Ultima Iter Brasileira

Autor(a): Boomer BR


Volume 1

Capítulo 26: Chegada Remanescente

 

[Incis Katulis]

 

— O que diabos foi aquilo?

Enquanto subíamos os degraus do salão principal da mansão, a pergunta assustada de Jack ressoou entre os arredores.

Passos. Passos. Passos.

Ele, que subia atrás de mim se aproximou de maneira brusca. Uma de suas mãos sempre sobre o corrimão.

— Incis... — o jovem tentou tocar meu pulso, mas eu me virei fixando o olhar sobre seu rosto pálido, seus olhos sem vida, profundos como dois buracos negros.

Mesmo ele estando a alguns degraus abaixo de mim eu pude perceber sua faceta meio amedrontada, porém ao mesmo tempo preocupada.

 Que coisa, mesmo depois de me preocupar tanto, Jack estava agora exigindo de forma repulsiva, mas era compreensível depois daquele ataque que eu tive.

“Você é quem me deve respostas aqui garotinho ingrato!”, pensei meio enraivecida para no fim controlar minha leve fúria com um suspiro.

— É uma... longa história. — fechei meus punhos com um pequeno desconforto sobre esse assunto.

Jack franziu as sobrancelhas no que suas olheiras se retorceram suavemente. — Hm. Ah, m-me desculpa... eu fui repulsivo de novo. — ele desviou o olhar com uma expressão cabisbaixa.

Talvez o jovem havia percebido quem realmente merecia explicações aqui.

Dando um pequeno suspiro eu voltei a subir a escadaria para a parte superior do salão principal, um belo tapete vermelho me acolheu.

— Não é como se eu estivesse realmente com raiva de você Jack, mas eu quero que me explique por que fez essa loucura, eu disse que queria te dar uma vida pacífica aqui.

Jogando esse argumento para o garoto com roupas de camponês atrás de mim, eu finalmente subi o último degrau sendo agraciada pelo novo cenário que penetrou meus olhos.

Uma grande porta dupla de madeira totalmente escancarada, que almejava do lado de dentro um colossal cômodo com mesas e cadeiras. Havia lâmpadas douradas do teto, cortinas carmesins e um tipo de palco no centro de tudo.

— E-eu posso explicar, mas por que viemos pra cá? — perguntou Jack ao me alcançar.

O som de alguns dos empregados arrumando talheres sobre as mesas, andando pra lá e pra cá abafou um pouco a voz dele.

“Que estranho, tem poucos criados hoje, talvez tenham ficado doentes no mesmo dia?”, fiz um rosto meio abobado hipnotizada pelos ternos pretos e gravatas dos mordomos e empregadas.

“Droga, por que estou pensando nisso? Eu preciso descobrir pra onde foi meu pai, preciso saber se Zakio achou mais sobreviventes em Leycrid, preciso...”

— Incis.

Huh? Ah, s-sim...

Meu coração acelerou no leve susto com a voz rouca de Jack tirando-me do mar de pensamentos caóticos.

— Andei reparando nisso, você não parece tão bem ultimamente, Incis. — O garoto desviou seus olhos sem vida de mim e sua voz ficou mais fraca. — Olha, foi mal. Eu sei que fiz merda, mas é que...

— Eu já disse, não é sua culpa Jack, não precisa ficar pra baixo por coisas assim. — o respondi com um tom de voz acolhedor.

No mesmo instante que a sua voz culpada tentou pedir meu perdão senti-me obrigada a impedir Jack de continuar e virando meus olhos para ele eu apoiei uma mão sobre seu ombro.

Nossos olhos se encontraram de forma estranha.

“Ah! Que droga! Eu não consigo, mesmo que eu tente ser rígida com ele parece que... eu só não consigo.”, praguejei a mim mesma mentalmente enquanto observava o rosto triste de Jack ficando meio avermelhado.

Na verdade, eu sabia bem o motivo do porque meu coração se tornar tão mole perto de pessoas como ele, melhor, perto do Jack em específico.

Diante dessa face constrangida e sua voz enfraquecida, eu podia ver o reflexo de alguém em Jack, uma pessoa que no passado foi muito importante pra mim... alguém que eu tentei proteger com todas as minhas forças, mas falhei.

Esse era o motivo da minha empatia.

— Eu quero apenas que me dê uma breve explicação daquele tal duelo e... bom, talvez eu possa responder suas perguntas depois também.

— Entendo, obrigado Incis.

Jack me deu um olhar meio dolorido, mas ao mesmo tempo agradecido.

Com isso, nós passamos pela porta dupla totalmente escancarada e pisamos pela primeira vez no salão de festas.

O lustre dourado no teto, o chão de cerâmicas brancas e lisas iluminado pelas paredes ladeadas de janelas.

— Que lugar doido... — comentou Jack observando os grandes pilares que continham máscaras de baile esculpidas.

— Sim. Não há como ninguém nos interromper aqui, dificilmente usam esse cômodo da mansão, pode ver que tem alguns funcionários aqui e ali, mas nada que incomode tanto.

— Va-vamos conversar então?

— Claro, sente aqui.

Eu calmamente puxei uma cadeira para meu convidado que timidamente se aproximou e sentou-se, fiz o mesmo ao arrodear a mesa.

Respirei fundo antes de cruzar meus dedos sobre a mesa, tentando manter minha compostura ao máximo.

“Ok, esvazie sua mente Incis, não estamos em uma situação complicada ou coisa assim. Por hora, apenas use disso pra se distrair um pouco e entender melhor o Jack.”

Com isso em mente eu levantei minha voz.

— Acredito que é óbvio do que vamos falar aqui Jack, então peço que seja sincero comigo.

