Um Alquimista Preguiçoso Brasileira

Autor(a): Guilherme F. C.

Revisão: Dante


Volume 1

Capítulo 56: Ações imediatas

No caminho de volta para casa, Xiao Ning se deparou com uma ocorrência inusitada. Não muito longe das Arenas de Combate e Treinamento, encontrava-se uma grande aglomeração de jovens cultivadores. Eles pareciam agitados enquanto conversavam, alguns falavam com voz elevada, tentando sobrepor o burburinho, outros acenavam sobre a cabeça, chamando a atenção dos colegas mais distantes.

O conteúdo da conversa, apesar de parecer previsível depois da reunião que tinha acabado de acontecer, nada tinha a ver com Pílulas Espirituais ou Alquimistas. É claro, aqui e ali era possível ouvir um comentário perdido mencionando a revelação surpreendente feita pelo Patriarca, mas no geral, as palavras mais comuns que escoavam das bocas dos jovens eram: “Jades Elementais”.

Ao que parece, estavam todos reunidos ali para falar sobre o cristal minerado pela Família.

― O que está acontecendo? ― perguntou Xiao Ning, demonstrando curiosidade.

― Eles estão trocando as Jades Elementais que receberam ontem pelo esforço durante o treinamento e as aulas. ― respondeu Xiao Shui, a qual já estava acostumada com o evento. ― Você nunca participou desse tipo de troca? ― questionou, surpresa.

― Eu acho que nunca recebi um salário sequer nessa Família. ― disse Xiao Ning, que tentou buscar uma lembrança relacionada a isso em sua memória, mas nada lhe veio à cabeça.

― Não me surpreende. Afinal, para receber um salário é preciso ao menos tentar cultivar ou retribuir de alguma forma.

― Mas por que eles estão fazendo tanto alarde por causa de Jades Elementais? A menos que sejam artesãos ou algo semelhante, não vejo qual utilidade teria para elas. ― Para Xiao Ning, tais cristais eram úteis apenas para uma função, que era ser transformados em Frascos de Jade usados para guardar coisas, tipo: pílulas; poções; medicamentos e outros.

― Jades Elementais também servem para aumentar o cultivo. ― informou Xiao Shui. ― Para alguém que sabe tanto de Ervas Espirituais você deveria saber de algo tão básico. ― zombou, com um sorriso provocador.

― Isso é verdade, mas a Energia Espiritual contida nelas é tão baixa que mesmo duzentas Jades não equivale a uma única Pílula Espiritual Inferior. ― retrucou Xiao Ning, defendendo a ineficiência do objeto. ― Além do mais, não explica por que eles estão trocando uma Jade Elemental por outra.

― Bem, isso também é verdade. ― concordou Xiao Shui. ― Mas o que eles realmente querem é o outro benefício gerado pelas Jades Elementais.

Nesse ponto, Xiao Ning olhou curioso para Shui. Não entendia muito bem ao que ela estava se referindo.

E percebendo sua curiosidade, ela continuou:

― Você sabe que quando um cultivador “Desperta”, existe a chance de ele ou ela despertar também como um Cultivador Elemental, certo? ― Isso, Xiao Ning sabia muito bem.

Quando um cultivador avança para o Reino do Despertar, existe algo muito raro que acontece em alguns casos. Embora não se tenha uma explicação exata para este fenômeno, algumas pessoas despertam o que é chamado de Evolução Elemental.

A Evolução Elemental ocorre quando a Energia Espiritual presente na Essência, a fruta da árvore de Anima (responsável por usufruir da Energia Espiritual absorvida), é convertida em um dos elementos naturais, que são eles: Água; Fogo; Terra; Ar; Relâmpago; Escuridão; Planta e Gelo.

Uma vez que um cultivador desperta um desses elementos, ele passa a ser conhecido como “Cultivador Elemental”, uma existência capaz de interagir livremente com aquilo que foi despertado.

Suas habilidades também sofrem uma evolução e, no geral, o cultivador em questão passa a usar apenas técnicas relacionadas ao elemento despertado, pois o poder delas são aumentadas de maneira espantosa, quando trabalham em harmonia.

Por exemplo, um Cultivador Elemental de Fogo usa Técnicas de Combate Elemental do tipo Fogo.

O Bafo do Dragão de Xiao Ning é um bom exemplo disso, pois não apenas é uma Técnica de Combate do tipo Fogo, como também, se fosse usado por um Cultivador Elemental, seria bastante poderosa; o poder poderia até mesmo dobrar, num primeiro momento.

É claro, isso não é uma regra, somente uma escolha visando aquilo que mais o beneficiará.

Vendo por esse lado, não era surpresa que os jovens cultivadores estavam trocando suas Jades Elementais, já que o cristal citado é conhecido por conter a essência dos elementos, algo capaz de influenciar na Evolução Elemental.

