Ultima Iter Brasileira

Autor(a): Boomer BR


Alma Imaculada

Capítulo 56: Confiança Quebradiça

 

[Jack Hartseer] 

 

Em uma fração de segundos eu vi o metal carmesim cortando o vazio contra meu pescoço.  

Me esquivando com um rápido passo pra trás o que o ataque ágil do Goblin conseguiu causar foi apenas um leve corte na ponta do meu nariz, sem nem pensar eu lancei a ponta da Moon Blade em direção ao estômago do monstro.  

Ventania! 

O movimento que minha adaga traçou foi feito de forma tão brusca que os ventos uivaram no que meu braço dobrou errando o golpe.  

“Ele se esquivou?”, revirei meus olhos a procura do alvo que sumiu como fumaça.  

Shaaaak! Shaaaak! 

Um grunhido esquisito permeou entre as moitas e arvores da floresta enquanto passos ligeiros batiam sob a grama, estava me cercando, mesmo que fosse apenas um Goblin esse em específico tinha realmente algo de especial. 

Levantei a adaga em postura de defesa.  

A respiração falhando e o coração palpitando.  

Foi então que os mesmos olhos sedentos reluziram mais uma vez, em meio a silhueta distorcida que pulou sob mim eu só pude sentir a sede de sangue eminente cortando as partículas de ar. 

— Huh?!  

Logo após meu grito de confusão o canto direito dos meus lábios foi cortado lançando sangue e uma correnteza de dor sob a frágil pele do meu rosto.  

Aaaargh! — Gritei em agonia com um pouco dos dentes expostos pelo corte que fez um rasgo sangrento. 

“Eu nem consegui ver a adaga vindo na minha reta, como caralhos eu fui acertado?!”, tentei reordenar minha mente com a adrenalina em minhas veias ao fixar os olhos no oponente.  

Eu não conseguia mais ver.  

O fogo na mata aumentando na medida que o pânico se intensificou. 

A adaga cor de sangue que o maldito Goblin deveria estar segurando sumiu, como?  

Haaaaargh!  

O monstro bramiu com suas presas pingando saliva e avançou em passos ferozes.  

Ele planejou mesmo me atacar sem nenhuma arma? Aliás, como diabos ele a perdeu?  

O monstrinho de pele azulada se distorceu no meio de seu movimento novamente, apenas seus dois olhos reluziram em vermelho quando joguei um contra-ataque com a ponta da Moon Blade.  

“Não importa, não importa, não importa!”, repeti internamente em meio a tensão do combate. 

Eu dobrei meu joelho inclinando-me pra frente pra fazer a afiada adaga negra perfurar o trajeto perfeito em direção ao rosto feioso do Goblin.  

Eu errei.  

Outra vez eu me vi passando reto pelo inimigo enquanto minha arma permaneceu rasgando o vazio, meu corpo despencou pra frente em total choque.  

“Merda, não!”, rangi os dentes sentindo os ventos ao meu lado se distorcerem com a esquiva do inimigo.  

Zuuush! 

Um som metálico gemeu entre os ventos e chamas ao nosso redor antes de formar o trajeto direto em minhas costas.  

“Esse som é a adaga dele?!” 

Skill On! Manipu Laminae!  

Antes de dar de cara com a mata em chamas um grito de puro desespero rasgou minhas cordas vocais no que o brilho carmesim me envolveu estalando em raios negros.  

A Moon Blade foi envolvida pelos raios quando a soltei manipulando-a no ar com minha Skill. 

A arma branca se curvando no ar e disparando como uma bala pra no fim deixar apenas o som da carne fresca sendo dilacerada, funcionou.  

Eu derrapei tentando não cair sob a grama queimada quando me virei na direção do Goblin.  

O corpo suando, as brasas e fumaça tomando conta do ambiente enquanto outro ataque voraz caiu sob mim.  

Ah! — Levantei uma das mãos na frente do rosto na esperança de me defender.  

“Onde a adaga dele foi parar?” 

No fim meu ataque anterior não foi de tanto sucesso, pelo jeito eu havia feito um corte no ombro do Goblin, mas o fato de eu não ter fixado o olhar nele antes de usar o Manipu Laminae fez com que o alvo não fosse acertado em cheio como aconteceu lá na torre. 

O rosto ensanguentado do Goblin azul se aproximou de mim. 

