Volume 2
Capítulo 5
Não havia necessidade de truques elaborados. Primeiro, Lawrence explicou o objetivo.
Sem surpresa, Remelio arregalou os olhos. “Você não quer dizer —,” ele disse.
“Eu quis dizer exatamente isso,” disse Lawrence, mas logo o bom senso que ele esperava de um mercador que gerenciava uma empresa mercantil em Ruvinheigen se mostrou no rosto de Remelio. Se tornou um rosto de desprezo assim como o mestre que sentava na cadeira.
“Eu entendo que a sua dívida é uma difícil para pagar, mas não vou tolerar essa conversa ridícula.”
Ele começou a se levantar, como se não quisesse perder mais tempo, quando Lawrence o parou.
“Tenho certeza que houveram aqueles que tentaram contrabandear ouro desta maneira antes e foram pegos.”
“Bom, se você entende isso, então será rápido. É fácil para alguém à beira da ruína confundir um plano imprudente com um plano perfeito.”
Lawrence pensou que esta declaração era meio direcionada para o próprio Remelio, mas ele continuou destemido.
“E se você pudesse confiar em alguém especialmente talentoso em contrabando?”
Remelio olhou para Lawrence seriamente e voltou a se sentar. “O que você propõe não é possível. Uma pessoa tão hábil a ponto de ser capaz de contrabandear ouro já estaria fazendo muito dinheiro por conta própria. Ele não iria cooperar. Se você pretende trazer alguém de fora, pode muito bem desistir agora. Sua teoria é vazia. Não há fim para planos de contrabando como esses, logo inspeções de qualquer um que não seja registrado na cidade são extremamente rigorosas.”
As objeções de Remelio eram exatamente os argumentos que Lawrence estava esperando.
“E se houvesse alguém que é imensamente habilidoso, mas não está recebendo muito dinheiro?”
“Se ele é tão habilidoso, encontrar trabalho nesta cidade não é difícil. Já há uma escassez de mão de obra.”
Remelio sentou e esperou pela resposta de Lawrence.
Sua expressão era vagamente parecida com a de Holo na noite anterior.
Ele tinha dado a sua objeção e esperava a contra objeção de Lawrence. Ele queria desistir, mas não podia.
Lawrence respirou fundo.
“E se essa pessoa é imensamente habilidosa estiver fazendo apenas trabalho mal remunerado na cidade e está precisando de dinheiro? Mais importante, e se o atual empregador dessa pessoa deixa algo a desejar? Estou me referindo à Igreja. Importar ouro diretamente na cara da Igreja. Não vamos oferecer apenas o lucro, mas também uma pequena vingança contra a Igreja — devido a um justo descontentamento com o empregador, a proposta seria irresistível e a probabilidade de traição bem baixa.”
“Es-essa é uma história conveniente demais.”
“Negócios mais rentáveis são assim. Estou errado?”
Demanda de produtos quando a safra é ruim, a compra de roupas que saem de moda só para encontrá-las na tendência em outra cidade — os maiores lucros são realizados a partir das coincidências mais improváveis.
O rosto de Remelio se contorceu.
Ele queria acreditar, mas meio que não conseguia.
“Se eu te disser o nome dessa pessoa, eu acho que você vai ser capaz de aceitar nossa proposta.”
“N-nesse é caso, por que vocês se deram ao trabalho de vir aqui e me explicar o seu plano e ter que dividir os lucros com outra parte?”
Tendo estabelecido o contrabando como uma alternativa, Lawrence prosseguiu para esse problema secundário, deixando para trás questões de possibilidade ou impossibilidade.
“Há duas razões. A primeira é que a dívida que tenho com esta companhia vence hoje, e ao entardecer eu certamente serei preso como garantia de pagamento. A segunda é que isso é tudo de dinheiro que tenho em mãos.”
Lawrence pegou a bolsa de moedas, desatou a sua corda e esvaziou o conteúdo sobre a mesa.
Era uma mistura de moedas de prata e cobre totalizando três lumiones.
As moedas brilhavam aos olhos de Remelio — Remelio, que enfrentava falência assim como Lawrence.
“São três lumiones. Se você quiser saber como eu consegui, basta perguntar por aí entre as casas comerciais que você logo vai descobrir.”
Ouvindo isso, Remelio respirou fundo.
Dada a situação, ele certamente sabia como Lawrence tinha conseguindo o dinheiro.
“Isto é realmente tudo o que tenho. Quero que você tome isso como garantia e confie no que estou dizendo.”
Lawrence se inclinou para frente e olhou diretamente nos olhos de Remelio.
“Eu também quero que você suspenda o pagamento da minha dívida e que sua companhia providencie os fundos necessários para compra do ouro que vamos contrabandear.”
O rosto abatido de Remelio estava coberto em suor frio, as rugas se reunindo em seu queixo.
A única razão pela qual ele não rejeitou Lawrence e Holo imediatamente era porque tinha fundos suficientes para financiar o plano.
— E esperança o suficiente para querer acreditar neles.
Tudo que precisava era de mais um empurrão, mas se Lawrence empurrasse forte demais, isso só faria Remelio ficar mais duvidoso.
Contrabando de ouro poderia render lucros enormes, mas isso vinha com um risco terrível. E dada a condição atual da Companhia Remelio, o acordo para financiar o contrabando poderia muito bem ser visto como fraude.
Havia muitas pessoas dispostas a destruir uma empresa agonizando a fim de fazer um lucro rápido, portanto essas dúvidas raramente eram estranhas.
Lawrence tinha que escolher suas palavras cuidadosamente.
Mas antes que ele pudesse —
“Escuta aqui,” disse Holo.
Surpreso, Remelio olhou para Holo, piscando como se só agora percebesse que havia outra pessoa.
Lawrence também se virou para Holo. A própria Holo estava olhando para o chão.
“Você acha que pode ter o luxo de hesitar?”
“O q — ” Remelio estava com a língua presa dada a provocante e ameaçadora questão.
Pensando que isso era uma abordagem imprudente, Lawrence estava prestes a detê-la. Porém —
“Outra pessoa acabou de sair. Acha que pode continuar desperdiçando o seu tempo assim?”
Paralisado pelo olhar afiado do Holo, Remelio congelou, como se tivesse engolido uma pedra. “E-er...”