No entanto...

― Mesmo assim, as chances de algum deles conseguir despertar um elemento são terrivelmente baixas. ― comentou Xiao Ning, olhando de lado, assistindo os jovens se empurrando, gritando e sacudindo sacos de cânhamos contendo Jades Elementais.

― Pode até ser ― concordou Xiao Shui. ― Mas é por isso que eles trocam Jades apenas com o elemento que querem despertar. As minas da nossa Família produzem em especial Jades da Terra e Jades de Planta. Por isso também, quem não quer despertar nenhum desses, negociam os cristais em troca de moedas ou alguma Erva Espiritual.

Hm... então é assim que funciona... ― murmurou Xiao Ning, entendendo a lógica por trás de suas ações, mas, ainda assim, questionando a eficiência. Nunca foi um grande entusiasta nesse sentido, portanto, não podia fazer muitas afirmações a respeito do assunto. ― E você, não quer Despertar, não? ― perguntou à Xiao Shui.

― Bem, eu gostaria de me tornar uma Cultivadora Elemental da Água ― confessou. ― Mas se isso tiver que acontecer, acontecerá. Ao invés de ficar perdendo tempo nisso, prefiro focar no meu treinamento.

Conforme seguiam falando das trocas realizadas pelos jovens cultivadores, Xiao Ning e Xiao Shui aos poucos voltaram para casa.

Enquanto isso, embora os membros da Família estivessem tendo dificuldades para digerir a notícia transmitida pelo Patriarca, a novidade já havia viajado muito além das fronteiras do território dos Xiaos. Aqui e ali era possível ouvir um falatório intrigante, sendo sussurrado nos cantos, passando de boca em boca até chegar nas outras três Famílias, que governavam a Cidade da Fronteira do Caos.

Passando entre os largos corredores de uma suntuosa construção localizada nos arredores do centro da cidade, encontrava-se um homem alto, de barba feito e olhar endurecido. Ele caminhava com a dignidade de um governante, peito estufado, cabeça erguida e passadas curtas, porém, firmes.

Em suas costas, uma capa de cor bordô decorada por um arabesco prateado de vinha de três pontas com uma fruta em cada extremidade representando: Essência, Poder e Soberania; drapejava sem muito vigor.

O homem cruzou um corredor, virou a direita e continuou firme em seu curso. Até que ouviu uma voz ofegante, vinda de trás, chamando-o em euforia.

― Lorde Zhan Tengfei! Lorde Zhan Tengfei! ― Esganiçava a voz, tentando chamar o Patriarca da Família Zhan.

Em toda a cidade, Zhan Tengfei era considerado o homem mais prestigiado de todos. Com o cultivo na 2ª Camada do Reino Soberano do Despertar, ele era visto como o mais forte entre os Patriarcas das quatro Famílias; o único que havia conseguido se tornar um Soberano, afinal. E, além de seu cultivo, detinha também o título de “Lorde da Cidade”, uma posição elevada que o garantia privilégios no momento de tomar decisões envolvendo a Cidade da Fronteira do Caos.

― Qual o problema? ― rufou o Lorde Zhan Tengfei, com uma voz áspera e cortante, parando no meio do corredor e se virando para trás.

O homem que vinha correndo, ofegante, aflito, louco para contar o que havia descoberto, logo começou a passar seu relato. De uma única vez, cuspindo as palavras para fora, o mensageiro transmitiu os últimos acontecimentos envolvendo a Família Xiao ― falou do Alquimista, das pílulas e de todo o resto.

Ouvindo o relato, o Patriarca Zhan estreitou os olhos e permaneceu em silêncio por um breve instante. Em seguida, murmurou com uma voz pensativa:

― Então foi por isso que Enlai mandou reunir toda a Família Xiao para uma reunião... ele conseguiu um Alquimista. ― E tornou a se perder em um silêncio calculista. Por fim, levantou a cabeça e ordenou. ― Vá e reúna os cinco Anciões! Se a Família Xiao de fato conseguiu um Alquimista, ainda mais um capaz de criar Pílulas Espirituais, a hierarquia na Cidade do Caos será abalada.

― Sim, senhor. Irei imediatamente. ― resfolegou o mensageiro, com sua voz agitada de costume. Ele se virou, preparando para partir...

― Também, envie alguém para tirar o Supremo-Ancião de seu cultivo isolado. ― acrescentou o Lorde Zhan Tengfei.

Recebendo suas ordens, o mensageiro não tardou em partir em busca de repassar o recado.

O território da Família Qin ficava dentro das bordas externas da Floresta das Mil Perdições. Não existia nada que impedisse os monstros de adentrarem a área habitada pelos Qins, por esse motivo, havia uma divisão no modo como as moradias eram dispostas.

