Volume 2
Capítulo 151: A magnífica capital
Localizada a mais de dois mil quilômetros de distância da outra extremidade da Cordilheira dos Tesouros de Viço, à nor-nordeste, a capital do Império Dourado, Reluzente, encantava a todos com sua arte refinada, a arquitetura moderna que ainda assim respeitava o ensinamento dos ancestrais e a culinária rica, conhecida em todo o continente.
O que fazia de Reluzente a atual capital não era apenas o fato de que o castelo imperial se encontrava estacionado ali, junto dos membros principais da Família mais poderosa de todo o império. A cidade era, também, a maior de todo o Continente Central, com um número populacional que espanta estudiosos do assunto e causa choque sempre que uma atualização é feita.
Segundo os últimos dados coletados, no momento, mais de oito milhões de pessoas vivem na província que, todo o ano, recebe cerca de três milhões de visitantes. Embora não exista viagens completamente seguras para nenhum lugar, devido a motivos óbvios, a presença de numerosas empresas especializadas em proteção permite um tráfego constante e enriquecedor. Aqui, vale citar, a Seita Ebúrnea é uma das maiores competidoras do mercado.
Mas esse não é o assunto principal no momento.
O extraordinário número de pessoas fez com que, em um ritmo acelerado, faltasse espaço para abrigar tanta gente. E mesmo que fosse perigoso, o território aos poucos começou a avançar, permitindo o nascimento de imobiliárias e companhias focadas em construção. Porém, isso não foi tudo.
Comércios dos mais variados tipos surgiram ― sejam eles legais ou ilegais. A riqueza crescente atraiu organizações e pessoas de todos os lugares, incluindo de impérios e reinos diferentes.
Reluzente é sempre lembrada pelo que a fizeram surgir e crescer de maneira desenfreada. Muitos desejam se mudar para lá, em especial os mais jovens, pois a vida noturna agitada é um grande atrativo para os espíritos aventureiros. Contudo, ao mesmo tempo, tantos outros demonstram aversão ao fluxo interminável de ilegalidade que se abateu sobre a cidade do imperador.
Seja como for, a capital não representa apenas a riqueza invejável do Império Dourado, mas também a força extraordinária que habita o vasto território.
Enquanto isso...
Depois de vários dias viajando em uma carruagem luxuosa que à princípio se mostrou uma maneira confortável de percorrer uma distância significativa, Xiao Shui já não aguentava mais ficar dentro daquele veículo. A floresta havia sido deixada para trás fazia dois dias e a paisagem das árvores gigantes bloqueando a passagem do sol foi substituída por montes menores que compunham a Cordilheira dos Tesouros de Viço de um lado e um vasto campo do outro.
A mudança foi encarada por Shui com grande empolgação. Ela já estava começando a se sentir um tanto depressiva por causa do clima sombrio proporcionado pela floresta. O mesmo pôde ser dito dos demais que ficaram animados por receber a luz direta do sol sobre suas peles pela primeira vez em dias.
Poder enxergar e sentir o sol trouxe um novo ânimo ao grupo que passaram a pensar que enfim tinham feito algum progresso. Eles quase podiam afirmar que, se virassem ali, logo depois daquela rocha gigante, chegariam na capital.
Todos estavam exaustos e aguardavam o fim da excursão com ansiedade. Em certo momento, durante a jornada, Xu Xia e Xiao Chan chegaram a trocar de veículo, pensando que assim teriam algum espaço a mais para relaxar. Mas como o filho do 9º Ancião descobriu, o tempo passa mais rápido quando se tem alguém para conversar e os guarda-costas não eram muito bons em trocar palavras. A neta de Xu Gan foi a única que preferiu permanecer em isolamento.
Entretanto, a disposição gerada pelo sol não durou muito. Depois de oito horas ininterruptas, as expressões carrancudas voltaram a ganhar destaque. Além do mais, outro fator contribuiu para o mal-humor dos viajantes. Na pressa de chegar à capital, a caravana optou por um atalho que passava próximo dos morros mais baixos da cordilheira.
A estrada na floresta não era excelente e diversas vezes eles foram obrigados a reduzir a velocidade para contornar alguma imperfeição ou retirar um galho gigante do caminho. Contudo, depois que o grupo optou pelo atalho, tudo piorou. Os buracos se tornaram mais frequentes e o chão estava coberto de pedras que faziam os veículos chacoalhar sem parar. Naquela noite, ninguém conseguiu dormir muito bem enquanto os cavalos seguiam incansáveis, estimulados pela técnica dos cocheiros. A única exceção foi Xiao Ning.
