Ultima Iter Brasileira

Autor(a): Boomer BR


Volume 1

Capítulo 27: Passado De Sangue

 

[Incis Katulis]

 

Eu costumava ter uma vida tranquila, como de qualquer outra garota, vivia em uma cidade chamada Sumytrha com meu pai e minha mãe.

Eu era filha única.

— Mas foi então que aquilo aconteceu. — meu tom de voz se tornou mais sério, mesmo que eu não quisesse amedrontar Jack que escutou atentamente e logo tomou um leve susto com isso.

Uma noite fria, que poderia ter sido normal, como qualquer outra, mas a lua estava vermelha, da cor de sangue. Era assustador.

Porém, esse não era o único elemento que fazia parte do show de horrores. Quando me dei conta estava tudo banhado pelo líquido carmesim.

O cheiro de ferrugem, o clima pesado dentro daquele quarto e as minhas mãos tingidas de sangue.  

Eu mal conseguia dizer alguma coisa, aquilo era demais pra uma garota de apenas 5 anos... só que... quem tinha feito isso? Por que? Onde?

Foi aí que eu percebi que esse mundo é muito pior do que qualquer pesadelo que eu pudesse experienciar não era como aqueles contos de fadas que eu lia.

Estava ali, na minha frente, a pura carnificina.

O silêncio consolava a noite fria enquanto a lua carmesim refletia no sangue escorrendo entre meus pés.

Eu tentei fugir dali, era um pesadelo, eu estava certa disso, entretanto quando empurrei a porta percebi a verdade.

Meus amigos, os irmãos dos meus amigos, suas famílias, os vendedores, as faxineiras, os agricultores, carpinteiros, guardas, todos estavam mortos.

No meio daquela rua escura repleta de cadáveres ensanguentados estavam 5 pessoas, todas vestindo trajes negros repletos de cintos e zíperes, cada um usava uma máscara negra que ocultava apenas seus olhos, como mascaras de um baile macabro.

Meu coração estava pra pular pra fora e meus olhos eram como nascentes, lacrimejando sem parar.

Bom trabalho... Katulis. — disse um deles como se eu tivesse feito tudo aquilo... e na verdade, eu tinha feito.

Os olhos perversos por trás daquela máscara negra com uma fina ponta em cima de seu nariz me fizeram perceber quem foi o causador daquele massacre ou quase isso.

— Você matou t-todos da cidade?!

Eu vi as pupilas de Jack tremerem por um segundo.

— É... e-eu matei.

“É óbvio que ele se sentiria assim, quem conseguiria reagir normalmente ao descobrir que eu seu colega é um assassino?”, me perguntei internamente ao morder meu lábio inferior em desconforto.

— Mas não foi por que você quis n-não é? — Jack indagou com uma voz meio estremecida e eu apenas confirmei balançando a cabeça.

Eu realmente não me lembrava de ser a responsável por aquele massacre, mas quando uma daquelas pessoas de preto no meio da rua jogou sua voz sobre mim eu apaguei novamente.

Antes de tudo acontecer só me recordo de um objeto cinzento perfurando as partículas de ar em minha direção.

Foi tão rápido como um raio, uma fera prestes a engolir sua presa.

Aquele arrepio sinistro percorreu minha espinha e eu pude ter absoluta certeza que esse seria o meu fim.

No que meu corpo apagou eu não pude ouvir nem ver ou sentir mais nada, apenas o puro vazio estava me rodeando e o silêncio avassalador era minha única companhia no mar de emoções negativas e escuridão.

“Onde está o papai e a mã-mãe?”, minha mente mal conseguia raciocinar direito quando meus olhos começaram a se abrir lentamente.

Dessa vez eu estava com meus braços e pernas presos por dispositivos eletromagnéticos, como algemas ou grilhões. Era o império.

Apenas eles tinham acesso a tal tecnologia, mas por que o império Zykron seria responsável por essa atrocidade? Bom, na época eu não era crescida o bastante pra me questionar essas coisas e logo... lágrimas desceram dos meus olhos perturbados.

Eu estava recostada numa fina parede de metal junto com mais uma paulada de crianças, acho que umas 30 ou mais.

O chão balançava junto com todo o local, oscilando e tremendo, um veículo. Havíamos todos sido meio que sequestrados.

É aí que todos me perguntam: Vocês seriam vendidos como escravos ou algo assim?

A resposta era pior do que isso na verdade.

Mesmo que em Mythland — as terras onde vivemos, — o comércio de escravos tenha se tornado comum, nós não seriamos vendidos para velhos pervertidos ou ricaços orgulhosos, mas sim feitos de cobaias.

Um homem adentrou o lugar ao puxar uma porta deslizante, ele tinha uma máscara assustadora, com pequenos relevos brancos sobre o centro e uma pontuda orelha no lado direito superior, algo como um tigre ou raposa.

Vejo que estão todas muito agitadas em relação a situação atual, bom, não se preocupem crianças. A partir de agora vocês farão parte do projeto Vermiculus Lunae ou para os mais íntimos V.L.

