Alma Imaculada
Capítulo 70: Demônios Internos
[Melize Hozarik]
A poeira abaixando, a sala mal iluminada com os gigantes pilares destruídos pelo chão.
A alguns metros de mim Renard tremia levemente, seus punhos estavam selados firmemente em uma provável fúria, mas quem se importa?
— Acabou. Uma vez que a Skill Fylaki prenda alguém, se torna a prisão da dor eminente, esses fios que prendem os braços e pernas de Layaka agora irão selar o destino dessa luta.
De pés com meu olhar frio e os lábios curvados em um sorriso, eu fixei toda minha atenção no homem de cabelo espetado e olhos prateados, sua franja na frente do olho esquerdo.
— Sua... — Ele rangeu os dentes.
— Nhgh! Uhk... — Layaka gemia em dor enquanto seus pulsos e pernas eram apertados pelas minhas cordas.
Toda a minha atenção foi roubada quando ela levantou sua voz dolorida indagando: — Como me acertou? Eu... nunca sou acertada, m-minha Magatama faz com que eu consiga traçar e calcular rotas pra qualquer situação, então c-como?
“Calcular uma saída pra qualquer situação? Essa garota poderia ter sido um infortúnio grande pra mim se ela realmente tivesse conhecimento de combate.", pensei estreitando os olhos.
Vupt!
De forma abrupta os ventos foram perfurados em minha direção.
A silhueta de Renard se distorceu quando seu punho caiu sob mim semelhante a uma serpente abocanhando sua presa.
Lancei o punho direito sob minha face fazendo uma pequena luva de fios metálicos.
Um impacto firme.
O estrondo se expandiu pelos ares e percorreu cada centímetro da sala como as paredes.
Ao me defender do soco com as costas do meu punho direito revestidas pelos fios eu contra-ataquei.
Me impulsionei para frente forçando o oponente a recuar com a força do meu punho contra a sua manopla, mais uma vez utilizando da estratégia do Maai, o alcance de combate.
— Não pode lutar contra sua própria natureza. — Renard exclamou no que suas duas manoplas se distorceram como gelatina.
“Mas o que?”, minhas pupilas azuis se estreitando.
Ventania!
O vapor reluzente em uma cor esmeralda se reuniu ao redor dos pulsos de Renard.
Atacá-lo em um momento como esses poderia garantir algum dano? A reposta era improvável, mesmo que eu estivesse próxima o suficiente não teria como prever que tipo de ataque era esse, tendo em conta que eu havia visto algo parecido anteriormente quando Renard fez meus fios virarem um tipo de líquido e os absorveu.
Foi então que o vazio foi quebrado por um impacto que eclodiu sob as mãos dele.
Os flocos esverdeados irradiando ao seu redor, sua aura oscilando como uma chama e seu cabelo penteado para trás ondulando sem parar.
— Presumo que esse seja a sua Skill, Junctio. — Palpitei em voz alta e meu longo sorriso, minhas pernas parando o movimento de forma brusca pra recuar para trás.
Ambos os braços dele haviam se moldado em longa lâminas pontiagudas da cor de musgo, quase daria para compará-las as grandes Katanas que eram forjadas em Zykron.
Corta! Corta Corta!
Em um piscar de olhos avançou em minha direção com cortes velozes e precisos.
Os olhos de Renard reluziam em uma intenção assassina entre os ataques de suas lâminas partindo as partículas de ar.
“Um Vitalis assim poderia ser de grande utilidade na Noct.”, minha mente viajou pelo mar de adrenalina enquanto me esquivei das distorções metálicas.
— O Junctio é a junção de matéria, quaisquer materiais que eu tenha tocado ou feito algum dano podem ser absorvidos pra criar uma nova arma ou armadura... É com isso que vou te matar!
Com sua voz agressiva meu oponente parou sua chuva fervorosa de cortes bruscamente antes de se inclinar pra frente lançando uma poderosa estocada contra meu abdômen.
Fixei a atenção no movimento que ele fez.
Um joelho dobrado, um passo na frente e outro atrás, ele estava se aproveitando do meu Maai também.
Dando um leve passo para trás eu de fato consegui entender que meu estômago inteiro seria perfurado pela estocada da lâmina em seu braço direito, dando outro passo suave para a direita meus olhos se afiaram diante da segunda lâmina pronta para partir meu pescoço.
