Alma Imaculada
Capítulo 69: Checkmate
[Jack Hartseer]
A escuridão pairava sobre a floresta quase que morta, sem som, sem luz... nada, exceto pela caverna onde eu e Akira estávamos.
As folhas farfalhavam enquanto os ventos solitários preenchiam os espaços entre os troncos, os céus escuros apenas emitiam a bizarra luz dos circuitos mágicos da Dungeon, as linhas reluzentes em cor carmesim faziam o tom meio avermelhado pintar levemente a grama e as pedras cinzentas, quase como uma lua de sangue.
“Precisamos sair daqui.”
Essa era a certeza definitiva que eu tinha em mente, mas como diabos eu iria convencer essa garota cabeça dura a cooperar comigo?
Um certo pânico esteve crescendo dentro de mim a um certo tempo, não sei se isso era fruto da minha sanidade sendo corrompida.
— Merda, ainda tem essa também. — Foi o que eu murmurei abrindo o Bio Menu.
[Ranking F]
[Status negativo: Síndrome de Tenebris.]
Meus olhos se focaram apenas nessas duas pequenas informações que brilhavam no painel transparente diante de mim.
— Apesar do tempo passar de forma diferente dentro de uma Dungeon ele ainda está passando.
— Huh?
Levantei minha face em direção de Akira que me puxou do mar de pensamentos com essa simples frase.
Minha voz logo se sobrepôs ao chiado da fogueira. — O que quer dizer com isso?
— Não sou um Lost como você, portanto não tenho um S.I.S e fico meio triste por isso, parece bem maneiro. — Ela sorriu antes de se levantar enquanto encarava o fogo. — Só que mesmo assim ainda tenho problemas pra resolver, o-o que precisamos... pra....
A face de Akira ficou relutante enquanto seus olhos negros se desviaram para um canto aleatório da caverna.
— Pra concluir a provação?
— S-Sim! Eu preciso concluir essa provação pra salvar a minha capitã!
Soltei um suspiro, meus pulmões arderam levemente, eu ainda estava debilitado só que realmente me impressionei com o quão rápido ela cedeu, talvez não fosse tão teimosa assim.
Os vagalumes sobrevoaram os arredores da chama oscilante que nos iluminava.
— Bom, parece que você já sacou. — Fixei meu olhar no rosto um pouco avermelhado dela. — De acordo com o S.I.S precisamos derrotar um Orc.
— S-Só isso?
— Sim.
Eu nem questionei, só a respondi.
Não é como se esse tal Orc fosse grandes coisas pra ela, afinal a mesma derrotou uma horda daqueles Goblins sem nem mesmo tirar a espada da bainha.
De qualquer modo pra mim foi um inferno, eu quase morri só que de uma hora pra outra algo rolou e de alguma forma voltei ao ponto inicial da floresta.
Passos. Passos. Passos.
As botas escuras de Akira fazendo um som leve pela caverna no que ela arrodeou a fogueira em minha direção.
— Onde o Orc tá? — Indagou ela com seus olhos descendo sob mim enquanto sua postura ereta fez uma grande sombra que caiu sob mim como um cobertor.
Essa garota poderia ser a figura menos intimidadora possível, mas eu juro que sentado no chão diante de sua presença com essa espada embainhada... me senti contra a parede.
— N-Não dá pra saber ao certo, depende muito do momento, em uma Dungeon os monstros estão sempre transitando, afinal são monstros.
— Heeeim? — Akira arregalou um dos olhos inclinando seu rosto pra perto de mim. — Você tem o S.I.S e é só isso que ele diz?
Minha saliva desceu pela garganta de forma involuntária. O nervosismo foi bombeado de forma dolorosa pelas minhas veias.
— É um sistema, n-não um Cheat... parece um só que não é.
— Que peninha. — Ela deu um leve cascudo em si mesma. — Então parece que vou ter que caçá-lo eu mesma, você não foi tão útil assim, mas não é como se eu quisesse ajudar, só fique aqui enquanto eu faço o trabalho duro pra você. A capitã com certeza agiria assim!
“Qual é a dessa mudança de humor repentina? Acho que apenas em pensar que Incis agiria dessa forma já a fez se empolgar o suficiente pra ignorar a situação atual.”, comprimi os lábios em meio aos pensamentos.
No fim Akira ainda parecia burra pra cacete!
[Melize Hozarik]
— A morte eminente espera aqueles que negligenciam a cautela e atenção.
Minhas palavras foram abafadas pelo som dos ventos sendo rasgados.
A chuva de cordas pontudas que conjurei reluziu e ondulou como milhares de chicotes em direção de Renard.
Ventania!
As manoplas repletas de espinhos que ele trajava foram cobertas por um brilho que eclodiu expandindo-se pelo ar semelhante a fumaça.
Avancei na direção dele impulsionando-me ainda com minha própria força muscular enquanto deixei minha Skill fazer o resto, os fios afunilando-se ao retor de meu oponente.
“É o fim.”, foi o que pensei antes de pular com um chute sob Renard.