Aquela voz grave, mas ao mesmo tempo efêmera fez cada um de nós estremecer, eu senti cada célula do meu corpo vibrando em um terror inexplicável.

A aura que ele emanava, sua jaqueta preta com cintos soltos e zíperes cinzentos.

Eu não tinha um Vitalis nessa época então não conseguiria sentir de fato uma pressão Vitalis vindo dele, porém sua presença me dava a mesma impressão que eu tenho hoje quando sinto uma pressão Vitalis.

—Então o-o que diabos seria esse projeto, Incis?

Jack parecia mais interessado agora, sua face não era mais tão cabisbaixa, o que me aliviou um pouco, afinal eu não queria ver ele tão mal quanto antes.

Dei um pequeno suspiro com meus batimentos entrando em uma misteriosa agitação apenas por me recordar de toda aquela loucura.

Retirando minhas mãos da mesa eu viajei meu olhar lentamente sobre o salão de festas, vislumbrando cada mínimo detalhe antes de finalmente responder: — Era um plano de criar um mundo totalmente obediente com soldados sobre-humanos, ou melhor, vampiros.

Os olhos profundos e vazios do garoto sentado ao outro lado da mesa se arregalaram em um leve suspiro desacreditado.

—  Você iria ser uma...

— Uma super soldado do império que domina o poder vampírico.

Sim. Eu era uma aberração desde a minha infância, alguém que foi exposto a dor e o sofrimento intermináveis, apenas pela vontade ambiciosa e perversa daqueles que continham mais poder que os outros.

Apenas mais um peão no xadrez de Zykron.

 

 

De frente para uma fina janela de vidro, que se encontrava no segundo andar da mansão Blazworth dois olhos azulados observavam os novos hospedes com uma atenção fria, totalmente vidrada em qualquer deslize que pudesse acontecer dali pra frente.

Hmmm... eles finalmente chegaram. Eu já estava ficando receosa sobre a demora para completar essa missão.

Comentou a voz calma que tomava conta do quarto trancado repleto de seres envoltos de sombras e vapor negro.

Misa Hordrik se virou para os seres, finalmente tirando a atenção da imagem distante do outro lado da janela, no caso Zakio que estava em frente ao portão de entrada no jardim.

Pequeninos fios brancos pendiam-se e brilhavam, se entrelaçando pelo meio do quarto mal iluminado enquanto a criada de terno vislumbrava o seu exército de mortos vivos todos ali, alguns sentados sobre a cama enquanto ouros recostavam-se nas paredes e mais alguns também sentados, porém em cima de prateleiras e mesas.

“Esses fios... podem manipular mais do que corpos?”, foi o que ela se questionou em pensamentos com suas pupilas vazias percorrendo lentamente entre os dois guardas que na noite passada ela matara e logo mais adiante dali uma das empregadas, sentada sobre a cama com uma adaga em sua mão, a primeira marionete que ela fez inclusive.

Os olhos dos mortos-vivos reluzindo em vermelho, o vapor negro que envolvia a silhueta de Misa Hordrik e o ar abafado dentro do local.

Bio Profiles.

Ignorando suas próprias questões misteriosas, Misa Hordrik abriu o painel do S.I.S com um comando de voz sereno.

 Uma janela flutuante se ascendeu e nela havia alguns perfis desconhecidos pelo menos pra você, querido leitor.

Finalmente deslizando seu dedo macio sobre a tela, a empregada selecionou o último perfil da lista.

Direct Connection.

[Conexão de voz foi solicitada!]

Com isso um brilho colorido envolveu o painel reluzente com um som suave, para no fim os pixels moldarem uma nova imagem na tela flutuante.

[Conectando...]

A tela de carregamento. Aposto que muitos já estariam familiarizados com esse tipo de tela, mas bem, essa não é a questão aqui!

No que o painel de carregamento sumiu uma voz destorcida adentrou os tímpanos da empregada que caminhou calmamente para o centro do quarto.

Os salto-altos dela a fazer um som oco no chão de madeira até tocarem sobre o suave tapete de veludo vermelho.

— Sim. Eles chegaram, o resto dos membros ainda estão em Leycrid, entretanto os principais ainda estão vivos. — ela começou a dar um relatório para a voz do outro lado da ligação.

— Ok. Eu havia agendado para três dias, porém posso fazer mudanças na agenda. — Misa Hordrik voltou o olhar para a janela, olhando por cima de seu ombro. — Não há o que temer, no fim todos estão na palma da minha mão, sabe bem disso senhor Storlix.

Com essa afirmação confiante até demais era possível visualizar algo fora do comum na face de Misa Hodrik... seus lábios, estavam levemente curvados em um talvez sorriso debochado?

Ela de fato estava convencida da sua vitória e realmente fazia sentido estar tão confiante, afinal, ninguém parecia demonstrar um pingo sequer de suspeitas sobre sua presença ali.

Aquele único olho azulado como uma safira observava Zakio e seus companheiros serem recebidos no portão por Nidrik.

 

[Jack Hartseer]

 

Minha mente estava mais uma vez caótica, na real seria melhor dizer “como sempre”.

