Trono de Cinzas Brasileira

Autor(a): Amaral Marcos


Volume 1

Capítulo 2: O princípio dos laços

Suas palavras, cortantes como uma navalha, saem num tom tão arrogante que é possível sentir o peso de seu ego. Para seu desapontamento, a única resposta que recebe é uma respiração pesada com algumas tosses engasgadas. — Se quiser repetir a dose, é só me chamar — debochou.

 

Dando as costas, Ichi caminhou calmamente para fora da quadra, acenando para as arquibancadas como um gladiador vitorioso animando o coliseu.

 

Assistindo à cena, a garota cruzou os braços com um sorriso apagado: — Ai Ai, ele não aprende mesmo.

 

— Ele faz muito isso? — perguntou Hikari a garota

 

— O quê? Se meter em brigas?

 

Hikari concordou com a cabeça.

 

— Olha… — pausa como se procurasse algo em sua memória — ele sempre faz esse tipo de coisa.

 

Hikari olhou para os lados mexendo sua perna em espasmos ansiosos:

— Entendi… ah quase esqueci de perguntar, qual é o seu nome mesmo?

 

— Me chamo Vulpe — falou inclinando para trás, revelando uma garota ao seu lado —, e essa aqui é a Yuki.

 

— Eu sou o Hikari e o ruivoreno aqui é o Denki — atropelou Hikari 

 

Denki estava viajando em seus pensamentos quando, em um estalo de consciência, voltou a realidade ao ouvir seu nome: — Ahn? Me chamaram?

 

Confusas, ambas olham diretamente para Denki: — Ruivoreno?

 

Hikari apontou para o cabelo ondulado ruivo puxado para o vinho de Denki: — Sim mano, o cara tem cabelo ruivo e é moreno.

 

Após boas risadas, Yuki se inclina na direção Denki apontando para ele: — Mas seu cabelo tem essa cor natural ou você pintou ele?

 

— Cabelo? A ele, eu… eu, ruivo, é ele… ruivo sabe.

 

Confusa com a resposta,Yuki prefere puxar a atenção para outra coisa: — Entendi… mudando de assunto, acho melhor a gente descer e ver como tá o Kaminari.

 

Concordando, desceram  as arquibancadas em direção ao centro da quadra, onde Kaminari continuava imóvel. Ao se aproximarem, Vulpe estendeu sua mão na tentativa de dar algum suporte: — Você tá bem Kami…

 

Instantaneamente, Kaminari saltou como um gato caindo em água gelada, abrindo seus braços num sorriso otimista: — Que poder incrível! Pena que ele não sabe aproveitar seu potencial!

 

Em choque coletivo, todos ficam sem falar uma única palavra enquanto Kaminari continuava num monólogo: — Foi um ótimo teste, mas quero repetir algum dia desses, só que dessa vez não vou ficar fingindo estar apanhando — resmungou andando em círculos.

 

— Mano, aquele cara do tempo acabou de te botar para rezar e você já quer repetir a dose? — indagou Denki quebrando o silêncio.

 

— Você não entendeu o que acabei de fazer, né? Fingir ser fraco me dá uma vantagem valiosa, já que não vão saber o que sou capaz de fazer até que seja tarde demais. — abriu um sorriso egocêntrico — Apenas estou aumentando meu repertório de possibilidades neste ambiente novo 

 

Numa risada sutil, Hikari apontou para Kaminari com a cabeça: — Nerdola.

 

— A culpa não é minha de você não conseguir entender a genialidade por trás desse plano! — rebateu com um desprezo palpável

 

— Nerdola. — completou Vulpe 

 

Mexendo freneticamente em seus cabelos loiros, Kaminari estreita um sorriso: — Tá bom, talvez não tenha sido uma ideia tão boa quanto eu tinha pensado.

— Só toma mais cuidado da próxima vez! — bravejou Vulpe dando um soquinho em seu ombro

 

Yuki concordou com a cabeça: — Se for pra apanhar, pelo menos bata um pouco também!