O preguiçoso começou a dormir no instante em que deixaram a Cidade da Fronteira do Caos e não acordou desde então. Ele continuava lá, caído no assoalho, roncando e babando. No começo, aquilo não incomodou Shui. Mas depois de ter o humor afetado pela longa jornada, sua raiva cresceu e ela passou a cutucar o folgado para fazê-lo acordar. Porém, ele sequer resmungava.
O segundo dia passando pelo atalho foi ainda mais destrutivo para a Elemental do Gelo de cabelo azul. Estava tão exausta que nem mesmo conseguia sorrir ou manter os ombros retos. Suspiros exauridos eram liberados a todo o momento. Porém o pior foi quando passou a ter enjoos por causa do chacoalhar constante e sua cabeça girou em um ataque de vertigem.
Até então, essa viagem não estava sendo nem um pouco como ela havia imaginado. Não era empolgante, emocionante e nem perigosa. Qualquer ameaça que se atrevia a ignorar a Energia emitida pela grã-chanceler era logo repelida pelos guarda-costas. A paisagem também não foi nada exótica. A maior parte do tempo eles passaram cercados por árvores e agora era montanhas e pastos.
Entretanto, a principal frustração foi não ter uma oportunidade para se aproximar da Santa. Quando ainda estavam no território dos Xiaos, fantasiou muito sobre se tornar amiga ou quem sabe a favorita daquela mulher tão proeminente e maravilhosa, que apesar de ainda estar viva, possui livros de história citando seu nome e seus feitos.
Como poucas pausas eram feitas, ficava difícil se aproximar de maneira sutil. E mudar de carro apenas para se sentar perto da Santa parecia muito desespero e uma atitude patética.
Incapaz de esconder a frustração, Xiao Shui estava sentada ao lado da janela, olhando para o lado de fora. Com a testa franzida e a respiração pesada, ela olhava o cenário ordinário sendo engolido lentamente pelas trevas. O sol já havia se escondido atrás da Montanha Ancestral de jade ― que de maneira espetacular ainda podia ser vista daquele ponto ― e aos poucos o céu era tomado pelo tom alaranjado do entardecer. Em breves segundos a noite se materializaria por completo.
Pensar que passaria mais um dia amargo dentro da carruagem, balançando igual a um barco ― apesar de nunca ter estado em um ―, era frustrante de muitas maneiras.
Entretanto, ela não tinha outra coisa para fazer; o assunto com seu irmão havia acabado. Por tanto, continuou admirando a paisagem natural que, em outras circunstâncias, seria bela.
Mas então, uma mudança fantástica fez com que a jovem de dezesseis anos se levantasse e colocasse metade do corpo para fora da janela.
À medida que seguiam uma curva acentuada, imposta por uma elevação na estrada, de repente uma mudança no cenário aconteceu, quebrando a monotonia imposta pelos longos campos e montanhas. De longe, uma cidade gigante, com proporções nunca testemunhadas pela jovem, surgiu. Tão extenso era o território que os olhos de Shui não podiam alcançar a outra extremidade.
Mesmo existindo traços do astro incandescente no céu, era possível enxergar o brilho intenso de lanternas a milhares de metros. O formato das casas e dos prédios longos ganharam destaque em meio a um vasto terreno desnivelado. No centro da cidade, existia um rio largo que serpenteava entre as estruturas e em certos pontos desaparecia atrás de um edifício colossal. E por causa dele, arcos de uma ponte monumental se destacavam dos telhados altos, que eram empurrados para o segundo plano.
Do lugar em que estavam, ainda não dava para ver os detalhes mais proeminentes. Contudo, a empolgação de Shui ao ver a capital foi tanta que ela não conseguiu se controlar.
― Pelos Deuses! ― exclamou, emocionada. ― É tão grande e brilhante! Olha, Gege. A gente chegou. Dá para ver as pessoas andando nas ruas daqui. É muita gente. Olha! É muita gente. Olha o tamanho daquele prédio! É maior que o lugar em que fica o Lorde da Cidade.
― Deixa eu ver. Arreda pra lá. ― Apesar de já ter estado ali e conhecer bem o local, Xiao Chan partilhou da empolgação da irmã de enfim chegar à cidade.
Por outro lado, o 5º Ancião, Xiao Qiao, continuou sentado em seu lugar. Também ficou feliz por estar perto de encerrar a jornada, mas, por causa de seu trabalho, já sabia que estavam pertos.
Xiao Shui preferiu deixar o Ancião de lado, mas quando a euforia do primeiro momento passou e escutou o ronco do dorminhoco, não conseguiu se controlar.
― Anda logo. Acorda! Você está perdendo isso. ― Sentindo-se motivada a acordá-lo, ela o balançou de um lado para o outro e aumentou o tom da voz.