Meus cabelos dançando entre o movimento gracioso que fui capaz de executar.
Foi então que...
— Cedo demais, assassina!
A voz debochada de Renard ressoou entre os fios que se dissiparam para todas as direções.
Distorções prateadas girando pelo ar.
Meus olhos se arregalando, a poeira levantando e a adrenalina aumentando.
Cada um dos meus preciosos fios foram deformados em um tipo de líquido prateado e ainda no ar esse líquido se distorceu reunindo-se sob as manoplas de meu oponente como se a gravidade fosse ignorada.
“Um Vitalis gravitacional?!”, em minha mente lembranças de Nattalia surgiram.
— Há! Como esperado, todo mundo que vê o Junctio pela primeira vez fica assim. — Renard brandiu suas mãos pelo ar em um movimento suave, seus braços balançaram deixando leves rastros pelo vazio.
Bam!
Em um piscar de olhos tudo estremeceu.
[Você sofreu um dano crítico!]
Cada célula do meu corpo vibrou com um impacto súbito que almejou o centro da minha face.
— Uhk! — Tentei conter a própria respiração pra que o sangue não jorrasse pelo meu nariz, porém foi tarde demais.
Meu corpo voou pelo ar, meus cabelos balançando em conjunto a minha visão apenas vendo borrões se movendo em alta velocidade.
Poeira subiu quando meu corpo nem mesmo no ar estava mais, tudo o que senti foi uma superfície rígida se rachando atrás das minhas costas com um som quebradiço.
Outro pilar se foi.
[Hp atual: 1800/5500]
Deduzindo apenas pela área que o golpe afetou, foi outro soco, porém mais rápido que os anteriores e não causou laceração alguma.
“Trocou de armamento durante a batalha.”, concluí internamente.
Meu corpo escorregando lentamente entre os entulhos de concreto e pedra enquanto o cheiro de poeira emergia.
— Eu queria pegar algumas informações antes de tudo, então não morra tão facilmente, sua assassina de merda!
Tomando conta dos arredores a voz do meu inimigo era tanto destemida quanto agressiva.
Passos rápidos ressoaram pela nuvem de poeira.
Enquanto isso também consegui escutar outra figura se aproximando pela direita.
— C-Caramba. — A silhueta de Layaka oscilou pela fumaça de sujeira, seus olhos carmesins amedrontados.
Com minhas costas sob os entulhos e sentada sob um amontoado de sujeira no chão ríspido, eu sorri.
O sangue escorrendo entre meus lábios que se curvaram pela primeira vez em muito tempo, a expressão que os outros costumavam chamar de sorriso.
“Como se eu fosse perecer aqui dessa forma.”, meus pensamentos acompanhando minha mão que se ergueu pela nuvem de poeira em direção da silhueta de Layaka.
Passos! Passos! Passos!
Renard era um vulto feroz dissipando a fumaça dos seus arredores enquanto corria em minha direção.
Meus lábios com um sorriso sádico apenas sussurraram: — Skill On...
Abri a mão pra no fim selá-la firmemente em um punho sob a silhueta distante da pesquisadora.
— Fylaki!
[Uma Skill foi usada!]
[Perdeu 1000 de HP!]
Minhas veias reluziram em azul como circuitos elétricos no que uma dor pulsou sob elas.
Logo o vapor azul-marinho emergiu dos meus arredores ainda mais visível e semelhante a uma chama dançante.
— Haaaaaargh!
Um grito de agonia bramiu como o mais puro resultado da minha virada de jogo eminente.
— Mas o que?! — Renard parou de correr a alguns metros de mim enquanto seus olhos prateados tremeram.
A poeira se dissipou revelando a pesquisadora Layaka com suas pernas e braços firmemente presos a diversos fios finos e afiados, a pressão ao redor de sua pele e roupas era tanta que cortes e rasgos estavam expostos.
Checkmate.
Uma das principais características de uma marionete são suas pequeninas cordas que limitam cada um de seus movimentos, atando-as a dependência de alguém que pode fazê-las se mover, uma figura que manipula as cordas de forma eficaz capaz de transmitir emoções apenas pelos movimentos, é quase como as peças de um jogo de xadrez só que mais vivas, mesmo sem controle algum de si mesmas.
— Isso só pode ser brincadeira! — Incrédulo Renard fechou os punhos.
Como resposta eu me ergui lentamente dos entulhos no que meu sorriso emitiu um som.
— Kuku... Ku-hu! Guh! — Minha risada era pra dentro, porém acabou saindo com um pouco de sangue.
As tranças castanhas de Layaka pendiam dos dois lados de seu cabelo por cima de seus ombros esticados, seus pulsos atados pelas cordas tão finas quanto qualquer lâmina, as pernas tremendo enquanto suas calças eram apertadas pelos fios que iam de suas panturrilhas até as coxas.
— Essa luta realmente está formidável, senhor Renard. — Ergui minha face na direção do homem paralisado diante de mim.
[Melize Hozarik]
[Rank: C]
[HP: 800/5500]