“Compreendo, essa é de fato uma vitória pra você.”, comprimi meu sorriso de forma satisfeita. Não havia rota de fuga.
Pela primeira vez em mais de 15 anos alguém havia me derrotado, Renard Shadoky um membro da guilda de terroristas havia selado meu destino.
Corta!
O metal frio, afiado e rígido se enterrou sob meu abdômen perfurando a fibra fina do meu traje em conjunto da minha pele, músculos e intestino.
Com meus olhos fechados e o corpo suavemente caindo para trás...
[O Efeito contínuo da Skill (Fylaki) foi ativado!]
Uma explosão irradiante e azulada revestiu meu corpo, em conjunto todas as minhas veias reluziram nessa mesma cor.
— Ughgn... Argh!
Uma voz dolorosa de se ouvir gemeu em agonia no mesmo instante em que meus olhos se abriram.
— Layaka! — Renard gritou com seus olhos afiados se tornando preocupados em direção a pesquisadora presa pelos meus fios.
Layaka vomitava sangue com seu corpo tremendo, as cordas presas firmemente em suas pernas e pulsos brilharam.
Eu derrapei pra trás quando meu oponente voltou toda a sua atenção para mim, suas pupilas prateadas incrédulas procurando a ferida que deveria estar em minha barriga.
— O-O que você fez?! O que caralhos fez?!
Minha respiração pesada, o corpo recuperando toda a energia e meu sorriso se expandindo mais e mais.
Não pude deixar de sentir uma felicidade avassaladora percorrer meu coração, fazendo minha risada se entalar nas palavras.
— Ku-gh! Kuku! Já que o senhor Renard foi cavalheiro o suficiente pra me explicar sua habilidade, Fylaki é a prisão da dor eminente, quaisquer danos que eu sofrer serão transferidos para aquele que reside na prisão, sendo assim... eu te fiz de marionete desde o início dessa situação.
[Recuperou 2000 HP!]
As feridas se fechando.
O brilho verde que envolveu meu esbelto corpo era a faceta da minha própria vitória enquanto meu longo cabelo negro balançou com o fator da cura se manifestando.
— Desgraçada, só pode ser um demônio! — Renard deu dois passos para trás com os olhos arregalados. — Então aqueles danos que você tomou... e todos os outros vão ser transferidos pra ela.
Me virei para Layaka que tremia em dor e disse: — Agora, referente a sua pergunta de antes, talvez eu tenha acertado minha Skill em você porque seus olhinhos simplesmente estavam cobertos por uma nuvem de poeira. Que pena, acho seus cálculos não podem ser feitos contanto que não consiga ver nada.
Meu triunfo definitivo, a pesquisadora se transformou na minha chave pra vitória em uma virada de jogo definitiva.
Passo! Vupt! Passos! Passos! Passos!
Chutando o chão eu disparei em direção de Renard.
— Senhor Renard Shadoky, você realmente me impressionou com a sua vitória de antes, porém ninguém aqui será apto de impedir o que fui feita pra fazer, matar. — Gritei lançando minha mão pelo ar, aberta como a garra de uma fera.
— Nhgh! — Renard jogou suas lâminas para frente do rosto.
Fios prateados se materializando na ponta dos meus dedos pra no fim balançarem com o movimento curvado da minha mão.
Eram verdadeiras unhas de gato articuladas que passaram pela silhueta dele rasgando sua pele sem piedade.
O som dos cortes se abrindo e o sangue de Renard jorrando ecoou entre os pilares de cor creme e as paredes cinzentas.
Próxima o suficiente dele eu abri minha mão esquerda lançando-a para almejar seu abdômen.
“Todos os seus órgãos irão explodir, esse é o poder da arte marcial mais rápida do mundo, Renard.”, meu último pensamento foi...
Impacto!
Interrompido.
Minha palma bateu sob uma superfície de metal rígida e gelada.
— Lunge-Hei é realmente a arte marcial mortal, mas não pra mim.
A voz de Renard baforou com sangue no que ele empurrou o grande escudo em sua mão direita para frente.
“Impossível, ele foi mais rápido do que um golpe de Lunge-Hei poderia ser. Não, acho que estou me precipitando, talvez sua habilidade de moldar qualquer coisa com os materiais certos que seja veloz assim.”, meus olhos analisaram Renard da cabeça aos pés.