Os mais fracos, aqueles que eram apenas Mortais e não praticavam cultivo e os mais jovens, que ainda estavam no Reino Mundano, ficavam nas zonas externas, próximos da muralha protetora do caos, fazendo divisa com a cidade. Conforme o nível ia aumentando, mais perto do interior da floresta as casas iam ficando.

No geral, de maneira resumida, existiam três zonas: A Zona Bonançosa, próxima da muralha e sempre calma; a Zona do Interposto, que era habitada por cultivadores no Reino do Despertar; e por último, a Zona da Tormenta, localizada mais fundo na floresta e era ocupada por cultivadores do Reino Virtuoso e acima.

A Família Qin era constantemente invadida por monstros. Não havia um só dia que se passasse sem uma Besta Demoníaca adentrar em seu território. Mas isso não era algo ruim, pois através do combate contra as bestas que os membros treinavam suas técnicas e provavam suas proezas em batalha. Fatalidades eram inevitáveis, porém se provavam aceitáveis se isso significava mostrar aos outros que para sobreviver precisava ser forte.

E neste momento, em uma área distante da cidade, nas partes mais afastadas da Zona da Tormenta, uma mulher de cabelos grisalhos e feições duras, de rosto pouco sociável, caminhava sem muita pressa, enquanto os dois homens ao seu lado passavam um relatório urgente.

Aquela era a líder da Família Qin, Qin Annchi, uma cultivadora do Reino Espirituoso, presa há mais de cinquenta anos na 6ª Camada. Não vestia nada de extravagante e nem gostava. Uma roupa simples, que a permitisse se mover com liberdade em batalha era tudo que precisava. Em cada um dos pulsos, achava-se um bracelete de pano verde, marcado pela figura de duas espadas cruzadas, bordadas em linha branca, espadas essas que significavam coragem e determinação.

Coragem e determinação para entrar em uma batalha sem escudo, apenas portando suas armas.

E apesar de possuir mais de trezentos anos de idade, Qin Annchi se provava ser uma guerreira feroz. Poucos em toda a Cidade da Fronteira do Caos tinham coragem de enfrentá-la.

― Um Alquimista, hm... ― murmurou a Matriarca da Família Qin, após terminar de ouvir o relato dos dois homens. Sua voz era envelhecida, porém não tremia. Mantinha-se firme e incisiva. ― Nunca imaginei que aquele Patriarca indulgente fosse obter um apoio tão impressionante. A própria existência de um Alquimista já é suficiente para abalar qualquer Seita ou Família deste império e um capaz de criar Pílulas Espirituais... ― contemplou por um segundo. ― Qin Hai, reúna os Anciões. Acho que seria prudente termos uma reunião.

Após receber a ordem da Matriarca, um dos homens logo se afastou. Encontrar os Anciões não seria difícil, pois eles viviam ali mesmo, na Zona da Tormenta.

― Qin You! ― disse a Matriarca Annchi, chamando o outro. ― Faça com que os membros da Família não falem sobre o assunto. Depois encontre quem sabe a respeito disso na cidade e convença-os a manter a boca fechada. Se algo sobre isso se espalhar, pode ser ruim para a Família Qin; perderemos influência. Além do mais, se as grandes Seitas descobrirem, pode acabar causando uma agitação incontrolável na Cidade do Caos.

E com isso, o segundo homem partiu.

Ambas as Famílias Qin e Zhan estavam agitadas após a nova descoberta envolvendo os Xiaos. Para eles, isso significava uma quebra na hierarquia e uma desvantagem para o futuro de suas Famílias e mais importante ainda, um eminente risco para toda a população.

Contudo, eles não eram os únicos agindo.

A Família Xu possuía um território que cobria uma grande parte da Montanha Ancestral de Jade. Entretanto, as casas em que os membros residiam ficavam no limiar da cidade, formando uma vila povoada. As partes mais afastadas eram preservadas no intuito das novas gerações terem um lugar seguro para coletar Ervas Espirituais, afinal, o número de Bestas Demoníacas ali era expressivamente menor, se comparado à floresta.

O Salão Ancestral, lugar em que presidiam as reuniões mais importantes, ficava na parte central da vila. Lá era onde os Anciões se reuniam para discutir assuntos da mais alta importância. E hoje estavam todos presentes.

O Salão Ancestral era uma abóbada colossal, sustentada por pilastras de pedras que pareciam ter sido cinzeladas direto na rocha. Do lado de dentro, o teto possuía um formato de domo e o telhado era apoiado por vigas arqueadas que se estendiam de uma ponta a outra. O chão era de um branco puro, constituído a partir do quartzo. E nas laterais, encontravam-se treze estátuas em escala real de homens e mulheres fazendo poses graciosas, intimidadoras, imponentes, calmaa.

