Vida em Folhas Brasileira

Autor(a): Lucas Porto


Volume 1 – Arco 1

Capítulo 9

 

Floresta da Morte
Aposentos do Lorde Hakuro.

Aquele fim de tarde estava agradável. O vento andava descontraído, as folhas das árvores dançavam e se divertiam até o último raio de luz. Com a mão tocando a janela, Hakuro apreciava aquele momento.

Pensamentos não foram banidos, pelo contrário, sua mente os convidou para uma xícara de chá, sentados em um divã cada problema era resolvido para que o próximo pudesse entrar. Dessa forma, Hakuro se sentia mais aliviado.

Desde que assumiu o controle da Lótus, a quatro anos atrás, ele vem sentindo uma enorme dor de cabeça, agora aquela fascinação que Kiri tinha por chás finalmente fez um pouco de sentido. 

Quando o último problema entrou, Hakuro ficou tenso. Ele se sentou no divã e com uma calma e meticulosa, desabafou sobre seus pesares. Diferente dos pensamentos abstratos comuns, aquele possuía nome e forma. Trazia consigo uma bagagem que ele se esforçava para não pensar sobre. O nome daquele problema foi dito em voz alta por ele:

— Noredan. — E fechou o rosto em um olhar afiado.

Olú retornou a poucos dias, quando fez seu relatório Hakuro ficou chocado. Ele não só havia encontrado um Noredan como também o matou, eliminando de vez a ameaça. Segundo Olú, o noredan não possuía quaisquer conhecimentos sobre o paradeiro do Besta Elétrica e nem sabia direito onde estava, quase como um recém-nascido.

Olú perdeu todos os soldados que o acompanhava, essa perda seria sentida nos próximos dias. Mais e mais soldados estão sendo eliminados, enfrentar um país inteiro e não esperar baixas seria ser ingênuo demais. 

Alguém bateu à porta.

— Meu lorde — disse A voz do outro lado.

— Pode entrar, Kana — respondeu com a voz séria.

Abrindo a porta devagar, Kana entrou nos aposentos do seu lorde. Ele é um homem velho, seus olhos possuem uma cor alaranjada forte e seus cabelos são vermelhos, uma cor vibrante e chamativa. Com as mãos para trás ele se aproximou lentamente, o mesmo havia notado a calmaria que seu lorde estava e não queria o incomodar.

— Como está Gazel? Os novatos estão conseguindo se adaptar a seu sistema rigoroso de treinamento? — perguntou Hakuro ainda olhando através da janela. Ele lentamente parava de pensar no Noredan.

— Adaptar não seria uma boa forma de se referir a eles, digamos que estão aguentando, por enquanto. Vim lhe trazer o relatório de Cicuta.  — O homem de cabelos vermelhos parou de andar, observou seu lorde e se perguntou o que será que ele estava pensando naquele momento.

— Ele conseguiu sucesso com seu novo medicamento? — Hakuro olhou para Kana, agora totalmente concentrado na conversa, não deixando que memórias dolorosas o incomodassem. 

— Ele está fazendo progresso, mas ainda não conseguiu nenhum resultado satisfatório. Segundo sua própria estimativa, em menos de um mês ele alcançará os resultados desejados.

— Espero que ele não esteja usando os subordinados dele como cobaia, não quero perder mais homens. — resmungou, ajeitando a postura e caminhando por seus aposentos.. — E como anda a missão de Sinsha?

— Nenhum problema por hora. O senhor foi sábio ao mandá-la para Mākeke nui, aquela cidade possui um grande aglomerado de informações por conta de seus vendedores, aplicar espiões para a coleta das informações irá nos render uma vantagem sobre as tropas da Lótus Vermelha.

— Não há a necessidade de me bajular — repreendeu, assustando Kana que se calou no mesmo instante. — Irei sair agora.

— Irá para a vila, senhor? — arriscou-se a perguntar, queria o aconselhar a não ir, alertar como é perigoso se expor principalmente com Artéria inteira atrás dele. Mas sabia que isso seria muito ousado e desrespeitoso, seu lorde sabia o que faz.

— Relaxe, seus ombros estão tensos — aconselhou. — É apenas uma volta. 

— Como quiser, meu lorde…


 

Quatro dias, após saírem de casa
2 horas antes do confronto.