“Eu tenho uma audição excelente. Devo te dizer sobre seus trabalhadores e os planos que são arquitetados lá embaixo agora? Os planos para escapar enquanto ainda podem?”
“Uh —”
“Whoops, lá vai se vai mais um. Nesse ritmo esta loja vai —”
“Pare!” gritou Remelio, segurando sua cabeça.
Holo olhou para o homem, sua expressão totalmente imperturbável.
Lawrence meio que concordava com ela. Uma empresa era como um barco. Se há um buraco no casco sem esperança de remendo, a tripulação ignoraria o capitão e abandonaria o navio.
Mas estava claro o suficiente que Holo escolheu essa linha de ataque por uma razão. Ela sabia melhor do que ninguém o significado da palavra solidão.
Ela certamente compreendia a angústia de Remelio.
“Sr. Remelio,” começou Lawrence calmamente, tendo compreendido a abordagem de Holo. “Proponho que você pegue esses três lumiones — tudo o que tenho — como um depósito e invista em ouro. Nós conhecemos alguém que vai tornar o contrabando possível. Se essa pessoa for paga bem o suficiente, a confiança está garantida. E dada sua companhia, tenho certeza que você tem meios de repassar o ouro contrabandeado. O que você diz? Se você adiar minha dívida e me der uma parte justa, quero conduzir esta operação sem condições desfavoráveis para você.”
Um momento se passou.
“O que me diz?”
Remelio olhou para baixo, a cabeça entre as mãos.
As palavras de Lawrence, mais sedutoras que vinho, estavam certamente dominando a mente do homem. Ele ainda não tinha olhado para cima.
Tempo passou em silêncio.
Estava quieto, como se toda a companhia estivesse focada na decisão de Remelio.
Assim que Lawrence começou a dizer “Sr. Remelio,” o mestre finalmente falou.
“Tudo bem.” Ele levantou a cabeça, o rosto exausto, uma chama ardendo em seus olhos. “Vamos fazer isso.”
Lawrence se levantou sem pensar e estendeu a mão.
Os dois homens, ambos enfrentando falência, apertaram as mãos.
“Que Deus nos perdoe.”
Depois de estabelecerem as condições do acordo com a Companhia Remelio, Lawrence e Holo se encontravam em frente a uma pequena igreja na parte oriental de Ruvinheigen. O nível de ornamentação, o tamanho dos sinos e assim por diante, eram decididos com base na importância da capela na organização da Igreja — o raciocínio era que quanto mais alta a abadia, mais perto de Deus ela estava.
A igreja que Lawrence e Holo visitavam estava na metade de baixo dessa hierarquia. Seus adornos não eram de todo ruins, mas para Ruvinheigen, a igreja era bastante modesta.
Era logo depois do almoço, e a missa do meio-dia estava em andamento dentro da paróquia.
“E agora,” disse o Holo abruptamente, sentada nos degraus de pedra enquanto um hino louvando a santa Mãe ecoava para fora da capela. “Acha que pode realmente enganar a garota?”
“Você diz cada coisa.”
“Por acaso estou errada?” perguntou Holo, interessada.
Lawrence fez uma cara séria e olhou para a frente quando respondeu. “Você não muda.”
Ele e Holo esperavam na entrada desta casa de adoração porque tinham negócios com Norah, a pastora. Eles não sabiam a qual igreja em particular ela estava afiliada, mas não havia muitas que abrigavam uma pastora mulher. A busca foi rápida.
E tendo se dado ao trabalho de procurar, eles não estavam aqui para conversas inúteis.
Eles vieram pedir para ela para fazer um papel crucial na operação de contrabando de ouro — o transportador.
No entanto, Norah não estava enfrentando a ruína financeira da forma que Lawrence e a Companhia Remelio estavam. Ainda assim, propor o plano de contrabandear ouro certamente envolveria engano, porque teriam que fazer com que o lucro parecesse equivalente ao perigo.
Qualquer um que contrabandeia ouro aposta sua vida nisso — e nada poderia compensar a perda da vida. Sim, alguns detalhes precisaram ser alterados.
No entanto, tanto a habilidade de Norah como pastora e sua posição na cidade eram indispensáveis para o esquema.
E o mercador tinha fé de que ela seria sua cúmplice.
Lawrence sentiu uma dor na consciência por tratar o coração de alguém como uma mercadoria na praça. Se Norah fosse uma comerciante ele não teria esse remorso, mas ela era uma pastora inocente. No entanto, esse fato não era problema para a perspicaz visão mercantil de Lawrence.
Além de ser uma pastora — portanto já considerada vagamente como uma herege — ela era uma mulher, o que a tornava ainda mais provável de ser uma ferramenta dos demônios. Era simples concluir que a Igreja não a estava protegendo por senso de caridade, mas sim mantendo um olho nela. Essa era provavelmente a raiz da inquietação dela, que ele notou enquanto falava com ela sobre o trabalho de pastoreio que fazia para a Igreja.
Além disso, embora Norah tenha expressado seu desejo de economizar dinheiro suficiente para se tornar uma costureira, não fazia parte da personalidade da garota ser avarenta — e a renda extra proporcionada por fazer escoltas não lhe dava esse luxo. Ele podia entender se ela não quisesse ser exposta a um ambiente de trabalho tão severo.
Labutando o dia inteiro com o difícil trabalho de uma pastora, e mesmo assim nunca exatamente fechando as contas o fim do mês — isso tornava impossível saudar o dia com qualquer alegria. O futuro se estenderia indefinidamente, contendo apenas amargura e sofrimento.
Em contraste a isso, Lawrence iria propor o estratagema do contrabando de ouro para ela: em vez de conseguir pequenas quantidades de dinheiro, ela conseguiria o suficiente de uma só vez, não só para pagar a taxa de entrada na guilda, que é no máximo um lumione, mas também para acabar com qualquer preocupação no final do mês. Claro, havia perigo, mas como ela poderia deixar esta oportunidade passar? Era assim que iria convencê-la.
Dificilmente Lawrence iria forçá-la, de modo que, nesse sentido, ele não estava fazendo nada de errado, mas ainda tinha dúvidas sobre usar as circunstâncias desfavoráveis dela a seu favor.
No entanto, tinha que ser Norah.
