Trono de Cinzas Brasileira

Autor(a): Amaral Marcos


Volume 1

Capítulo 4: O nascimento da revolta

Adentrando a sala do trono, os guardas vão para sua retaguarda, deixando Horoyu cara a cara com o rei, que o recebeu de pé com um sorriso forçado: — Diretor Horoyu, é um prazer imenso recebê-lo! Sinta-se a vontade, iremos ter uma breve conversa amigável!

 

Engolindo a seco todas as ofensas que adoraria cuspir em seu rosto, retribuiu o sorriso com uma reverência robotizada: — O prazer é todo meu, majestade!

 

Sentando-se em seu trono, começou a explicar seu plano para a conquista das minas do Vale de Sangue, além de prometer uma grande recompensa ao diretor: 

 

— Seu trabalho é bem simples diretor, apenas selecione os piores alunos do primeiro ano que resolvemos o resto. Basta apontar os nomes que a recompensa já será sua.

 

— E-eu … N-...— Gaguejava.

 

O terror e a repulsa que sentia o fez ficar em silêncio por longos segundos até conseguir balbuciar uma meia resposta: 

 

— Não. Não consigo fazer isso, me perdoe.

 

Se estreitando até se tornarem dois riscos verdes, os olhos do rei penetraram o fundo de sua alma num aviso macabro: 

 

— Entendo. Obrigado por me emprestar um pouco do seu tempo Sr. Horoyu — Sentou em seu trono — Está dispensado agora.

 

Um alívio inexplicável tomou conta do copro de Horoyu, porém ele sentia que algo estava errado. “Graças aos deuses, eu es…”, pensou.

 

Como um tiro de um canhão, um som estrondoso surgiu no interior do salão, assustando os soldados com um pulo disfarçado.

 

Estranhamente, Horoyu não reagiu ao som, seu copro estava pesado demais para isso. Ele não entendia o que estava acontecendo, não entendia porque seus olhos lutavam para se fechar, não entendia porque sua cabeça estava tão pesada, não entendia porque havia um buraco em seu peito…

 

“Um… buraco?”

 

Cedendo ao peso esmagador de sua cabeça, viu o enorme rombo em seu peito que banhava seu corpo como uma cachoeira de sangue.

 

Sua visão enturvava a cada espasmo que tentava o lançar de joelhos no chão, o obrigando a segurar seus joelhos para se manter de pé: 

 

— Eu… eu não vou deixar que machuque aquelas crianças — balbuciou Horoyu.

 

“Seu monstro…”

 

Antes que pudesse reagir, três sons semelhantes ao anterior surgem rapidamente, estourando seu braço direito, sua barriga e, por fim, sua cabeça. 

 

Seu corpo, sem vida, despencou no tapete escarlate que se estendia de ponta a ponta na sala do trono, banhando o salão com a carne que restou de seus ossos.

 

Oscilando caoticamente em seu globo ocular, suas pupilas brilhavam num tom alaranjado brilhante como o sol, deixando de lado o verde morto de seus olhos: 

 

— O CTC está sob nova direção a partir de hoje — falou o rei.

 

Sob o  brilho da lua, Hanasu Noryoku, um dos soldados da Guarda Escarlate, voltava para sua casa após uma troca de turno por volta das 22h. 

 

Sempre que terminava seu turno, visitava as ruínas de um pequeno aglomerado de casas engolidas pela erosão nas periferias do reino. 

 

Quanto mais se distanciava do palácio, pior ficava a iluminação das ruas, criando um degradê de poder aquisitivo até se tornarem simples barracos de tijolos e madeira.

 

Entre as ruínas estava a casa de um amigo de infância de Hanasu que morreu ainda jovem. Após sua morte, o que restou de sua casa se tornaram um lugar de reflexão e desabafo dele.

 

Se espreitando entre as vigas podres e o que sobrou de móveis destruídos por cupins, rastejou até chegar a um quarto sem teto com um enorme buraco na parede.

Coincidentemente, o buraco proporcionava um vista privilegiada do céu estrelado e do rio que cortava a periferia do reino.

 

 “Esse lugar está nos seus últimos dias, logo a erosão do rio vai engolir tudo”, pensou Hanasu.