Nesse instante percebi que eu só estava sendo ingênuo, em momento algum eu poderia ficar forte ao ponto de deixar emoções como o medo pra trás. O eu atual, o Jack Hartseer desse exato momento não passava de um garotinho assustado tentando se defender de algo incompreensível.  

Corta! 

Ou quase incompreensível.  

Um vácuo se abriu na palma da minha mão esquerda enquanto sangue esguichou. Eu queria gritar, queria me retorcer, queria não sentir essa dor, mas no fim ela me levou a resposta.  

Meus olhos arregalados, as pupilas em tremeliques.  

Foi então que fixei minha atenção no grande corte que se abriu nos dois lados da minha mão, nada visivelmente perfurou ela, mas a dor e a ferida estavam lá. 

Meu coração bateu de forma firme no que a sensação de ter sua carne perfurada por uma lâmina cruel se expandiu pelos meus nervos, a adaga dele não havia sumido, pelo contrário, sempre esteve com ele, só não estava visível diante dos meus olhos.  

O Goblin azul lambeu os lábios de forma maliciosa, seus olhos vermelhos me encararam enquanto a adaga invisível estava cravada firmemente em minha mão.  

— S-Seu... merdinha. — Rangi os dentes estreitando o olhar. — Skill On — Puxei a mão com tudo. — Manipu Laminae. 

A adaga invisível foi arrancada da minha mão com gosto lançando uma dor ardente não só pelo buraco que ficou dos dois lados, mas pelo meu braço esquerdo inteiro.  

E nisso a luz escarlate que estourou em raios negros ao redor da minha mão direita já dizia tudo.  

Raaaargh!  

O Goblin balançou sua lâmina camuflada que agora estava totalmente exposta pelo meu sangue.  

Um rastro de cor safira cortou o fogo ao nosso redor, era a Moon Blade pronta pra atender ao meu chamado de novo. 

Meu oponente arrancou com suas esguias pernas de forma frenética enquanto balançou sua adaga com grande fervor. 

“Pode vir, eu... não vou morrer aqui, não posso morrer assim, mesmo que eu esteja com um medo do cacete!”, murmurei internamente.  

Passos! Passos! Passos! 

O único movimento que fiz foi deixar os pés mais firmes no chão e então cruzei os braços por cima do rosto pra tentar amortecer um pouco do dano que estava por vir.  

Em questão de segundos a chuva de cortes eminentes caiu sob minha pele e roupas.  

O sangue espirrando a cada corte feito, pedaços da minha capa e jaqueta indo aos ares e o meu corpo tremendo em agonia.  

Eu só precisava resistir alguns segundos.  

No fim abri meus olhos e ainda com os braços na frente do rosto pude ver o golpe final pronto para me ceifar. 

Uma estocada ágil que quase me fez acreditar que esse Goblin azul estava usando uma Rapieira ao invés de uma adaga, entretanto antes do meu olho ser perfurado impiedosamente pela adaga camuflada o rastro azulado de antes partiu os troncos em chamas pra no fim acertar seu corpo por trás.  

Corta! 

Um impacto avassalador que fez seu corpo magrelo e azulado torcer antes de ter seu peito varado pela Moon Blade.  

O tiro perfeito, a minha adaga atravessou as costas dele saindo pelo seu peito totalmente banhada de sangue. 

O monstro soltou sua arma e depois vomitou o mais puro carmesim despencando de joelhos em uma leve tremedeira, no fim parou de se mover por completo. 

“Que dramático.”, suspirei com um último pensamento ao observar o cadáver do Goblin. 

[Você eliminou um Gran Goblin!] 

[Recebeu 120 Ranking Points!] 

[Perícia em Lâminas aumentou em 5] 

Todos as feridas em minha pele escorriam sangue, mas por algum motivo a dor ardente de antes parecia estar entorpecida. 

— Essas chamas ao redor estão me dando um conforto estranho. — Murmurei antes de cambalear em direção ao corpo do monstro.  

De forma dolorosa eu consegui me apoiar em um dos joelhos e pegar minha Moon Blade de volta, mas... 

“A adaga dele...”, toquei a minha mão sob a lâmina banhada de sangue ao lado do monstro.  

[Sanguis Blade] 

[Uma adaga vermelha com uma lâmina bem afiada] 

[Encantamento Tier 2: Miragem] 

— Então esse era o nome da camuflagem. 