O fato de que ela era uma pastora habilidosa que podia levar seu pequeno rebanho através de áreas infestadas por lobos, por onde poucos humanos se aventuravam; o fato de que ela estava insatisfeita com o seu empregador, a Igreja; o fato de que ela precisava de dinheiro para realizar seu sonho — realmente parecia que cada condição foi divinamente organizada especificamente para ajudar Lawrence a ter sucesso no contrabando de ouro em Ruvinheigen. Era impossível imaginar alguém em melhor posição para ajuda-los.
Mesmo assim, Lawrence suspirou. Convencê-la ainda seria difícil para ele.
Enquanto ele estava absorvido pensando sobre isso, Lawrence notou que os olhos de Holo o estavam observando. Ele olhou e viu o sorriso dela.
“Você realmente é bondoso demais.”
Era o que ela tinha dito ontem. Era verdade que Lawrence era um tanto quanto sentimental para um mercador. Havia muitos comerciantes que alegremente trariam desgraça para suas famílias se isso significasse lucrar no processo.
“Ainda assim,” disse Holo de pé e olhando para a sempre animada rua. “É graças a essa bondade que pude viajar tão facilmente,” ela anunciou casualmente, descendo alguns degraus de pedra para ficar ao lado de Lawrence. “Suponho que terei que convencê-la. Preciso ser de alguma utilidade, afinal.”
Ela deu um leve sorriso, mas suas palavras careciam de um certo brilho, Lawrence pensou.
Ele a observou e com toda certeza, ela estava cabisbaixa. Talvez fosse porque ele e Holo estivessem perto da turbulenta e ocupada rua, mas ela parecia menor que o habitual.
“O quê, você ainda está pensando sobre ontem?” ele perguntou.
Holo balançou a cabeça, mas não disse nada. Era uma mentira fácil de perceber.
“Não há como dizer o que teria acontecido lá atrás se você não tivesse pressionado Remelio. Eu diria que você foi muito útil.”
Holo assentiu; talvez ela tenha aceitado a verdade da afirmação, mas seu rosto permaneceu cabisbaixo.
Lawrence afagou a cabeça dela levemente. “Vou falar com ela eu mesmo. Afinal foram meus olhos cegos pela ganância e nos trouxe para esta confusão. Seria absurdo deixar toda a conversa para você por causa da minha relutância.”
Embora ele estivesse em parte tentando animar Holo e em parte se depreciando, tudo o que disse certamente era verdade.
“E de qualquer forma, se eu deixar você me ajudar demais, não há como saber o quanto serei explorado mais tarde,” ele disse dando de ombros.
Depois de um momento, Holo levantou o olhar e sorriu com um suspiro suave. “E aqui estava eu pensando que poderia cobrar alguns favores mais tarde.”
“Eu certamente acabei de evitar uma bela armadilha,” brincou Lawrence.
Holo casualmente colocou o braço na testa. “Sim, você escapou, mas está caindo em uma armadilha ainda maior. Eu não caço um coelho preso em uma armadilha. Ele estaria muito fraco.”
“Você conhece o tipo de armadilha para lobos que usam um coelho como isca?”
“Certifique-se de notar os uivos dos lobos quando você colocar a armadilha. Você vai capturar a presa errada.”
Era uma brincadeira familiar vazia.
Lawrence balançou a cabeça para o quão ridículo era a conversa. Holo não se conteve e começou a rir.
“De qualquer forma, mercadores são como sabres — não prestam se não estiverem firmes. Caso contrário quebramos com facilidade,” disse Lawrence, em parte para si mesmo, e em seguida lançou os olhos para o céu, como se procurasse o badalar dos sinos.
Era um lindo céu azul com nuvens dispersas. Ele desviou o olhar para o leste e viu mais algumas nuvens brancas.
Era um belo dia — e tempo bom significava bons negócios.
Enquanto Lawrence pensava isso, ouviu um som tranquilo atrás dele, as portas da capela estavam se abrindo. Lawrence e Holo foram para a lateral dos degraus de pedra. Logo a congregação começou a sair da igreja, seus rostos cheios de serenidade enquanto desciam as escadas depois da oração. A multidão se dividia em grupos menores quando se dispersava para terminar o dia de trabalho — uma cena que se repetia diariamente.
Por fim, o êxodo diminuiu.
Houve um tempo em que se acreditava que quanto mais tempo alguém permanecesse na igreja, mais profunda era a fé dessa pessoa — até que os padres começaram a com quem permanecia na capela. Agora, essas coisas não mais aconteciam.
Dito isto, não era bom deixar uma igreja muito rapidamente, para que não parecessem está tentando escapar.
Como resultado, açougueiros, curtidores e outros artesãos que pudessem atrair a atenção funesta da Igreja tendiam a deixar o santuário mais lentamente.
Como pastores eram contados entre essas profissões suspeitas, a pastora foi a última a sair. Seus olhos baixos e postura reservada eram, sem dúvida, devido ao fato de que a igreja não era um lugar de descanso para ela.
“Bom dia,” declarou Lawrence quando parou na frente de Norah, sorrindo tão agradavelmente quanto conseguia. Um bom sorriso era uma parte importante da negociação.
“Er, L-Lawrence e... Holo, não é?” Norah falou, um pouco envergonhada, olhando para Holo e então voltando a olhar para Lawrence.
“Está claro que nos encontramos na frente de uma igreja é a vontade de Deus,” disse Lawrence com um gesto um pouco grandioso. Norah pareceu notar alguma coisa e riu se divertindo.
“Eu não serei enganada, Sr. Lawrence.”
“Agradeço aos céus por isso. Ouvi dizer que ultimamente há aqueles em serviço que beberam um pouco demais o sangue sagrado.”
Lawrence estava se referindo ao vinho. Se ela estivesse bêbada, ele poderia ser capaz de convencê-la a se juntar a ele, mas ela também pode perder a paciência ou recusá-los. Ele estava feliz por sua sobriedade.
“Não posso beber muito vinho, então o evito na maioria das vezes,” ela disse com um sorriso tímido, depois olhou em volta nervosamente. Talvez tivesse sido contratada para trabalhar como escolta.
Lawrence não hesitou em usar essa ansiedade. “Na verdade, eu estou aqui para tratar de um trabalho com você.”
