Volume 1
Capítulo 25: Motivação Ridícula
[Incis Katulis]
Meus olhos estavam doendo, meus músculos doloridos e minha cabeça sofrendo de uma dor chata, porém eu não podia parar.
Mesmo depois de uma semana, nossas buscas por informações sobre o desaparecimento do meu pai não haviam dado nenhum fruto. Como a filha do líder da guilda eu tinha que continuar, tinha que descobrir quem estava por trás do ataque terrorista que destruiu metade da nossa cidade e onde estava meu pai.
Tap! Tap! Tap!
Meus dedos se moviam de maneira histérica sobre o teclado. Os olhos cansados tentando focar no monitor.
— E-eu sei que não deveria me intrometer, mas não acha está se esforçando demais?
A voz fina que tirou o meu foco repentinamente era de Neth, um jovem pesquisador que já demonstrava muito talento na área dos estudos sobre a energia Vitalis.
— Eu sei... mas é que... — rangi meus dentes travando as palavras na minha garganta, — é difícil. — completei ao fechar os punhos em frustração.
— Eu entendo, além de toda aquela loucura ainda tem o mestre Kaylleon que apenas sumiu do nada, eu estou tentando achar pistas sobre o paradeiro dele, mas não há nada, nadinha. — respondeu Neth ao tirar seus óculos redondos e coçar seu cabelo azul marinho em descontentamento.
O ar dentro do laboratório de pesquisas estava cada vez mais pesado, e de certa forma desconfortável. Os outros pesquisadores que apenas olhavam calados de canto e voltavam para seus afazeres, talvez eles só achavam essa situação conturbada demais para se intrometerem.
“O que eu devo fazer então?”
Fiquei definitivamente perdida e com essa única questão sobrando em mente.
Numa tentativa de desestresse eu desviei meu olhar da tela do computador e me recostei melhor na cadeira.
Eu fui vislumbrando lentamente cada minucioso detalhe do laboratório de pesquisas da família rica Blazeworth, para no final apenas perceber que... não havia escapatória.
Estantes gigantes de mármore escuro com uma imensidão de livros; Capas de várias cores e logos trazendo uma confusão instantânea para minha mente, somadas da leve iluminação amarelada dos seguimentos de lâmpadas no teto, criando vários círculos de luz sobre o chão ladeado em pequenas pedras lisas.
“Caótico”, foi a única coisa que me veio à mente vislumbrando esse cenário tão cheio de informações.
— Quantas horas são, Neth?
Eu voltei meu olhar para o garoto pálido de cabelo azul escuro.
— Ho-Horas? Ah! S-são... — Ele rapidamente jogou sua atenção para o monitor de seu computador. — São 2 horas em ponto senhorita Katulis.
— Hm. Duas horas.
Fiz uma expressão meio desacreditada com a quantidade de tempo que fiquei aqui, sentada na frente dessa tela brilhante não conseguindo nada em troca.
— Dê uma pausa senhorita Katulis, você nem almoçou.
Com uma face tímida Neth me ofereceu um pequenino pedaço de comida no prato em sua mesa.
— Ah, não. Não precisa se preocupar comigo Neth, muito obrigada, e-eu acho que vou apenas...
Minha voz entalou de novo.
O cansaço era tanto que eu mal conseguia juntar mais palavras direito, mas mesmo assim ainda dei um sorriso para ele.
O jovem pesquisador me observou um pouco inquieto enquanto eu me levantei da cadeira dando um leve suspiro.
— Vou comer algo lá embaixo e tomar um banho, amanhã podemos continuar. Obrigada mesmo Neth. — eu dei leves tapinhas no ombro dele que desviou o olhar como reação.
— D-De-De nada. — respondeu Neth com suas bochechas corando de maneira gritante.
Sendo sincera, eu só não havia parado ainda por causa dele.
Apesar de ser muito tímido Neth era um ótimo garoto, sempre muito gentil e esforçado no que fazia, ele era o pesquisador perfeito para me ajudar nessa, porém se nem ele estava conseguindo quem mais poderia?
Pensar nisso me trazia um leve pânico.
“É verdade, tem ele também.”, minha mente sofreu um leve estalo ao me recordar de Jack.
— Bom, eu vou indo agora Neth, se cuida. — dando um aceno amigável em conjunto de um belo sorriso para o jovem pesquisador, eu me retirei do laboratório.
— A-até mais se-senhorita Inci... digo, Katulis!
