Trovão Infinito Brasileira

Autor(a): Halk


Volume 1

Capítulo 20: O Tempo Mostra Quem É Quem

— SOLARES —

Solares já estava na enfermaria aquela hora. Não queria admitir, porém Kaike tinha razão com relação a sua saúde debilitada. Ela havia colocado o comando nas mãos de Leona, uma das únicas pessoas que Solares verdadeiramente confiava. Enquanto isso, foi ver se conseguia algum comprimido que amenizasse o seu súbito cansaço.

A curandeira lhe deu uma pílula de C-1, o que melhorou bastante o astral da líder. Ainda assim, era necessario que ela esperasse um tempo sentada enquanto a sua cuidadora dava uma saidinha para verificar como estavam os outros.

De fato, haviam diversas macas com alguns soldados nela. Eles voltaram de suas missões e estavam machucados, logo precisavam de cuidados. Solares os admirava de longe, pensando sobre a sua determinação.

No meio de seus pensamentos, algo um tanto peculiar aconteceu. Solares pensou em Kaike. Mas não do jeito que ela gostaria de pensar.

A maneira como ela foi desrespeitada na frente dos outros a deixou com uma sensação muito infeliz. Sua vergonha não vinha de ser humilhada, mas por se sentir rejeitada. Mas rejeitada por quem? Pelos seus recrutas? Esse não era o caso, já que nunca foi de simpatizar muito com a opinião alheia.

Então, por que dá tristeza? Estava desapontada com algo, até consigo mesma. E isso só depois de Kaike ter lhe confrontado na frente de todos.

Kaike. Aquele condutor. Não qualquer um condutor, mas um que gostava de tirar ela do sério e de lhe desrespeitar lhe chamando pelo apelido fofo, embora um tanto vulgar e cortando todo o significado de seu nome: “Sol”.

O coração de Solares bateu mais forte quando ela se lembrou da maneira como Kaike a chamava.

“Aquele idiota”, pensava. “Fica me chamando assim na frente dos outros. Aí! Que ódio. Ele iria gostar de eu chamasse ele de um apelido também?”

Ela mal sabia que a resposta era sim.

Solares se deitou na sua cama, de cara emburrada olhando para o teto. Então um sentimento passou pela sua mente. Esse sentimento lhe dizia: “É só um apelido. Não é como se ele estivesse lhe xingando, ou coisa do tipo.”

Aquela defesa em sua mente não era algo comum. Solares jamais encararia que quem a chama por um apelido tivesse boas intenções. Porém, para Kaike, pensar dessa forma foi uma excessão.

“Sol”, pensou a garota, imitando em sua mente a voz de Kaike. Isso, por algum motivo, a divertiu e ela deu um leve sorriso. No instante seguinte ficou vermelha. Olhou de um lado para o outro, como se tivesse medo de alguém desvendar seus pensamentos.

Solares não era de ficar vermelha daquela forma, apenas quando estava feliz. E felicidade, essa sensação, era motivo de vergonha para ela e deveria ser escondido. Ela foi criada para ser forte. 

Por isso, quando estava se sentindo feliz, ficava vermelha, com vergonha de que alguém reparasse no que ela considerava uma fraqueza. Afinal de contas, era uma chefe, uma futura caçadora de condutores. Não poderia demonstrar felicidade em momento algum, pois certamente as pessoas parariam de ter medo dela.

Pensava dessa forma, pois sua cuidadora, a Comandante Negra, era de fato uma mulher amarga e de pouca contração labial do músculo risolis. A garota de cabelos brancos e olhos vermelhos achava que isso era o ápice da seriedade e respeitabilidade.

Mas já que se esforçava tanto para parecer com sua Comandante, por que Kaike não tinha medo de nenhuma delas? Kaike agia com curiosidade para descobrir sobre o passado de Solares, pois viu em seus olhos sofrimento. 

Solares, porém, não sabia disso. Achava que sua curiosidade vinha do fato dele ser um condutor, sedento por sangue e com vontade de matá-la, ela e a todos. Assim como fizeram com seus pais.

Pensar assim não era fácil para ela.

“Aquele idiota!”, pensou novamente, dando um soco no travesseiro e o puxando para o seu peito. Ela abraçou o objeto e escondeu metade do seu rosto nele, ainda dando espaço para que seus olhos pudessem ver o teto branco.

Ela voltou a se lembrar da vez em que o encontrou no corredor. Estava mesmo cansada de todo aquele estresse. A luta com Leona tinha lhe desgastado muito e ainda tinha vários alunos para dar aula. Era estressante ver que a maioria era incrivelmente ruim na arte da luta. Ao menos ela tinha fé de que eles fossem melhorar.

