Trovão Infinito Brasileira

Autor(a): Halk


Volume 1

Capítulo 10: Nem Todo Dia É Dia De Felicidade (1)

A sala onde estou é quase claustrofóbica. Isso não me impede de andar de um lado ao outro, nervoso com as notícias que vão chegar. 

Já passei pela mesa circular diversas vezes. Em cima da mesa há vários papéis, discos rígidos externos e um computador portátil. Também tem um conhecido cubo mágico.

Dá para acreditar que essa sala é mesmo da Solares, afinal de contas ela é a chefe dos recrutas, então fica óbvio que ela tem algum privilégio. Não imaginava que esse privilégio se limitava a apenas uma sala.

A garota de cabelos brancos dorme no mesmo dormitório que todos os outros, sem nenhuma preferência, compartilha a cama com uma colega assim como todos os outros. 

Talvez isso seja para manter o respeito entre todos, afinal ela não conquistaria respeito nenhum se ficasse se mostrando como “a mais incrível”. 

Confesso que estou bem interessado na razão por trás daqueles olhos irados, mas agora tenho de manter o foco no problema.

Estou irritado com o que aconteceu a poucas horas atrás. Aquela violência gratuita deveria ser punida de alguma maneira. 

Os garotos, que depois fiquei sabendo que se chamam Ermo, Saibro e Parca, foram levados para conversar a sós com a Solares. Eu acabei me metendo na conversa por conta do sangue quente e fui mandado para cá, para não atrapalhar.

Ela não pode deixar eles se safarem dessa, de jeito nenhum. Mas tenho de ser realista, o que eu queria que ela fizesse com eles? Ficassem sem comer? O mínimo era que todos recebessem uma tarefa horrível por ao menos uma semana e não fossem mais autorizados a chegarem perto de mim e de Ash, no mínimo.

Conforme o tempo passa, eu fico cada vez mais ansioso. Até que decido me sentar e a única cadeira é a que fica atrás da mesa redonda. Ela é confortável e macia, muito melhor que aquele colchão fino do beliche.

Não sou bisbilhoteiro, mas noto uma foto em cima da mesa. Nela está uma pequena jovem de cabelos brancos ao lado de uma mulher alta, com roupas pretas e com uma marca de meia-lua na testa, a Comandante Negra.

— O que faz sentado aí? 

Solares chegou bem na hora. Ela não está irritada, parece séria até demais. Um pouco decepcionada, inclusive.

— Bom, é que não tinha outro lugar para sentar. — Me levanto depressa e vou em direção a ela. — E aí? O que aconteceu com eles?

— Você sabe que isso não é da sua conta, não sabe?

— Sei, mas é dá conta do Ash. E ele não está podendo sair muito do lugar depois daquele soco no rosto. Então, o que aconteceu com eles?

Seu olhar me diz que algo ruim aconteceu.

— A Recruta Parca recebeu uma punição. Vai ficar três dias na zona de saneamento, proibida de brigar com o Recruta Ash mais uma vez. Mas isso não significa que você…

— O quê? — pergunto, indignado. — Como assim foi proibida de brigar? Colocaram uma coleira nela? — O olhar dela me mostra que não é o caso. — E os outros três? Não receberam punição por quê?

— Porque a Parca assumiu a culpa total. E no fim foi apenas ela quem agrediu o Ash. — Ela cruza os braços. — O que mais esperava que fosse feito?

— Não sei, que tal dar tarefa para o grupo inteiro para começar? Eles provocaram o Ash também.

— A Recruta Parca assumiu a culpa, não tinha o que fazer… Espera aí, por que todo esse interesse?. Por acaso está planejando fazer algo com…

— Como tem coragem de pensar isso, Sol? Eu só estou preocupado com o Ash.

Tento ir em direção a porta, mas ela põe a mão em meu peito, me impedindo de continuar.

— Se você causar alguma confusão, vou fazer questão de te dar uma punição severa!

Eu pego na mão dela e a arrasto para longe.

Se aqueles merdas arrumarem confusão com o Ash mais uma vez, a única punição que eu vou receber será a de juntar os pedaços do que restou deles.

E saio pela porta, irritado, sem ouvir o resto dos comentários que a garota me fala pelas costas. 

Vou direto para o dormitório. Estou tão estressado que fico preocupado em acabar virando um corredor errado e dar de cara com um daqueles três sujeitos. Se isso acontecer agora, eu realmente seria capaz de quebrar a cara de um deles.

No fim chego até o local, entro e após chegar perto do meu beliche tenho uma visão agradável.