O rosto de Norah se levantou tão rapidamente que você quase poderia ouvir.
“Este lugar sendo o que é, talvez devamos nos afastar para uma barraca em algum lugar...”
A razão pela qual Lawrence não sugeriu um bar foi porque nada seria mais evidente a esta hora. Negociações secretas eram melhor conduzidas em espaços públicos movimentados.
Norah concordou agradavelmente. Lawrence começou a caminhar com Holo à sua direita e Norah à sua esquerda, os seguindo um pouco atrasada.
Os três caminhavam ao longo da movimentada e barulhenta alameda até que passaram através da multidão e chegaram à praça.
A praça era tão barulhenta e festiva como sempre, mas a sorte lhes sorria pois logo o trio encontrou uma mesa perto de uma barraca de cerveja onde Lawrence ordenou cerveja para os três. Ale¹ era mais barata, mas como Norah estava com eles, não poderiam simplesmente pedir qualquer cerveja.
O serviço foi rápido, mas grosseiro assim que os três canecos chegaram; Lawrence pagou uma ninharia de prata por eles, em seguida colocou a mão no seu caneco.
“Pela nossa reunião.”
Os canecos bateram barulhentamente.
“Então, Norah, você disse que era capaz de ir até Lamtra?”
Tomada de surpresa pela repentina abordagem sobre trabalho, Norah, que não havia tocado na cerveja, olhou Lawrence cautelosa. Holo observava os dois, enquanto segurava sua cerveja.
“S-sim, eu posso ir até lá.”
“Mesmo trazendo seu rebanho?”
“Desde que não seja um rebanho muito grande.”
Ela respondeu de forma tão direta que Lawrence se perguntou quantas vezes ela cruzou os campos e florestas a caminho de Lamtra.
Mas só para ter certeza, Lawrence olhou para Holo a fim de verificar a veracidade da declaração. Holo assentiu tão imperceptivelmente que só Lawrence percebeu.
Evidentemente Norah não estava mentindo.
Lawrence respirou fundo para evitar levantar as suspeitas de Norah. Ficar enrolando excessivamente poderia prejudicar a determinação dela. Melhor perguntar diretamente
“Eu quero contratá-la para um determinado trabalho. A remuneração será de vinte lumiones. Não em uma mera declaração, claro — será em moedas.”
Norah olhou para ele sem expressão, como se ele estivesse falando em uma língua estrangeira. De fato, demorou um pouco para que as palavras dele penetrassem na mente dela — era como se a notícia fosse escrita em alguma terra distante e enviada para ela.
Para algumas pessoas, vinte lumiones era muito dinheiro.
“No entanto, há riscos, e a remuneração é só se tivermos sucesso. Fracasso não nos trará nenhum ganho.”
Olhar para o dedo de alguém enquanto ele traça círculos ou marcas de x em uma mesa era uma maneira de dizer se ele ou ela era real e não um sonho ou alucinação.
Norah acompanhou os movimentos do dedo de Lawrence, e parecia que ele era bastante real.
Mesmo assim, parecia que ela ainda tinha dificuldade em acreditar.
“O trabalho será levar as ovelhas — então trazê-las de volta da forma mais segura possível. Isso é tudo que precisamos de suas habilidades como pastora.”
Norah finalmente pareceu focar na proposta de Lawrence, e percebeu que o trabalho e a remuneração que havia oferecido estavam longe de ser equivalentes, ela começou a expressar seu ceticismo. Lawrence parecia estar esperando por isso e a cortou.
“No entanto, o trabalho em si envolve perigo significativo — proporcional ao risco.”
Tendo explicado o lucro inimaginável, ele agora explicaria o risco. Ambos poderiam levar ao choque, mas o primeiro deixaria uma impressão mais forte.
“De qualquer forma, o pagamento é de vinte lumiones. Mesmo as mais altas taxas das guildas são de um único lumione. Você poderia alugar uma casa e cuidar de suas despesas diárias, trabalhando sem se preocupar. Com essa quantia, você poderia facilmente adquirir o seu próprio negócio. Você seria a mestra da Alfaiataria Norah.”
O rosto de Norah estava perturbado e à beira das lágrimas. A enormidade da quantia de dinheiro parecia estar sendo compreendida — e com ele, sem dúvida, a preocupação com o perigo.
Ela tinha mordido a isca. Agora, o verdadeiro desafio começava. Caso se atrapalhasse com suas declarações, ela iria levantar uma carapaça ao redor dela, como um molusco.
“Oh, certo — você planejou se juntar a guilda de alfaiates nesta cidade, Norah?”
Ela estava esperando, preparada para ouvir as más notícias, mas Lawrence parecia ter tirado ela da trilha. Dentro da cabeça dela, Lawrence sabia que os pensamentos giravam em torno da quantidade ridícula de dinheiro e do fato de que ainda não tinha ouvido o risco. Não havia muito espaço para refletir sobre outras coisas, por isso a sua resposta deveria ser bastante honesta, Lawrence pensou.
“N-não, eu estava pensando em uma cidade diferente.”
“Entendo! Você não gosta do tamanho exagerado desta cidade em comparação às outras? Pode ser bastante difícil de viver em uma cidade desconhecida sem amigos, eu acho.”
Enquanto sua mente estava ocupada com outros assuntos, ela não poderia expressar seus pensamentos facilmente — como planejado.
Norah assentiu, parecendo perturbada, sem dizer nada.
Isto era o suficiente para Lawrence, cuja intuição mercantil lhe dizia o estado de uma pessoa com base na expressão em seu rosto.
A mente da pastora era como o vidro para ele.
“Bem, suponho que você queira ficar longe desta cidade e suas igrejas, não é?”
A armadilha foi colocada.
Holo deu a Lawrence um olhar óbvio, mas o resultado foi instantâneo.
“N-não, quero dizer, não é isso... Bem, mas...”
“Quanto mais você trabalha para eles, quanto mais você protege as ovelhas que confiaram a você, mais eles vão suspeitar que você pratica feitiçaria. Estou errado?”
Ela congelou, sua cabeça não se movia nem para cima nem para baixo, nem para a esquerda nem para a direita — Lawrence acertou a ferida.
“E enquanto tentam te expor, você tem que se aventurar por lugares onde outros pastores nunca ousaram ir — porque as outras terras já estão tomadas por esses mesmos pastores, foi o que você disse.”
