Volume 1
Capítulo 3: Majestade
Quando o sol alcançou o meio do céu, significava que o teste havia acabado. Assim que foram liberados, todos os alunos foram para o refeitório.
Próximo às quadras, o refeitório era um grande salão repleto de mesas feitas de madeira que comportavam até 10 pessoas. O teto era alto, cerca de 10 metros de altura, com luzes amareladas fortes que geravam uma atmosfera tranquila.
Nas laterais do local, era possível ver uma sequência de janelas que se estendiam da entrada até a cozinha num padrão linear. No fim do salão, ficava a cozinha onde os alunos recebiam suas refeições.
Denki, Hikari, Vulpe, Yuki e Kaminari estavam sentados almoçando em uma mesa ao centro quando um garoto se aproximou acenando com um sorriso estreito. Seu cabelo preto bagunçado encobria parcialmente seus olhos amarelados como mel, que brilhavam como estrelas em sua pele morena.
Vestindo um moletom preto de capuz, desfilava sem pressa pelo refeitório: — Seloko, quase não me deixaram entrar hoje! — diz o garoto.
Saltando da mesa, Vulpe o agarrou num abraço caloroso, quase derrubando sua bandeja: — Pensei que você não iria vir hoje, Senshi! — gritou Vulpe.
Equilibrando a bandeja de forma desajeitada, forçou o ar dos pulmões para dar uma resposta: — Pois é, só porque cheguei uns minutinhos atrasado… — soltou um leve gemido de dor — assim cê vai me partir em dois Vulpe!
Soltando devagar, Vulpe o arrastou para a mesa e o apresentou para os demais: — Gente, esse aqui é o Senshi!
Eai, tranquilos? — disse Senshi acenando suavemente.
É um prazer conhecer-lo — falou Shimo.
Salve mano, — apontou Hikari para uma cadeira ao seu lado — senta aqui!
Ao fim da refeição, todos retornaram para as quadras, porém não estão mais vazias como antes, agora estavam repletas de blocos de vários tipos de materiais, feitos de carbeto de silício, madeira, aço, entre outros.
Organizados do mais resistente até o mais fraco, terminavam em uma fina camada de ceda.
Segurando um elástico nos lábios, Sora prendia o cabelo para trás de forma desgrenhada enquanto falava por entre os dentes: — Espero que todos estejam de bucho cheio para não termos nenhuma queda de pressão! Esse teste é bem simples, atravesse os blocos com qualquer tipo de técnica elemental de forma que perfure o material de ponta a ponta sem o destruir no processo. Caso o desmanche parcial ou totalmente, será eliminado.
Tirando seu casaco desgastado com manchas abstratas, revelou uma regata incrivelmente branca, que reluzia um pouco da luz do sol.
Se posicionando em frente ao primeiro bloco, ativou a marca em seu braço esquerdo, que se expandiu num padrão em espiral azul-claro afunilando num círculo na palma de sua mão.
Os desenhos pareciam se movimentar, como se estivessem sendo atraídos para o ponto central, dando a sensação de vida própria: — Desapareça.
Como tiros ritmados de um canhão, esferas perfeitamente esculpidas atravessaram os blocos com a precisão de um escultor habilidoso.
Afastando algumas mechas rebeldes com os dedos, sua marca lentamente retorna ao seu estado original: — Agora que já entenderam, podem começar! — Falou Sora.
A maioria dos alunos mal chegaram no quarto bloco, alguns poucos acertaram a seda, mas nenhum conseguiu perfurá-la sem a destruir por completo.
O próximo a fazer o teste era Denki, que se posicionou de frente para o primeiro bloco.
Suas pernas tremiam, suas mãos estavam grudentas com o suor gelado que cercava seu corpo, obrigando a afastar sua franja de seus olhos constantemente. “Sou péssimo com essas coisas, o que eu faço? Ou libero tudo de uma vez e destruo metade da quadra ou solto um choquinho assusta-rato” — Pensava.
Cruzando os braços, o general olhava fixamente para Denki enquanto batia os pés de forma impaciente: — Está esperando um convite formal para começar? Ande logo, não tenho o dia todo moleque! — Gritou.
