todo aquele sofrimento pelo qual Alissa estava passando não era exclusivamente apenas pelo veneno. Não, é algo a mais, em sua mente Edo se perguntava o que poderia ter acontecido que a deixou assim.

Enquanto isso Kishi estava desesperado, por conta da adrenalina que estava sentindo apenas agora em que se ajoelhou ele começou a sentir as dores no corpo. Aquele veneno mortal provavelmente o infectou também. 

Foi quando uma mão suave tocou o seu ombro.

Assim que se virou, viu Telo que se forçou a dar um sorriso. O garoto estava tão preocupado com Alissa quanto ele. Telo levou um susto quando viu que os olhos de Kishi estavam totalmente negros.

— Obrigado — disse a Telo. colocando sua mão trêmula sobre a dele. — Ela vai ficar bem, pai? Essa sua magia consegue...

— Não. Ela não vai. Esse veneno está em uma quantidade maior, está piorando a cada segundo. Eu diria que ela tem três minutos ou até menos. Me desculpe…

Kishi não pode acreditar no que seu pai havia acabado de falar. Tinha que ser mentira. Tem que ser mentira. A respiração ficou ainda mais pesada. O desespero o afundou em um mar de trevas, sem quaisquer resquícios de luz.

E o vento assobiou.

Passando pelos ouvidos de Kishi e lhe trazendo uma mensagem.

— Pai...

— O que foi? 

— Solte ela.

— O que? Do que você está...

Quando o Edo virou sua cabeça para encarar o rosto do filho, ele ficou boquiaberto. Aquele rosto era o mesmo rosto que ele vira seu filho fazendo no dia da morte de Sekiro, um rosto sem esperanças. Uma forte dor no peito o atingiu.

Naquele dia, Kishi perdeu qualquer brilho que sua alma tivesse. Edo não sabia o que fazer, seu maior arrependimento foi não saber como confortar seu filho quando Sekiro morreu, e agora, aquelas lembranças dolorosas do passado voltaram a assombrar.

— Você tem algum plano...

— Tenho. Confie em mim.

— Ela só tem três minutos — informou.. — Você tem certeza?

— Só precisarei de um minuto.

Edo desativou sua magia de cura. Ele se afastou do corpo de Alissa e Kishi a levantou. Sem se despedir, ele saiu correndo para o meio da floresta, indo para algum lugar. Telo que viu toda aquela cena ficou sem entender.

— Senhor... Para onde ele vai levá-la? 

— Eu também não sei.

— Então, por que o deixou ir?

— ...

Mais uma vez, seu filho correu para longe de si. O arrependimento de um pai que nunca conseguiu se expressar da forma correta. No dia em que Sekiro morreu seu filho veio chorando para seus braços, ele queria conforto, e Edo não o deu.

A impotência de um homem vencido pelo tempo.

A impotência de u  pai que não conseguiu proteger seu filho das dores do mundo.

 

 

O farfalhar das árvores nunca esteve tão agitado quanto hoje. Enquanto as folhas secas caem no chão, um pequeno pardal solitário que desbravava o céu pousou na terra seca perto do lago.

A água gelada arrepiou as penas do pequeno animal. O homem ali perto que observava o pássaro puxou o ar para seus pulmões. Nada o agradava mais do que o cheiro da terra. Seu convidado logo chegaria.

Conforme Kishi se aproximava, as árvores foram se fechando, a luz do sol bloqueada pelas folhas fez com que uma noite falsa cobrisse todo o interior da floresta. Alissa constantemente soltava pequenos gemidos de dor, ela está piorando, ele precisava chegar até o lago e rápido.

O pardal que bebia a água do lago sentiu o chão tremer conforme os passos de Kishi chegavam mais perto. Assustado, o pardal bateu asas e arrancando voou para o mais longe possível dali. 

Ele finalmente chegou.

Cansado, ele olhou para o lago azul que brilhava fortemente. Mesmo estando de dia, aproximadamente duas da tarde, quando olhava para o céu apenas via uma escuridão sem fim. Um céu sem estrelas.

Kishi olhou para o lado brilhante. No meio do lago, um homem que pisava nas águas deu um pequeno sorriso para ele. Sua pele e cabelos eram brancos, sua aura era completamente oposta da aura do Noredan. Um ser benevolente, que transbordava harmonia.

Seus olhos se encheram de fúria sem um motivo aparente. Não, não foram os olhos de Kishi e sim aqueles olhos negros, que compartilhavam a visão de Kishi para o Noredan em seu interior.

Sim, era o Noredan que estava irritado.

— Finalmente nos encontramos, Kishi. Fico feliz em ver que aceitou meu convite. — disse caminhando sobre o lago.

— É você... Eu não sei seu nome, mas te reconheço!

— Fale de uma forma mais calma — pediu. — Está assustando os animais da floresta.

— Ficar calmo? Como vou ficar calmo quando você me espiou por todo esse tempo! — trovejou em fúria, suas emoções se misturaram às emoções do Noredan.

— Quanta perspicácia — ironizou. — Imaginei que estivesse oculto.

— Desde que eu acordei sempre senti seus olhos sobre mim, a Lua sempre me observou de uma maneira estranha. Pensei que fosse algo da minha cabeça, mas te vendo agora tenho certeza. Não era a Lua coisa nenhuma, era você!

— Você não consegue conversar sem gritar? — perguntou, fechando os olhos, respirou fundo. — A Lua é uma extensão da minha visão, então você não está totalmente errado. Apenas equivocado.

— Quem é você...?

— Possuo muitos nomes. Pode se referir a mim como AlthoGron, o deus lunar. — Ele abriu os olhos e deu um sorriso. — Eu sou um Kyodan.

