Volume 4
Epílogo
Depois de terminar de arrumar as malas de viagem e voltar para os aposentos da igreja, Lawrence ouviu um som estridente.
O som, como passos em cima de um caminho de cascalho, era provavelmente Holo comendo.
Ele não sabia quantas vezes havia dito para ela para não comer enquanto lia, mas ela nunca escutou.
Elsa também repreendia Evan quando ela o pegava comendo e largando migalhas por toda parte, sacudindo a cabeça com um suspiro.
Ocasionalmente, durante esses momentos, os olhos de Elsa e Lawrence se encontravam, e eles compartilhavam um sorriso sofrido.
Fazia três dias que o conflito entre Enberch e Tereo terminou.
Dado o resultado, o acordo que Lawrence fez foi um grande sucesso.
Tereo acabou devendo a Enberch trinta e sete limar — mais de setecentos trenni. No entanto, com o acordo que Lawrence havia feito com Riendott, a Tereo não só pagaria a dívida, como também ganharia dinheiro com Riendott.
Lawrence usara o trigo da aldeia e a ajuda do padeiro para fazer biscoitos.
Eles não eram muito diferentes do pão sem fermento, que era feito com farinha e água, mas sem o fermento que fazia o pão regular crescer. Adicionando manteiga e ovos a esta mistura de pão sem fermento, no entanto, criou algo surpreendentemente delicioso.
Biscoitos eram comuns no Sul, mas, por algum motivo, Lawrence nunca os vira no Norte.
Tendo descoberto durante um jantar com Elsa e Evan que eles não estavam familiarizados com os diferentes tipos de pão do mundo, Lawrence estava convencido de que os aldeões não sabiam dos biscoitos — e ele estava certo.
Os biscoitos não se pareciam com pão. Enquanto a guilda do padeiro proibia estritamente que outras empresas assassem e vendessem pão, os demais produtos alimentícios ficavam fora do escopo de sua regra.
Embora a guilda do padeiro com certeza protestasse, contanto que os aldeões tivessem o apoio de Riendott e do Bispo Van, eles continuariam tendo um relacionamento mutuamente benéfico.
Os biscoitos sendo um produto raro e delicioso, venderiam bem em Enberch. Eles venderam tão bem que parecia que o suposto excedente de trigo de centeio seria insuficiente para a demanda.
No entanto, negócios desse tipo podiam ser copiados com facilidade, de modo que só no começo os grandes lucros viriam com relativa facilidade.
Então Lawrence não exigiu uma parte dos lucros. Em vez disso, ele pediu aos aldeões que comprassem o trigo que carregava em sua carroça com umas moedas extras incluídas como pedido de desculpas.
Se o pessoal da Tereo planejava transformar os biscoitos em uma especialidade local, eles tinham muito trabalho duro pela frente.
Mas a delícia dos biscoitos pelo menos era garantida.
Afinal, nos três dias desde o fim da disputa, Holo não havia comido mais nada.
Qualquer um que comesse os biscoitos pela primeira vez, seu sabor e textura poderiam ser viciantes.
“Bem, então, é hora de ir,” disse Lawrence.
Holo estava alegremente espalhando migalhas por todas as páginas de um dos livros do padre Franz. Ela olhou para cima, irritada com o aviso que Lawrence lhe dera.
Elsa estava do lado de fora da igreja, rezando intensamente sobre a carroça de Lawrence por uma viagem segura, enquanto o Ancião e os aldeões decidiram por conta própria rezar para Truyeo para que os negócios de Lawrence prosperassem.
A atitude dos aldeões em relação à igreja havia mudado. Alguns até começaram a frequentar cultos por gratidão.
Sem dúvida, no futuro, Tereo adoraria dois deuses.
Holo se levantou da cadeira em que estava sentada, pegando um biscoito de uma montanha na mesa e o segurou entre os dentes.
“Você sabe que temos pilhas dessas coisas na carroça. Foi a mesma coisa quando você comprou mais maçãs do que poderíamos comer, você não terá nada além de biscoitos nas refeições,” advertiu Lawrence.
Holo deu uma mordida no biscoito com um ruído alto, olhando para Lawrence irritada. “Uh, quem foi, imagino, que separou o trigo bom do mal e criou esse milagre? Se eu não estivesse lá, você teria sido jogado nu em um caldeirão e fervido vivo.”
Doía em Lawrence ouvir isso, mas Holo estava comendo biscoitos a um ritmo absurdo — até mesmo os aldeões, que sentiam que lhe deviam um grande favor, ficaram aturdidos em silêncio ao vê-la devorar as guloseimas.
Ele sentiu que poderia alertá-la um pouco sem correr o risco de retribuição.
“Mmph,” continuou Holo. “Certamente demos de cara com a catástrofe desta vez.”
Foi uma mudança forçada de assunto, mas ela não estava errada.
“Bem, pelo menos nós conseguimos um lucro no final.”
“É só com isso que você se importa?” Holo riu, suas bochechas cheias de biscoito. “De minha parte, não posso dizer que minhas expectativas foram correspondidas, mas fiz bem o suficiente. Eu suponho que o esforço valeu a pena.”
Ela olhou para o livro que registrava os contos do Urso Caçador da Lua — que ela agora lera três vezes — e suspirou. “Então, para onde vamos a seguir?”