Após terem decidido seu destino, a capital do país de Artéria, Kishi, Alissa e o senhor Edo arrumaram suas coisas e saíram de casa no dia seguinte. Os três foram de manhã, pouco antes das seis horas, para não levantar suspeita, estariam em perigo caso algum ninja remanescente tivesse ficado para averiguar as redondezas da cidade.

Não houve quaisquer problemas durante todo o trajeto. No primeiro dia, Alissa reclamou do calor, dos insetos, e de dores nas pernas. A mesma garota que dias antes havia dito que iria se tornar forte e ajudá-los agora mal conseguia lidar com aranhas e lagartos.

O senhor Edo também fez algumas reclamações, dentre elas: O calor. Ele não estava errado, o ano agora se encontrava no verão, época na qual o calor se torna um grande inimigo. Ao final de cada dia, encharcados por seu próprio suor, eles formavam uma fogueira, trocavam algumas palavras e então dormiam, reservando energia para o dia seguinte.

Aquela viagem trazia uma boa sensação a Kishi, sensação essa que ele não sentia a tempo. Sua cabeça esteve tão ocupada desde que acordou que ele quase não teve tempo para descansar. Ele esperava que essa boa harmonia durasse mais.

Infelizmente, a harmonia se perdeu no instante em que eles chegaram na aldeia.

— Essa é... — começou a falar, procurando as palavras certas.

— Sim. É a aldeia de Prawf — disse seu pai tão surpreso quanto o filho.

Um silêncio perturbador estava na cidade. As madeiras das casas estavam podres e destruídas. Baldes jogados no chão, um odor forte e sem fonte definida também os incomodava. Nada nem ninguém era visto além dos três.

Kishi não quis acreditar naquilo, essa não poderia ser a mesma Prawf que ele conhecera por meio de suas memórias. Aquela atmosfera de dor se impregnava no lugar, e com o sussurrar do vento, um frio na espinha foi sentido.

— O que... Aconteceu nesse lugar? — perguntou Alissa.

— Eu não sei — respondeu o senhor Edo, sua voz tremia enquanto ele tentava falar. — Será que houve uma guerra interna por conta da fome? Ouvi dizer que algumas aldeias e vilas passaram por esse problema.

— Não! Eu me lembro bem, Prawf era cheia de gente! Vários comerciantes iam e vinham aqui, eles não deviam sofrer com fome ou falta de recursos.

— Isso foi a muito tempo atrás meu filho. Os tempos mudaram, a minha última visita aqui foi há 2 anos, a situação estava ruim, mas agora nem se compara...

Eles continuaram andando na esperança de encontrar alguém e perguntar o que houve, mas ninguém foi avistado. Alissa achou um pequeno urso de pelúcia jogado no chão, metade de seu rosto estava sujo de terra e lama, um de seus braços minúsculos estava queimado na ponta.

Aquela visão triste e revoltante se assemelhava ao lado mais pobre de Revin. Com os conflitos causados pela revolta da Lótus muitas pessoas sofreram com falta de alimento e suspeita de traição ao reino, e essa cidade, refletia bem o caos no coração dos moradores de Artéria. Uma pequena lágrima deu o ar de sua graça, mas Kishi a segurou.

Quando o senhor Edo passou a mão em uma das casas, a negritude da madeira queimada o lembrou de 20 anos atrás quando estava em Hinahina. Apenas preto e branco existiam no lugar; a escuridão de corpos caídos, pincelados de um vermelho escarlate, e o céu entristecido chorando em cinzas vulcânicas, quase como uma chuva de neve.

Uma pequena tábua de madeira se mexeu.

Seguida de uma tosse fraca, que como um sinalizador indicou sua posição.

Assim que ouviu aquilo, o rapaz correu o mais veloz que podia. Retirando escombros, um pequeno garoto se contorcia de dor. Alissa e seu pai correram na direção deles. Edo se abaixou e pediu espaço, Alissa tampou a boca quando viu a criança, seu peito ardeu em uma dor profunda.

Com as palmas das mãos abertas, o senhor Edo fez com que uma fraca luz verde brilhasse em seus dedos e tocou o garoto. Kishi ficou surpreso com aquilo, mas a surpresa maior foi quando algumas das feridas externas do garoto começaram lentamente a desaparecer. 

— O que é isso, pai?

— Você não se lembra? Ele usou a mesma coisa em você, o ajudou a se curar mais rápido — explicou Alissa. — Ele chama de Reflection Pain, é uma magia de cura.