Sua respiração pesada podia ser ouvida a metros de distância. Suas pernas tremiam enquanto a marca em seu antebraço esquerdo se expandia num padrão parecido com um pássaro feito de energia, que se ramificava até seu ombro. “Controle, Denki… apenas controle” — pensava desesperadamente.
Com muito esforço, um pulso elétrico esperançoso começou a se concentra na palma de sua mão, porém se dissipou antes de se condensar numa esfera.
As risadas dos alunos o sufocava como uma pesada nuvem de fumaça, dificultando sua respiração. Como uma última fagulha de esperança, olhou para Sora na expectativa de receber uma segunda chance, que lhe foi dada com um aceno de cabeça relutante.
Firmando seus pés e curvando levemente seu copo, fechou seus olhos envolvendo seu antebraço direito com sua mão esquerda, liberando finas correntes de água de sua marca. “Se isso não der certo, eu desisto de me tornar um cavaleiro…”
Após alguns instantes que se pareceram uma eternidade, um pequeno ponto de luz se formou na palma de sua mão, crescendo à medida que absorvia eletricidade violentamente de todas as direções.
Gerando fortes correntes de ar, crescia a cada segundo distorcendo a luz em sua volta.
Trovões assassinos percorriam todas as direções, criando crateras no chão e levantando poeira.
Como se o apogeu elétrico não fosse o suficiente, a espiral de água cercou seu antebraço, deixando a energia emanada levemente azulada e instável.
Pressentindo o desastre que estava por vir, Sora jogou sua prancheta no chão, avançando desesperadamente na direção de Denki: — VAZIO!!!
Num estalar de dedos, toda a eletricidade desapareceu, deixando apenas Sora segurando o antebraço dele com muita força.
Por trás de sua feição assustada e sua respiração ofegante, Denki olhou no fundo dos olhos negros de Sora, que giravam como um disco de acresção sendo engolido por um buraco negro.
Sua pupila parecia ser feita de uma nuvem de matéria pura prestes a colapsar: — Eliminado — Sussurrou Sora.
Ao fim do teste de controle, os alunos são levados à sala de aula para realizarem a prova escrita a fim de medir seus níveis acadêmicos.
Concluindo as 3 horas de prova, eles são dispensados para se acomodarem nos dormitórios e se organizarem para o próximo dia.
A alguns quilômetros do CTC se encontrava o palácio real, cercado por uma muralha espessa de cerca de 15 metros de altura que, além de envolvê-lo, mantinha seguro as residências dos nobres e da Guarda Escarlate.
As paredes externas do castelo eram feitas de mármore branco, ouro e belos brasões da casa real e das famílias nobres do país, criando um mosaico de cores corruptas e egocêntricas.
No centro do castelo ficava a sala do trono exageradamente enfeitada e protegida por dezenas de soldados da Guarda.
Sentado num trono feito de ouro puro cravejado de joias, está o rei, um homem de cerca de 30 anos, pele clara com linhas de stress agudas, olhos verdes apagados, cabelos e barba castanhos compridos.
Ostentando um bom porte físico, está sempre com sua capa e armadura dourada, além de sua coroa com pontas dramáticas.
Já a rainha era uma mulher de aparência jovem, cerca de 19 anos, que tinha cabelos pretos longos e ondulados, olhos azuis e pele clara como a neve.
Usando vestidos da mais alta classe, destacava as curvas de seu corpo, variando entre todos os tipos de cores, estilos e acabamentos possíveis.
No por do sol, um homem entrou na sala do trono escoltado por dois soldados da Guarda Escarlate.
Sua barriga enorme de cerveja puxava a atenção de sua calvície estilo monge, que entregava seu meio século de vida: — Com sua licença majestade, é com imenso prazer que venho lhe trazer os relatórios das últimas missões diplomáticas às terras do Vale de Sangue.
Ajeitando sua postura, o rei se inclinou para frente, olhando fixamente para o homem: — Prossiga, meu caro conselheiro.
Limpando a garganta, começou a ler os papeis que trazia em sua bolsa: —
Devido a turbulências com grupos separatistas, o reino Asharoth reduziu suas defesas nos arredores do Vale de Sangue, o que abre uma maravilhosa janela de oportunidade para uma retomada das minas de ouro e pedras preciosas que abasteciam nosso povo num passado não distante. Porém, mesmo com suas defesas reduzidas, contam com colossais armas de guerra, centenas de soldados, dezenas de bases militares e observatórios estrategicamente posicionados. Um combate direto resultaria em derrota inevitável.