“Lenos. Há uma lenda em que você aparece pessoalmente.” “Mm. Suponho que seria um incômodo ficar preso na neve porque nós demoramos demais. É melhor seguirmos em frente.”
Lawrence sabia que o verdadeiro desejo de Holo era se dirigir para o norte o mais rápido possível, mas quando considerou a jornada que estava por vir, não era de admirar que a ideia de descansar em uma vila repentinamente confortável fosse atraente.
Ele ficou um pouco surpreso por ela estar pronta para ir depois de apenas três dias.
“Vamos?” Ela disse.
“Certamente.”
Assim que Lawrence e Holo saíram da igreja, os aldeões se reuniram para se despedirem.
Lamentações como “Desculpe, nós duvidamos de você,” já haviam sido feitas há um bom tempo.
Tudo o que restava eram felicitações por uma viagem segura.
“Que a bênção de Deus vá com você,” disse Elsa, com um sorriso gentil no rosto.
Isso era o suficiente para fazer um homem feliz — o que Lawrence era apesar do pontapé que recebeu de Holo.
“Sr. Lawrence,” disse Evan, segurando a mão de Elsa. “Obrigado por me ensinar tanto. Eu vou trabalhar duro aqui.”
Foi a suspeita constante dos aldeões que fizeram Evan querer deixar a aldeia para se tornar um mercador.
Porém, as coisas mudaram agora, e Evan escolheu ficar na vila e assumir a responsabilidade por futuras negociações com Enberch.
As mãos de Elsa e Evan estavam entrelaçadas. Sua decisão de ficar obviamente fora a correta, como qualquer um poderia dizer.
“Um viajante não deixa arrependimentos para trás em uma vila, mas sim boas lembranças. Adeus!”
Lawrence segurou as rédeas e o cavalo começou a andar.
Envolta na luz fraca do inverno, a carroça saiu da pequena vila de Tereo.
Elsa, Evan e Sem, todos acenaram de onde estavam na frente da igreja, e até mesmo Lawrence olhou para trás duas vezes para acenar.
Mas suas formas logo se encolheram e desapareceram.
As viagens de Lawrence com o Holo começaram de novo. Seu destino era Lenos.
De lá, eles iriam para o nordeste.
Seria apenas por volta do final da primavera para o início do verão, pensou Lawrence, que finalmente chegariam a Yoitsu.
Enquanto Lawrence pensava nisso, Holo imediatamente pegou um saco de biscoitos e comeu.
A atmosfera solene e contemplativa que veio com a viagem recém-iniciada foi destruída pelo esmagamento de biscoitos.
“Hm?” Holo olhou interrogativamente, sua boca cheia de biscoitos, e Lawrence decidiu que seu rosto branco tinha seus próprios encantos.
O sorriso que ele teve ao ver seu rosto inocente logo evaporou.
“Verão,” ele murmurou para si mesmo.
Imediatamente depois, ele notou algo se aproximando de seu rosto. Ele olhou para descobrir que era um biscoito. “Não olhe para mim com tanto desejo,” disse ela amargamente.
“Eu já tive o suficiente, obrigado,” disse Lawrence.
Holo não se arrependeu. “Seu rosto diz o contrário.” Ela empurrou o biscoito para ele novamente.
Lawrence desistiu e aceitou, dando uma mordida.
Uma quantidade particularmente grande de mel foi adicionada aos biscoitos que a aldeia tinha dado a Holo, então eles eram muito doces.
Essas coisas não eram ruins de vez em quando, ele meditou.
No entanto, Holo ainda olhava para ele, de alguma forma insatisfeita.
“O quê?”
“Nada,” disse Holo, olhando para frente e dando outra mordida em seu biscoito.
Ela obviamente queria dizer alguma coisa — mas o quê? Lawrence pensou sobre isso, e algo veio à mente.
Ah, mas isso — isso era injusto demais.
Ela queria que ele falasse — era uma armadilha.
E, no entanto, se ele não caísse na armadilha, ela com certeza ficaria com raiva.
Não havia nada a ser feito.
Lawrence tomou sua decisão, colocou o último pedaço de biscoito em sua boca e falou.
“Ei.”
“Mm?”
Holo se virou para ele, a imagem da inocência. Sua cauda balançou esperançosa sob suas vestes. Lawrence acompanhou essa farsa ridícula.
“Sei de alguns negócios que podem dar muito dinheiro,” disse ele.
“Oh?”
“Mas vai nos tirar do nosso caminho, no entanto.” Holo fez uma cara exageradamente irritada e suspirou.
No entanto, ela não pediu por mais detalhes, simplesmente sorrindo de uma forma vagamente resignada. “Suponho que isso não possa ser evitado. Eu irei acompanhá-lo.”
Holo não queria que a jornada terminasse.
Lawrence acreditava nisso — e era precisamente por não querer que acabasse que ela tomava essa atitude.
No entanto, ela nunca admitido isso. Que garota sem charme.
“Então, me fale sobre esse negócio,” ela disse com um sorriso.
Lawrence mastigou seu último pedaço de biscoito e agradeceu a qualquer deus que tivesse lhe concedido essa sensação agridoce.