— Magia... — Kishi não acreditaria se não visse com seus próprios olhos. Mesmo ele mesmo sendo uma espécie de criatura  mágica, magia e afins ainda pareciam histórias bobas para crianças. Seu ceticismo é inerente quando se trata desse assunto.

Assim que o brilho verde de seus dedos cessou, o senhor Edo respirou de forma pesada, agradecido de que a criança não morreria por falta de sangue ou alguma infecção.

— Ele ficará melhor se repousar. Ao menos eu espero.

— Não sabia que era um mago pai.

— Não diga isso de forma tão sarcástica, essa magia apenas transforma a dor da vítima em cura, melhorando assim o processo de cura do próprio corpo. Não sou um mago e muito menos um bom médico.

— Senhor Edo, o senhor sabe o que houve para deixar essa criança assim?

— Não tenho certeza. Mas seus órgãos internos estavam destruídos, quase como se uma faca os tivesse cortado.

— Então não é algo natural? — ponderou Kishi.

— Com certeza não.

— Vamos tirá-lo daqui e o levar até um lugar mais seguro, ele poderá nos explicar o que aconteceu depois — disse Alissa e os dois concordaram.

Os três caminharam até uma das casas que ainda estava de pé. Se escondendo atrás da mesma, eles deitaram a criança no chão e esperaram que a mesma acordasse. Demorou cerca de uma hora, eles cogitaram acampar em algum lugar perto dali, mas não houve necessidade.

A criança abriu os olhos.

— Hum...?

Sua cabeça ainda doía um pouco, seu olhar estava sonolento e aos poucos seu corpo recobrava a força. Ele então mexeu a cabeça para o lado, foi quando viu aquelas três pessoas ali olhando para ele.

— AAh!! — gritou, se levantando depressa ele tentou correr, porém caiu antes que pudesse tomar qualquer distância considerável.

Uma mão estendeu-se para o ajudar a se levantar.

A mão era firme e grossa, quando olhou para o detentor da mesma, viu o rosto gentil de um homem. Seus cabelos escuros e levemente bagunçados eram empurrados pelo vento, os fios abriram espaço para um olhar sereno. O garoto aceitou a ajuda para se levantar.

— Como se sente? Se sentir algum incômodo nos avise — disse Kishi assim que o garoto ficou totalmente de pé.

— Obrigado... 

— Como se chama? — O homem mais velho que estava sentado usando uma caixa de madeira como apoio o perguntou.

— Eu sou... — ponderou por um momento. — Telo... — Sua hesitação foi acompanhada de um passo para trás, ele estava com medo.

— O que houve com você, Telo? — questionou Alissa. Telo abaixou a cabeça e fechou os olhos, aquela pergunta o lembrou de algo. — Desculpe eu não quis-

 — Quem fez isso com você? — disse Edo, fazendo Telo o olhar. — Não precisa ter medo,queremos apenas ajudar.

— Talvez ele não queira falar sobre isso agora. — Kishi  se pronunciou. — Tudo bem se não quiser nos dizer, nós entendemos.

— Eu fui escolhido para participar de um teste... — disse com medo, fechou os olhos com força e estremeceu o corpo. — Eles queriam que nós...  — Ele começou a chorar. — Então a gente... Meus pais...

— Acalme-se. — Kishi se ajoelhou e colocou a mão no ombro do rapaz. — Você é bem corajoso por querer nos explicar, mas vá com calma. Vamos por partes. — O garoto se sentou em cima de uma das caixas que estava ali, quando limpou as lágrimas e se acalmou, ele começou a falar.

— Já faz um mês que nossa vila foi visitada por um grupo de homens…

A aldeia estava sofrendo por conta da falta de suprimentos. As pessoas tinham medo de andar por aí, então quando recebemos visitantes em um grupo grande ficamos felizes...

Todos eles usavam roupas negras e um símbolo estranho que parecia uma flor, um homem velho de cabelos longos e lisos estava os liderando. Ele disse que trabalha para um importante lorde e que veio fazer um anúncio para todos daquela vila.

Meus pais me mandaram ficar em casa enquanto os dois iam ver do que se tratava. Eu não obedeci. Eu gosto muito de conhecer pessoas e, sendo aqueles homens subordinados de alguém importante, eu pensei que eles iam… Ajudar a gente.

— Então, tá todo mundo aqui? — O homem velho se pronunciou quando todos os moradores ficaram à sua volta. 

— Sim senhor, estão todos aqui. — Um dos subordinados disse.