Vida está conversando com Ash e colocando um pano branco na sua testa. Parece estar dando uma bronca nele, o que só torna a cena toda ainda mais suave. É, ao menos o soco serviu.

Me aproximo dos dois pensando se eu deveria conter o meu sorriso. Talvez eles fiquem intimidados ou interpretem errado. Bom, não tem muito o que interpretar.

— E então, ele dá muito trabalho?

— Muito — responde ela. — Se tivesse colocado esse gelo na testa a inflamação já teria diminuído.

— Esse negócio queima a minha pele! — Ele está deitado no colchão e parece muito mal, mais do que deveria estar.

— Mas o gelo vai ajudar a melhorar. Por favor, deixa eu colocar. — Ela parece estar implorando para poder cuidar dele. 

— Você coloca muito forte. Não dá para dar uma maneirada?

O rosto dela fica rosado, assim como os cabelos.

— Você pode colocar então. — Ela passa a sacola de gelo timidamente para ele. Ash pega e fica encarando a garota, meio confusa.

Não é para menos, a cara que ela faz é de decepção e, ao mesmo tempo, vergonha. Não consigo entender muito bem o motivo, mas acho que falar mal dos seus métodos de cuidado lhe abalou.

— T-tá… 

Ela se levanta, faz uma leve reverência e sai andando, provavelmente em direção ao beliche que ela fica. Quando toma uma distância, eu dou um soco leve no ombro do Ash.

— Au! O que foi?

— Você magoou a menina, mané. 

— Magoei? Magoei? — Ele põe o gelo no rosto. — Por que você tá com essa cara?

Estou com um sorriso no rosto.

— Porque você é um manézão. — Dou mais um leve soco em seu ombro. — Eu vou lá falar com ela, vê se não tira esse negócio da testa.

— Vai pedir desculpas por mim?

— Peça você as suas desculpas. Eu vou ver outra coisa.

Ando até onde fica o beliche da Vida e acho. Ela está na cama debaixo, Bia está do seu lado conversando com ela. 

— Oi meninas… Ahm, Vida, tá chorando?

Ela esconde o rosto em um lenço, mas dá para ver que está muito mal. Isso me deixa chateado, não pensava que meu colega tinha o dom de partir o coração de uma garota. 

Bia começa a fazer inúmeros sinais indecifráveis. Quando vê que não entendi, muda a intensidade e velocidade, esboçando um rosto de indignação. Ela aponta de onde vim, depois faz um gesto agressivo e por fim algum outro gesto que entendo como sendo lagrimas.

Ou ela quer bater em alguém, ou ela está mandando eu ir embora. Dou um revirar de olhos e me aproximo de Vida.

— Ei, Vida. Não fica assim. Olha, o Ash vem pedir desculpas para você depois. 

— N-não é isso… — soluça. — É-é que… O A-Ash foi tratado com t-tanta v-violência… E eu nem consigo ser útil!

E cai em lágrimas mais uma vez, dessa vez mais intensa.

Ora, agora faz sentido. Ela se sente mal com a violência, o comentário de Ash foi apenas um acréscimo a sua angústia. 

Bom, o que posso dizer para ela? Tecnicamente falando, a grosso modo, ninguém gosta de violência. Porém não vou dizer isso, pois vai piorar as coisas. Vamos lá, Kaike. O que seu pai falaria nessa hora? Ele tinha bons conselhos.

— O que aquele mané do Ermo fez foi ruim — digo, massageando sua mão. — Mas você não precisa ficar frustrada com isso. Pessoas idiotas que nem ele nunca vão mudar quem você é por dentro. Porque a violência mostra o caráter de quem a pratica. E não tem porque você ficar triste, porque você é uma pessoa de caráter. 

É, tô ficando bom nisso. 

— Mas eu não consegui ajudar… — murmura ela entre soluços. Ela tira o pano da cara e olha para mim com os olhos inchados. Que dó. — Eu só consegui aquele gelo…

— Ora! Faça-me o favor! — digo exasperado. — A culpa não é sua e sim da instalação por não te dar medicamento. Você está estudando para ser médica em campo e nem te deram nada ainda?

Vida parece se acalmar. Continuo falando o quão importante ela é e como o resto do mundo ao redor dela é que está errado. Isso de alguma forma faz ela voltar a normalidade.

Enquanto estou conversando com ela, sinto uma mão fria pegando no meu ombro. Assim que me viro, vejo que é o Ermo e seu amigo, Saibro. Me levanto rapidamente, jogando sua mão para o lado, e já fico em alerta. 

