Alma Imaculada
Capítulo 75: Rejeitando a Injustiça!
[Incis]
Depois de ser engolida pela distorção dimensional que se abriu no cubo gigante atrás de Grim eu... fui jogada dentro desse lugar.
Os arredores eram ocultos por um leve breu, paredes cobertas por gigantescas raízes carmesins que aparentavam pulsar como as veias de um coração.
O ar pesado em conjunto a um cheiro mortífero de sangue penetrando minhas narinas.
Levantando as sobrancelhas com uma face preocupada eu ciciei o nome do homem diante de mim. — Zakio, então você realmente estava vivo esse tempo todo.
Meus punhos selando-se firmemente em uma vontade súbita de abraça-lo, porém havia algo em seus olhos, algo em sua face que me deixou acuada.
De joelhos, Zakio abaixou sua face enquanto rangia os dentes suando sem parar. — N-Não olhe pra mim! Incis, afaste-se! — gritou ele antes de bater seu punho contra o chão como se estivera resistindo a alguma coisa.
Um som agudo ressoou do local onde seu punho bateu e fez o solo ondular como água, esse tipo de efeito, talvez fosse uma provação?
Erguendo-me do chão eu parei pra analisar melhor o local misterioso.
Apesar de mal iluminada era uma sala grande, as paredes sendo consumidas pelas raízes escarlates aparentavam ser de uma madeira velha e desgastada contendo rachaduras em todos os cantos. Distante de nós no que parecia ser o centro da sala uma sombra colossal se estendia do chão até as alturas, ela era banhada levemente pela luz avermelhada vinda das paredes, uma arvore.
Passos. Passos.
Me aproximei do homem ruivo diante de mim que estava prostado com sua face pálida quase se enterrando no solo, esse não era Zakio, ele nunca ficaria de joelhos em um estado tão deplorável como esse.
— Zakio, eu tô aqui pode falar comigo, eu estou ouvindo. — Me ajoelhei perto dele levando a mão sob seu ombro.
Ele estava mal, muito mal.
Acabei me recordando dos momentos em que eu fazia aquele garoto com olhos carmesins e cabelos ruivos voltar a realidade, em noites frias e solitárias no campo de batalha devastado pela dor e o sofrimento eu e ele nos apoiávamos um no outro, companheiros eternos de batalha, a dupla dinâmica Incis Katulis e Zakio Sperr.
— Incis... eu....
A voz dele saiu rouca e continuava de cabeça baixa, como se o medo o tivesse consumido.
— Suas armaduras estão nas ultimas, olha só essas rachaduras e esse sangue. Zakio, fala comigo. — Levei minha outra mão ao ombro do cavaleiro ruivo de capa, segurando ambos os seus ombros firmemente.
Foi então que erguendo sua face para mim, Zakio respondeu: — Eu falhei, falhei de novo. Eu nunca me senti tão fraco assim.
O suor descia pela sua face, as pupilas vermelhas como duas luas de sangue dessa vez estavam opacas o olhar afiado e agressivo de sempre sumiu.
Além disso uma cicatriz enorme pulsava por cima do nariz de Zakio.
“Essa marca piorou ainda mais!”, meus olhos se arregalaram.
— Tudo bem. — Segurei os ombros dele firmemente. — Olha pra mim, não tira os olhos de mim. Onde estamos? Me diga pelo menos isso.
A face efêmera de Zakio era como uma foto antiga, os cabelos ruivos e espetados desgrenhados me lembrara de um passado que me assombrava durante os pesadelos profundos na nossa cidade natal, Vesperia.
Antigamente ele costumava sempre estar com essa expressão no rosto, como se guardasse um rancor profundo em seu coração, talvez ele só decidiu enterrar seus traumas no fundo dos olhos afiados que sua personalidade costumeira demonstrava.
Sem pensar duas vezes eu o chacoalhei pelos ombros. — Zakio! Olha pra mim! Tá tudo bem, sou eu Incis!