O olhar sério do rei se fechava a cada palavra proferida pelo conselheiro, criando uma atmosfera sombria ao redor dele: — Então não teríamos nenhuma chance? — Indagou o rei.
— Mesmo mobilizando nossos melhores pelotões, seria impossível adentrar suas defesas. — Respondeu o conselheiro.
Afundando em seus pensamentos, o rei balbuciava meias-palavras enquanto mexia em sua barba: — Não temos outra escolha a não ser forçar uma aliança com nossos vizinhos.
— Uma… aliança?
— Nossos metais preciosos estão se esgotando, se não tomarmos medias urgentes seremos obrigados a importar pedras enérgicas de Elferiah.
— Mas, como vossa majestade pretende convencer os demais reinos a lutarem ao nosso lado? — Perguntou o conselheiro.
Olhando fixamente para um ponto aleatório do salão, o rei começa a explicar o plano: — Imagine que um esquadrão de alunos do CTC fosse enviado para uma missão “diplomática” a Trethar e, por uma fatalidade, todos os alunos são brutalmente assassinados. A notícia de espalharia rapidamente e todos acusaram Asharoth pelo ocorrido, o que comoveria muitos e, consequentemente, obrigaria moralmente os outros reinos a se posicionarem.
— Brilhante meu rei, mas como isso nos ajudaria a superar as forças de Asharoth?
— Como uma medida de repúdio, irei declarar guerra ao reino de Asharoth pedindo auxílio aos nossos vizinhos, que serão obrigados a nos ajudar caso não queiram ser chutados da Aliança Mercantil.
— Como sempre, Vossa Majestade me impressiona com sua genialidade, porém como vamos convencer alguém da nação da pedra a fazer esse trabalho sabendo que seria uma sentença de morte ao seu próprio povo?
Seus olhos verdes se ergueram lentamente dando lugar a um sorriso macabro: — Em momento algum disse que morreriam nas mãos dos soldados de Asharoth…
— Mas… quem irá fazer o trabalho sujo afinal?
— Fantasmas.
No cair da noite, Sora estava na sala do diretor Horoyu recebendo os resultados dos testes da turma.
— Estes foram os resultados dos alunos, — entregou uma lista grampeada a ele — você tem um longo caminho pela frente mestre Sora — Falou Horoyu.
Analisando página por página, notou valores muito acima do esperado em alguns nomes: — Os números estão corretos? — Indagou Sora.
O diretor acenou com a cabeça: — Nossas medições são muito precisas. A margem de erro gira em torno de 0,01% a 0,10%, então é bem improvável que algo tenha saído errado.
— Essa turma tem jovens com potencial de força acima de um aluno formado no primeiro ano, enquanto outros mal se diferenciam de um cidadão comum — Apontou para os números da lista — Nivelar essa turma é uma tarefa impossível! — Bradou Sora.
Apoiando a mão no ombro esquerdo de Sora, Horoyu falou com um tom gentil: — Seu trabalho como professor não é nivelar os alunos, mas sim guiá-los para atingirem o potencial esperado para continuarem suas jornadas no CTC. Fique tranquilo, eu sei que você é totalmente capaz!
— Obrigado — Agradeceu Sora com um sorriso.
Por volta das 21h, três homens vestidos com armaduras douradas detalhadas em carmesim entraram na sala do diretor.
Um dos homens estava usando um elmo com uma crina que descia até um pouco depois de seu pescoço. A passos fortes, escancarou a porta e adentrou a sala: — Por ordens de vossa majestade, Horoyu Kio está sendo convocado com urgência máxima a sala do trono.
Ele sabia que uma convocação significava que algo ruim estava por vir, porém, ir contra a uma ordem real levaria a um fim muito pior: — Eu sou o homem que estão procurando, senhores!
Fazendo um sinal com a não para os outros dois soldados, o homem apoiou sua mão esquerda no cabo de sua espada: — Ótimo, os guardas irão te levar até lá em segurança… ah, não tente fugir ou terei que tomar medidas não muito agradáveis.
Não tente fugir….