Ele era fofo demais, ao contrário de Jack que tinha uma timidez mais deprimente de se ver, me enchia de medo saber que Jack estava cogitando entrar pra guilda.
Mesmo agora, depois de diversas pessoas que faziam parte da minha vida terem sido varridas da realidade ele ainda queria se por em perigo, apenas por teimosia, por uma culpa que não era dele. Isso era angustiante, eu não queria que mais pessoas morressem, eu não queria ter mais um laço se esvaindo sem eu sequer conseguir lutar para protege-lo.
Eu havia conhecido Jack a pouco tempo, mas ele foi uma das poucas pessoas que eu pude salvar enquanto o resto se foi.
Eu fui tola demais, deveria ter feito algo, mas usei a dor como desculpa.
“É por isso que você não deve entrar pra guilda Jack, eu quero que fique aqui, quero pelo menos proteger você, eu q-quero acreditar que eu não perdi tudo ainda!”, eu disse a mim mesma internamente.
Meus passos ecoando pelo laboratório.
Passos. Passos. Passos.
Chegando até o primeiro andar eu dei de cara com Nidrik que estava estranhamente aflito. Suas pupilas, ambas de cores distintas, reviravam o salão principal.
Ele também estava acompanhado de dois empregados que tentavam acalmá-lo.
— A-algum problema?
— Oh! Senhorita Incis! Graças, o senhor Hartseer, ele não deveria estar descansando a essas horas?
— Sim, por que a pergunta?
Eu fiz uma expressão desentendida quando escutei a pergunta com um tom preocupado dele.
O senhor Nidrik levou a mão ao queixo com uma expressão meio enrijecida, tentando conter sua clara preocupação.
— Tenha seu próprio vislumbre da situação, senhorita Katulis.
Com isso dito ele virou a expressão desconfiada para uma das grandes janelas ao lado da porta de saída e caminhou até ela acompanhado de mim.
— Ma-mas o que? — arregalei meus olhos assustada.
A imagem por trás da fina camada de vidro translúcido era de um lindo jardim, moitas em formatos de escudos e espadas.
A imensa fonte jogando água para cima e moldando pequenas ondas banhadas pela luz solar.
No meio disso tudo haviam duas figuras caóticas, trocando ataques entre si numa euforia que permeou por todo o jardim.
Impacto! Impacto! Passos! Passos!
Jack balançava sua espada de madeira desesperadamente no que um vulto esbranquiçado lançava ataques sobre ele.
[Jack Hartseer]
Aqueles pequeninos punhos eram tão poderosos quanto eu imaginava.
Podiam empunhar duas adagas grandes como essas, mesmo que ainda fossem de madeira elas eram rígidas e pareciam pesadas.
Pude sentir isso pelos impactos da lâmina de marmore colidindo contra minha espada também de madeira. Eram ataques ferozes que não combinavam nem um pouco com a figura responsável por eles.
Seu cabelo divido entre duas cores, turquesa e rubi, era preso por duas mechas que esvoaçavam entre cada um dos balanços das duas adagas.
A garotinha riquinha, filha de Nidrik que conheci quando fiz aquele Tour na mansão agora assemelhava-se há um daqueles lobos brancos, ágeis e vorazes que me atacaram quando cheguei a esse mundo.
Movimentos flexíveis e oportunistas.
Rajadas de vento cortavam o ar na minha direção. Meus braços a tremer tentando não soltar o punho da espada.
— Gh! — Rangendo os dentes eu tentei avançar, mas logo em seguida a pequena adaga foi lançada por baixo dos meus braços, acertando em cheio meu peito.
— Kya-Ahaha! Sinta o poder da filha de sangue primordial! Beatrice Blazeworth! — se vangloriou a pentelha de vestido branco ao girar suas adagas de mentira ao redor dos pulsos.
Meu corpo foi levemente para trás quase caindo, mas eu não podia recuar, eu tinha que provar que estava apto pra entrar na guilda!
“Merda, essa riquinha do caralho!”, a praquejei mentalmente ao instabilizar meus pés sobre o chão deixando-os firmes.
— E-eu ainda posso!
Gritando qualquer coisa que pudesse dar um pingo de motivação a mim mesmo, avançei na direção de Beatrice.
Meus passos firmes fizeram sons ríspidos sobre a grama e meus braços se levantaram lançando um ataque vertical com a espada.
Vuuush!
