Trovão Infinito Brasileira

Autor(a): Halk


Volume 1

Capítulo 55: A Realidade Continua Atrapalhando A Minha Vida

Tomas está na minha frente com cara de quem acabou de aprontar alguma coisa. É ele o responsável por planejar me enviar para casa, onde vou poder ver novamente minha família e recomeçar do zero. 

Não tenho motivos para duvidar de sua índole de me ajudar, afinal de contas ele conheceu meu pai e pelo visto ficou devendo alguma coisa para ele. Ao menos é o que diz. E agora está desesperado para pagar a dívida de volta. 

Da última vez que tentou, foi me mostrando o Porão, onde ficam diversas criaturas macabras, testadas e aperfeiçoadas pela própria classe S. Nós ficamos presos naquele labirinto enorme e no fim eu jurei que jamais aceitaria outro favor de Tomas.

Entretanto, agora é diferente. Ele realmente está me dando uma chance de fugir daqui e voltar para a minha família. E era exatamente isso o que eu estava querendo desde o primeiro dia que entrei aqui. 

Além disso, ele prometeu que me devolveria o meu bastão de metal, a última lembrança do meu pai, que foi confiscada pela Solares a um tempo atrás. Não guardo ressentimento dela por isso, fico com raiva das pessoas que colocaram em sua cabeça que não deveria acreditar em mim.

Agora Tomas acabou de dizer que conseguiu meu bastão de volta. O que significa que estou prestes a dar pulos de alegria, mas o medo da notícia ruim que possa vir a acompanhar essa novidade me mantém pregado ao chão. 

— Como assim você conseguiu? Ele não estava guardado em alguma sala secreta ou sei lá o quê?

— Sim. Estava — responde. — Mas depois da saída do senhor Zero para fazer o reconhecimento no Distrito 4, eu consegui uma brecha. 

Ele me leva para um corredor, abre uma porta e tira dali o meu bastão. O seguro com tanta força que sinto meus nós dos dedos estalarem. Finalmente, aqui está o meu velho companheiro. 

— Tomas, cara… Muito obrigado, mano. Você não sabe o quanto isso aqui significa para mim. Mas ei! Isso não significa que vai saber? Não vai dar falta?

— Não. Substitui por uma réplica, mas o disfarce vai demorar pouco tempo, já que esse bastão é único.

Isso pega o meu interesse. 

— Como assim? 

—  Fiquei sabendo de alguns dados antes de pegar isso — ele aponta para meu bastão como se ele não fosse só um bastão. — O material dele não é um metal conhecido. É reagente e maleável. Quer dizer, tecnicamente ele é uma matéria estranha que consegue se adaptar a qualquer ambiente. 

Eu fico confuso. Não são todos os metais maleáveis e resistentes? 

— Acho que meu bastão não tem nada demais — digo. — Ele é só um bastão de metal normal.

— Você não está entendendo — retruca. — Seu material é o que chamamos de Klyntar. É muito raro, na verdade está mais para uma lenda. É da época de antes do Rei, quando o mundo ainda era governado por um tirano.

— É só um bastão, Tomas — reitero.

— Não é só um bastão — diz ele. — E recomendo que pesquise a respeito desse metal. Acho que a sua pulseira pode vir a calhar. 

— Finalmente eu fui lembrado! — fala Remi, que ainda está no meu pulso. — Será um prazer dar informações sigilosas para o Kaike.

Ei! Quase ia esquecendo de que o Remi é meio que um informante. Isso não seria tratado como uma espécie de rebeldia?

— Tudo bem ele estar sabendo de tudo isso? 

— Sim. De alguma forma, o Remi lhe encara como amigo, o que significa que não vai te trair. A menos é claro que você acabe dando reais motivos para isso. 

— Estou com meu bastão de volta, isso não significa que ele vai me dedurar para a Negra? 

Tomas estremece quando falo o nome dela. É engraçado ver que até mesmo quando não está presente a sua reputação faz qualquer um titubear, nem que seja um pouco. 

Ainda não conheci aquela mulher direito, tive uma única conversa com ela assim que entrei para essa nova classe secreta, da qual nunca tinha ouvido falar antes. 

Como comandante, a Negra é sem sombra de dúvidas muito habilidosa, ao menos mais do que eu. E dizem que sua inteligência a levou de recruta para o lugar onde ela está hoje. Algo muito difícil. 

Resumindo, seu cargo é seu legado. Se quer saber, acho que um cargo não é legado coisa alguma. São seus feitos que falam por você, não suas credenciais. Entretanto, é evidente que uma roupa enfeitada com estrelas deixa a maior parte das pessoas com medo.

— Acho que não — responde Tomas, afrouxando a gola de sua camisa. — Remi é uma inteligência que simula emoções, o que significa que ele possivelmente lhe encara como um amigo. E provavelmente não vai te trair, contato que você também não traia ele. 

Isso explica algumas coisas. Passei muito tempo com Remi e consigo contar as vezes em que ele poderia simplesmente ter aberto o jogo e quebrado as minhas pernas. 

Entretanto ele vem guardando segredo, pelo visto. Ou ao menos é o que quer que eu pense. Quer que eu continue acreditando que é uma inteligência emocionada, que me encara como amigo, só para no fim das contas ele me apunhalar pelas costas. 

Sim, consigo imaginar aquela mulher de cabelos escuros e pele tão negra quanto a noite planejando tudo isso. 