E no fim do extenso recinto, existiam sete assentos esculpidos em rocha pura, dispostos sobre um altar branco. Os assentos em questão seguiam o mesmo estilo do restante da câmara, estavam organizados um atrás do outro, afastados, começando pelas bordas, na distância de um metro, formando assim um semicírculo. E a cadeira no fundo, a qual se encontrava mais afastada de todas, possuía um encosto elevado, que passava dos dois metros de altura. O trono era largo e estofado com um veludo violeta. No entanto, a estrutura em si era feita de pedra, desde a base, até o topo. Os braços eram duros, grosseiros e pedregosos, feito seixos pouco polidos.

Entretanto, o que mais chamava a atenção no lado de dentro era uma bandeira fincada atrás das sete cadeiras, pois representava a única decoração ali que não parecia estática, sem vida. O estandarte passava dos sete metros de comprimento,  confeccionado a partir de um tecido de tom violeta cujas bordas se faziam marcadas por fios dourados e no centro viam-se dezesseis estrelas brancas, cada uma representando a ascendência de um antigo e importante Patriarca e Matriarca ― apenas as existências mais primorosas eram costuradas ali.

O Salão Ancestral, no geral, ficava vazio. Em dias comuns era frequentado somente pelas pessoas responsáveis por manter a limpeza. No entanto, hoje, uma ocasião especial surgiu, um evento extraordinário havia acontecido e como consequência, os sete assentos estavam preenchidos. No mais distante e imponente de todos se localizava um homem de expressão solene e sobrancelhas grossas.

A Família Xu, das quatro, era a que vinha sofrendo o maior decaimento nos últimos tempos. Por seis gerações, seus membros sofriam de uma grande depreciação no cultivo e isso fazia dela a única que não possuía um Supremo-Ancião sequer.

Com o atual Patriarca não era diferente. Xu Jian, apesar de ser o mais forte da Família, estava apenas na 2ª Camada do Reino Espirituoso. Ele era um homem ocupado, vivia dizendo, não tinha muito tempo para cultivar, precisava gerir os negócios.

Porém, apesar do decaimento dos últimos tempos, os mais velhos, que adoravam dizer: “esse tipo de coisa acontece”, acreditavam que a sorte mais uma vez estava do seu lado, pois a Família havia produzido dois jovens cultivadores gênios.

No presente estado, eles podiam ser considerados a mais fraca das quatro, mas detinham o direito de se gabar de ser a única a possuir dois jovens talentos no Reino do Despertar. Um deles já havia até mesmo alcançado a 2ª Camada, embora tivesse apenas quinze anos de idade e era também o atual campeão do Festival da Geração do Caos.

Os Anciões da Família Xu adoravam discutir sobre o quão incrível eram seus pequenos gênios que, igual a fênix, reviveria a glória da Família. Contudo, eles não estavam ali, com todos os Anciões presentes, para discutir sobre a benção dos Xus e o futuro brilhante à frente. Existia um assunto diferente, mas de extrema importância que precisavam debater. Um Alquimista tinha surgido e não estava muito longe.

Foi por esse motivo que uma reunião havia sido organizada com urgência no Salão Ancestral e sem demora, todos os seis Anciões compareceram.

Sentado em seu assento, com o rosto apoiado sobre o punho fechado e o cotovelo escorado no braço de pedra da cadeira, o Patriarca Xu Jian olhou de lado, para encarar um homem velho de cabelo grisalho e barba prateada, que se encontrava sentado mais à frente, na sua direita.

― Ancião Gan, você realmente não sabe nada sobre esse assunto? ― questionou o Patriarca, com um olhar inquiridor.

Xu Gan, o 4° Ancião da Família Xu e também avô de Xu Xia, ex-noiva de Xiao Ning, balançou a cabeça, fazendo sua longa barba ondular, afirmando não saber de nada.

― Eu não ouvi qualquer rumor que pudesse indicar a relação da Família Xiao com um Alquimista. O Patriarca Enlai conseguiu guardar bem essa informação. ― admitiu ele, deixando escapar um sopro derrotado; parecia ter envelhecido alguns anos.

― Agora que você foi e desfez o acordo de casamento, será difícil voltar atrás. ― tornou a falar o Patriarca Xu Jian. E o Ancião Gan ficou calado, não retrucou. ― Bem, antes de tomarmos qualquer ação, precisamos ter certeza de que a notícia não é falsa. Xu Xia já está vindo?

― Sim, Patriarca. Xu Xia já deve estar a caminho. ― respondeu o Ancião Gan, assentindo com a cabeça.

― Muito bem. Veremos o que ela tem a dizer.

 


Niveis do Cultivo: Mundano; Despertar; Virtuoso; Espirituoso; Soberano do Despertar; Monarca Místico; Santo Místico; Sábio Místico; Erudito Místico.

 


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