O pedaço de madeira cortou o vazio de cima para baixo segundos depois da garota se esquivar com um leve pulo para a direita.
— Lento demais Kuku!
Ela lançou uma investida com a ponta de sua adaga direita. O objeto pontudo viajou poucos metros como se fosse uma flecha.
Eu apenas senti o impacto da ponta de madeira colidindo contra minha costela direita. Uma correnteza pulsante de dor aflorando.
— Gargh! — Soltei um gemido de agonia com minha visão ficando turva.
Os ventos, o calor do sol provido pela tarde e o som do nosso duelo brumindo entre as folhas, troncos e arbustos.
“Eu... sou fraco demais.”, um pensamento de insatisfação e frustração expandiu-se pela minha mente quando meu punho fraquejou quase soltando a espada.
Meus batimentos cardíacos ficaram cada vez mais agitados no caos desse fracasso.
“Se você me vencer em um duelo, a senhorita Incis disse que poderá aceitá-lo como um membro da guilda Kukuku!”
As palavras arrogantes de Beatrice resoaram na minha cabeça, fazendo-me ver o quão ingênuo eu era.
Só que... eu não queria isso, não queria ser fraco, ingênuo e muito menos ficar vivendo nessa mansão de merda sem fazer porra nenhuma, apenas sustentando o pesar da minha culpa dia após dia.
Por isso, eu estava me esforçando.
— Gh! AAAAAAAAH!
Soltando um grito de angústia perante minha própria fraqueza eu apertei o punho da espada quase caindo da minha mão para lançar sua ponta rígida na direção do meu oponente, como uma lança.
Jogando meu corpo de volta para frente ao pegar impulso nas minhas próprias pernas, foi como um pulo que me impulsiounou uma corrida desajeitada e desesperada.
Ventania!
A ponta da “lâmina” roçou na bochecha da garotinha de mechas coloridas.
— Heh? Está realmente tão empenhado nisso? — Zombou ela em um tom sinistro e em seguida jogou-se levemente para o lado.
“Não, não, não! Não posso perder ainda!”
Cerrando meus dentes e negando minha falha eu girei meu corpo para a direita junto com a lâmina de mentira que cortou os ventos como uma navalha curvada.
Foi como se eu estivesse dando uma tacada sinistra em um jogo de Baseball.
Meu corpo dolorido, a transpiração e o medo somado da teimosia que continuava fazendo-me seguir com essa ridicularidade.
Agaichando-se abruptamente, fios de cabelo no topo da cabeça de Beatrice balançaram para o lado demonstrando sucesso total na sua esquiva contra meu golpe.
— Lento, lento! — exclamou ela lançando sua adaga direita na direção do meu queixo, tipo um gancho.
Com meu corpo totalmente exposto ao contra-ataque dela, em meio ao desespero tentei me lembrar de como era o treino com a senhorita Hordrik, apesar de ter praticado pela primeira vez hoje.
“Seja rápido, não importa se não consegue manusear sua arma direito, pelo menos faça de uma forma que te dê mais confiança, só assim isso vai te ajudar a controlar a síndrome de Tenebris e talvez... a se defender também, duvido disso, mas é verdade.”
As palavras frias e pouco motivacionais da empregada fumante repetiram-se na minha mente.
Eu precisava ter mais confiança, precisava ser menos lerdo!
— Merda! — Com essa leve descarga da motivação eu lancei minha mão livre para aparar a adaga de madeira.
O material rígido colidiu com meu pulso e jogou descargas de dor estridentes pelo mesmo.
— Tch! Acabou.
Estalando sua língua e fazendo uma expressão de nojo Beatrice apenas forçou a adaga para cima empurrando minha mão para desbloquear o caminho até minha face.
Com a sua segunda adaga na mão esquerda ela atirou uma poderosa estocada almejando o meio da minha face.
A arma de marmore quebrando os ares como uma bala.
Seu pequeno corpo avançando com um suave impulso das sapatilhas negras quase me fez acreditar que ela não era apenas uma garota mimada, mas também uma cavaleira orgulhosa e mestra na arte da lâmina, assim como nas histórias que eu lia.
“Porra! Eu não quero perder!”
Numa última tentativa de revidar puxei minha espada de madeira brutamente para frente, arrancando algumas folhagens de arbustos próximos junto.
Farfalha! Farfalha!
Os galhos e as folhas embolaram-se em minha arma para no final se retorcerem sendo lançadas sobre o rosto de Beatrice, direto nos seus lindos olhos cor carmesins.