Sem pensar duas vezes eu coletei a adaga pro meu inventário e me certifiquei de coletar o resto dos itens que o corpo do Goblin ainda tinha antes de me esconder, afinal tinha fogo se espalhando pra todo lado.  

 

[Incis Katulis] 

 

Fiquei sem reação, eles estavam todos reunidos ali simplesmente por causa de um garoto que nem sequer sabia como havia parado em toda essa loucura. 

— E-Está me dizendo que o sangue do Jack foi encontrado nos escombros? O que diabos isso tem de tão importante? — Indaguei ainda confusa.  

— Bom... — O capitão da quarta divisão, Cryfder, caminhou calmamente em nossa direção. — Naquele dia a explosão criou um tipo de erro no S.I.S e assim grande parte dos dados de quem foi pego por ela foram extinguidos. — Continuo ele ao passar por mim e fixar o olhar em Layaka.  

Os ventos se tornaram mais gélidos por um segundo.  

O capitão Cryfder desceu os olhos sob a pesquisadora ao meu lado que apenas se afastou com uma face insegura, Layaka não fazia parte disso só que Cryfder mesmo assim... 

— O que quero realmente dizer, capitã Incis... é que o fato de ter rastros de sangue desse garoto naquele lugar pode ser uma pista não só pra saber a localização do seu pai, como também dos culpados pelo incidente.  

A voz calma, porém, severa de Cryfder se distorceu entre os arredores no que Layaka caiu de joelhos com toda a sua pele enrugando.  

U-Ughnn... ghnn... — Ela gemeu de agonia em puro pânico enquanto via sua pele repleta de rugas e rachaduras.  

— C-Chega disso, é uma ordem, ela não tem envolvimento algum com isso! — Puxei o braço do capitão que nem sequer olhou pra mim.  

Eu virei o olhar pra trás onde todo o resto da quarta divisão estava, todos engravatados com ternos pretos... isso foi o suficiente pra me lembrar dos velhos tempos onde meu pai e Cryfder eram do mesmo patamar.  

Meus lábios se comprimiram em angústia.  

— Não vou desobedecer a ordem alguma sua até por que você é a filha do mestre da guilda, regras são regras, só que eu quero esclarecer uma coisa, — O capitão Cryfder virou seu pescoço e me encarou por cima do ombro de forma frívola. — Não vou perdoar ninguém que tenha feito tal atrocidade, seja com todos que morreram na explosão ou com o mestre Kaylleon.  

As pupilas vermelhas como sangue observando-me no fundo da minha alma fizeram um arrepio sinistro subir pelas minhas costas.  

— S-Senhorita Incis, está tudo bem? — A voz de Layaka me tirou do transe. 

A pele dela havia voltado ao normal, mas a pressão que caiu sob meus ombros continuou, diante dos 7 membros da quarta divisão eu pareci apenas um mero grão de areia, apenas... uma inútil.  

Passo. Passo. 

Cryfder se virou para mim, os ventos balançando seus fios loiros de cabelo.  

— Quero apenas uma explicação clara e detalhada sobre quem é esse garoto, capitã Incis Katulis. Por que o DNA dele reagiu de forma anormal ao ser exposto pela energia presente nos equipamentos de limpeza, e também o porquê da primeira divisão ter mantido ele em sigilo aqui na mansão Blazeworth. 

A presença dele não só emanava um peso sob mim, mas também exigia que eu me rendesse, minhas pernas que já estavam fracas quase gritavam pra se ajoelharem diante de Cryfder.  

Suor desceu pela minha testa quando dei um suspiro de insegurança.  

— Tudo bem... eu posso falar Ok? Só sai de perto dela. 

Como eu poderia estar tão fraca diante de alguém assim? Eu era a filha do mestre da guilda certo? A filha de Kaylleon Katulis, então por que?  

A resposta pra minha solene dúvida que viajava o vazio interno da minha mente não existiria, ela era tão seca quanto os ventos solitários da noite em que estávamos.  

No fim tudo o que fiz até o momento foi inútil, o meu plano de dar uma vida normal pro Jack, a operação que estive planejando pela procura do meu pai, tudo estava desabando diante de mim sem que eu sequer pudesse fazer alguma coisa.  

— Pois bem, explique tudo capitã Incis. — O capitão Cryfder sorriu friamente ao tirar uma das mãos do bolso.  

As unhas podres da sua mão direita reluziram em um vapor púrpuro.  



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