Nesse instante, os olhos de Norah se abriram, e ela olhou para Lawrence. Talvez fosse algo que ela tinha considerado vagamente antes, já que como os outros pastores já tinham seus territórios, se ela estivesse disposta a viajar longe o suficiente, ainda haveria lugares seguros sobrando.
“Os padres vão continuar te empurrando cada vez mais longe até que você seja atacada por lobos ou mercenários. E a cada dia que isso não ocorre, eles vão suspeitar que você seja uma pagã.”
Lawrence cerrou o punho embaixo da mesa, como se quisesse esmagar sua consciência pesada.
Ele ateou fogo sob a pequena dúvida de que sempre tinha permaneceu no coração de Norah. Não havia maneira de voltar atrás. Se isso era verdade ou não, era irrelevante.
Comerciantes são como sabres — inúteis se não forem firmes.
“Eu mesmo já estive em uma situação similar. Me deixe dizer claramente.”
Ele olhou diretamente para Norah e falou em voz baixa o suficiente apenas para as pessoas ao redor não ouvirem.
“A Igreja aqui é mais imunda do que os porcos.”
Falar mal da Igreja era um crime grave. A Norah chocada olhou ao redor, as chamas de sua dúvida de repente se dispersaram. Lawrence colocou os cotovelos sobre a mesa e se inclinou para frente.
“Mas nós temos um plano. Vamos dar alguns problemas à Igreja, fazer algum dinheiro, e seguir para uma cidade diferente — esse tipo de plano.”
As chamas de sua dúvida se transformaram em raiva que queimaram mais forte, mas uma vez que acabassem de queimar, deixariam para trás cinzas de confiança. Dentro de Norah, a semente da rebeldia justificada começaria a florir.
Lentamente, Lawrence articulava o centro da questão.
“Nós vamos contrabandear ouro.”
Os olhos de Norah se arregalaram, mas ela logo se acalmou. Surpresa podia, na melhor das hipóteses, ser sentido apenas como um vento um pouco forte.
Ela finalmente falou, sua mente voltou a trabalhar.
“Mas... o que é que posso fazer?”
Era uma boa pergunta. Sua habilidade como uma pastora não era seu único mérito.
“Como tenho certeza que você sabe, o ouro vindo para a cidade é fortemente regulado. Cada estrada que entra em Ruvinheigen tem postos de controle e duas etapas de inspeção. Se você ocultar algo em suas mangas ou entre sua bagagem, eles vão encontrar de imediato. Se tentar trazer uma carga, é ainda mais difícil.”
Norah assentiu fervorosamente com a explicação simples de Lawrence, como se ela fosse uma devota ouvindo um sermão.
“Pretendemos passar com o ouro pelos postos de controle escondido nos estômagos das ovelhas.”
O olhar no rosto de Norah era tão atônito que Lawrence praticamente podia ouvi-la dizer, “Impossível,” mas a noção gradualmente passou por sua mente, como água penetrando em barro duro.
Muitos animais que comem grama durante todo o ano, incluindo ovelhas, tendem a engolir pedras no processo. Não havia razão para não espalhar os grãos de ouro entre a grama e os fazerem engolir, embora pudessem tossir ouro durante o longo processo de inspeção. E então havia Norah, que apesar de sua habilidade como uma pastora, tinha apenas um pequeno rebanho que levava para muito longe, vagando por lugares onde poucos humanos viajavam. Quando vieram de Poroson, o primeiro posto de controle era um modesto; tráfego mais pesado significaria um posto de controle maior.
Norah assentiu lentamente. “Entendo,” ela murmurou.
“Mas os preços do ouro são absurdamente altos em qualquer cidade afetada pela política de Ruvinheigen. Isso faz da cidade pagã de Lamtra o lugar mais conveniente para começar. Se você vem através das rotas mais seguras de Lamtra, há uma grande quantidade de tráfego, e muitos desses territórios foram reivindicados por outros pastores. Isto é o que a torna perfeita para o trabalho. Ninguém vai desconfiar de você levando suas ovelhas por uma rota com pouco tráfego — e esse caminho é o mais rápido até Lamtra.”
Lawrence fez uma pausa, limpando a garganta um pouco e olhando atentamente para Norah antes de continuar.
“Você já sofreu nas mãos da Igreja nessa cidade, Norah,” ele disse rispidamente. “Esta é a sua melhor chance de virar o jogo contra eles. Afinal, as duas maiores fontes de renda da Igreja são os dízimos e comércio de ouro. Mas se formos pegos, as punições serão duras, e se o trabalho for um sucesso, teremos que deixar a cidade para nossa segurança. E dependendo das circunstâncias, podemos ter que te pedir para abater as ovelhas.”
Haviam poucos pastores que nunca tiveram a necessidade de matar um animal — e ainda menos os que não achavam o trabalho doloroso. Era uma boa maneira de medir a determinação dela.
“Por outro lado, são vinte lumiones,” disse Lawrence.
Você está sendo injusto, disse a si mesmo, mas quanto mais injusta a situação dela parecia, mais eficaz seria o resultado.
Finalmente, a garota do outro lado da mesa — que aturou o calor e o frio, olhares suspeitos e tratamento terrível, tudo isso enquanto cuidava silenciosamente de seu rebanho — ponderou o lucro, o risco e a natureza do trabalho e pareceu chegar a uma conclusão.
Lawrence pôde ver os olhos dela ficando calmos.
Palavras fortes foram proferidas daquela boca pequena.
“Por favor, me deixe fazer isso.”
Naquele momento, Lawrence convenceu outra pessoa a fazer uma aposta com a própria vida.
Mesmo tendo rapidamente se alinhado com Norah e estendido sua mão — foi a outra mão que o alcançou para agarrar o seu próprio futuro.
“Eu contarei com você.”
“...E eu com você.”
Agora a promessa estava firmada. Norah e Holo também apertaram as mãos e agora o destino dos três estava intrinsecamente ligado. Todos os três ririam juntos ou todos os três iriam chorar.
“Certo, agora para os detalhes.”
Lawrence então perguntou para Norah sobre quando ela pegaria as ovelhas, quantas ela pegaria, as especificidades da paisagem ao redor de Lamtra e quanto ouro que ela achava que conseguiria obrigar as ovelhas a engolirem. Ele levaria essas informações para Companhia Remelio.