— O-O meu pai, ele... — Zakio rangeu os dentes. — eu não posso alcança-lo, não sou forte o suficiente, não sou páreo!
O tom de voz dele era impotente e amedrontado.
“Merda, o que eu deveria fazer?! Fui jogada aqui dentro sem nenhuma explicação prévia, vi a morte do senhor Nidrik acontecer por minha culpa e... e...”, minha mente ficou turbulenta, foi como se uma neblina espeça se juntasse sob ela.
Um silêncio perturbador pairou sob todo o local, o breu ao nosso redor se intensificou ocultando cada vez mais o cenário.
A ansiedade crescendo, um frio na barriga, o arrepio sinistro que percorreu minha espinha.
— Merda. — Mordi o lábio em angústia antes de enrolar meus braços firmemente ao redor de Zakio. — Não fala besteira! Nós já passamos por muitas coisas juntos, em momentos assim é que somos companheiros de verdade, n-nos apoiamos um no outro e...
Minha voz falhou quando aquela gigantesca arvore de antes pulsou em uma luz avermelhada iluminando os arredores de forma repentina.
Um zumbido irritante penetrou meus tímpanos enquanto meu coração acelerou.
— I-Incis, não. — A testa suada de Zakio era oculta pelos seus fios vermelhos de cabelo.
— Essa marca que você carrega no rosto foi o seu pai, não foi? Deveria ter me dito antes, nas noites quando ela ardia sem parar, quando essas memórias pesadas caíam sob seus ombros o fazendo afundar em desespero. Zakio, eu ainda estou aqui e sempre estive! A guilda pode ter sido praticamente aniquilada, nossas forças podem estar chegando ao fim, mas... — Fechei meus olhos abraçando-o firmemente. — Nós somos os R.O.U.N.D.S! Os cavaleiros da justiça eminente! Não importa o que aconteça ou quem se oponha, nós vamos trazer a justiça e a esperança ao topo porque nunca deixamos ninguém passar pelo que já passamos.
A luz carmesim irradiou ainda mais do gigantesco amontoado de raízes no centro da sala, uma verdadeira arvore de sangue passou a cintilar com suas veias embolando-se ao seu redor como milhares de cobras.
Minhas pupilas dilatando, as inseguranças perfurando o coração e o estômago embrulhando.
— Aquilo é um Núcleo De Ignição? — Murmurei paralisada pela estase momentânea.
Zakio se debateu em meus braços. — Ugh! — Começou a tremer. — A-Aaaaaargh!
Um Núcleo De Ignição era um ponto específico da Dungeon onde uma provação era feita, as provações são missões específicas que são adicionadas a cada um que esteja dentro dela e elas costumam refletir algum sentimento profundo seu, seja medo, fraqueza, rancor, desespero. Se você perecer diante de qualquer um desses sentimentos....
“Você se torna impotente o suficiente pra apenas apodrecer dentro da Dungeon, agonizando na dor dos próprios fardos.”
Um desespero me consumiu no que tentei firmemente abraça-lo com todas as minhas forças enquanto o mesmo erguia sua cabeça para cima bramindo sem parar.
— A-AAAAAAAAAAAAAAAAAGH!
— Zakio!
O grito que rasgara a garganta de Zakio foi capaz de me fazer sentir sua dor, a marca em seu rosto começou a brilhar em um vermelho crepitante antes de ser totalmente coberta por uma chama da mesma cor.
Tum!
O coração acelerando e um sentimento de impotência eminente.
“Zakio, eu estou com você, por que não consigo te fazer voltar ao normal?!”, eu gritava presa em minha mente embaçada pela negatividade, os braços cada vez mais firmes ao redor de Zakio que se debatia rugindo em agonia.
Será que eu era tão inútil assim? Acabei ficando tão fraca que nem mesmo ele eu poderia salvar.