Quando ouviu aquele nome, o corpo de Kishi se moveu por vontade própria. Ele correu até AlthoGron e deu um pulo, tentando inutilmente acertar um chute enquanto ainda estava no ar. AlthoGron desapareceu.

Assim que seus pés tocaram o chão molhado na borda do lago, ele sentiu uma dor absurda. Mil agulhas perfuraram seu corpo. Olhou para Alissa que estava em suas costas, ela continuava desmaiada, seja lá o que for, está afetando apenas ele.

— Atacar alguém enquanto carrega um ferido é uma decisão arriscada, deveria pensar melhor em suas escolhas — aconselhou surgindo atrás de Kishi.

Em um piscar de olhos, Kishi estava em terra seca longe do lago. Alissa que antes estava em suas costas agora flutuava sobre o lago brilhante ao lado de AlthoGron. Apertando os punhos, ele correu para resgatar Alissa, mas parou segundos antes de tocar a água do rio.

Seu corpo se recusava a pisar no lago, não, o noredan se recusava a pisar no lago. Kishi ainda não entendia tudo o que estava acontecendo, mas sabia que AlthoGron não é confiável. Mesmo assim, se a mensagem que os ventos trouxeram for verdade, ele é o único que pode curá-la.

— O que vai fazer com ela?!

— Eu te instrui a trazê-la até aqui dizendo que iria retirar o veneno de seu corpo. É exatamente isso que irei fazer.

AlthoGron movimentou uma das mãos de maneira suave. Ao mesmo tempo, uma pequena porção da água flutuou até o corpo de Alissa e a revestiu. Seus cabelos que quase tocavam o branco agora estavam voltando a sua cor natural, um vermelho vibrante.

— Alissa... Ela está... 

— Melhorando. Não há veneno no mundo que não possua um antídoto. Esse não é diferente.

— Obrigado...

— Se quer me agradecer, me pague.

— Do que você está falando? — Kishi recuou um passo. — Seu plano era esse desde o início?

— Diga-me, Kishi, sendo você um assassino deve saber a resposta. Quanto vale uma vida?

— Quanto vale... Uma vida? — Aquela pergunta era estranha e sem sentido, o que aquele Kyodan queria com tudo isso? Dando-lhe instruções de como chegar nesse lago, curando Alissa e agora exigindo um pagamento.

— Estou esperando a resposta.

— Outra vida — respondeu. — Uma vida equivale a outra vida.

— Errado. — Surpreso e confuso, Kishi olhou para AlthoGron que com um suspiro, mais uma vez teve que dar uma explicação para aquela simples mente humana. — Desde quando nascemos nós alteramos tudo. Vivemos experiências que nos moldam e alteramos outras vidas. Se sua vida não existisse, Alissa não estaria nesse estado. 

— Onde quer chegar?

— O preço de uma vida são várias outras vidas. Um camponês e um rei não possuem o mesmo valor, o rei possui mais influência na vida das pessoas enquanto o camponês apenas serve as demais com os frutos de suas plantações. 

— Essa lógica é absurda.

— Não seja prepotente — interrompeu. — Vocês humanos acham que tudo deve seguir seu julgamento, a sua lógica? Pelo contrário, vocês humanos seguem fielmente a lógica dos mais fortes, a minha lógica. Da mesma forma que eu sigo a lógica dos mais fortes que eu, simples assim.

— Chega desse assunto de lógica, eu-

Kishi travou.

Todos os seus músculos se contorceram. Em um segundo, seu corpo teve o peso do mundo jogado sobre si. Aquela pressão enorme impedia que ele fizesse qualquer movimento, era difícil até deixar seus olhos abertos.

— Eu fui claro, salvarei a vida de sua amiga se me pagar, não me importo se acha isso justo ou não, se entende ou não. Se você se recusa a pagar...

Dando as costas a Kishi, AlthoGron mais uma vez realizou um simples gesto com sua mão. O corpo de Alissa voltou a ficar pálido, cinza. Os fios vermelhos de seu cabelo foram engolidos por uma nevasca branca. Ela começou a gritar de dor. 

— Para! Para com isso!! — Ele se rebateu no chão, tentando a todo custo se levantar, mas aquela força invisível o impedia, ele estava impotente.

Ele começou a chorar, ele tinha que fazer alguma coisa, Alissa não merecia aquele fim. Kishi se lembrou da conversa que tivera com a mesma antes de saírem de casa: "[...]eu, perdi todo mundo[...]" Kishi se rebateu, quando mais se mexia, mais era esmagado.

"[...]Eu sou o Sekiro! Prazer! [...]"

Os ossos de Kishi estralaram, quase sendo esmigalhados pela pressão.

"[...] Quer ser meu amigo? [...]"

— Não…. para por favor... — implorou choramingando.

"[...] — Qual é o seu nome?

— É... Alissa. [...]"

Alissa continuava gritando de dor. AlthoGron apenas a olhava, imparcial, apenas esperando que seu trágico fim chegasse. Interferir na vida dos humanos era algo que ele poucas vezes fazia, nunca sentiu apreço ou ódio por nenhum deles. Apenas gostava de acompanhar suas histórias, ver o destino ser escrito.

Kishi parou de tentar lutar contra aquele peso que caia em suas costas. Já não havia mais nada que ele poderia fazer para salvar Alissa. Ele disse a si mesmo que tudo bem, ele fez de tudo até o último segundo. Lutou bravamente, mas falhou. Ele se lembrou das palavras que seu pai lhe disse no dia em que Sekiro partiu: todos morrem um dia. É natural, por isso não chore. 

"Não — pensou.

Não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, , não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não,, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não,, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não, não."

A mente de Kishi se quebrou.

— Eu pago o preço.



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