 

Um toque parecido com uma sirene permeia todo o ambiente do CTC, antecedendo uma voz rouca robotizada: — Os portões serão fechados em breve. Todos os alunos devem seguir para as suas respectivas salas.

 

O aviso reverberou cerca de 4 ou 5 vezes até Hikari se lembrar que não consultou o seu nome na lista de turmas: — Denki! A lista! — berrou freneticamente

 

Agarrando o seu braço, correram a toda velocidade ao quadro de avisos.

 

Ofegantes e desesperados, se depararam com uma grande quantidade de papéis cheios de nomes presos em fita adesiva, alguns estavam riscados e outros anotados em tinta fresca no fim. Depois de uma busca frenética, Hikari finalmente encontra seu nome, seguido de Denki, na mesma turma, C.

 

Deixando o quadro para trás, caminham recuperando calmamente o fôlego, enquanto se maravilhavam com  a imensidão do CTC: — Cara, esse lugar é enorme! — falou Hikari

 

Andando pelo corredor principal, Denki esticava seu copo na tentativa de ver além das dezenas de prédios enormes. Não estava acostumado com estruturas tão colossais, o que lhe causava tontura e um pânico acentuado, quase como uma claustrofobia, porém se sentia estranhamente animado com tudo aquilo. Um ambiente novo, pessoas novas, rotina nova, tudo parecia ser incrível e de outro mundo: — É mesmo, eu estava esperando um lugar bem menor e…

 

Adentrando os jardins internos, ambos se veem num verde acinzentado mal cuidado, com garrafas de vidro quebradas ao redor das trincheiras de árvores quase carecas. A terra pálida clamava por água enquanto pequenos besouros caminhavam entre os pacotes de biscoitos jogados próximos às estradas de terra, que cortavam seus canteiros numa cicatriz desmatada.

 

… — Bom, pelo menos a infraestrutura toda zoada, eles não deixaram passar.

 

Após uma breve caminhada, eles veem uma placa de madeira entalhado “primeiro ano” na vertical ao lado de uma grande entrada,  a um prédio de dois andares repletos de salas ordenadas em ordem alfabética. 

 

Adentrando, veem uma escada de metal meio enferrujada levando ao segundo andar e, subindo cautelosamente, encontram a sala “C”, a primeira do corredor à direita. Em meio a gritos, risadas altas, aviões e bolinhas de papel, se espreitam na tentativa de encontrar mesas vazias na sala, que tem facilmente mais de 30 alunos. 

 

Desviando de algumas bolinhas de papel, veem Vulpe acenando do fundo da sala junto de Kaminari e Yuki. Assim que se acomodaram nas mesas vandalizadas, um homem entrou calmamente na sala de aula. Cabelo negros como a noite jogados para trás lhe davam uma aparência largada, casando com suas olheiras profundas e suas roupas desgastadas. 

 

Caminhando sem pressa, se posicionou na frente do quadro e começou a falar num tom baixo e cansado, passando despercebido pelas risadas e gritos: — Bom dia turma, eu serei o professor de vocês neste ano do CTC. Irei explicar como as coisas funcionam aqui e logo após todos irão para a área de treinamento para realização de um teste de nivelamento. Nada de mais, apenas vamos testar atributos físicos básicos de vocês e — olhou para os cantos mordendo os lábios —  Ah sim, me chamo Sora.

 

No momento em que o nome “Sora” é pronunciado, todos param o que estavam fazendo e fixam seus olhos perplexos no professor. 

 

Ao ver a reação dos alunos, Sora começa a mexer em alguns papéis em sua mesa como se estivesse procurando algo: — Ao julgar pela reação de vocês, já devem ter ouvido falar de mim. 

 

Sussurros distantes ecoam entre olhos atentos secando cada movimento do professor: “Esse não é o cara que controla o vácuo?”, “Ouvi dizer que ele sozinho tem mais poder do que uma frota inteira”, “O que esse cara tá fazendo no CTC?”  , “Porque colocaram ele como professor?”