 

Caminhou com cautela até se sentar na beira do barranco, onde fez suas orações ao falecido amigo enquanto viajava nas memórias felizes que rasgam seu coração: — Esse não era o futuro que sonhávamos quando crianças…

 

Suas mãos tremiam quando tentava enxugar as tímidas lágrimas que se formavam em seu rosto, o fazendo gaguejar com os soluços: — O que estou prestes a fazer parece loucura, mas acho que é a única forma de acabar com esse ciclo de dor.

 

Levantando devagar, retirou seu elmo dourado de forma ríspida e o lançou barranco abaixo, gerando um som opaco distante ao cair no rio.

 

Quando os primeiros raios de sol começaram a entrar por entre as janelas dos dormitórios, Shimo despertou com o barulho gerado pelos demais alunos, porém estava sonolento demais para se levantar

 

“Eu tô sonhando?”, pensou.

 

Abrindo os olhos vagarosamente, inclinou sua cabeça para ver se Senshi já havia acordado, mas como já era de se esperar, ele estava totalmente apagado.

 

“Como esse cara dorme com essa barulheira toda?”

 

Descendo as escorregadias escadas do beliche, foi ao banheiro tomar um banho na tentativa de despertar. Chegando lá, se espantou ao ver como o banheiro era grande, contando com 10 cabines de banho opostas a 10 cabines sanitárias, deixando um corredor no centro.

 

Mexendo no material fornecido pela escola, encontrou um tipo de kit de higiene, contendo um shampoo, um sabonete, uma toalha de banho e uma de rosto.

 

Tudo estava muito bem embalado num plástico com a imagem do rei dando um joinha com a frase “uma cortesia de sua magnífica e bondosa majestade” estampadas. Shimo encarou a imagem do rei tentando entender se era sério ou uma piada de mal gosto. “Eu pago imposto pra isso?”

 

Jogando o kit desordenadamente dentro da única cabine vazia, Shimo tomou um banho mais gelado que o coração da morena na pura força do ódio, afinal  odiava água gelada.

 

Após longos e dolorosos 10 minutos, saiu da cabine encolhido em sua fina toalha como uma tartaruga protegida em seu casco, rastejando até os armários a fim de pegar uma muda de roupas limpas.

 

Por volta das  6:30 da manhã, todos estavam no refeitório, exceto Senshi, que continuava dormindo como uma pedra. Notando a sua falta, Hikari e Kaminri voltaram para o dormitório na tentativa de encontrá-lo.

 

Após rodarem todo o quarto e não o acharem, Hikari teve a ideia de olhar as camas, onde o encontraram totalmente apagado.

 

— Eu não acredito que esse cara ainda ta dormindo — bravejou Hikari levando sua mão ao rosto.

 

Abrindo um sorriso malicioso, Kaminari vê uma oportunidade única em sua frente: 

 

— Eu acho que sei como acordar ele!

 

Correntes elétricas finas como fios de cabelo começaram a dançar em seus dedos, aumentando de intensidade a cada passo que dava em direção do amigo.

 

— Ta ficando doido? — Gritou Hikari — Tu quer matar ele?

 

— Relaxa negue, só vou dar um choquinho — retrucou Kaminari.

 

Cutucando de forma brusca o corpo de Senshi, uma imensa corrente elétrica percorreu seu corpo até sumir sem deixar rastros.

 

— Nem ferrando que ele sobreviveu a isso.

 

— Real mano nem ferr… — Hikari teve um momento de revelação — Peraí, tu queria matar ele?

 

— Eu não ia matar, só deixar ele todo duro por uns min…

 

Num instante, um flash de luz sai de seu corpo, deixando uma queimadura enorme na parede.

 

— Ah… que horas são?  — Balbuciou Senshi. — Já ta dê dia?

 

— Nem fodendo.

 

— Nem fodendo hahahahaha.

 

Levantando como se nada tivesse acontecido, Senshi foi ao banheiro, deixando os dois se encarando perplexos com o que acabaram de presenciar.

 

Enquanto os alunos comiam e se organizavam para as aulas, uma reunião emergencial ocorria na diretoria do CTC por conta de um repentino suicídio cometido pelo diretor na noite anterior, o que forçou o conselho real a escolher um substituto as pressas. 

