Trindade Vital Brasileira

Autor(a): Vitor Sampaio


Volume 1 – Arco 2

Capítulo 13: Mistérios Desvendados

— Eu sabia… — disse Dom Tardígrado enquanto a imagem do Lotus no noticiário refletia nas suas pupilas. Aproximada, era sem dúvidas a feição do jovem na tela. — Eu sabia que tinha algo errado com esse moleque! — bradou.

Notou os outros virarem as cabeças para a saída do salão devido à chegada do ilustre. Todos os monstros e vodarianos fitaram ele; esse que não tirava os olhos da televisão. Virou matéria principal nos jornais, era conhecido pelo mundo todo como um terrorista, irreversível.

Galdino estava com a mão na testa e os olhos arregalados. Os presidiários se paralisaram. Não acreditavam que estavam diante de um novo dono dos poderes lendários e infames. Bastaria um movimento descuidado para que o caos fosse instaurado no lugar.

— Hoje, o Vital da Tempestade pagará pelos seus pecados! — Pela boca na testa, Tardígrado cuspiu uma bola de ácido gástrico no jovem.

Ele se jogou para trás e disparou pelo refeitório.

Começou… o destino de Vital.

No ímpeto da raiva, as aberrações se atropelaram para ver quem alcançaria o rapaz primeiro. Entretanto, a porta era curta demais para passar mais de uma pessoa. Por conta disso, um homem com olhos de barata, corpo de gorila e patas de elefante, com Dom e os demais prisioneiros, esmurraram as paredes para abrirem caminho.

Iam a demolir com força sobre-humana.

Apesar de estar inseguro do porquê os Raobots não vieram para contê-los, Lotus entendeu que deveria se virar para sobreviver.

Desejou muito que a tempestade inundasse o interior da cadeia, ao menos teria vantagem geográfica, mas era um milagre que não aconteceria.

AAARRRGH!

Ouvia os gritos e rugidos das feras sedentas; não sucumbiria ao medo.

Olhou para a perna d’água e teve uma ideia. Com a palma da mão, controlou a água da perna e a levou até o outro braço. Em seguida, o envolveu até criar um redemoinho, da mesma forma que conseguiu fazer com as gotas da chuva, aperfeiçoou a técnica.

TUM! TUM!

A parede rachava, prestes a ruir.

A água rodava atroz pelos braços do Lotus, tão potente que era capaz de cortar um membro no brando toque. Estava armado agora — também.

Desmoronou. Destroços rochosos foram espalhados pelo refeitório.

O jovem juntou os braços e entrelaçou os dedos. Próximo a ser esmagado pelos prisioneiros mutantes se atirando contra ele: disparou a rajada aquática dos seus braços, bombas hidráulicas! A potência era de uma lavadora de alta pressão do inferno.

No pouso dos seus típicos pulos, o Tardígrado recebeu os tiros na barriga cheia de dobras, escudo de pele proposital dos prisioneiros.

Resultado: o ataque não causou dano e o exército de marginais continuava imenso.

— Acabou, moleque Vital! — O carrasco os liderava.

Lotus ficou decepcionado, no máximo seu ataque serviu para lavar os túneis gordurentos de pele do Dom.

Na fuga com saltos pelas mesas e bancos do refeitório, os presidiários iam buscá-lo iguais bestas sedentas na caça que se lançavam sem hesitação contra os obstáculos.

Aaaaaaaargh!

O brado de um homem soou da sala com a TV.

Hum?!

Lotus ficou boquiaberto, pois os prisioneiros cessaram a corrida e foram puxados para trás lentamente.

Alguns se debateram, mas sem sucesso, nem Dom conseguiu escapar. Estranho assim. Um campo gravitacional.

— Se acalmeeem!

— Galdino?! — indagou Lotus.

— Nos solta, seu cretino! — praguejou o carrasco, com os dentes rangendo.

— Não até cês me ouvir! — replicou Galdino. Estava com as mãos à frente do corpo, tremia e suava pelo esforço.

— Suas palavras não farão a menor diferença! Você não é…

— Cala a boca! — Impôs sua voz. — Eu sou o filho rejeitado do Rudá Tlaloc, então eu vou ser o primeiro a lidar com o Vital!

O quê?! — Dom arqueou as sobrancelhas e Lotus estremeceu onde estava.

