Velho Mestre Brasileira

Autor(a): Lion

Revisão: Bczeulli


Volume 3

Capítulo 70: Acostume-se a não ter controle.

Tyler não acreditou no que via, ele tinha planejado friamente salvar Clare, mas no instante em que chegou, ela morreu.

A morte era uma velha companheira dele, seja na guerra, no trabalho ou mesmo em sua família…

Ele teve a mesma sensação de quando viu sua mãe morrer, tudo ao redor parecia estranhamente calmo e lento, era quase como se o tempo fosse parar e ele era apenas um expectador.

Os médicos e enfermeiros de plantão começaram a chegar e Tyler foi posto de lado, como num filme de terror ele apenas escutava as vozes dos médicos.

Quero uma injeção de adrenalina agora mesmo!”

Aqui!”

Desfibrilador pronto, afastar!”

biiip… biii…

Mais uma vez, afastar!”

biiip… biii…

Sem reação!”

Aumentem a dosagem!”

Afastem!”

biiip… bi…

“Sem, reação...”

“Confirme a hora da morte.”

“4:20 am.”

‘Como isso pôde acontecer? Eu estava tão perto...’ Tyler começou a se lamentar, ele tinha planejado tudo tão detalhadamente e agora seus planos se foram com a neblina da manhã.

“Calie!” Tyler lembrou-se de repente. ‘Será que ela viu?’ Ele perguntou-se.

Meio anestesiado pelo choque ele saiu da sala, encontrando a pobre moça sentada no chão chorando inconsolavelmente.

Agachando-se até ficar da altura dela, ele lutou para tentar falar algo, mas não conseguiu. Quando se olha através de uma perspectiva externa é muito fácil elaborar palavras de ânimo e encorajamento.

O problema de Tyler era que ele estava tão abalado quanto ela, ele não sabia se era porque tinha vacilado em seus planos de salvá-la ou se tinha criado uma ligação com ela e sua família.

“Por quê?” Calie perguntou sem levantar o rosto.

“Não sei… não sei...” Tyler respondeu para ela e ele mesmo.

“Ela queria muito te ver, ela perguntou sobre você antes de piorar.”

“Eu?” Tyler não entendeu nada.

“Sim, eu não sei o que vocês dois conversaram, mas ela só falava de você quando piorou.”

“Não entendo.” Ele suspirou.

“Ela só falava que queria ter certeza de que você cumpriria a promessa que fez a ela.”

“...” Tyler tentou lembrar-se da sua última conversa com aquela mulher.

“O que você prometeu?” Calie perguntou.

“Que cuidaria de você e da Mel...” Tyler de repente lembrou-se.

“Hum?” Calie ficou confusa.

Com essa revelação Tyler pensou no que aconteceu naquela UTI agora mesmo, antes de tentar dar o remédio para Clare ele fez questão de falar com ela.

‘Eu estou aqui agora...’ Foram essas as exatas palavras que Tyler disse quando falou com Clare, sem saber era quase como se ele tivesse dado a sua permissão para ela partir.

Ele também lembrou-se das palavras da Dr. Sara, Clare tinha resistido como uma guerreira, sobrevivendo apenas com sua força de vontade, ela queria apenas ter certeza de que Tyler voltaria e cumpriria sua promessa, que ele cuidaria da sua filha e da sua neta.

Aquele olhar… aquele sorriso… era uma despedida, era um alívio.

Como um soldado que é dispensado após cumprir com louvor sua missão, ela se foi, sem nenhum arrependimento.

Apenas um sorriso.

“Ela sorriu.” Tyler contou.

“Como?” Calie estava confusa.

“Eu disse que estava de volta, ela abriu os olhos, sorriu e depois se foi.”

“Mãe...” Calie irrompeu outra onda de choro.

“Ela estava cansada, eu fiz uma promessa a ela e vou cumprir, não se preocupe.” Tyler tentou confortá-la.

“Eu a quero de volta, quero minha mãe!!!” Calie esmurrou o peito de Tyler enquanto soluçava.