— O que você quer?

— Eu? Nada, só queria saber o motivo da sua amiga estar tão… Triste. — Ele dá um sorriso debochado. Esse cara me irrita.

— E isso é da sua conta? — pergunto.

— Que é isso, nós somos todos colegas aqui. A união faz a força, ou coisa parecida. Ei, mudinha, você é do D3, não é? — Ele aponta para Bia. — A sua raça não tem umas frases legais? Tem alguma sobre união? Ah, desculpe, esqueci que você não fala.

E cai na risada. Bia mostra a linguá e dá o dedo do meio para ele.

— Mas enfim — diz Ermo e logo após faz uma pergunta direta para Vida: — Meu bem, você tá bem, né?

Ela não esboça nenhuma reação, só fica olhando para ele com surpresa e com os olhos inchados. Depois fica balançando a cabeça afirmativamente, bem de leve.

— O que você quer com ela, Ermo? — pergunto, começando a ficar irritado.

— Relaxa aí, ô Condutor. Só quero saber se ela está bem.

— E por que ela não estaria?

— Talvez porque tenha um Condutor malvado e destruidor de cidades aborrecendo ela. Não sei, existem muitas possibilidades. Ei, meu bem, pode ficar tranquila que o trovãozinho aqui não vai te machucar. 

Eu franzo a testa e olho para o amigo dele, o tal de Saibro. Ele fica calado o tempo todo. É alto e magro, mas em uma luta deve dar trabalho, suponho. Deve ser o segurança particular do Ermo.

Consigo imaginar ele indo de beliche em beliche procurando alguma briga, porém não encontrando nenhuma, pois todos devem ter medo de brigar contra Saibro. 

— Não consegue andar por aí sem o seu segurança? — provoco.

— Há! Segurança, é? — Ele olha para o amigo com tom irônico e depois volta a me encarar. — Você é muito barulhento, sabia, Condutor? É realmente um trovão, bem inofensivo e que só faz zoada.

— Toma cuidado com o que fala, ou vai acabar ganhando a mesma punição que a sua amiguinha.

— Quem? A Parca? Ela fez o que fez porque quis, não pedi para ela. Então ela que se vire com a punição.

Dou um passo para trás. Esse cara é desprezível. Se fala desse jeito dos próprios colegas, o que não dizer de mim? Ou do Ash? Ou da Vida e da Bia? Esse cara quer me aborrecer, mas não vai conseguir.

— Kaike — fala a minha pulseira. — Por favor se dirija até o almoxarifado, urgentemente

— O quê? Por quê?

— É urgente. Não faça perguntas, apenas siga a ordem — diz Remi.

— Melhor ouvir, Condutor. Ou vai acabar arrumando outra confusão.

De fato. Já estou na mira de Solares. Um desacato a autoridade de Remi pode me trazer sérios problemas. Não só para mim como também para meus amigos.

Eu olho para Ermo com o maior nível de ameaça possível, para deixar claro que não tolerarei que toque nos meus amigos. 

Depois olho para Vida e para Bia, fazendo um sinal de que tudo ficará bem. Elas não fazem muita objeção a isso e nem teria motivo para tal.

Saio do dormitório depressa, pensativo sobre o que ele me falou sobre confusão. Sinto que ele quer me derrubar, por algum motivo. Deve só estar brincando comigo, talvez seja falta de amor na infância. Não sei. Mas ele não quer meu bem.

Enquanto me dirijo até o local designado pelo Remi, fico pensando em que maluquice aquele cara estaria planejando para mim. Droga, eu não deveria ter saído de lá. O Ash está sozinho, e a Vida e a Bia também.

Quando menos me dou conta, já estou em frente ao local. Entro no almoxarifado e me sinto preso. Aqui é fechado, abafado e repleto de produtos de limpeza e também outras ferramentas estranhas. Não tem ninguém aqui dentro. Será que é algum encontro?

— Tá, então, e aí?

Uma tela holográfica aparece na minha frente.

 

ϟ [Iniciando treinamento virtual: nível 0] ϟ

 

O ambiente se contorce, vira de cabeça para baixo depois parece se mover igual uma gelatina, tomando a consistência de uma fumaça. Fico meio tonto e sinto uma náusea enorme.

Quando pisco, não estou mais no almoxarifado que estava antes, mas sim num ambiente completamente novo e, até onde consigo ver, infinito. 

— Bem-vindo ao seu primeiro treinamento especial, Recruta Kaike — diz Remi.


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