— Huh?! — Ela franziu as sobrancelhas por um segundo, mas isso só ascendeu um fugor ainda maior em seus olhos.
Corta!
Com apenas um poderoso e violento corte na diagonal a adaga de madeira quebrou os galhos e amassou suas folhas no ar.
— Que distração inútil. — disse ela flexionando os joelhos e logo em seguida dando um leve pulo em conjunto de um giro.
O que veio na direção do meu rosto novamente não eram mais as duas adagas que eu estava familiarizados, mas sim sua sapatilha negra que destruiu os ventos como um meteoro e curvou-se no ar igual uma serpente sedenta.
“Não dá mais. Esse é o meu patético limite.”
Aceitando minha derrota eu apenas fechei meus olhos esperando o impacto bruto contra minha face.
Foi então que uma sensação estranha se expandiu pelo meu corpo. Uma correnteza de ventos uivaram ao meu redor e os tecidos simples que eu vestia balançaram-se violentamente.
Abrindo os olhos segundos antes de cair sentado na grama eu vi algo inacreditável.
— Gah! Uh! S-Solte-me!
Meus olhos se arregalaram logo quando a voz expremida de Beatrice penetrou meus tímpanos.
Minhas pupílas tremiam com o que as penetrou.
Uma armadura negra somada de duas ombreiras e uma pequena calça Jeans que realçava grossas cochas e curvas de um quadril definido, cabelos negros que dançavam com os ventos violentos e por fim, um par de olhos dourados reluzindo em uma energia da mesma cor.
Incis, ela havia interrompido o duelo e estava segurando Beatrice pela sua delicada mandíbula afundando as unhas na pele lisa e pálida da garotinha sem dó nem piedade.
— Chega disso.
A voz da mulher sorridente que tentava sempre me botar pra cima desde minha chegada a esse mundo agora soava fria e assustadoramente ameassadora.
Um vapor carmesim subia ao redor da silhueta de Incis no que Beatrice apenas esperneava debatendo-se na tentativa de se soltar do aperto firme.
— Ughn! T-tia Incis! Desculpa!
“Mas o que caralhos tá havendo aqui?”, o caos se formou em minha mente.
Cada célula do meu corpo estremeceu com o arrepio sinistro expandindo-se das minhas costas e cobrindo toda minha pele.
Meu coração tava quase pra sair pela boca, puta que pariu, eu tava diante da morte ou de algum ser diabólico prestes a seifar minha alma!
Minha respiração densa foi se acalmando, porém continuei sentado ali, imóvel com o medo que pairou sobre mim.
“Essa... é mesmo a Incis?”, foi a única coisa que me veio a mente.
— Guh! tia I-Incis! — Gritou a garotinha de mechas coloridas com seu corpo dando tremeliques de dor e sua mãos agoniadas.
Eu pude ver veias pulsando na mão de Incis que afundava as unhas cada vez mais firmemente no queixo de Beatrice.
Puf!
Uma fumaça prateada eclodiu pelos arredores, ocultando tudo que eu podia ver.
— Mil perdões senhorita Katulis! Mil perdões! Foi de extrema ingenuidade pensar que isso tudo era parte de um dos treinos do senhor Hartseer!
Uma voz arrependida e um tom reservado ressou entre a nuvem esbranquissada que foi se desfazendo, quando percebi, logo ao meu lado estava de pés totalmente ereto o nobre loiro de cabelo longo, Nidrik.
— Ve-Veja, ele não sofreu nenhum ferimento grave acalme-se senhorita Katulis! — continunou ele ao se agachar perto de mim com uma face assustada.
Ainda em choque eu voltei a atenção para a mulher erguendo a filha de Nidrik, ela apenas soltou Beatrice que caiu sobre a grama com um som oco parecendo um trapo velho.
— Ah!
A garotinha tentou se erguer com um dos joelhos apoiados no chão, porém seu corpo estremecia e sua face demonstrava a pura submissão diante de algo mais poderoso que ela, seu orgulho moldou-se em uma face insegura com lábios tremendo e olhos medrosos.
— Ugh... — Incis levou uma das mãos a sua testa, seus ombros relaxaram e sua aura avermelhada sumiu.
“Que merda foi essa?!”, o terror me consumiu.
Beatrice realmente estava se parecendo com um Boss difícil, mas Incis se parecia com o Boss final agora.