“Eu sei como dói, eu sei.” Tyler falou, nesse momento ele se lembrou do dia em que sua mãe morreu, seu pai morreu no local do acidente, mas sua mãe ainda chegou com vida no hospital.

Ele teve uma breve conversa antes de se despedir, ela tinha lhe pedido com suas últimas forças para que ele fosse feliz.

Quando se tornou mais velho Tyler não pôde deixar de pensar em como aquelas palavras lhe marcaram, talvez tenha sido essa experiência que fez ele agir de maneira tão peculiar nos anos seguintes, todo esse estudo era a procura de uma felicidade e um sentido de vida.

“É minha culpa, me perdoe.” Tyler falou quando não pôde mais conter as lágrimas.

“Como?”

“Ela só estava me esperando, quando cheguei, foi como dar permissão.”

“...” Calie não soube o que responder, apenas abraçou Tyler o mais forte que podia.

“Dr. Newman?” Tyler escutou a voz de Sara lhe chamando.

“Sim?” Ele perguntou levantando os olhos.

“Quer ir para um lugar com mais privacidade?”

depois de ouvir a médica Tyler se deu conta de que estava sentado no chão do corredor do hospital.

“Claro, vamos voltar ao quarto.”

Tyler quase teve que carregar Calie. Quando os dois chegaram lá, Calie se deitou no sofá onde a pequena Mel dormia.

Ali, mãe e filha se envolveram em um abraço forte e triste, Tyler teve certeza de que as duas já haviam tido uma conversa sobre isso, pois quando Mel acordou e viu sua mãe nesse estado ela chorou junto.

Deixando as duas terem o seu momento de luto em paz, Tyler foi conversar com a médica, ele a avistou sentada em um banco enquanto olhava desanimada para a fumaça escapando do seu copo de café.

“É sempre difícil.” Ela falou distante.

“Ver um paciente morrer, é também perder parte de você.” Tyler falou.

“Ainda não me acostumei com isso.” Ela desabafou.

“Você nunca irá, mas enquanto você se importar com cada morte é sinal que ainda é humana!”

“Como o senhor lida com isso?” Sara quis saber, cada médico lidava com a perda de seus pacientes de forma diferente, e talvez conversando com outro colega ela pensou que poderia arranjar um meio de lidar melhor com essas emoções.

“Minha primeira morte foi quando eu era residente, ela era uma senhora de idade, ela tinha uma saúde frágil e morreu de falência múltipla, ou seja, era o que a gente chamava de morrer de velhice, nunca pensei muito nela, mas depois disso fui médico de combate no Vietnã, aquilo era um inferno, homens com os quais eu treinava, suava, comia e dormia. Morriam nas minhas mãos, eu era o responsável por salvar as suas vidas, porém quase nunca conseguia salvá-los.”

“...” Sara ficou escutando enquanto ele falava.

“Aquilo era ridículo, às vezes tudo o que eu fazia era aplicar morfina, fazer um torniquete e passar cola instantânea na ferida. No meio de uma mata, é tudo o que se pode fazer, às vezes tudo isso debaixo de chuva e fogo inimigo.”

“Deve ter sido horrível, como o senhor superou?”

“Nunca superei direito, todo soldado não volta da guerra, mesmo os que retornam vivos. Recuperei parte de mim quando fiz um parto…” Tyler sorriu quando se lembrou da cena.

“Parto?” Sara ficou confusa.

“Sou clínico geral, ou seja, faço de tudo um pouco, você é oncologista e trata de pessoas com a morte bem próxima, nós tentamos lutar contra a morte, mas se eu pudesse voltar no tempo teria sido obstetra, eles lutam do lado da vida, quando você pega o recém-nascido e ele abre os olhos pela primeira vez na vida, há algo mágico naquilo… é puro, é lindo!”

“Já ouvi outros colegas falando isso.”

“Lidar com a vida é melhor que lidar com a morte, mesmo quando um pequeno se vai você sente menos, afinal não importa muito sua crença ou religião, todos creem que as crianças são puras e vão direto para o céu, isso deixa as coisas mais fáceis.”