Quando ela foi atrás de Kaike, naquele momento, ela queria tirar satisfação com ele. Brigar com ele, dizer qualquer coisa. Mas não era bem por ser chefe, o motivo não era esse. Era algo a mais. O fato de ele, logo aquele condutor, ter virado as costas para ela a deixou aborrecida. Triste.

Solares se lembrou de quando caiu nos braços do rapaz de cabelos azulados, que vinha de uma família humilde do Distrito 2, de um setor pobre. Ah, pode apostar que ela ficou sem jeito. 

Era a primeira vez que encarava uma pessoa tão de perto, sem o pretexto de estar enfiando o punho em seu rosto. Ela queria lhe bater? Queria. Mas o motivo para tal atitude nem mesmo ela conseguia entender.

Seus sentimentos confusos começaram a deixá-la ainda mais vermelha. Pensar no cheiro dele, menta, no toque delicado, porém cheio de energia... O olhar azul marinho lhe encarando de cima para baixo, preocupado, como se ela fosse a coisa mais importante do mundo.

Solares queria enfiar a cabeça no chão e explodir naquele momento. Relembrar toda a cena e os sentimentos a deixou como um tomate. A garota enfiou a cara no travesseiro e virou de barriga para baixo, batendo os pés na cama, como se isso fosse ajudar a apagar a sua memória.

— Tudo bem, Chefe? — perguntou Leona, com o seu vozeirão estrondoso.

Solares sentiu um arrepio no corpo inteiro e se virou com um pulo. Era mesmo Leona, uma de suas auxiliares. O que ela estava fazendo ali? Será que a tinha visto? Será que conseguiu ver dentro de seu coração e perceber todos os seus sentimentos confusos?

— A-ah.. Sim, eu estou ótima. — Solares tinha de usar algo melhor do que aquilo para convencer sua auxiliar. Ela se sentou na cama, deixou o travesseiro de lado e respirou fundo, parecendo abalada. — Desculpe, eu só estou um pouco estressada com tudo o que vem acontecendo.

— Fala do treinamento ou do comportamento do Kaike?

Foi como se um raio tivesse atravessado o seu peito, o deixando eletrizada mais uma vez e, ao mesmo tempo, paralisada.

— O Kaike? — disse ela, com falsa seriedade. — Desde quando me importo com o comportamento de rebeldia de um Recruta? Ele vai se dar mal se continuar me desrespeitando na frente dos outros.

— Você colhe o que planta.

Solares levantou uma sobrancelha para Leona.

— É um ditado do meu distrito — responde. 

Ela soltou um suspiro e se sentou ao lado de sua chefe. A cama afundou, deixando Solares mais perto dos grandes músculos de Leona, o que era descontável para a chefe.

— Não era para você estar cuidando dos outros? Eu deixei você lá para me substituir. 

— Acha que o comportamento do Kaike não é apenas a ponta de um problema ainda maior?

Outro raio atravessou o peito de Solares. 

“Qual o problema? Por que esse garoto não sai de perto de mim?”, ela pensou .

— Do que você está falando? Quer dizer que ele ainda vai apresentar mais problema para nós?

— Talvez. — Leona dá de ombros. — Mas não é isso que quero dizer. Ele não é o único que anda insatisfeito com as coisas. Ouvi muitos recrutas cochicharem sobre como o treinamento é ruim.

— Isso é normal. Eles vão se acostumar.

— Mas e se de fato nós estivermos fazendo um treinamento infrutífero? E se no final, todos verem que o melhor é treinar por conta própria?

Isso faz Solares refletir por um segundo. Não considerava que isso pudesse acontecer e essa dúvida nunca passou pela sua cabeça. Afinal de contas, tinha muita confiança na sua própria liderança, ou no caso, em sua patente de chefe. 

Porém como era uma querida amiga que estava apresentando aquela dúvida, o mínimo que podia fazer era considerar uma resposta. Infelizmente não considerou o suficiente e apenas respondeu vagamente:

— Isso não vai acontecer, Leona. Nós somos os únicos que podem contar. Não existem outros auxiliares e nem outro chefe. Se decidirem ficar sozinhos, vão perder mais do que ganhar. — Ela fez uma pausa enquanto refletia no que dizia, mas era difícil, pois a lembrança de Kaike ainda lhe incomodava. Quanto mais cedo saisse daquele local e fosse colocar a mão na massa para se distrair, melhor. —  Agora já chega, vamos logo embora.

— Não vai esperar a curandeira voltar?

Solares teve de pensar em outro motivo além do fato de não querer estar ali parada pensando em alguém que não gostava.

— Ela demora demais — respondeU. E assim, às duas voltaram para a sala de treinamento.

 

ϟ CORREDOR DA INSTALAÇÃO ϟ
ϟ FALTAM 4 MESES PARA A EXPLOSÃO ϟ

 

Observo Thomas à minha frente. Ele parece um cara bem legal, embora seja bastante suspeito vir me parar assim. 