Eu estava escondido atrás de uma das casas, eles estavam em 30 pessoas. O homem velho tinha olhos caídos e algumas rugas, ele parecia estar irritado. Pensei que fosse por conta da longa viagem, nossa aldeia não é um ponto principal, mas os viajantes sempre passavam por aqui por algum motivo.

— Káká. Essa aldeia é um ponto comum entre viajantes, nós iremos nos estabelecer aqui e vocês serão contratados para participarem em alguns testes... — Ele parou de falar, coçando a garganta e cuspiu no chão.

As pessoas não entenderam direito o que ele queria dizer,  Muitas pessoas da vila eram idosas ou não podiam fazer muito esforço físico.

Um senhor de idade avançada se manifestou no meio da multidão.

— Me desculpe senhor, mas... — contestou, andando até o líder dos homens. — Nós não podemos nos esforçar muito, temos muitas crianças também.

O líder deles estendeu a mão para o velho, ninguém o entendeu.

— Do que adianta pedir desculpas e me interromper logo em seguida. — Ele apertou o rosto do velho, colocando seus dedos perto dos olhos, o homem velho começou a gritar de dor. Depois de se contorcer, ele morreu. — Lixo. 

Todos se afastaram, mas quando notaram que os demais soldados daquele grupo tinham os cercado eles ficaram imóveis.

— Káká. O meu lorde precisa melhorar suas tropas, e eu garanti a ele que faria uma droga capaz de superar as técnicas Ryoto — esbravejou dando um passo à frente. — Nós somos ninjas da Lótus Negra, e vocês, são as nossas cobaias. 

Eu tentei fugir, mas fui pego por um dos homens deles. Depois disso eles roubaram toda a comida da cidade, ficamos 4 dias sem comer, aprisionados em nossas próprias casas. 

Após isso fomos submetidos a diversas drogas estranhas, meus pais não resistiram… Poucos sobraram, acho que menos de 20. 

Quando algum de nós não aguentava os testes eles descartavam o corpo. Eu fui descartado quando meu coração parou de bater por um minuto. Quando acordei no meio da pilha de corpos fugi o mais rápido que pude. Alguns deles me viram, porém, eu os despistei.

Depois disso eu desmaiei e acordei aqui."

Os três não sabiam o que falar. 

Kishi abaixou a cabeça e cerrou os dentes, ele não podia acreditar em tanta crueldade. O senhor Edo e Alissa sentiram um vazio imenso, como um buraco formado por uma grande ferida.

Eles ouviram passos.

O garoto, Telo, tomou um susto de imediato quando ouviu as vozes conversando. Kishi ergueu o dedo indicador fazendo um sinal para que todos ficassem quietos. Junto de Alissa, os dois foram até a beirada da casa para ter uma visão melhor de quem quer que fosse.

O senhor Edo se aproximou do garoto e colocou a mão direita em seu ombro, como um aviso silencioso, ele disse que tudo ficaria bem. Você não irá mais sofrer, foi o que os olhos do garoto ouviram quando encararam os grandes olhos azuis daquele senhor.

Ainda escondidos, Alissa e Kishi olharam para o meio da rua onde dois homens conversavam. Altos, de roupas negras e com armas em suas cinturas, não houve dúvida por parte de nenhum dos dois; eram ninjas da Lótus Negra.

Os dois homens olhavam para alguns escombros, um deles se abaixou, mexeu em algo e virou a cabeça para o companheiro, dizendo-lhe palavras que daquela distância não podiam ser ouvidas. Eles estavam procurando alguma coisa, ou melhor, alguém. 

— Eles estão procurando o Telo — sussurrou Alissa. — Precisamos agir rápido antes que nos encontrem.

— Não, pode ter outros. Vamos nos afastar por enquanto, devemos achar um lugar seguro para esconder o meu pai e Telo. — Kishi olhou para fora mais uma vez. — Veja, um deles está se afastando, vão seguir para o lado oposto do nosso.

— Então é uma boa chance para dar um fim a tudo isso. — Alissa sacou sua faca de combate. — Vamos atacar ao mesmo tempo, eles estão distraídos.

— Não Alissa, é perigoso.

— Olha o que eles fizeram com esse lugar, com as pessoas! Você devia estar cheio de ódio igual a mim, não me diga que está com medo? — Ela apertou as sobrancelhas irritada com a hesitação de Kishi. 

