Um Tiro de Amor Brasileira

Autor(a): Inokori


Volume 2 – Arco 1: O Teatro das Mil Faces

Capítulo 10: A Espada de Flatwoods


【キ】【ス】【シ】【ョ】【ッ】【ト】

Após cerca de vinte minutos, a jovem misteriosa acordou e com a ajuda de Yume, caminham rumo ao destino de Cordelia.

— Eu agradeço por ter me ajudado, mas agora eu consigo ir sozinha para casa — diz a garota, mesmo com seus olhos profundos de noites sem dormir.

— Nada disso, afinal você disse que já estamos quase lá, não? — exclama Yume, com um sorriso de orelha a orelha, se pondo como apoio para a jovem.

— Você não é daqui certo? — questiona Cordelia, após um suspiro profundo — Moro aqui desde que nasci, conheço cada pessoa que morou ou ainda mora aqui, mas não consigo lembrar de você.

— Bem, você está certa, até onde sei, eu nasci no Distrito Urbano e passei grande parte da minha vida lá — Yume solta um leve gargalhar — lembrar de todos que moram aqui? Você é boa em guardar rostos senhorita Cordelia? 

Um silêncio raso predominou por alguns instantes enquanto ambas esperam o sinal ficar verde para a passagem de pedestres, mesmo em uma estrada do qual não há nenhum sinal de carro.

— Para falar verdade não, eu não consigo lembrar o rosto de sequer uma única pessoa, para mim é como se todos ao meu redor usassem Persona em suas faces.

— Persona?

Oh, perdão… — Cordelia faz uma expressão envergonhada — Persona é uma máscara utilizada em peças de teatro, tem esse nome pois do latim; “Per” significar através e “Sona” se resume a uma espécie de som.

— Parece que você gosta de coisas relacionadas ao teatro, né?

Cordelia inclina sua cabeça timidamente, parecendo procurar palavras corretas para responder tal questionamento, — Teatro e histórias são as únicas coisas que eu me importo que sobram depois de muitos anos…

— Acho que consigo te entender um pouco… mas se de fato você não consegue enxergar rostos, como você lembra de todos?

— Justamente pelo som… sendo mais precisa pela voz — ambas voltam a caminhar quando o sinal finalmente libera a passagem — as vozes, todas são abafadas pelas máscaras, mas depois de muito tempo é possível perceber as pequenas diferenças.

Ao atravessarem a rua, Cordélia para de caminhar frente ao que parece ser uma construção muito abandonada, sua parede tem uma cor vermelha convidativa, sobre suas janelas há tábuas bloqueando a visão do que quer que tivesse ali dentro.

— Isso parece um… 

Antes de concluir sua frase, Cordelia completa dizendo, — Um teatro? É porque realmente é, bom… talvez a sombra do que um dia foi um grande teatro.

— Esse lugar parece imenso… se estivesse bem cuidado seria lindo, por que ele fechou as portas? 

—  Há alguns anos houve uma pequena crise por todos os distritos… muitas coisas não conseguiram se manter em meio a todo aquele caos.

— Entendo… e por que paramos aqui?

— Não é óbvio? Eu moro aqui — Cordelia retira de um cordão de seu pescoço uma chave dourada levemente enferrujada.

Ela se afasta de Yume, colocando a chave na fechadura da porta, a destrancando em seguida. Ao abrir a poeira voa pelo ar, revelando em meio a escuridão um carpete vermelho clássico completamente sujo.

— Sério? Esse teatro realmente é seu?

— Uma herança herdada, um fardo que devo carregar até o dia da minha morte.

— Um fardo?

— Estou só brincando, eu amo esse lugar — Cordelia abre ainda mais a porta em um tom convidativo — venha, quero retribuir de alguma forma a ajuda que você me deu.

— Não, não, realmente não precisa, eu não ajudei esperando algo em troca — exclama Yume, balançando as mãos.

— Eu sei disso… mas deixe-me ao menos oferecer um chá.

Sem saber o que fazer, por impulso Yume aceita tal oferta, entrando no teatro antigo, tudo está escuro aparentando que o local não tem energia elétrica, além dos infinitos copos de macarrão instantâneo espalhados pelo chão.

Na sua frente, há centenas de cadeiras onde a muito tempo atrás deveria estar lotado de espectadores admirando algum espetáculo, naquele mesmo palco de madeira com cortinas com diversos buracos remendados com tecidos de diferentes cores.

— Desculpe a bagunça e a sujeira… normalmente ninguém entra nesse lugar fora eu e os fantasmas comilões — diz Cordelia, coçando levemente a nuca.

— Fantasmas? — questiona Yume, com choque em sua voz.

— Ratos, eles são os fantasmas comilões, não conseguimos os consegue ver, mas podemos ouvir — Cordelia com cuidado começa a caminhar rumo a uma porta ao norte do teatro que diferente de todo o restante do ambiente está claramente iluminado por uma luz led — por favor espere um segundo, pode olhar o que quiser, só tome cuidado, vou preparar um chá.

Yume mostra um sorriso de canto, começando a caminhar entre as fileiras de assentos, que diferente do carpete estão estranhamente limpos e abertos, como se uma multidão de pessoas tivesse se sentado recentemente sobre elas.

Foi então que ao se aproximar do palco, ela percebe que ao centro há algo estranho que lhe chama atenção, afinal ali existem vários equipamentos de cenário de alguma peça, tendo espalhados o que aparenta ser um sol de papelão, algumas nuvens e um cavalo feito de madeira que provavelmente os atores controlavam por fios as articulações para simular movimento.

E o principal… ao meio de tudo aquilo, uma espada presa a uma bola de argila pintada para simular uma pedra.