 

Posicionando desleixadamente alguns papéis numa prancheta nova, se põe novamente na frente do quadro: — Muito bem, o ritmo aqui no CTC é um pouco diferente do que estão habituados. Temos regras muito rígidas em relação a tudo, mas não vou me estender neste tópico. Sobre as aulas, são divididas em práticas e teóricas; as teóricas englobarão dês de conhecimentos básicos até avançados, já as práticas serão direcionadas para atributos físicos, resistência , dominação e principalmente combate — fuçou apressadamente os papéis — As avaliações seguirão a mesma lógica das aulas,  serão avaliados conforme o desempenho acadêmico e em combate e, com base nestes valores, serão classificados junto aos alunos do primeiro ano de outras turmas.

 

Fazendo uma pausa dramática para um suspiro longo, Sora levantou um punhado de papéis correndo os olhos: — Isso tudo é feito para medir seus avanços e designá-los para as funções militares mais adequadas, sendo a Guarda Carmesim, o Juízo Celeste, a Linha Umbral e os Fantasmas. A Guarda Carmesim é designada a proteção da coroa e da nobreza, o Juízo Celeste tem como função manter a paz dos civis e manter a ordem da população em geral, a Linha Umbral é responsável pela segurança do reino e por lutar em nossas guerras, tanto no nosso território quanto fora dele e…

 

Uma bolinha de papel passou voando próxima de seu corpo, fazendo com que parasse por um instante: — os Fantasmas, uma unidade de elite feita puramente para matar… não tem como escapar de um fantasma. Se você ver um deles significa que os deuses te abençoaram com a oportunidade de encher os seus pulmões pela última vez.

 

Um silêncio frio paira no ambiente, fazendo todos os alunos se aquietarem por um instante: — Enfim, saiam de forma civilizada e se dirijam para a quadra de treinamento C, ao chegarem lá formem quatro filas e esperem quietos. Podem sair — concluiu Sora.

 

De forma desordenada, saíram da sala  em direção às quadras externas, enquanto Sora foi até sua mesa pegar uma caneta. Chegando na quadra, os alunos se deparam com vários soldados usando uniformes cinzas com detalhes em azul-celeste, além de coturnos militares e um brasão abaixo de seus ombros esquerdos. 

 

Eles organizam os alunos em quatro filas enquanto Sora surge atrás do tenente, que se destaca facilmente por seu vibrando em azul-celeste, além do seu brasão que é bem maior e detalhado. 

 

Assim que os alunos terminam de se organizar, o professor começa a explicação: — Seguinte turma, o teste se divide em 3 partes, aptidão física, controle elemental e por último o intelectual. Agora, todos irão fazer o teste físico que engloba flexões, abdominais, flexões em barra, salto e corrida. Vocês irão para as áreas marcadas na quadra  onde terão seus desempenhos avaliados pelos soldados — olhou para o Tenente como se esquecesse de algo — ah sim, só comecem quando mandarem começar e parem quando mandarem parar, não tentem se exibir que a coisa pode ficar feia.

 

Terminando a explicação, fez um sinal com a mão para o tenente, que começou organizar os alunos nas demarcações da quadra até chegarem no teste de flexões. Os primeiros alunos se posicionam nas demarcações improvisadas feitas de giz branco no chão de terra batida, com um soldado na frente de cada marcação para analisarem cada aluno de forma individual. 

 

Ao ver que todos já estavam em seus lugares, o tenente bradou com sua voz rouca: — Comecem!

 

No decorrer dos testes, Sora observava atentamente o desempenho de cada aluno, anotando metodicamente suas peculiaridades. 

 

Posicionamento de base, resistência muscular superior e inferior, ritmo respiratório,  pontos forte e fracos… observava cada detalhe a fim de entender a necessidade de cada um. “O desbalanceamento dessa turma está terrível! Como irei nivelar um aluno que não consegue correr 2km com um que faz esse percurso em 5 minutos?”, pensava. “Ou encontro uma forma de nivelar o desempenho, ou irei perder muitos deles… ”



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