Meio dia passou em um piscar de olhos, e pela hora que terminaram de conversar, os negócios estavam fechando e os mercadores e artesãos apareceram nas ruas a caminho de casa. Tendo deixado sua cerveja intocada, Norah se levantou. Ela havia absorvido tudo enquanto estava inteiramente sóbria e tomou sua decisão.
Se a posição de Lawrence fosse outra, ele teria seguido Norah quando ela saiu após se despedir agradecendo ao homem que a deu essa extraordinária oportunidade. Ele teria tentado convencê-la a repensar sua posição.
Lawrence bebeu a cerveja morna do caneco de uma só vez. Era amarga e desagradável.
“Vamos lá, você não deveria estar mais feliz? Tudo correu bem apesar dos pesares!” Holo falou para Lawrence com um sorriso irônico.
Mas Lawrence não poderia ficar feliz sem preocupações. Ele tinha persuadido Norah a escolher um caminho perigoso.
“Eu não me importo o quão grande seja o lucro; não há nada que possa compensar a vida de uma pessoa,” ele disse.
“Suponho que seja verdade.”
“E engrandecer o lucro dessa forma é o mesmo que uma fraude. Mercadores sempre dizem que é um tolo quem se limita a um contrato injusto. Mas o que ela é? Ela é apenas uma pastora!”
Apesar de tudo o que ele fez foi levantar a voz, o arrependimento corroía por dentro do seu peito.
Se tudo com que ele se importava era a sobrevivência, ele poderia ter aceitado a ajuda de Holo, abandonado sua vida como mercador e todas as pessoas nela.
Mas para Lawrence, isso não era muito diferente da morte.
Então ele se agarrou a chance de transformar o esquema de Holo em realidade, e para isso, enganou Norah para ajudá-lo.
Ele estava ciente do que tinha feito, mas não podia deixar de se arrepender.
“Vamos lá,” repreendeu Holo depois de um tempo, girando a cerveja restante em torno do caneco enquanto olhava para o seu conteúdo.
Lawrence levantou o olhar; ela manteve sua atenção voltada para o caneco.
“Você já ouviu o grito terrível que uma ovelha faz quando você arranca sua garganta?”
A respiração de Lawrence ficou presa com a pergunta repentina. Holo finalmente o encarou.
“Ovelhas não têm presas, não tem garras, não são rápidas ao tentar fugir quando os lobos vêm voando pelos campos como flechas com garras, dentes e velocidade para rasgar suas gargantas. O que você acha disso?”
Holo falou como se fosse uma conversa trivial — e na verdade, para ela era verdade.
O que ela falou acontecia frequentemente — não, mais do que com frequência.
Quem caça sua comida usa todos os métodos disponíveis. Era simples, óbvio.
“O grito de morte de um cordeiro é indescritível, mas o meu estômago vazio reclama constantemente. Se eu tiver que dar ouvidos a um deles, vou ouvir o mais alto dos dois, não vou?”
Lawrence concordou.
Se ter que sacrificar algo para sobreviver era um pecado, então o único caminho restante era morrer em jejum como um santo.
Mas isso não era desculpa para qualquer comportamento.
Precisava que outra pessoa dissesse o que ele precisava ouvir para poder se libertar do conflito.
“Você não é tão ruim.”
Lawrence viu Holo sorrir para ele impotente, e sentiu sua culpa derreter.
Ele queria muito ouvir essas palavras.
“Hmph. Que menino mimado.”
Lawrence fez uma cara triste por ter sido lido com tanta facilidade, mas Holo apenas terminou sua cerveja e se levantou.
“Ainda assim, nem humanos nem lobos podem viver sozinhos. Às vezes é preciso um companheiro de matilha para se aquecer. Estou errada?”
Certamente esta era uma definição forte e flexível.
Lawrence assentiu aceitando o sorriso de Holo e se levantou.
“Ainda assim, você é bem perigoso,” ela disse.
Ela provavelmente estava falando sobre sua hábil manipulação de Norah — mas que tipo de mercador ele seria se não pudesse fazer ao menos isso.
“É melhor que acredite nisso. Cuidado para mim não te enganar também.”
Holo riu. “Vou esperar por isso.” Ela riu como se realmente estivesse na expectativa, o que fez Lawrence se perguntar se não era ele que estava sendo enrolado. Ele não disse isso, mas enquanto Holo deixava escapar um sorriso quando começaram a andar, parecia melhor assumir que ela podia ver direto através dele.
“Em todo caso, nós não temos escolha a não ser procurar ter certeza que todos nós possamos rir no final,” disse Lawrence.
“Esse é o espírito. Ainda assim...”
Lawrence olhou para Holo, que parou no meio da frase.
“...Não seria melhor se nós dois fôssemos os últimos a rir?”
Era uma ideia sedutora, mas não — era melhor que todos fossem felizes.
“Você realmente é simplesmente muito bondoso”.
“Isso é tão ruim assim?”
“Longe disso.”
Os dois sorriram levemente enquanto caminhavam pela cidade.
O caminho adiante estava longe de ser brilhante, mas cada um sentia no rosto do outro que o futuro estava claro o suficiente.
O contrabando seria bem-sucedido.
A ideia era infundada, mas Lawrence acreditava de qualquer maneira.
“Meu nome é Marten Liebert, da Companhia Remelio.”
“Lawrence. E esta é a minha companheira, Holo.”
“Um, eu sou N-Norah. Norah Arendt.”
A cidade santa de Ruvinheigen tinha muitas entradas e saídas, e foi em uma praça pouco antes do portão nordeste que as três apresentações foram feitas.
O ar da manhã antes do sino do mercado tocar era fresco e agradável, e a praça, embora ainda coberta com restos da comoção da noite anterior, era de alguma forma bonita.
Entre as pessoas que reunidas ali, só Holo teve o luxo de olhar para a cidade.
O rosto dos outros três estavam contorcidos e nervosos.
O crime de contrabando de ouro em Ruvinheigen carregava punições pesadas, incluindo ser arrastado e esquartejado. Em circunstâncias normais, eles teriam se encontrado muitas vezes para garantir que não houvessem surpresas desagradáveis, mas infelizmente, a situação não permitia isso.