Galdino dissipou o campo gravitacional em que ele era o centro da atração. Caiu de joelhos, ficou exaurido. Ofegante. Foram muitos indivíduos para manter no lugar, mas, no fim conseguiu conter os prisioneiros. Cansados de resistirem à poderosa habilidade, o fitaram parados e ofegantes.

Embora o carrasco estivesse com ódio, decidiu respeitá-lo, afinal se o que dizia era verdade, então estava diante do filho do antigo Vital da Tempestade.

Abriu caminho para que Galdino passasse e, sendo ele o rei da cadeia, todos fariam o mesmo.

Uma pista retangular estava diante do enorme rombo, com as aberrações agrupadas de cada lado. Por enquanto, o rapaz não andaria sobre o tapete vermelho da morte.

Ergueu a cabeça, ajeitou a postura e foi até Lotus, que estava perplexo com os feitos do colega de cela. Não parecia o homem simples de antes.

— Depois que terminar, nós cuidaremos dele — enfatizou Dom.

Ignorou. Galdino ficou frente a frente com Lotus. Olho a olho, dente a dente. Ambos estavam firmes, porém o jovem não conseguiu esconder a confusão em seu semblante.

Subitamente, o colega de cela o atingiu com um soco em cheio no seu rosto, derrubando-o.

— Seu idiota…! — disse, com os punhos cerrados.

No chão, Lotus o fitou, atônito. Sequer teve a chance de esquivar, ainda estava atordoado. Em seguida, Galdino fechou os olhos e respirou fundo. Foi possível ouvir o som do inspirar e expirar pesado.

— Acabou seu tempo — cravou Dom.

— Eu tenho uma solução melhor do que matá ele agora.

— Como é?

— Me fala! — Galdino fitou de canto os presidiários. Averiguou a fúria contida em suas faces. — Por que cês odeia tanto o Vital?

— Chega com esse…

ELE É O RESPONSÁVEL DE EU SER ESSE MONSTRO!

ELE TIROU MINHA FAMÍLIA!

PORQUE OS VITAIS SÃO O MAL DESSE MUNDO!

Pela primeira vez, as falas de Dom foram sobrepostas pelas dos condenados. No entanto, ele não se enfureceu, também compreendia o lado dos demais. Eram muitos e muitos motivos, tais quais o jovem não era o provocador. Entretanto, quando decidiu absorver a Pirâmide Vital da Tempestade, se comprometeu a carregar o legado de todos os Vitais anteriores.

Hah! São muito plausível! — afirmou Galdino. — E é por isso que tem uma maneira melhor de lidá com ele!

— Tô sentindo cheiro de perdão — retrucou o carrasco. — Tá querendo proteger ele? — Ele abriu a boca na testa, ameaçou outro cuspe ácido.

— Pelo contrário! — Não demonstrou temor. — Quero que ele tenha uma punição a altura por tudo o que carrega! Qual é a vantagem de matá esse moleque agora? Vamo continuá aqui embaixo, comendo as sobra do esgoto e calejando as mão! Que pelo menos, o mundo saiba quem executou o Vital da Tempestade.

— Então, o que propõe? — questionou Dom. Embora estivesse desconfiado, se interessou na motivação do filho do antigo Vital.

Todas as anomalias e indivíduos comuns olharam atentamente o Galdino, ansiosos pela resposta e desfecho.

— Proponho a participação do Vital da Tempestade na Rinha dos Marginal, com a condição dele poder ser executado só nas batalha oficial!

O quê?! — falou Lotus.

Os cochichos imperaram por um momento, refletiram sobre a proposta.

— E se não respeitarmos a condição? O que vai fazer? — perguntou Dom.

— Absolutamente nada — respondeu Galdino. — Mas, a gente vai continuá nessa nossa vida inútil onde é a mesma coisa todo dia. Depois, vamo ver nos jornal as notícia de que o Vital morreu na cadeia porque ficou doente!

Temo que mostrar porque nós existe!

Após isso, Dom abriu um sorriso de ponta a ponta, assim como o resto da cadeia. Seu semblante maléfico trazia à tona sua criatividade para massacrar o jovem e ser glorificado como o assassino do desgraçado.

Ele se aproximou do Galdino e estendeu a mão.

— Fechado! — disse. Não pensou duas vezes. Sua mão grossa e com garras apertou todo o antebraço do Galdino. Qualquer marmanjo que discordasse da sua decisão foi contido pela hostilidade perigosa que emanava. — Glaumanter! Traga a prancheta para a assinatura!

