Volume 1
Capítulo 33: Desafie Seus Limites (3)
Droga! Vou morrer desse jeito. Morrer esmagado por uma aranha. Ao menos o Thomas tá tranquilo, ele consegue sair dessa. A aranha vai me matar e ele vai viver.
Bom, isso é bom. Uma vida por uma vida. Pena que meus amigos do D2 vão acabar sem receber muita verba. Não penso que esse povinho da classe S seja de fazer caridade. Só iam ajudar meus amigos enquanto eu estivesse a serviço deles.
Ao menos vou morrer do mesmo jeito que meu pai morreu, salvando alguém. É isso. Para mim é suficiente.
Fecho os olhos e espero o fim iminente. Mas… Olha só, quem diria.
— Ei, aranha gigante! — grita Thomas. A criatura olha para ele, me deixando em paz por alguns segundos. Ele aponta uma pistola para ela. — Morre!
E atira.
Assim que atira, toda aquela gosma pega fogo e a aranha pega fogo. Ela sai correndo desesperada pela caverna, porém isso só coloca ainda mais fogo em tudo, já que tudo está coberto de teia.
Enquanto a aranha tenta se apagar, Thomas me ajuda a levantar e me leva até a porta. Ele praticamente tem que me levar arrastado pelo corredor branco, após fechar a porta atrás de si; um incêndio a esse momento não seria nada bom.
Penso em agradecê-lo, mas isso é impossível já que no momento só consigo respirar fundo.
— Não podemos deixar rastros, ninguém pode nos ver — fala ele. — Isso foi muita imprudência da minha parte. Tenho que dar um jeito de que tudo funcione conforme o plano…
Não entendo muito bem sobre o que ele está falando. Plano? Estou ficando doido, com certeza. A falta de oxigênio no meu cérebro com certeza está me fazendo delirar.
Gostaria de conseguir drenar alguma dessas lâmpadas que tem no corredor, eu ficaria bom em um segundo, porém não consigo dizer para o Thomas me aproximar delas e nem drená-las daqui onde estou. Estou muito fraco.
De qualquer forma, ele vai me levar para a enfermaria e tudo dará certo. Ninguém vai nos pegar. Ao menos é isso que espero, porque se alguém descobrir…
— Espera aí, esse é o Kaike?
Uma garota de cabelos vermelhos aparece na nossa frente. Ela me vê no estado que estou, sendo carregado por um soldado de duas estrelas.
Se não me engano ela é uma daquelas meninas que brigou com o Ermo. Bom, fico feliz em ver ela falando comigo, parece até que estava me procurando. Mas esse não é o melhor momento....
— O que vocês estão fazendo? — ela pergunta com desconfiança.
Cara, eu tenho uma sorte danada para não ter sorte.
Thomas fala para ela que não há com o que se preocupar. Porém a garota continua insistindo que quer falar comigo e que precisa da minha ajuda.
Depois de muita insistência ela concorda em nos ajudar a ir até à curandeira. Thomas me segurando por um dos braços e essa garota de cabelos vermelhos do outro.
Ficaria muito grato se ela parasse de reclamar do meu cheiro a cada esquina que a gente vira. Sei que estou precisando de um banho, não precisa ficar falando alto.
Quando finalmente chegamos, fomos atendidos prontamente. Um soldado de duas estrelas tem muito mais prioridade do que eu, porém Thomas diz para a curandeira curar de mim primeiro.
A curandeira investiga, pergunta o motivo de nosso estado. Thomas dá um espetáculo de mentira. Ele fala que me levou para o saneamento, porém houve um mau funcionamento nos equipamentos.
De algum jeito ele conseguiu justificar o ácido e também a minha falta de energia. Ele citou alguns dados técnicos e algumas substâncias estranhas que provavelmente justificariam o meu mau estar.
Isso não parece comprar muito a curandeira, mas as informações parecem ser verdadeiras o suficiente para que ela comece a me atender. Enfia uma agulha no meu braço e o soro começa a descer.
Enquanto me recupero, isso vai demorar bastante tempo, fico observando Thomas e aquela garota que veio até aqui conversando.
O soldado parece bem relutante em falar qualquer coisa e mede as palavras muito bem. Por outro lado, a garota parece muito escandalosa, como se quisesse tirar a verdade dele a todo custo.
Eu não dou a menor importância. A cama está confortável. Eu fecho os olhos e durmo.
Assim que acordo tenho uma surpresa. Várias, na verdade. A primeira delas é que aquela garota está do meu lado, dormindo na cadeira com os braços cruzados.
A segunda é que minha roupa foi trocada. O que me deixa em dúvida. A curandeira me viu pelado? Isso não é motivo de preocupação, eu sei. Mas e se essa ruiva aqui tiver ajudado ela? Afinal de contas é isso que os acompanhantes fazem.
A próxima surpresa é que eu não estou mais fedido. Recebi um banho na cama. E isso sim é uma grande surpresa.
Estou bem, me sinto bem, por isso me sento na cama. A garota à minha frente acorda. Ela se levanta e empurra meus ombros, como se me impedisse de fazer qualquer outro movimento brusco.