Aposto como está em sua sala agora, zombando de todas as informações que tem a respeito de mim, esperando apenas o momento ideal para usar elas como forma de chantagem. 

Sei que é capaz disso, pois na primeira vez que nos vimos ela me deu apenas duas escolhas: Morrer ou aceitar ser um recruta. 

Alguns poderiam dizer que foi mais uma bondade imerecida, afinal nunca se ouviu falar de um Condutor bom, e no fim das contas ninguém iria encarar isso como uma afronta.

Tomas pode cair nessa história de amizades e inteligências artificiais, mas eu não. Esse robô está aqui para me vigiar e basta ele obedecer. 

Queria até perguntar se teria como tirar Remi só meu pulso assim que partimos, porém deixo para lá. Melhor deixar com que esse robozinho continue a achar que está me enganando. 

— Mas então — falo finalmente. — Tem mais alguma coisa que eu deveria saber?

— Só mais uma coisa, a respeito do torneio. Tenho as listas de nomes daqueles que foram escalados. Talvez isso te ajude de alguma forma, afinal você vai estar sabendo quem vai batalhar com quem e já preparar os seus.

Eu dou uma risada e logo tenho de me conter, já que estamos em corredores vazios tentando não chamar a atenção. 

A ideia agora me parece bem ridícula. Ele deve saber que estava formando meu próprio grupo de alunos, a parte dos de Solares, que é a Chefe. E que estava ajudando "os meus" a enfrentar os de Solares. Bom, era assim no começo até que finalmente fizemos as pazes. Ao menos eu acho que fizemos. No mínimo foi um recomeço. 

Agora, acho que todo mundo vai ser treinado por mim. Ao menos espero que ela deixe que eu faça isso. Não estou querendo me gabar, mas sou um bom treinador. Melhor do que os auxiliares que ela escolheu. E agora que estamos no mesmo time, vamos todos poder nos ajudar. 

— Obrigado pela informação — digo. — Pode me dar a lista de nomes.

Ele vai falando os nomes. Alguns eu já esperava, outros nem tanto. Mas existe uma dupla de nomes que vai se enfrentar que me deixa suando frio… 

Ermo vs. Vida.

 

— DORMITÓRIO —

 

Demorou para que os barulhos acabassem naquele local. Estavam todos animados com Solares, dizendo o quão incrível ela era por aguentar tanto tempo com um Condutor. Isso foi muito prestigiado, pois ninguém ali jamais conseguiu aguentar mais do que alguns minutos contra Kaike. 

Até chegaram a pedir para que Solares os ensinasse a ser como ela. Obviamente esse foi um comentário irônico, pois tecnicamente já fazia isso. Os autores da maior parte das piadas daquela noite foram protagonizados pelos gêmeos Precioso e Maravilhoso.

Em meio a risadas e brincadeiras, havia apenas um grupo que não estava assim. Esse eram Ermo, Saibro e Parça, que ficaram conversando até altas horas da noite sobre como detestavam tudo o que estava acontecendo. 

Ermo tinha especial raiva dos gêmeos, pois para ele os garotos eram felizes demais para quem viviam em cavernas no Distrito 1. Fora isso, o rapaz gostava de fazer piadas raciais e xenófobas apenas para se divertir.

Entretanto, ainda não estava satisfeito. Achava que merecia uma recompensa por todo o sofrimento que estava passando, que em sua cabeça era justamente ver outras pessoas felizes. Ele acha que apenas ele conhecia a dor e sofrimento de uma vida no Distrito 5. E que apenas ele merecia toda a alegria do mundo. 

Por conta disso, tramava algo com seus colegas. 

— No próximo torneio — disse ele. — Acho que vou dar um show. 

— Como assim? — perguntou Parca. 

— Presta atenção em volta. — Ele abriu os braços. — Estão todos unidos e felizes agora. O que significa que não temos mais ninguém do nosso lado. Ou seja, podemos acabar com qualquer um no torneio sem dó nenhuma. E é exatamente isso que eu vou fazer. Vou dar um show para todos verem..

— Mas isso daí não vai contra as regras? Até onde sei, basta o lutador desistir e pronto. Vitória garantida.

— Não vou deixar que desista — falou. — Vai ser um show em homenagem a toda essa alegria aqui. 

— E não vai ficar feio para seu lado? Se estão todos felizes, vai que todos ficam contra você. 

— Eu já estou contra todos desde o dia em que nasci, Parca. Ninguém está por mim. 

Eles ficaram em silêncio por um momento, provavelmente refletindo na vida no deserto. 

Embora não fosse realmente a coisa mais agradável do mundo viver em um deserto, todos os três, Ermo, Saibro e Parca eram de um setor mais rico. Não tinham do que reclamar. Porém o Distrito 5 adorava reclamar do seu próprio distrito e isso era passado de geração em geração, cada vez pior. 

Quando todos foram dormir, inclusive o grupo que resolveu odiar a todos, Ermo ficou acordado pensativo em sua frustração. Queria explodir alguém para se aliviar. 

Foi quando viu Kaike entrando devagar. Estava com um rosto triste. Ermo notou que o Condutor estava olhando para a cama de Vida. E logo depois de olhar com pena para lá, olhou em direção a Ermo. 

Ermo estava acordado e seus olhares se cruzaram. Foi ali que o garoto do deserto percebeu algo de errado. Uma maneira de abalar o sistema. 


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