Trovão Infinito Brasileira

Autor(a): Halk


Volume 1

Capítulo 15: Nem Todo Dia É Dia De Felicidade (6)

— O que está acontecendo aqui?

Quando olho para o lado vejo Sol graças a iluminação que sai de mim. 

Ela está usando roupas brancas dessa vez. Camisa branca, calça moletom branco e meias brancas. Isso combina muito com seus cabelos e também os seus olhos avermelhados.

Mesmo parecendo zangada ela continua desagradavelmente bonita. Dá vontade de ficar olhando para ela o máximo de tempo possível. Mas vou ter que deixar essa oportunidade passar, tenho outros problemas para resolver.

Volto a realidade e me lembro que ela é a Chefe e que fazer esse tipo de bagunça provavelmente me colocaria em maus lençóis. Só que dessa vez eu tenho uma justificativa.

A eletricidade do meu corpo parece ter acabado e quando isso acontece as luzes do dormitório piscam e se acendem. 

A cena é: Recrutas formando um círculo. No meio dessa círculo eu. Saibro mais ao canto conversando com Parca, ou tentando conversar já que ele não consegue soltar mais do que alguns gemidos estranhos. Ermo está mantendo certa distância. Sol parece ser a única corajosa o suficiente para chegar perto.

Isso é ruim. Parece que eu sou o vilão da história.

— Olá, senhorita Solares — fala Remi, no meu pulso, quebrando todo o clima tenso.

— Ele me atacou do nada! — Ermo é o próximo a falar. — Estava conversando com meus amigos e de repente ele chegou perto, falando um monte de besteiras e já partindo para a violência.

— Por que você fez isso? — Sol cruza os braços e me olha com raiva.

Isso é um pouco injusto. Só porque sou um Condutor ela está me tratando como vilão.

— É sério isso? Esse cara começou uma briga com o Ash e você confia no que ele diz?

— Isso sem contar que o benefício da dúvida é uma regra do regulamento — lembra Remi.

Ela me olha com mais raiva ainda, mesmo que eu não tenha dito nada demais. Na verdade quem falou foi esse robô idiota. 

Sol dá uma rápida encarada para a multidão em volta e parece se lembrar que como Chefe dos Recrutas têm de manter uma neutralidade.

— Então você não bateu nele?

Agora ela me colocou em um problema.

— Bem, eu bati sim, mas é que… — Sol me olha com raiva. — Para de me olhar assim. Eu bati nele porque ele não queria me devolver o meu bastão! Esse cara roubou ele e eu quero de volta.

— Do que você está falando, seu idiota!? Eu não roubei nada teu, não.

— Roubou sim! — Me aproximo dele, cheio de raiva. Cara como eu quero explodir a fuça dele. 

— E por que eu faria isso?

— Você primeiro inventou um boato dizendo que eu matei um monte de gente numa explosão. Isso fez o Ônix ficar contra mim! E ele até iniciou uma briga comigo, por sua causa! 

— Eu sou responsável pelo que eu falo, não pelo que os outros fazem com o que eu falo.

Eu aperto os punhos e rango os dentes.

— Você que bateu no Ash! E depois ficou aborrecendo a gente com conversinha afiada!

— Já disse, quem bateu nele foi a Parca. E ela já foi punida por isso. Não tenho nada a ver com essa história.

Eu agarro ele pela gola da camisa, cheio de raiva.

— Sugiro que se acalme, Kaike — aconselha Remi.

— Podem parar os dois. Ninguém roubou nada seu! — grita Sol.

— Como você sabe? — Minha surpresa é tanta que até largo o idiota.

Ela suspira e então fala em alto o suficiente para todos ouvirem:

— Recruta Ermo, vá direto para o seu beliche e fique lá enquanto eu converso com o Recruta Kaike. Agora!

Ele se solta de mim e limpa a camisa. Com um sorrisinho malicioso e completamente nojento, obedece.

Acompanho a Chefe. Saímos do dormitório e vamos até um corredor que parece completamente vazio. 

— Conversas em particular. Que excitante! — vibra Remi. 

Eu bato a pulseira levemente em uma parede. Ele solta um “Au!”, mas sei que não sente dor nenhuma. Infelizmente.

Ao chegar em um corredor isolado e escuro, ela se vira e com os braços cruzados começa a falar comigo.

— O seu bastão de metal foi confiscado por mim e está sob inspeção no momento.

Meus olhos quase saltaram da órbita.

— Revelações bombásticas! — diz Remi. 

Eu coloco a mão em cima do meu pulso a fim de que ele cale a boca.

— Então foi você que roubou ele?

— Não roubei nada seu. Ele será entregue para você depois que nada de suspeito for encontrado nele. 

— É o bastão do meu pai! 

— Você é um Condutor, Recruta — diz com voz exaltada. — Qualquer coisa que venha de você pode ser uma ameaça para a nossa segurança. É meu dever me assegurar que você não nos ponha em risco. Aquele bastão é de metal, o que significa que tem a chance de conduzir eletricidade. Seria uma arma pesada nas mãos de qualquer outro, mas nas suas… Bom, o estrago seria muito maior!

— Só que eu não vou usar ele para machucar qualquer um que me aborrecer! Eu não sou assim!

— E olha só o estrago que você fez no dormitório! Virou vários beliches, atrapalhou o descaso de vários dos meus recrutas… Imagina qual vai ser o assunto amanhã? “O Condutor que quase matou um outro recruta”, ou “Vocês viram como aquele Condutor manipulava os raios e brilhava igual uma lanterna?” Você, Recruta Kaike, vai instaurar o caos e colocar medo nos meus subordinados.