Hm, sim. — Ele desviou o olhar levemente. — A Beatrice falou que você fez uma proposta de que se eu derrotasse ela em um duelo, e-eu poderia entrar pra guilda.

— A Beatrice, — Fiquei um pouco surpresa. — pela minha reação já deve ter percebido que isso não é verdade.

— E-Exatamente. Por isso eu pedi desculpas.

Com esse desfecho deveras curioso eu senti minha respiração se acalmar e minha mente aliviar.

“Então era isso. É bom saber que é algo simples assim, mas também não é 100% de chances de ser apenas isso.”, cogitei levando a mão ao queixo.

Fixando minha atenção diretamente nos olhos negros de Jack eu abri um pequeno sorriso. — Viu? Não precisa ficar se culpando sempre assim, muitas vezes são apenas enganos.

Hm. De qualquer modo, por que fez tudo aquilo com a Beatrice? E-eu estava indo bem lá, eu ia ganhar.

Escutando essa declaração insegura pude ter toda a certeza que Jack nem em sonhos venceria Beatrice.

Seu estilo de manipular armas brancas era sofisticado e ágil, treinada na academia daqui mesmo em Gilly ela estava no seu auge apenas com 12 anos.

O senhor Nidrik se orgulhava do quão poderosa Beatrice poderia se tornar e no futuro talvez até virar uma membra honorária da guilda, porém sua personalidade orgulhosa acabava com todas essas expectativas. No fundo eu sabia que ela era uma boa garota.

“Se eu demorasse mais um pouco ela poderia realmente tê-lo machucado seriamente.”, torci meus lábios com esse pensamento desconfortável.

— Eu confesso que peguei pesado, mas não é como se eu pudesse controlar isso. — respondi um pouco tensa ao olhar para a palma da minha mão.

Jack fez uma expressão meio confusa arqueando suas sobrancelhas e permanecendo em silêncio.

— É que eu... sou meio-vampira.

 

[Zakio Sperr]

 

A tarde já estava no seu fim e o por do sol se esvaía entre os muros e prédios do continente de Gilly.

Por trás da janela transparente eu observei o grande casebre Blazeworth e rescotei-me melhor no banco do passageiro.

“Aquele moleque realmente sobreviveu? Ainda não entendi por que Incis faz tanta cerimônia por causa dele”, pensei ao voltar minha atenção para a motorista.

— U-Uau, é bem grande mesmo. — disse a garota de cabelos curtos com as mãos no volante.

— Sim, mas não é como se nós nunca tivéssemos visto nada do tipo, lembro-me que quando eu morava em Ataraxia um avião colossal do império bombardeou todo o local. — comentou o homem de olhos prateados e cabelo escuro sentado ao meu lado, Renard.

Eu apenas continuei em silêncio voltando meus olhos para os borrões em movimento das casas, prédios, lojas e pedestres passando em alta velocidade.

— Akira, você não acha que está acelerando demais? — Renard indagou para a garota no banco do motorista.

Uh... b-bom, temos que chegar logo, sem contar que não parece ter uma alma viva mesmo nessa hora. Ninguém vai dizer nada se não virem nada.

— Ela tem razão, Renard. Seria um problema se os cidadãos descobrissem que a família Blazeworth tem contato com uma guilda considerada um grupo de terroristas.

Hm. Se o capitão Zakio diz então tudo bem, é que a bateria dos veículos Vyer costumam esgotar muito rápido quando se deslocam de um local para o outro em altas velocidades.

Com esse pequeno fato dito por Renard, minha mente começou a se distrair um pouco.

“É verdade, temos poucos veículos Vyer na guilda, grande parte foram engolidos pela explosão em Leycrid, mas... se até veículos não foram poupados por que ainda sobraram sobreviventes? Aquela explosão foi basicamente a distorção de toda a energia Vitalis em um local só, os veículos Vyer são movidos pela energia retirada do planeta, mas nós os modificamos para carregarem com energia Vitalis.”

Em meio ao meu mar de pensamentos eu voltei a atenção para Akira, no banco logo afrente, que continuava a dirigir em alta velocidade mesmo com uma face serena.

A Katana embainhada apoiada sobre seu colo passava pela pequena abertura entre os dois bancos da frente.

O reflexo irritante do sol que caía sobre essa maldita bainha durante grande parte da viagem, foi engolido pelas sombras dos arranha céus.

Novas fontes de iluminação começaram a nascer pelas ruas, postes com cristais reluzentes ascendiam.

— Chegamos.

Com o anúncio de Akira o veículo parou de forma brusca, logo em frente ao portão desnecessariamente enfeitado.

Havia um grande brasão de metal sobre grades pontudas de cor dourada, moitas em formatos de espadas acompanhavam a calçada sendo tingida pela luz esbranquiçada dos postes.

É sério, só de olhar pra essa casa que mais se parecia com um castelo eu sentia uma raiva florescer, já que era um lugar complicado demais para compreender apenas olhando, isso me dava uma leve dor de cabeça.

Nós nem sequer hesitamos em abrir as portas, saindo do carro e sendo tomados pelos suaves ventos do anoitecer que escorriam entre as ruas e os becos.

— Já fazia um bom tempo que eu não via esse lugar. — Renard fez um olhar determinado em direção a grande mansão que nos aguardava depois do portão.

— Quem diria que na minha primeira missão eu seria o motorista e ainda... viria junto com os mais fortes! Que empolgante He-He! — Akira fechou a porta soltando um tom de voz eufórico e um sorriso corajoso.

— Não se empolgue tanto, não viemos aqui para fazer grandes feitos, sem contar que você não tem um Vitalis. Acho que sua espada vai ter que esperar para sair da bainha, Akira. — adverti ela ao regular a minha gravata.

— N-Não seja tão duro capitão Zakio... — ela apertou sua Katana contra o corpo com uma face insegura.



Comentários