Com cuidado, Yume sobe sobre o palco, caminhando até aquela pedra, normalmente ela não ligaria para aquilo, no entanto existe algo estranho sobre a lâmina daquela espada que chamou sua atenção.

Diferente de todo o restante de itens de cenário, aquela lâmina parece realmente real e cintilante. 

Ela então fica de frente para aquela espada, do qual seu cabo é dourado com uma pequena pedra roxa ao centro que estranhamente emana um sentimento de que aquela espada realmente fosse mágica, então lentamente ela segura a espada pelo cabo, retirando daquela pedra falsa com extrema facilidade.

Mesmo sendo de fato metal, a espada aparenta pesar quase nada, leve como uma pena e polida como um diamante, ao ponto de que quando Yume olhou para seu fio, pode ver perfeitamente o reflexo de seus olhos azuis na espada.

— É como os Contos Arturianos — diz a voz gentil de Cordelia surgindo do mais profundo silêncio do momento, assustando Yume por alguns instantes.

Oh! Desculpe por tocar nas suas coisas…

— Não se preocupe — Cordelia acena negativamente com a cabeça, deixando duas xícaras de chá em uma pequena mesinha ao lado do palco, se aproximando de Yume lentamente — Achou bonita essa espada?

— Bem… ela realmente parece real. 

— De fato é real, tudo nesse teatro um dia foi real, mesmo que apenas fosse usado para encenações, eu podia sentir a magia… — Cordelia suspira, mostrando outro pequeno sorriso de nostalgia — uma espada lendária cravada em uma pedra, onde somente um verdadeiro herói poderia empunha-la, mesmo sendo tão clichê… não é lindo?

— Quando pequena, meu irmão amava histórias desse tipo, eu vivia lendo isso para ele, normalmente espadas assim tem um nome não? 

— Está correta, o nome dela é “Espada de Flatwoods”.

— Eu gostaria de ter visto essa peça de teatro no auge desse lugar… — Yume lentamente abaixa a espada, tentando colocar ela de volta em seu lugar.

— Não precisa devolvê-la, pode ficar para você, tenho inúmeras dessas nos camarins — diz Cordelia, se aproximando de Yume — considere um presente por ter me ajudado.

— Oh, de verdade Senhorita Cordelia, não precisa — exclama Yume, acenando para ela — além disso, seria estranho eu andar pela rua com uma espada que parece de verdade.

Cordelia gentilmente toma a espada de Yume, retirando do canto do palco uma bainha de couro colocando ela sobre a espada, em seguida retira alguns jornais antigos embrulhando tal arma como um pacote de presente.

— Agora ninguém irá estranhar — Cordelia volta até Yume estendendo o presente para ela.

Sem saber como recusar, Yume aceita a segurando com cuidado, mostrando um sorriso sincero de agradecimento.

— Você será bem vinda no meu teatro a partir de hoje Yume, como minha convidada, mesmo esse lugar cercado por fantasmas é meio solitário, adoraria ter sua companhia de vez em quando — diz Cordelia, envergonhada tentando desviar o olhar.

— Claro! Sou grata por me convidar.

Um sentimento estranho passou por Yume no mesmo instante que disse tais palavras, junto a uma brisa estranha que balançou as cortinas do palco mesmo sem ter sequer uma saída de ar por todo o local.

Ao olhar para Cordelia, Yume tem certeza que não encontra sequer um resquícios de energia divina vindo dela, seus olhos são estranhamento comuns, então ao menos que ela fosse um híbrido, não havia chances daquela jovem ser um Numen, mesmo assim algo incomodava muito Yume em toda essa história em meio a esse teatro abandonado.

— Err… Senhorita Cordelia, por acaso… você seria uma Numen? — questionou Yume de maneira brusca e seca.

Cordelia a encarou em silêncio pensativa, levando a mão no queixo por alguns instantes, — Numen você diz?

— Perdoe a pergunta repentina, mas… é estranho alguém viver nesse lugar sozinha, não estou dizendo que você é uma pessoa má… no entanto parece que você está se escondendo.

— Numen no latim significa “Filho de Um Ser Divino”, e com total certeza eu não estou nem perto de ser algo assim — responde Cordelia dando de ombros — acho que o mais próximo que sou de ser é um Rushifā, um demônio invejoso que não consegue fugir de sua própria prisão.

— Entendo — Yume sorri — desculpe a pergunta do nada novamente.

— Tudo bem, eu sei que eu posso ser estranha às vezes — Cordelia entrelaça os dedos, abaixando seu olhar.

— Na verdade, para mim você é uma garota incrível — Yume se aproxima, abraçando a garota por alguns segundos — Bem, eu preciso ir, o meu amigo que te falei deve estar sentindo minha falta.

Cordelia concorda, se despedindo da jovem garota que acabará de conhecer mas que tanto a ajudou, assim ao ver a porta do teatro de fechar após um último aceno de Yume, todo o teatro volta para seu fatídico silêncio em meio às sombras de todo o ambiente.

— Ela com certeza é diferente de todos… 

Com essas palavras, pequenos ruídos vindo das sombras começam a surgir, revelando um exército de roedores saindo de todos os cantos do teatro enquanto se aproxima rapidamente de Cordelia ainda em cima do palco.

Os ratos rodeiam ela, mas diferente do que se espera, Cordelia não parece ligar paras as pragas que aparecem por todos os lados, a ponto de que um desses pequenos ratos sobe pela roupa dela, parando em cima de seu ombro, em seguida saltando para a palma da mão dela.

— Senhor Kotohan… finalmente encontrei o meu herói.

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