Havia muitos credores que queriam esmagar e devorar a Companhia Remelio. —Mesmo uma empresa à beira da falência tinha terras, casas e contas a receber — todas as quais poderiam ser convertidas em dinheiro.
Esses credores dificilmente podiam esperar o final dos prazos de empréstimos, então a Companhia Remelio estava sob pressão para terminar o contrabando de ouro rapidamente e transformar os resultados em moedas.
Assim, Norah pegou as ovelhas da igreja logo após os serviços da manhã, em seguida se dirigiu imediatamente para se reunir com os outros. Evidentemente, ela não esperava que ninguém além de Lawrence e Holo estivessem envolvidos e ficou surpresa ao ouvir o nome da Companhia Remelio, mas manteve as dúvidas para si mesma. Ela parecia preparada para desempenhar seu papel.
“Então vamos. Negócios são como peixe fresco na cozinha,” declarou Liebert. Se estragam rápido se não forem ágeis, era a conclusão não dita.
Liebert era o homem que Hans Remelio confiou o papel de contrabando de ouro. Lawrence não teve nenhuma objeção, e claro, nem Norah ou Holo pareciam se opor.
Despertando apenas a mínima curiosidade dos guardas sonolentos no portão, eles deixaram a cidade de Ruvinheigen sem incidentes.
Lawrence vestia roupas habituais de mercador; Liebert se vestia com o tipo de roupa que um comerciante da cidade usaria em uma viagem de caça. Holo voltou para as suas roupas de freira, e Norah tinha a aparência de sempre.
No entanto, nem Lawrence nem Liebert usavam uma carroça. Liebert estava a cavalo, e Lawrence tinha colocado Holo em cima de outro cavalo, que ele guiaria pelas rédeas enquanto andasse. A estrada provavelmente seria ruim, e viajar sem uma carroça era significativamente mais rápido.
Com Norah liderando o caminho enquanto guiava suas sete ovelhas e seu cão pastor Enek, o grupo se dirigia a nordeste para a cidade de Lamtra.
Era como a estrada de Poroson — a rota era pouco popular entre os viajantes, e o grupo passou o dia inteiro sem encontrar sequer uma pessoa.
Não havia nada que valesse a pena conversar, e os únicos sons eram o sino do bastão de Norah e o balir das suas ovelhas.
A primeira interação que se parecia com uma conversa surgiu ao pôr do sol, quando Norah parou e começou a fazer acampamento, o que incomodou Liebert. Com seus olhos amendoados e cabelos loiros lisos, ele parecia por completo com um jovem empregado encarregado de um trabalho importante. Ele insistiu, de forma bastante tensa, em fazer mais progresso antes de parar para acampar.
Mas Liebert não tinha experiência de viagem. Quando Lawrence explicou como pastores trabalhavam e os riscos de viajar à noite, Liebert surpreendentemente compreensível. Ele poderia estar tenso, mas não era de forma alguma irracional.
Longe disso, na verdade, Lawrence percebeu que Liebert era, provavelmente, um homem de boa índole sob circunstâncias normais, uma vez que ele ofereceu desculpas sinceras.
“Eu sinto muito. A pressão está me dominando, eu acho.”
Liebert foi confiado com a futura existência da Companhia Remelio. Selado de forma segura no interior de seu casaco estava a nota da compra de ouro — no valor de seiscentos lumiones. Mesmo seu mestre, Remelio, provavelmente estaria de mãos juntas orando lá em Ruvinheigen.
“Bem, ao contrário de mim, você está carregando uma companhia inteira nas costas. É de se esperar,” disse Lawrence. Liebert pareceu um pouco aliviado e sorriu.
A noite passou em silêncio, e logo era de manhã.
Entre as pessoas da cidade, o café da manhã é frequentemente considerado como um luxo e muitos não o têm — mas para aqueles que vivem viajando, é senso comum.
Assim, eles partiram enquanto Liebert ainda mastigava um pão com carne seca.
Eles pararam novamente, pouco antes do meio-dia.
Era apenas a crista de uma pequena colina; a estrada sob seus pés ia direto ao leste, dobrando ao sul no cume da próxima colina. Em torno deles crescia grama ideal para pastagem; ela se estendia em todas as direções.
Mas a estrada agora se afastava de seu destino. Fracamente visível ao norte estava o verde escuro da floresta, e traçando uma linha a oeste, eles podiam ver os topos íngremes das colinas à distância.
Eles iam se dirigir por entre as montanhas e a floresta, através de áreas que nenhuma carroça passou e o pé de nenhum viajante jamais pisou.
Os campos que dividem as colinas íngremes, que eram tão rochosas que era impossível transitar até mesmo a pé, a partir da floresta densa e misteriosa (que até mesmo os cavaleiros hesitavam em entrar) era o caminho mais curto para Lamtra.
Ninguém no seu juízo perfeito tomaria esse caminho, que apesar de sua aparência totalmente comum era indescritivelmente aterrorizante. Embora Holo debochasse de rumores de feiticeiros pagãos invocando lobos, era difícil não os imaginar.
A menos que seguissem esse caminho e chegassem com segurança em Lamtra, e a menos que retornassem com ouro, nenhum deles tinha futuro. Seus rostos se encontraram e todos concordaram com uma silenciosa compreensão.
“Se encontrarmos lobos, não entrem em pânico. Vamos chegar em segurança,” disse Norah com uma determinação surpreendente — isso era reconfortante, embora Holo não achasse isso tão interessante.
Sem dúvida Holo, a Sábia Loba, tinha algo a dizer. Quando Lawrence encontrou os seus olhos, ela o desprezou levemente, mas logo ela recuperou sua compostura.
“Que a proteção de Deus esteja conosco,” disse Liebert.
O restante seguiu o exemplo.
O tempo estava bom.
Havia ventos ocasionais que agitavam o ar frio, que acertava as bochechas dos viajantes, mas como eles estavam andando, era facilmente ignorado.
Norah liderava o grupo, juntamente com Liebert a cavalo; atrás deles vinham as sete ovelhas, e à direita das ovelhas estava Lawrence, levando o cavalo em que Holo montava.