“Acho que vou mudar de área.” Sara suspirou.

“Se você achar que é a solução.”

“Ela foi uma paciente exemplar, lutou até o fim.” Ela elogiou.

“Sim, foi...”

 

***

 

Tyler tinha cuidado de quase tudo no que dizia respeito ao velório, a mãe de Calie frequentava uma pequena igreja presbiteriana, seria lá onde os poucos amigos iriam se despedir dela.

A igreja tinha sido decorada com flores e o coral cantava. A atmosfera era bem aconchegante, dada as circunstâncias. Calie já havia se conformado e aceitado a nova realidade, depois de algumas conversas com Tyler ela pôde entender melhor que sua mãe estava descansando merecidamente depois de uma vida inteira de lutas. A saudade sempre ficaria, contudo a forma dela encarar tinha mudado.

Clare tinha o sonho de ser cremada e suas cinzas jogadas ao mar, devido às condições financeiras delas ela tinha certeza de que não teria esse sonho atendido, todavia Tyler tinha feito questão de pagar tudo.

Foi uma cerimônia simples e bonita, várias pessoas falaram suas últimas palavras à amiga, pelos diversos depoimentos Tyler pôde ter uma imagem melhor dela, e se lamentou de não tê-la conhecido antes.

Após aqueles mais íntimos se despedirem de Clare, Tyler levou ambas as mulheres de volta para casa.

Era a primeira vez que ele entrava na casa de Calie, era uma casa muito simples e pequena localizada no subúrbio. Apenas com um único olhar Tyler teve certeza de que elas tinham problema de aquecimento no inverno.

“Obrigada por tudo.” Calie falou depois de um tempo.

Os dois estavam sentados na mesa da cozinha e ela tinha lhe servido um café, sua aparência tinha melhorado muito nesses últimos dias, é claro que ela ainda estava triste e a todo momento as lembranças vinham fazendo-a chorar, mas o baque inicial já havia passado e ela se conformou, ainda que um pouco.

“De nada, eu vou ter que viajar, então passarei alguns dias sem vir aqui, contudo no momento em que eu retornar, venho para cá.” Tyler esclareceu.

“Ohh, sim claro, eu sei que você tem várias empresas e está ocupado cuidando delas, eu agradeço pelo tempo que perdeu conosco e por toda ajuda que vem dando.”

“Nunca mais diga isso...” Tyler suspirou.

“O quê?” Calie perguntou sem saber o que tinha feito.

“Você disse que eu perdi tempo com vocês, nunca mais repita isso.” Tyler tinha um olhar sério enquanto falava.

“Certo...” Ela assentiu sem jeito.

“Ainda está trabalhando como aeromoça?” Tyler quis saber.

“Depois de tantas faltas? Não vou nem me dar ao trabalho de ir atrás de saber...”

“Ótimo, agora você trabalha para mim, aqui está o celular para você falar com a empresa, aqui está o cartão corporativo e mais tarde será entregue o carro. Digamos que você ainda está de licença, mas quando eu voltar vamos trabalhar firme.”

“S… sim...” A moça não soube como responder corretamente.

“Enquanto não ajeitamos os detalhes como, salário e cargos, você tem 50.000 à disposição, todas as suas despesas domésticas têm que ser repassada para a firma, os detalhes serão respondidos mais tarde por telefone.”

“Minhas despesas domésticas?” Calie perguntou confusa.

“É padrão da empresa, não se preocupe.”

“...”

“Eu volto em 10 ou 15 dias, alguma pergunta?”

Na verdade ela tinha centenas de perguntas se amontoando na cabeça, mas por algum motivo ela achou que não era digna de perguntar.

Tyler se despediu e foi comprar algumas coisas antes de ir para sua prova na disputa pela coroa. Ele já teve uma ótima impressão quando serviu uma coca-cola gelada para aqueles nobres, Tyler pensou em qual seria o impacto de uma noite da pizza?

 



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