A superfície de seu braço direito estava totalmente coberta por um escudo prateado, defenderia tudo que viesse pela frente.
— Mesmo assim, ainda não pode me causar dano algum ou a pobre pesquisadora ali irá morrer.
— Não até eu fazer você se esgotar e desativar essa prisão idiota.
Dei um passo adiante. — Hmph! Que atrevimento, mesmo depois de sofrer tantos danos ainda tem tanta confiança, pois bem!
Dobrei meus joelhos levantando ambas as mãos na frente do rosto em postura de defesa.
— Skill On Sosa!
[Jack Hartseer]
Meus músculos doloridos, o estômago vazio, olhos ardendo e a cabeça latejando.
Esse era meu estado enquanto tentava não cambalear passando pelas arvores e moitas em direção de Akira.
“Ela pode até dar uma de durona, mas não vai conseguir matar aquele Orc se não puder tirar a espada da bainha.”, minha mente gritava pra que eu fizesse o certo.
Estive preso nessa Dungeon já fazia um tempo, não sei como o tempo passava lá fora, mas dentro dela acho que já fazia mais de dois dias ou mais.
De qualquer modo eu estava com minhas duas adagas no inventário, quaisquer monstros que me atacassem teriam que lidar com elas ou era assim que eu pensava.
Cadáveres de Goblins se estendiam sob o caminho que eu traçava, Akira havia matado todos pelo jeito, talvez seguindo a trilha eu a acharia.
— Uhk urgh... — Meu estômago esquentou enquanto minha garganta inundou com um líquido quente e minha língua foi coberta por um sabor de ferrugem.
Eu vomitei sangue no que meu corpo fraquejou caindo de joelhos.
A respiração pesada, o corpo quase em colapso.
Eu precisava continuar, nesse estado eu já praticamente era como um morto-vivo, mas o que eu faria se morresse sabendo que levei outra pessoa comigo?
— L-Levanta porra. — Rangi os dentes erguendo-me do chão com os farfalhos da grama como resposta.
O medo da morte, medo de me machucar, tudo isso não era nada se comparado ao meu receio de levar alguém pro fim comigo
Eu não era um assassino, eu nunca faria algo assim, nunca!
Foi então que nas proximidades eu pude ouvir sons estranhos ecoando entre as moitas, só podia ser ela.
De forma dolorosa eu cambaleei me apoiando nos troncos até chegar próximo o suficiente de um pequeno acampamento. Uma fumaça negra subiu pelas copas das arvores.
“Aquilo...”, meus olhos se arregalando e os lábios ensanguentados a tremer.
Passando pela grande moita diante de mim minhas roupas enroscaram em alguns espinhos e galhos.
Com um farfalho alto meu corpo caiu pra fora das folhas que mais se assemelharam a um emaranhado de arames farpados pra no fim me fazer ver Akira de pés no meio do acampamento, ela encarava frente a frente o Orc de pele esverdeada e tribais vermelhos pelo corpo.
— A-Akira! — Minha voz mal saiu, rouca pelo sangue.
A escuridão da noite era consolada pelas tochas do acampamento que continha uma boa quantidade de cabanas feitas com tecidos sujos e rasgados enquanto uma fogueira emanava luz no centro de tudo.
Era idêntico ao que eu me recordava e isso me fez finalmente concluir minhas suspeitas.
“A Dungeon voltou no tempo.”
O Orc chamado Abatharon não tinha nada em mãos, seus grandes punhos não seguravam nada e suas vestes eram praticamente as mesmas também, longas botas de couro e um tipo de tecido rasgado na sua cintura.
Foi então que meus olhos se ergueram lentamente na característica mais gritante presente no monstrão.
— Uma máscara negra.
A máscara tinha um formato estranho de caveira e apesar de ser da cor negra brilhava com a luz das tochas e da fogueira atrás de Akira.
Sim, eu enfrentei Abatharon antes e me lembrava bem disso, só que ele não tinha uma máscara assim, o que diabos isso significaria afinal?
O que aconteceu comigo no meio da batalha antes de ser mandado pro ponto inicial da provação?
Perguntas e mais perguntas tomaram minha mente.
Bam!
De uma hora pra outra Akira se moveu.