― O que foi? O que foi? ― Com a cara amassada e os olhos inchados, Xiao Ning ergueu a cabeça de repente, surpreendendo a amiga que precisou agir rápido para não ser atingida pela nuca do desajeitado. ― Eu consegui? Pequei? ― parou por um segundo, ainda sonolento: ― Mijei na roupa?
― Não é isso, seu nojento. A gente chegou.
― Mas já? Rapaz, passou rapidinho.
― Para você! ― repreendeu Shui, de cara feia. Estava encantada com a visão, porém suas costas ainda doíam.
Cambaleante, Ning se ergueu e tropeçou duas vezes antes de conseguir se apoiar em alguma coisa. Ele bocejou, esfregou os olhos e quando enfim percebeu o que estava acontecendo, avançou em direção a janela e espremeu Shui no canto.
― Uau! ― exclamou com os olhos brilhantes, um sorriso nostálgico e a voz arrastada. ― Sabe, da última vez em que estive aqui, sentia tanto medo que não consegui aproveitar nada. Passei o tempo todo em um abrigo e dois dias depois o lugar foi destruído.
― Ainda está sonhando, é? ― zombou a garota.
― O vovô Ning é um sujeito inspirado ― Xiao Chan tinha um sorriso divertido no rosto.
― Ah! Se for para acontecer um apocalipse, que não seja enquanto estou aqui ― choramingou Xiao Qiao, sentindo arrepios percorrer por todo o corpo.
A partir desse ponto, a conversa se tornou mais animada. Tanto Ning quanto sua colaboradora continuaram empoleirados na janela, assistindo a mudança na paisagem.
A carruagem terminou a curva e subiu por um morro íngreme. Em seguida, desceu através de uma ladeira extensa e cercada por relevos desiguais. E foi nessa parte que a cidade desapareceu.
Depois disso, a caravana continuou avançando por estradas inacabadas e esburacadas. Até que por fim eles viraram em uma bifurcação e voltaram para a via principal. Não foi muito depois disso que eles enfim alcançaram a entrada de Reluzente.
Diferente da Cidade da Fronteira do Caos, a capital não se encontrava cercada por muralhas gigantes ou algum tipo de proteção rudimentar para impedir a entrada de Bestas Demoníacas. Logo na chegada já era possível encontrar uma densidade grande de casas apertadas uma ao lado da outra e diversas pessoas andando pelas ruas e calçadas.
Se Shui não tivesse aprendido a usar o Sentido Espiritual e passado pelo primeiro Despertar, acharia muito estranho a negligência desse lugar com a proteção. Contudo, apesar de não ser uma habilidade perfeita, ela podia sentir que a maioria das pessoas eram cultivadoras e muitas delas tinham o cultivo maior que o seu próprio.
Eles ainda estavam na periferia e isso a fez se perguntar como é o centro urbano.
A caravana diminuiu de velocidade e avançou pelas ruas movimentadas da grande capital. O sol havia partido e a noite se levantou, mas a escuridão não a acompanhou. Mesmo sem lua, a província brilhava tão esplendorosamente que os mistérios de cada beco e esquina não permaneciam escondidos.
De ambos os lados das largas ruas que compunham a metrópole ― a qual permitia a passagem de dois veículos tanto na via da esquerda, quanto na da direita ―, existiam postes que ligavam fios prendendo as lanternas responsáveis pela iluminação. Nas casas, as luzes eram projetadas pelas janelas, dando às moradias simples que compunham a periferia um charme particular e notável.
À medida que seguiam, mais brilhante e vibrante a cidade se tornava. O tom dourado projetado pelos objetos luminosos passava uma instigante sensação de luxuria e euforia. Era como se as luzes convidasse as pessoas a se tornarem mais elas mesmas, despertando-as apesar de ser a hora de se abrigarem e dando-as a coragem para começar uma nova aventura.
Além das lanternas alegres, outro evento notável era a balbúrdia que se espalhava pelo céu noturno e ecoava entre as casas de uma maneira marcante. Embora fosse um dia comum, era como se um grande festival estivesse acontecendo. O incessante falatório combinado com o barulho de carruagens, cavalos, gritos e estrondos desconhecidos, provocavam uma cacofonia desagradável que deixava os sentidos auditivos desnorteados.
Ainda pendurados na janela, Xiao Shui e Ning encaravam as transformações visuais e auditivas com grande encantamento e perturbação. Entre os dois, a primeira era a que estava mais fascinada. Seus olhos brilhavam tanto que ofuscava a luz das lanternas. Seu rosto achava-se aberto em um magnífico sorriso pueril, carregado de sonhos e inspirações. Cada mudança arrancava suspiros e arquejos jubilosos que vinham acompanhados de muita empolgação.