Não, esse não era o fim, não poderia ser!
A capitã da guilda R.O.U.N.D.S os cavaleiros da justiça desistindo fácil assim seria uma verdadeira piada para o antigo líder, Kalleon Katulis.
Não demorou muito pra que meu corpo fosse consumido pelo calor agonizante vindo da chama sob a cicatriz de Zakio, assim fui obrigada a soltá-lo deixando-o se debater sob o chão.
— Ugh! Haaaargh!
Rolando de um lado pro outro, rangendo os dentes, suando, batendo os punhos sob o chão sem parar, ele era consumido pela dor a cada segundo.
Meus punhos se selaram em uma angústia amarga.
Dando um longo suspiro eu me ergui.
“Eles dois se parecem muito agora.”
Pude ver a silhueta impotente de Jack se sobrepor sob o fraco Zakio no chão, poderia aquele garoto ainda estar vivo? Não, ele estava. Tinha que estar.
Chega disso! Era sempre a mesma coisa, todos os dias eram sempre as mesmas notícias.
Morte, injustiça, escândalos, corrupção, traição. Eu estava farta disso, farta de todo esse mundo vil.
— Tem um companheiro precisando ser salvo diante de mim, na verdade há mais de uma pessoa que preciso salvar aqui, — Dei dois passos adiante. — Jack, Akira, Zakio... — Ergui minha mão reunindo as energias Vitalis sob ela. — E acima de tudo, salvar a mim mesma desse mundo de merda onde vivemos!
Ventania!
Meus longos cabelos negros dançaram com a força dos ventos se afunilando ao meu redor.
Os raios escarlates que se uniram sob os meus dedos foram materializados em uma das lindas pistolas negras que sempre carrego comigo.
Levantando a mira em direção a arvore de sangue eu puxei o gatilho.
Bang!
Uma explosão de fogo e fumaça emergiu de dentro da arma letal em minha mão, o projétil mortal pronto para explodir qualquer coisa em seu caminho!
“Eu rejeito, rejeito quaisquer injustiças que esse mundo possa me proporcionar. Isso é ser um cavaleiro da justiça.”
Se eu pudesse destruir essa arvore maldita que provavelmente representara o núcleo do coração quebrado de Zakio a provação seria completa, mesmo se ele já tivesse falhado e deixado suas emoções serem controladas pela distorção no núcleo eu ainda poderia salvá-lo.
A bala de fogo rasgou o vazio deixando um rastro de calor pelo ar.
De repente um som agudo tilintou pelos arredores e assim faíscas eclodiram.
Uma explosão massiva de brasas emergiu nas alturas e de dentro dela uma figura caiu. Era um vulto negro com um manto da mesma cor ondulando sem parar, ele aterrissou sob o solo de tal forma que o chão vibrou com o impacto.
Dando dois passos para trás eu só pude esboçar uma única fala como reação.
— Grim. — Joguei a mira pra cima dele sem nenhuma hesitação.
O homem de roupas negras se ergueu diante de mim brandindo sua espada de lâmina longa para o lado em um movimento delicado. — Essa é realmente a líder da guilda, igualzinha ao pai.
Sua voz fria e confiante fez um arrepio sinistro percorrer minhas costas. Era ele, seu cabelo longo amarrado por um rabo de cavalo não mentia.
Um refluxo súbito tomou os meus sentidos fazendo minha visão pulsar em conjunto a uma ardência subindo pela garganta.
— Ughn! Blurgh! — Vomitei uma grande quantidade de sangue no que minhas pernas fraquejaram e uma dor espinhenta tomou meus vasos sanguíneos.
As pupilas de Grim verdes como esmeraldas me observaram sem emoção alguma, um olhar afiado semelhante a uma lâmina fria.
— Que pena, posso sentir a sua energia Vitalis prestes a se esvair. Pretende mesmo lutar em um estado tão crítico, capitã Incis?