Os cabelos curtos e escuros dela balançaram no que a mesma se lançou com um pequeno pulo pra acertar o rosto do Orc com uma paulada de sua bainha.
O monstro apenas levantou seu massivo punho contra ela desviando-a como uma mosca, seu corpo pequeno caindo sob a grama.
— Akira... não. — Tentei gritar outra vez, mas sem sucesso.
— S-Seu merdinha. — Ela se ergueu apoiando-se com a bainha no chão.
A chama da fogueira quase se apagou com a força dos ventos ao redor de Abatharon que arrancou na direção dela fazendo o chão vibrar com seus passos pesados.
O punho do Orc foi jogado sob a garota no que ela ergueu sua espada embainhada com as duas mãos em cada uma das pontas.
Todo o peso foi neutralizado enquanto Akira segurava a espada como uma barra de madeira para conter o punho de Abatharon.
Meus olhos simplesmente não acreditavam no que viam, ela estava enfrentando o Orc de igual para igual sem medo algum.
Os joelhos dobrados e tremendo, as veias de suas mãos pulsando e as pupilas negras fixadas no rosto feio do monstro, essa era a garota lutando contra ele.
— Não importa se tu é mais alto, mais forte ou até mesmo feio o suficiente pra dar medo, tudo o que importa pra mim nesse mundo é a minha capitã, Incis Katulis! — Gritou ela empurrando com todas as forças sua espada embainhada para cima, assim jogando o punho do Orc para trás.
O monstrengo cambaleou de forma desajeitada e tropeçou na fogueira.
O som quebradiço da lenha frágil se partindo e as cinzas subindo pra no fim o fogo ser quase extinguido por completo.
É claro que não havia acabado aí, mesmo que Abatharon tivesse caído na fogueira gigante como se estivesse dentro de uma banheira quente seu corpo musculoso e largo se ergueu das chamas como se nada tivesse acontecido.
Toda a sua pele ficou com marcas sérias de queimaduras e seus tribais carmesins foram comprometidos com isso, entretanto o Orc estava de pés novamente.
— Cai dentro Orc nojento! — Akira exclamou erguendo a Katana embainhada na direção dele.
Foi então que por baixo da pele esverdeada do monstrengo suas veias irradiaram em um tom escarlate.
O pior estava por vir, definitivamente o pior!
— Merda. — Rangi os dentes tentando me erguer da grama seca.
A luz avermelhada nas veias de Abatharon fazia parecer que todo seu corpo era composto por circuitos elétricos.
— Merda, merda, merda! — Minhas mãos e braços fraquejavam enquanto eu estremeci levantando do chão.
Abatharon ergueu a mão que lentamente descansou sob a máscara negra de caveira em sua face, a luz vermelha de suas veias pulsou sem parar.
— Merda! — Minhas pernas tremiam quando me levantei por completo. — Moon Blade! Sanguis Blade! — minhas mãos foram envolvidas por raios azulados no que as adagas surgiram sob elas.
Vush!
Akira avançou na direção do Orc que continuou estático e enterrou seus dedos na máscara sob seu rosto.
A bainha negra que se transformou em um borrão pelo ar.
Os braços de Akira balançaram a Katana embainhada como se ela fosse dar um grande Home Run na costela direita de Abatharon.
— Akira, não! — Em puro desespero lancei a Sanguis Blade na direção deles.
Foi então que a voz destorcida de antes, a voz de Abatharon ressoou pelos arredores como um lembrete de quem estávamos enfrentando.
— SkIl oN Prosopopoeia.
Um rastro de luz escarlate eclodiu para todas as direções.
A sensação foi algo semelhante a mais pura energia passando como correntes elétricas por cada célula do meu corpo.
Os arredores estremeceram, as folhas das arvores cairam e seus troncos foram reduzidos ao nada.
Moitas, grama, rochas, tudo foi praticamente consumido por completo enquanto nossos corpos continuaram intactos ao serem suavemente levantados no ar por uma energia desconhecida.
Minha visão ofuscou diante do clarão cor de sangue que banhou não só minhas roupas rasgadas como tudo ao seu redor.
“Essa coisa só pode ser um demônio!”, O desespero fez cada fibra do meu ser gritar em terror.
[Abatharon]
[Raça: Orc]
[Ranking: C]
[HP: 4000/4000]