— Pare com isso! — Por um momento ele quase falou alto, os dois olharam para ter certeza que o ninja não os ouviu. Felizmente não. — Não use Telo e a aldeia como desculpas para agir sem pensar, eu sei que você quer se vingar, mas esse não é o momento.

— Então quando será? Quanto mais pessoas sofrerem por conta desses canalhas? Você sabe que podemos lidar com eles, vamos logo.

— Me escuta, droga. — Ele voltou a olhar para o ninja, o mesmo começou a andar na mesma direção que o companheiro tinha seguido. — Eles estão se afastando, vamos esconder o meu pai e então averiguar a situação. Entendido?

Quando virou a cabeça para ela, apenas teve tempo de ver Alissa se levantando e correndo. Ele tentou segurá-la antes que ela fizesse algo, mas não conseguiu. Alissa correu o mais rápido que podia, o ninja escutou passos vindo de trás deles e quando se virou foi apunhalado no peito.

Alissa puxou a faca e mais uma vez atingiu o corpo, dessa vez no pescoço para ter certeza que o golpe foi fatal. Quando confirmado a morte do inimigo, ela correu na direção de onde seu companheiro havia ido para pôr um fim naquilo.

— Porra! — exclamou. Ele se virou para seu pai e Telo, o garoto estava assustado. — Fiquem por aqui, tentem se esconder dentro de alguma casa e não façam barulhos.

— Está bem. — Seu pai lhe respondeu, dando a mão para que Telo a segurasse,, os dois correram apressados para se esconderem.

Kishi correu na direção em que Alissa e o outro ninja haviam partido. Ele a xingava mentalmente por não ter o escutado, ela possuía habilidade e até mesmo um potencial para ser uma excelente guerreira. Entretanto, seu estado atual faria com que ela não tomasse as decisões mais racionais e perto daqueles ninjas, que possuíam o dobro de treinamento, seria morta.

Ele precisava se apressar e para-lá o quanto antes. Sem outra escolha, sabendo que naquela velocidade só iria alcançá-la quando fosse tarde demais. Ele fechou os dois e respirou fundo. Sentiu os músculos do corpo ficando mais fortes. E então abriu os olhos.

E quando os abriu, mostrou seus olhos negros.

 

 

Correndo a passos apressados. Alissa acelerou o máximo que pôde para alcançar o outro ninja. Ela não se importou em olhar ao redor para verificar se haviam mais deles, mas caso houvessem eles estavam com seus dias contados.

Ela atravessou uma das ruas de terra. Ouviu algo, quando olhou para o lado a lâmina de uma espada quase cortou os seus olhos. 

Ela desviou, por reflexo.

Jogando seu corpo para trás, a lâmina brilhante da espada passou raspando sua nuca e cortou de leve alguns fios do seu cabelo vermelho. Por conta do movimento inesperado, Alissa acabou perdendo o equilíbrio e caiu no chão. O ninja da Lótus que tinha desferido o golpe ficou surpreso que a garota tinha conseguido se esquivar, sem hesitar ele tentou finca-la com a ponta da arma.

Alissa rodou o corpo para o lado fazendo a arma atingir o chão e por consequência ficar fincado ali. Ela se levantou depressa e usando sua faca de combate tentou um corte horizontal no rosto do ninja que ainda tentava tirar sua espada presa do chão. 

Ele abandonou a arma, soltando o punhal ele se afastou para não receber o golpe da menina que o atacava sem parar. Alissa ficava cada vez mais irritada conforme seus ataques fracassavam, mais uma vez tentou o apunhalar.

O ninja não se afastou do ataque dessa vez, pelo contrário, ele ficou imóvel, rígido como uma rocha e se defendeu. Habilmente ele segurou o pulso de Alissa e ao torcê-lo, fez a garota soltar a arma desarmando-a. Enquanto sua mão esquerda segurava o pulso, a mão direita deu dois socos no rosto de Alissa quase quebrando seu nariz.

Desnorteada, ela sentiu a barriga sendo atingida por um chute a fazendo cair de costas no chão. Tentou recobrar os sentidos, mas sem sucesso.

O que parecia ter durado segundos dentro de sua cabeça foi, no mundo real, tempo o suficiente para que outro ninja surgisse e a imobilizasse. Ela tentou fazer alguma coisa, mas o segundo ninja apertou ainda mais seu braço ameaçando quebrá-lo.

— Merda... —xingou irritada, como não o notou antes? Não era apenas dois? Talvez Kishi tivesse um pouco de razão, mas ela não iria admitir isso, ao menos, não naquele momento.