O velho Alquimista, por outro lado, estava acostumado com metrópoles e toda a agitação proveniente de uma civilização populosa. Entretanto, a nostalgia de estar em um lugar que era ao mesmo tempo tão familiar e estranho para suas memórias o impedia de manter a postura.
A caravana foi avançando e, a despeito de terem chegado em Reluzente, levou cerca de trinta minutos para o grupo deixar a periferia e entrar nas profundezas da capital. Nesse ponto, as casas foram substituídas por construções extraordinárias que aos olhos dos mais inocentes parecia impossível de existir.
A maioria dos prédios que compunham essa parte da cidade possuía em torno de quarenta a sessenta metros de altura. E isso, por si só, representava uma escalada em padrões que Shui sempre pensou serem mentiras contadas pelo pai. Cada uma das construções eram magníficas e colossais, com dezenas e até centenas de janelas nas fachadas. O visual era tão poderoso e fantástico que deixou a filha do Ancião petrificada enquanto olhava para cima.
Entretanto, a cena se tornou ainda mais irreal quando um majestoso edifício com mais de 250 metros de altura ganhou destaque entre os demais, podendo ser visto à distância por causa da iluminação intensa que era projetada por ele.
Ao ver aquilo, a jovem de cabelo azul, que costuma ser severa com o Alquimista, perdeu por completo a compostura e quase caiu para fora da carruagem. A caravana estava avançando em direção ao prédio mais alto da capital e isso a deixou eufórica.
Nas ruas, próximo ao centro, o fluxo aumentou de tal maneira que as pessoas se empurravam para ganhar algum espaço nas calçadas. As estradas estavam ocupadas por um tráfego interminável de carroças, carruagens, charretes e outros meios de transporte.
Tudo isso obrigou a caravana a diminuir o ritmo e avançar lentamente em direção à multidão crescente.
Passou-se mais de uma hora dentro da cidade quando o grupo enfim se aproximou da imponente torre que ganhava os céus da capital. Naquele ponto, Xiao Shui percebeu que se decidisse sair sozinha para saciar a curiosidade chegaria na construção, a pé, em poucos minutos. Mas ela preferiu não fazer isso.
Xiao Ning também estava muito surpreso com o edifício, porém pouco impressionado. Apenas não se lembrava de tê-lo visto na vida passada. Entretanto, suas memórias daquela época não serviam para muita coisa. Afinal, quando chegou em Reluzente, a primeira coisa que fez foi correr para um abrigo.
Todavia, outra coisa despertou o seu interesse.
Enquanto avançavam pelo que parecia ser de fato a região central, uma rua comprida se destacou entre todas as outras. Logo ficou evidente que não se tratava de um distrito comercial. A avenida se encontrava banhada por uma luz vermelha marcante, placas informativos penduradas em frente a fachada das “casas” traziam desenhos eróticos e andando entre as charretes luxuosas que chegavam a todo instantes, mulheres belas e trajando roupas provocativas podiam ser vistas exibindo sorrisos convidativos.
― O que é esse lugar? ― questionou o Alquimista com os olhos arregalados. ― Aqui é...
― Ah, é melhor ficarem longe daqui ― alertou Xiao Qiao que, ainda sentado, espichou a cabeça para checar do que se tratava. ― E, por favor, não contem para minha esposa que a gente passou perto dessa rua ― estremeceu todo conforme sua expressão ficava pálida.
― Dizem que esse é um dos lugares mais violentos e imorais da cidade ― acrescentou Chan, sentado na outra ponta da cabine. ― As pessoas daqui não gostam muito dessa área por ficar bem no centro da cidade.
Xiao Ning ficou em silêncio por um instante, encarando as luzes vermelhas. Então, ele entreabriu a porta do veículo ainda em movimento e falou:
― Esperem um segundo. Eu vou ali checar uma coisa rapidinho e já volto.
Porém, antes que o atrevido conseguisse escapar, Xiao Shui o agarrou pela gola e o jogou no banco ao lado do irmão.
― Você não vai sair! ― repreendeu, elevando o tom. ― Acha que eu não sei o que está planejando?
Daquele ponto em diante, a garota autoritária decidiu ficar de olho no Alquimista para impedi-lo de fazer alguma bobagem. Ning, por sua vez, achou que apenas arranjaria confusão se insistisse no assunto. Dessa forma, preferiu acompanhar a mudança de paisagem pela janela enquanto aguardava chegar no destino final, o que não demorou muito depois disso.
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