Eu dou um passo para trás. O que ela fala tem sentido, mas isso ainda me irrita. Aquele bastão é um presente do meu pai, o único resquício dele. A única coisa que ele deixou. Não posso perder isso, de jeito nenhum.

— Você vai me devolver ele. Seja por bem ou por mal.

Ela fica um pouco chocada, mas nem isso tira a sua irritação.

— Depois de verificarmos que não há nada de errado com ele, você vai recebê-lo.

— “Nada de errado nele”?! — Dou um soco na parede e sinto alguns raios saindo do meu corpo. Isso fica óbvio por conta da luz que está saindo de mim. — Você vai me devolver ele. Custe o que custar.

Ela recua, mas só hesita por um segundo. Aponta com o braço para um lado, o caminho que dá em direção aquela sala do saneamento.

— Vá direto para o…

Dou as costas para ela, a deixando falar sozinha, e vou em direção aquela sala idiota. 

— Foi bom falar com a senhorita, Líder Solares. — Remi se despede.

Ainda ouço ela falar que a minha punição vai ser de alguns dias e blá, blá, blá. Não estou interessado.

Estou irritado. Todos os soldados que passam por mim ficam um pouco assustados.

— Desculpe, desculpe — fala Remi. — Não se preocupem, o Kaike não fará nenhum mal a vocês, a menos que roubem algo dele.

Os raios que saem do meu corpo agora são menores e muito mais finos. Não fariam mal a ninguém, tenho certeza. O problema é que deve ser muito assustador ver uma pessoa irritada andando envolto de raios.

— Estou lendo que seus batimentos cardíacos estão irregulares. Sugiro que pratique meditação…

— Cala a boca, Remi!

 

ϟ DORMITÓRIO ϟ
ϟ FALTAM 4 MESES PARA A EXPLOSÃO ϟ

 

A pequena confusão que Kaike fez de fato despertou o interesse de várias pessoas ali perto. Diversos recrutas conversavam sem parar sobre o assunto.

As vozes que ecoavam por todo o lugar só foram encerradas quando Solares entrou no quarto. Ela não parecia nada feliz. Gritou para todo mundo ir dormir, apagou as luzes, deixando apenas as de emergência acesas, que eram mais fracas.

Isso fez com que as conversas cessaram por alguns segundos, mas logo voltassem, obviamente com menor intensidade, com menos barulho, com mais cautela.

Ermo e seus amigos estavam de volta, sentados um de frente para o outro. O rapaz do Distrito 5 achava que Solares viria falar com ele depois de se resolver com Kaike, entretanto por algum motivo ela não o fez. Parecia aborrecida.

Imaginou que talvez o Condutor tivesse a deixado tão aborrecida com a sua atitude que ela só queria voltar a dormir. Isso era um pouco surpreendente, aborrecer a Chefe Solares a tirando do sério tinha lá o seu mérito.

De qualquer forma, aquilo só prejudicaria ainda mais a imagem que Kaike tinha dentro do local. De certa forma isso era um avanço para os planos de Ermo, que eram simples: Fazer da vida de Kaike um verdadeiro inferno.

Um dos métodos que viu foi primeiro machucar o seu amigo, Ash. Depois pensou em um plano, uma ideia melhor.

Ermo havia conversado com Solares em particular, dizendo que talvez fosse um problema ter um Condutor armado com um bastão de metal, que provavelmente é um condutor de eletricidade.

Ora, um bastão de metal que conduz eletricidade e um condutor de eletricidade juntos? Isso não significava que seu bastão era uma arma?

Solares, que já não gostava muito de Kaike, decidiu confiscar para uma inspeção. Era o máximo que podia fazer, afinal de contas o bastão foi autorizado pela própria Comandante.

A garota de cabelos brancos pensava que a Comandante provavelmente já tinha feito alguma inspeção, porém ainda considerava um perigo manter aquele bastão ali, no dormitório. Imaginava que Kaike poderia usar a qualquer momento para matar todos; afinal, era um Condutor. E era isso que Condutores faziam.

Com a mente da Chefe dos Recrutas feito, Ermo assistiu Solares confiscar o bastão de Kaike. A semente já havia sido plantada. E depois o resultado: Kaike se meteu em problemas por não ter controlado seu temperamento.

— Não acredito que você fez isso — falou Parca, bem baixinho. — Eu pensava que ele ia fazer você virar poeira.

— Claro que não iria virar. — Ermo deu um sorrisinho. — Mas vocês viram a cara que ele fez quando pensou que eu tinha roubado o bastão dele? Impagável.

— Não, não vi. Eu estava ocupada gemendo de dor no chão.

— Quem mandou você se meter? O Saibro dava conta — disse Ermo friamente.

O garoto do Distrito 5 definitivamente não parecia se importar com os próprios amigos. Parca demorou um tempo para deixar de sentir dor. A sensação era de que a pele dela estava queimando e formigando ao mesmo tempo.

— Hur — balbuciou Saibro.

— Relaxa. — Ela segura a mão do rapaz alto que está dormindo na parte de cima do beliche. Ele foi o único que tentou ajudá-la, por mais que não tenha ajudado tanto. — Mas e aí? Aquele negócio devia ser bem importante, não acha?

— O quê? O bastão?

— Sim. Para ele perder o controle e fazer o que fez… Será se tem alguma misteriosa com aquele bastão? Como um… Segredo oculto ou algo do tipo?

— Não sei. Mas se realmente tiver algo, o Trovão vai ter mais problemas.

Ermo sorriu, pensando em que mistérios habitavam aquele curioso bastão.

Eles nem faziam ideia.



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