— Káká, olha o que temos aqui. Você não é uma moradora desta aldeia, não é? — Uma voz masculina disse.

Ela cerrou os olhos, movendo a cabeça com dificuldade tentou ver quem era, mas não conseguiu. O ninja que a imobilizou levantou o corpo dela a deixando de joelhos, de frente para um outro homem. Sua descrição era a mesma que Telo havia o contado.

— É você... Seu desgraçado!! — rosnou em fúria.

— Hum? Você me conhece? — Ele parou por um minuto e pensou em algo, depois voltou a falar. — O garoto. Káká, ele te disse sobre mim, não é mesmo? E mesmo assim você veio correndo, estava tão ansiosa para me encontrar.

Alissa cuspiu no rosto dele. Ele tirou um lenço de papel e delicadamente limpou aquele cuspe. Dobrando-o e guardando no bolso ele respirou fundo, tentando manter a paciência.

— Vadia! — Deu um forte tapa no rosto de Alissa. — Como ousa interromper os outros? Sabem quem eu sou? EM??!!

— Senhor Cicuta se acalme, o senhor irá perder o controle do-

— Não me dê ordens, seu soldado de quinta! — ameaçou o soldado que se calou. Dando as costas para Alissa, xingou seu soldado de todas as maneiras possíveis, um temperamento extremamente curto.

— Sim, eu sei quem você é... — O homem se virou para Alissa que estava de cabeça baixa. Ela levantou a cabeça e o encarou. — Um desgraçado que torturou uma criança, um grande pedaço de bosta igual a todos da Lótus Negra!

— Quem nós matamos? — interrompeu, deixando Alissa pasma.

— O... Quê?

— Já conheci várias pessoas com esse olhar, vingança com pequenas doses de raiva, sempre achei maravilhoso pessoas assim. — sorriu. — Káká, velhos que perderam seus filhos, crianças que perderam seus pais, irmãos que se separaram. Eu já encontrei muitos, você não é a primeira. Então, quem a Lótus tirou de você?

Os olhos afiados se tornaram cegos quando ela ouviu tudo aquilo. Ela não soube o que dizer.

— Foi a sua mãe? O seu irmão? Não, talvez tenha sido o grande amor da sua vida? — Alissa abaixou a cabeça, aquele homem percebeu que ainda não era isso, mas que estava perto, bem perto. — Seu pai?

As lágrimas não se aguentaram. Uma cachoeira se formou, gotas pingavam no chão, ela parou de tentar se soltar. Ele percebeu isso e deu outro grande sorriso. Alissa sentia aqueles olhos risonhos que se divertiam com seu sofrimento.

— Káká, acertei na mosca — caçoou dela, se abaixou e ergueu seu queixo. — Sabe qual é a maior diversão de ser um médico? É sentir a vida das pessoas na sua mão, controle absoluto! — Os dois ninjas ali presente engoliram em seco quando viram o que seu chefe retirou do bolso. Um pequeno frasco contendo um líquido cinza. — Káká, vamos nos divertir bastante, então diga: “Aah-”

Uma joelhada o atingiu. 

Quebrando o terceiro e primeiro molar, o corpo daquele velho foi lançado para longe. O frasco foi solto e rodou no ar. Em um giro, o homem que desferiu o golpe pegou o frasco e o jogou no rosto do ninja que estava atrás deles.

Quando o vidro do frasco atingiu a face do ninja, pequenos cacos de vidro acertaram o olho esquerdo, além disso, aquele líquido estranho se espalhou pelo ar formando uma grande nuvem de fumaça. 

Kishi acertou o ninja atrás dela que a segurava com um chute o nocauteando na hora. Libertada, Alissa caiu aos prantos no chão sem forças, ela tossiu por conta da fumaça.

— Você está bem? — perguntou. — Vamos sair daqui...

Ele jogou Alissa para o lado quando percebeu um ataque inimigo. Colocando seu corpo entre ela e o ataque uma kunai atingiu seu peito. Por mais que doesse, ele não se deixou abalar e retirou a kunai que fincava sua pele, seu ferimento iria se curar de qualquer forma.

— Desgraçado!!! — Segurando a respiração ele se acalmou e se concentrou. Sabia que seria impossível vencer um homem com tanta força sem usar o Ry.