— Nada disso — ela diz. — Repouso, a curandeira disse para ficar em repouso. Você não faz ideia de quão mau era o seu estado. Ela deu a previsão de recuperação só na próxima semana.
— Na próxima semana? Eu já estou bem, garota. — Resisto ao empurrão dela a segurando pelos braços. — Quanto tempo eu fiquei dormindo?
— Só algumas horas. — Ela põe a mão na minha testa enquanto olha para uns aparelhos que estão ali em volta de mim. — Tem certeza que você está bem.
— Estou. Quer ver? Remi, me diz o estado da minha saúde.
— Sua saúde está na cor Verde atualmente, Kaike.
— Viu só?
Ela parece ficar impressionada com a minha pulseira, que na minha opinião está mais para uma algema, mas tudo bem.
Enquanto conversamos, a primeira coisa que pergunto para ela é seu nome. Ela se chama Amor e é do D4, o mesmo distrito da Vida.
Amor me faz perguntas, como por exemplo onde consegui aquela pulseira. Depois ela faz perguntas mais diretas, onde eu estava com Thomas e por aí vai. Demoro bastante e reluto em dar algumas informações para ela.
Primeiro descubro o que Thomas contou para ela. Pelo que entendi ele acabou sendo chamado para ir em algum lugar, algum dever de soldado de duas estrelas tenho certeza.
Entretanto, ele não parece ter revelado grandes coisas para a garota à minha frente. Decido compartilhar pouca informação. Amor percebe que não estou contando todos os detalhes.
Ela dá um suspiro e começa a me contar o motivo de estar me procurando, algo que eu tinha esquecido. Estava curioso para saber.
— A gente brigou no dormitório depois da sua saída, quando você desapareceu do nada. Daí eu me irritei e vim te procurar para resolver…
— A gente? — pergunto, surpreso. A informação foi quase como um choque para mim. — Que gente?
— Eu, as meninas, a Vida, que é sua amiga, o Ash também e aquela garota, a Bia. Também teve outros que ficaram do nosso lado.
— Pera… Calma. Vocês brigaram no dormitório?
— Não. A gente brigou com a Solares, porque…
— Brigaram com a Sol?
— Dá para parar de interromper? Vou contar a história do início…
E ela conta. E demora um longo, longo tempo. Amor é uma ótima pessoa, parece ser, mas contar histórias não é seu foco. Ela acaba mudando de assunto diversas vezes no meio do caminho e acompanhá-la é um sufoco.
Entretanto, consigo entender a sua história.
Basicamente Vida estava péssima devido ao que aconteceu na primeira fase do torneio. Amor chegou para reconforta-la, porém acabou se irritando com a situação e tirou satisfação com todos os auxiliares.
Entendo a frustração de Amor nesse sentido. De fato ninguém ali passou um treinamento decente. Afinal, não é só ensinar movimentos em uma luta, também precisa adaptar-se à necessidade do aluno.
Reclamar é um direito de todos os recrutas, ao menos é o que eu acho. Mas a maneira como ela disse que fez isso me deixou em dúvida sobre esse pensamento.
Ao contrário de uma pessoa razoável, Amor já começou acusando a Solares e seus auxiliares de serem grandes patetas. Isso obviamente pegaria mal para a reputação de todos, incluindo a Chefe dos Recrutas.
Uma confusão se instaurou no dormitório. A maioria defendendo a Solares, uma pequena minoria defendendo Amor e ainda aqueles que ficaram neutros, nos seus cantos.
Ermo e sua companhia ficaram do lado da Solares, o que me deixa um pouco surpreso. Esse cara não é flor que se cheire, está armando alguma, posso sentir.
E no meio da discussão, inventaram de colocar o meu nome no meio da conversa, dizendo que eu era melhor que não sei quem e… Sinceramente depois dessa parte é difícil de entender, porque a Amor é muito prolixa.
No fim ela acabou se irritando e saindo do dormitório para me procurar. Agora ela quer me usar como uma espécie de símbolo para a sua revolução. Ao menos é isso que eu entendi.
— Como é que eu saio de uma confusão para entrar em outra? — pergunto para mim mesmo.
— Como assim? — Ela não deixa passar nada. — Você está escondendo alguma coisa, não é? Vai ver não é quem eu pensava que fosse.
— Amor, eu sou um Condutor. Nem eu sei o que pensar de mim mesmo.
Sua aparência séria vai embora no instante seguinte. Ela dá um sorriso e dá um soco de leve no meu ombro. Se senta ao meu lado da cama e fica observando os sapatos.
Ela é um pouco mais baixa que eu, mas nem tanto. Ainda é mais alta que a Vida. Seus tênis são vermelhos e não pretos como a maioria e ela usa um casaco jeans rasgado e vermelho também.
Seu ombro encosta no meu e consigo sentir a energia dela. Essa é uma energia que nunca senti antes. Ou será se senti?
É como se nunca se cansasse. Não é tão clara quantas as outras que já senti, será preciso aprender sinais até para sentir a energia de outra pessoa? Atitude, poder.
Essa garota é como um furacão, incontrolável e imprevisível, ainda assim poderoso o suficiente para fazer um estrago.