 

Sora sentia que havia algo de errado nessa história, afinal ele o conhecia há anos e sabia que, em hipótese alguma, faria algo tão extremo, mas decidiu permanecer calado para não levantar suspeitas. Ele iria investigar isso mais tarde.

 

O novo diretor era um ex general que ficou muito conhecido após liderar uma das batalhas mais famosas da história de Entropiah, a batalha do “Fosso de sangue”.

Com um grupo de 300 soldados impediu a invasão de Asharoth com seu exército de quase 2000 homens. 

 

Com o CTC em seu comando, mudou toda a dinâmica de funcionamento da escola, indo desde os métodos de aulas até os uniformes, que ficaram mais militarizados.

Acordar extremamente cedo, se vestir de forma padronizada e treinar até desmaiar se tornaram rotina na vida dos estudantes, onde nem os novatos puderam escapar. 

 

O novo ritmo desproporcional das aulas fez com que muitos alunos chegassem a quase morte, o que nunca preocupou nenhum dos supervisores ou diretores. Estavam ocupados demais separando os fracassados dos vencedores.

 

Ao final do primeiro mês, os alunos que se destacaram e evoluíram de forma consistente receberam benefícios e honrarias, ao passo de que os piores foram selecionados para uma “missão de campo” em Trethar. 

 

Fazendo parte desta lista estava Denki, não por ser fraco, mas sim por apresentar 0% de controle elemental. Era uma bomba sem pavio.

 

Analisando a lista final com os diretores, Sora protestou sobre a seleção de Denki, alegando que o mesmo seria uma ótima adição ao exército por conta de seu potencial destrutivo:

 

— Como falei anteriormente, esse garoto tem muito potencial para ser descartado de forma tão precoce! 

 

— Você está me dizendo que minha análise está errada, Sora? — Bufou o General.

 

— Muito pelo contrário, mas esse garoto em específico vale a pena ser treinado.

 

— Acho que você não entendeu como as coisas funcionam aqui, — Levantou bruscamente — minhas ordens são lei. Não me questione novamente — falou encarando o fundo de seus olhos negros.

 

Sorrindo debochadamente, um brilho azul bebê emergiu da manga do casaco de Sora, que estendeu a palma de sua mão para cima.

 

— Apenas me deixe mostrar algo para o senhor, tenho certeza que irá mudar de ideia sobre ele — falou Sora.

 

Antes que pudesse berrar qualquer palavra, o general se vê numa planície desértica acompanhado de todos que estavam na sala, porém o que o chamou atenção foi que ainda estavam sentados em suas cadeiras. 

 

— Não se preocupem, estamos na planície desértica ao leste do portão B — disse Sora — Trouxe os cavalheiros aqui para não acabar destruindo algo.

 

— Escuta aqui seu bastardo incompetente, eu deixei be…

 

Cortando sua fala com um sinal de silêncio, Sora estendeu a palma de sua mão na direção do inóspito deserto: — Em um dos testes de controle, tive de enviar uma das técnicas de Denki ao o vazio para o impedir que reduzisse as salas de aula a destroços.

 

No decorrer da explicação, uma espiral amarelada brilhante se condensou em sua palma, crescendo a medida que atraia eletricidade até ficar maior que seu corpo. Se contorcendo e expandindo, a eletricidade criou rachaduras profundas no solo arenoso, gerando fortes correntes de ar em sua volta

 

— É disso que eu tô falando! — disse Sora sem se preocupar em esconder sua empolgação.

 

De queixo caído, o general contemplava o vórtice feito da mais pura eletricidade que Sora controlava com muita dificuldade.

 

VAZIO!!!  — Gritou Sora.

 

Num piscar de olhos, o vórtice sumiu sem deixar rastros. Todos estavam de volta a sala de reunião.

 

— Ainda quer enviar ele pra morrer?

 

Em estado de choque, o general escondeu a boca com a mão enquanto balança a cabeça para os lados: — Não.

 

— Foi o que pensei.

 

Saindo dali, Sora se sentia aliviado por conseguir salvar um de seus alunos, mesmo sendo somente um já o deixava feliz. 

 

Enquanto caminhava para sua casa, não conseguia parar de pensar nas crianças que seriam enviadas para a morte a fim de suprir um capricho do rei… se ele pelo menos pudesse usar todo o seu poder, com toda certeza derrotaria aquele tirano… ou quase.



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