Kishi ficou surpreso que seu ataque inicial não o nocauteou, mas com certeza o deixou desnorteado. Tudo o que ele precisava fazer no momento era desmaia-lo e fugir junto da Alissa.

Quando tentou acertar um soco, aquele homem jogou seu corpo para o lado e se esquivou. Ele continuou desferindo ataques, mas nenhum o acertava. Foi então que, sacando uma arma, Kishi recebeu no meio do peito um ataque.

O ataque não foi forte e nem letal, e caso fosse a regeneração do Noredan daria conta, ele então ergueu um braço para desferir outro soco-

Sua perna esquerda mexeu, fazendo-o perder o equilíbrio.

Sem entender, Kishi tentou mover a perna direita para não cair no chão, mas seu dedo mindinho da mão direita que se movimentou. Um segundo ataque em seu peito fez ele cair de costas no chão.

— Mas o que...?

— Esses olhos negros... Você é o noredan não é?  — Ele cerrou os dentes, havia lido o relatório, o noredan deveria estar morto.

— Não importa. — Kishi tentava mexer seus braços, porém sua cabeça que se movimentava. Seu corpo parecia fora de ordem e com vontade própria, o que estava acontecendo?

Enquanto tentava se levantar, os olhos de Kishi olharam as armas que aquele homem empunhava. Duas juttes, armas capazes de quebrar espadas. Aquele homem suava frio enquanto olhava para a nuvem de gás cinza e para os olhos negros de Kishi.

— Eu sou o general do sul da Lótus Negra, Cicuta, exijo que me fale como sobreviveu ao confronto contra Olú! — ordenou.

— Pouco me importa quem é você... — Finalmente recobrou o controle do seu corpo e conseguiu se levantar, mas seu corpo ainda não o obedecia completamente. — Eu não preciso te explicar nada, vou acabar com você!

Kishi tentou movimentar o braço e assim como o esperado sua perna se mexeu. Depois, movimentando a cabeça para a esquerda, seu corpo fechou os punhos e se estendeu para desferir um golpe. Ele finalmente começou a entender como aquilo funcionava.

Entretanto de nada adiantou. Cicuta desviou do golpe e rodando o corpo atingiu o queixo direito de Kishi com uma das juttes. Um golpe arrebatador seguido por mais três ataques das pontas da juttes.

Peito, ombro e barriga foram atingidos numa velocidade anormal. Enquanto o primeiro golpe foi forte e duro, os demais foram mais leves, o que era estranho. O verdadeiro problema surgiu quando mais uma vez o seu corpo o desobedeceu.

Kishi cambaleou para trás e dobrou um dos joelhos. Cicuta se preparou para outra série de golpes quando de repente sentiu seu corpo fraquejar. Ele cobriu a mão sobre a boca quando tossiu, a sujando de sangue.

Ele ficou desesperado.

— Droga! O veneno! — berrou desesperado para a nuvem cinza que já tinha se dissipado quase por completo. — Que merda! Que merda! — Ele começou a correr deixando o noredan para trás.

A dor no seu corpo era intensa, respirando de forma pesada e sentindo seus órgãos internos se cortarem, Kishi tentou levantar o braço esquerdo e foi a perna direita que se moveu. Seja lá qual fosse a habilidade dessa tal Cicuta era uma habilidade problemática.

Andando de maneira desgovernada e muitas vezes caindo de cara no chão, Kishi conseguiu chegar até o corpo de Alissa. Quando a tocou, notou que ela estava mais pálida que o normal, seus cabelos vermelhos perderam a cor também.

— Alissa? — disse. — Ei Alissa, acorde! — gritou mexendo no corpo dela, mas nenhuma reação. Até que ele se lembrou de Cicuta ter mencionado algo sobre um veneno.

Naquele momento lembrou de seu pai. Logo após curar o garoto ele disse que seus órgãos internos estavam destruídos, quase como se uma faca o tivesse cortado. Uma descrição perfeita para a dor que Kishi sentia agora.

Arregalou os olhos, Cicuta batia com a descrição que Telo havia feito sobre o líder dos homens que atacaram a vila. O próprio Cicuta se apresentou como um general da Lótus.

A ferida em seu peito, que a kunai de Cicuta havia causado no começo da luta, fez o sangue escorrer por sua barriga e pingar no corpo de Alissa. Ele não estava se curando. Kishi se lembrou de Hinahina.

Kishi se lembrou de Sekiro.

Kishi se lembrou de como era estar de cara com a morte.



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