Bem, até agora Incis era uma das poucas pessoas que eu tinha simpatizado e se isso fosse um tipo de Visual Novel ela com certeza teria muitos pontos de afeição comigo, mas deixando de lado esse meu dialeto de Otaku estranho... eu fiquei chocado por um bom tempo.

“Incis é uma vampira e e-ela foi...”

Meus pensamentos ainda totalmente desacreditados tentavam formar frases de compreendimento enquanto eu encarava a lâmina em minha mão, sentado sobre a cama.

[Você está inspecionando: Moon Blade]

O pequenino texto brilhante flutuando ao lado da adaga de lâmina negra já descrevia bem o que eu estava fazendo.

— Droga. — forcei um aperto no punho da adaga enquanto torci meus lábios em desconforto.

Pra tentar ignorar um pouco toda essa chuva de novas informações eu tentei me distrair olhando um pouco dos meus “equipamentos” se é que eu poderia chamar assim.

Além da velha Moon Blade que Incis havia me entregue, logo na minha chegada nesse mundo, Zakio que chegou ainda nessa noite me entregou uma luva tingida de um tom meio azul escuro, tipo obsidiana.

Ela não era de couro, mas tinha uma superfície ríspida na palma, nas costas do punho tinham algumas listras brancas que se cruzavam formando um grande X.

Além disso ela não cobria totalmente os dedos, era tipo uma luva pra malhar ou coisas do tipo, isso deu uma estética bem dahora pra luvinha.

“Até que é maneirinha...”, pensei observando a luva já equipada em minha mão direita. Tinha uma estética meio discreta.

 

[Thristis Glove]

[Atributos do equipamento]

[Amortecimento parcial de maldição: Status negativos permanentes podem ser parcialmente anulados em pequenos intervalos de tempo.]

[Defesa +3]

[Agilidade -2]

[Força +1]

Zakio disse que isso era um presente da Incis, aquela face dele sempre bem marrenta e talvez até enojada de me ver novamente.

 De qualquer modo, ele me explicou que essa peça de roupa podia controlar parte da síndrome, impedindo-a de se alastrar em escalas muito grandes durante alguns dos meus ataques de angústia ou seja lá o que for... a questão é que isso me ajudava a não entrar em estado vegetativo tão rápido.

Eu sabia que iria acabar tendo esse fim trágico, eu sempre estava entristecido com alguma coisa, sendo perturbado pela minha própria consciência.

No fim, agora quaisquer pensamentos depressivos que eu tivesse desencadeavam lembranças sobre o passado de Incis.

“A tortura, o sangue, gritos de dor e agonia.”, e novamente eu comecei a pensar e sentir na pele como foi ter sido cobaia de um experimento do império.

Toc. Toc. Toc.

Foi então que um som abrupto percorreu pelo meu quarto e eu dei um leve pulo da cama em um susto.

Huh?!

Meu coração palpitando e minha respiração ficando agitada de repente. Por um segundo eu me acalmei, pra no fim perguntar em um tom alto e meio travado: — Quem é?

Em resposta o som das batidas na porta de mármore soou mais firme fazendo aquele silêncio tranquilo que permeava pelo cômodo se tornar tenso. Quem diabos estaria batendo na minha porta tão histericamente?

“Que horas são afinal?”, com essa pergunta em mente eu abri o S.I.S com um comando de voz meio discreto.

D-Data Menu.

Os pixels coloridos subiram sob meus olhos mostrando uma pequenina lista de informações básicas.

Nice! Funcionou, assim como a senhorita Hordrik ensinou.”, comemorei mentalmente ao visualizar o painel iluminando meu rosto.

[Local atual: Gilly (Capital de Gillyna)]

[Ano atual: 3 Luas Douradas]

[Dia: 98 da primeira lua]

Eu franzi minhas sobrancelhas tentando compreender todos esses dados confusos sobre o ano e o dia, o que seriam essas luas? E que porra de mês tem 98 dias?!

 Eu desci os olhos sob o painel brilhante finalmente visualizando o que me importava no momento.

[Horário Atual: 00:40]

“Pelo menos o horário é normal, mas... meia noite? Quem caralhos tá batendo na minha porta a essa hora?”, pensei voltando a atenção para a porta que agora estava silenciosa.

Meus batimentos se instabilizaram no que o som das cigarras no lado de fora da sacada penetrou-a, ressoando entre as paredes do quarto escuro.

A paz solitária da noite havia retornado... ou foi isso que pensei.

TOC!

A batida violenta...

TOC!

Novamente...

TOC!

Vibrou pela porta de madeira antes dos seus rolamentos de ferro quebrarem fazendo-a voar como uma tábua velha, enfim caindo no centro do quarto, sobre o tapete agora sujo de alguns pedaços e farpas de mármore.

A poeira de pó de madeira subindo entre a luz do luar que passava entre as cortinas.

— M-mas que porra?! — meu corpo começou a tremer, minhas sobrancelhas se arquearam com meus lábios também tremidos.

Congelando em medo. Eu bati os olhos na figura do outro lado da porta agora arrombada.



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