Não eram os soldados classe S todos contra condutores?

— E então, Thomas. O que você quer falar comigo?

— Primeiramente, deixe eu me apresentar. Preciso que você acredite no que vou dizer, então é bom criar confiança com você antes.

— Ahm… Tá bom. Agora é a parte em que eu pergunto qual é a sua fruta favorita?

Ele dá uma leve risada.

— Eu também sou do Distrito 2, da Geo City. 

— Ah! Aquela que tem uma geotérmica e fica perto do Distrito 4? Bem em cima? — Thomas balança a cabeça positivamente. — Poxa, bem distante. Acho que nunca fui lá.

— De qualquer forma, eu conheci seu pai. 

Um sentimento de euforia misturado com nostalgia enche o meu peito, me dando energia para perguntar:

— Sério? Como? Eu… Ahm.. Eu nunca soube dele indo para a Geo City antes.

— Nos conhecemos na sua cidade mesmo, a Hidro, quando eu era mais jovem. Veja bem, não nasci classe E, como você. Era da classe B, então viajar não era tão incomum pra mim. Em uma dessas viagens eu conheci o seu pai mais novo, você nem era nascido ainda, na época. Eu acho, não tenho certeza disso.

— Ele já tinha o bigodão? — pergunto, entusiasmado.

— Ahm… Bigode? Sim, sim. Não tinha como esquecer aquele bigode.

— Que dahora! E aí? Como você…

— Deixe eu contar o resto, estou ficando sem tempo. O fato é que conheci o seu pai e ele me prestou um grande favor no passado. Lembro que ele ficou falando sobre como amava a família e as pessoas. E na época eu não pude retribuir o favor, mas estou disposto a pagar essa dívida com você, agora.

— E como pretende fazer isso? Vai me dar uma passagem de volta para a minha cidade?

Ele dá um suspiro de insatisfação.

— Infelizmente não. Mas eu sei como posso te ajudar na tarefa dos seus testes físicos.

Eu fico um pouco desanimado. Gostaria que os favores que esse cara deve ao meu pai fossem um pouco mais caros.

— Bom, e o que você vai me ajudar exatamente? Algum tipo de trapaça? — pergunto sem muita emoção. Se envolver trapacear, então não pretendo aceitar a ajuda. 

— Não. Não é nada disso. — Ele olho de um lado a outro pelo corredor e chega mais perto para sussurrar: — Você sabe qual é a última fase do teste físico?

— Não é o torneio? Se bem que eu fiquei sabendo que 1 terço dos recrutas morreram no ano passado. Então fiquei imaginando que tipo de teste poderia ser esse. O capitão falou que vai matar todos os que não tiverem 100 pontos.

— Isso é mentira — murmura ele. — Não são eles que matam. Eles submetem os recrutas, todos eles, a um último teste. Sem exceção. E se o recruta tem menos pontos, ele recebe menos armas para se defender. E consequentemente, morre. O verdadeiro teste está em uma porta secreta na sala de treinamento. 

— Uma missão secreta? — fala Remi, no meu pulso. — Que excitante!

Eu dou um salto para trás de susto. Droga! Esqueci que essa merda fica no meu pulso me monitorando. Ele vai contar tudo para a diretora.

— Droga! Remi! Desculpa, Thomas. Se essa coisa contar para a comandante que…

— Esse é um Robô Ecologicamente Móvel e Inteligente?

— Ahm… Acho que sim.

— Exatamente! — fala Remi.

— Então não tem perigo algum — diz ele sobriamente. Novamente o soldado olha de um lado a outro e depois me encara nos olhos, com as mãos por cima dos meus ombros. — Me encontre depois da primeira fase do torneio. Vou te levar lá para você ver. Até lá, treine bastante. Você vai precisar do máximo de força possível.

— T-tá… Okay então.

Ele balança a cabeça positivamente e sai pelo corredor, me deixando sozinho com Remi. Assim que ele vira a esquina eu brigo com minha pulseira:

— Remi! Você ouviu tudo? Nem pense em relatar isso para a Negra!

— Eu não envio relatórios para a comandante a respeito do que ouço, apenas o seu nível de evolução. Mas tenho de falar caso ela pergunte.

— Que merda… Vou fingir que eu acredito nisso… — Tenho de mudar logo de assunto. Acho que o plano já foi estragado de qualquer forma. — Agora, falando em evolução. Será que dá para me colocar naquela realidade virtual de novo? Eu preciso treinar.

— Treinar para ficar mais forte e subir de nível? Que excitante!

[CARREGANDO MUNDO]

[AGUARDE…]

[…]

Hora de subir uns níveis e descobrir umas habilidades novas. O Ermo nunca mais vai conseguir encostar um dedo em mim!

[SEJA BEM-VINDO, KAIKE]

 



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