Glaumanter era o cozinheiro da cadeia, o que servia a gororoba verde. Era pequeno em relação às outras feras. Tinha uma tromba de elefante no rosto e olhos de cobra, além de tentáculos para se locomover. Vestia seu jaleco branco, um típico de cozinheiro.

Perambulou entre os prisioneiros e deixou um rastro gosmento por onde passou. Chegou ao balcão das comidas e pegou a prancheta, que estava em cima dos barris de gororoba. Colocou-a em cima da mesa junto a uma caneta.

Lotus ainda estava no chão, não conseguia se levantar ou se colocaria numa situação fatal. Desnorteado pela cadeia de eventos, entendeu que Galdino apenas adiou sua morte. Novamente tinha que superar a falha iminente na sua vingança.

Tinha que lutar.

Tardígrado se aproximou e, com os dentes amostra em um sorriso amedrontador, ergueu-lhe pela nuca e apontou para o balcão.

— Vai ser divertido, moleque Vital — disse no seu ouvido. Depois, o jogou na direção da prancheta, onde bateu os cotovelos contra os pedregulhos do chão.

Mesmo humilhado e com a cara roxa, se esforçou para levantar. Apesar de musculosos, seus braços estremeceram ao empurrar o solo. Estava exausto, gastou muito prana para se recuperar.

De pé, era observado. Estavam sedentos pela sua assinatura. Não ligavam para o fato dele ser um Vital, queriam sangue e reconhecimento. Imaginavam que orgulho seria ter no currículo a execução do Vital da Tempestade? Oportunidades iriam surgir aos montes quando saísse da prisão.

Mancou até o balcão.

— Glaumanter! Deixe uma folha limpa pra ele! — ordenou Dom. — Quero essa inscrição cravada em letras grandes!

O cozinheiro atendeu ao pedido.

O jovem chegou. Com as mãos a vibrar, apanhou a caneta.

Hahaha… — gargalhou Glaumanter. — Boa sorte.

Assinou.

— Mostre a prancheta pra nós! — falou Dom.

Com uma única mão, Lotus segurou no topo do objeto e o levou para cima, exibindo sua inscrição para todos:

Lotus Sutol

Os prisioneiros transbordaram de animação com o súbito evento. Era um ânimo que lhes faltavam há anos. Tardígrado anunciou:

— Pela primeira vez, o Vital da Tempestade, um dos três Vitais de Voda, irá participar da Rinha dos Marginais! Eu disse que éramos grandes!

VAI CAIR!

Gritos e rugidos ecoaram pela cadeia, era o evento mais importante da vida deles, a oportunidade para se tornarem lendas.

— Nos vemos em campo, Vital! — Dom saltava. — Hahaha!

BLÉÉÉÉÉÉMMM!

O horário do almoço acabou.

Pela escadaria que conectava a área das celas e o refeitório, surgiram os Raobatons com cassetetes em mãos para conduzirem os prisioneiros. Por ora, não os obrigaram a consertar o estrago que fizeram na parede, no momento era essencial que estivessem no controle e cumprissem os deveres agendados para esse dia.

Galdino andou rumo a porta do trampo. Assim como o jovem, estava atrasado, e por isso ficaria até mais tarde na mina de fósseis.

Lotus estava cabisbaixo, preocupado com o que viria pela frente. Contudo, não podia mais perder tempo com isso. Se inscreveu em um torneio, afinal. Sua cabeça era o prêmio.

Ao colocar a mente no lugar, caminhou rápido até o Galdino.

Ei! — A respiração estava pesada pelo dia longo. — Por que fez tudo isso?

— Ainda pergunta? — Galdino o fitou de soslaio. — Oh! — Gesticulou após um Raobaton ameaçar lhe apunhalar. — Calma! Tamo indo! Vamo ficar até mais tarde!

Relutante, o robô abaixou o cassetete e se retirou.

Próximos à porta do trampo, estavam prestes a enfrentar árduas horas de trabalho. Ficariam até de madrugada, como consequência do atraso.

— Nos próximos dia — começou Galdino e meneou a cabeça para o jovem — aquele meu soco será mais parecido com uma massagem. Não vão pegar leve, cê é o alvo principal. Terá que arrancá o couro da alma pra sobreviver!

Era isso ou jamais cumpriria o desejo de vingar seu pai.



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