Quanto mais ao norte através dos campos eles se dirigiam, mais perto as colinas ficavam, os empurrando para a borda da floresta. Eles se mantiveram o mais próximo da floresta quanto possível, uma vez que os cavalos podiam se ferir em terreno rochoso. No entanto, assim que eles chegaram perto o suficiente para ver a forma sombria da floresta, suas preocupações cresciam.
Era difícil dizer, mas Lawrence pensou que poderia ter acabado de ouvir o uivo de um lobo.
“Hey.”
“Hm?”
“Você acha que os lobos serão um problema?” ele perguntou, baixando sua voz.
“Não está nada bom. Nós já estamos cercados.”
Mesmo essa piada óbvia prendeu a respiração de Lawrence em sua garganta por um momento.
Holo riu silenciosamente. “Eu posso garantir a sua segurança. Já a dos outros eu não sei.”
“Estar em apuros a não ser que todos estejam bem.”
“Eu realmente não sei. A floresta está na direção do vento; se existem lobos nessa floresta, eles já nos notaram faz tempo e já começaram a afiar suas presas.”
Lawrence de repente teve a sensação de que algo na floresta estava o observando.
Ele ouviu o barulho repentino de passos de um animal, e surpreso, se virou em direção ao som, vendo Enek correr por ele como um borrão de pelo negro.
Enek perseguiu duas ovelhas desgarradas.
“Cão inteligente,” disse Lawrence.
Ele não quis dizer nada com isso, mas Holo ainda fungou com irritação.
“Ser meio-inteligente só convida a morte” ela disse.
“...O que você quer dizer?” ele perguntou. Seria complicado se Liebert ou Norah, à frente deles, ouvissem a conversa, então Lawrence falou em voz baixa.
Acima do cavalo, Holo tinha uma expressão azeda.
“Aquele cão, ele sabe o que eu sou.”
“Sabe?”
“Ocultar minhas orelhas e cauda engana os humanos, mas não um cão. Desde que nos conhecemos, ele fica olhando para mim de forma irritante.”
Lawrence podia dizer que Enek ficava olhando para eles, mas não tinha percebido o porquê.
“Mas, o que realmente me irrita,” — Holo moveu as orelhas debaixo do capuz; ela estava bastante irritada — “são os olhos do cão. Aqueles olhos, eles dizem 'Se atreva tocar nas ovelhas e eu vou rasgar sua garganta.’”
Lawrence sorriu desajeitado, como se dissesse “certamente não.” O olhar irritado que recebeu de Holo o fez estremecer.
“Nada me deixa tão brava como um cão que não sabe o seu lugar,” Holo falou, desviando o olhar.
Talvez cães e lobos fossem inimigos da mesma maneira que os corvos e as pombas.
“E de toda forma, eu sou Holo, a Sábia Loba. Eu não vou me deixar levar pela mera provocação de um cão,” ela reclamou carrancuda. Era quase impossível não rir.
Mas como seria um problema se Holo ficasse com raiva, Lawrence sufocou sua risada. “De fato, esse cão não é páreo para você. Você é mais forte, mais inteligente, e o pelo da sua cauda é melhor.”
Era uma bajulação óbvia, e o último elogio parecia ter funcionado.
As orelhas de Holo se mexeram sob o capuz, seu rosto abriu um sorriso orgulhoso que nenhuma máscara de compostura poderia sonhar em esconder.
Ela riu. “Bom, vejo que você entende como são as coisas.”
Era verdade — Lawrence agora entendia como lidar com Holo, mas é claro, ele não disse isso, apenas inclinou sua cabeça vagamente.
Eventualmente, a grama se tornou escassa e o solo ocre era mais proeminente.
As colinas que se espalhavam a oeste estavam mais próximas do que nunca e pareciam um mar revolto.
O grupo continuou pela estrada, embora isso mal pudesse ser chamado de estrada, onde tinham que atravessar grandes raízes de árvores que ocasionalmente atrasavam o progresso.
Logo o som do vento por entre as árvores atingiu seus ouvidos.
Mesmo assim continuaram em frente, passando a segunda noite da viagem sem incidentes.
De acordo com Norah, se partissem de madrugada da manhã seguinte, chegariam em Lamtra ao meio-dia. Assim, eles gastariam menos da metade do tempo de viagem que normalmente levaria se usassem a rota comum. A rota que usaram era um terço ou um quarto da distância. Se esse caminho fosse estabelecido, o comércio com Lamtra seria simples. Olhando para a distância que tinham percorrido até agora, Lawrence percebeu que os lobos não tinham sido um problema. Era fácil de imaginar a existência uma estrada apropriada.
Claro, a estrada também tornaria Lamtra muito mais suscetível a ataques. Ruvinheigen acharia difícil tolerar uma cidade pagã situada tão perto. Isso ainda não tinha acontecido, o que tornava fácil suspeitar que Lamtra secretamente pagava Ruvinheigen especificamente para impedir a construção de tal estrada. Onde quer que haja poder, também há suborno.
Depois de um jantar agradável, Lawrence se sentou imerso em pensamentos enquanto bebia um pouco do vinho trago por Liebert. Sem ninguém para conversar, ele foi deixado a sós com sua mente.
Holo tinha rapidamente terminado seu próprio vinho e agora estava embrulhada em um cobertor, encostada em Lawrence, dormindo. Liebert, cansado e sem costume de viajar, cochilou perto da fogueira.
Lawrence olhou em volta e viu Norah um pouco mais longe da fogueira, acariciando Enek no colo. Evidentemente, se ela ficasse muito perto do fogo, seus olhos se acostumariam à luz, o que poderia causar problemas se algo viesse a acontecer.
Norah pareceu notar o olhar de Lawrence sobre ela; ela o olhou.
Ela olhou para suas mãos, e então olhou de volta para ele, sorrindo agradavelmente.
Por um momento, Lawrence não entendeu por que ela estava sorrindo, mas depois olhou para suas próprias mãos e entendeu.
Holo estava dormindo no colo de Lawrence — “o mesmo que eu,” dizia o sorriso de Norah.
Lawrence, no entanto, estava com bastante medo de acariciar o cabelo de Holo. A loba em seu colo era muito mais temível do que Enek.
Quando olhou para Holo, pacífica e inocente em seu colo, a tentação de acariciá-la cresceu mais forte. Certamente não haveria problema se imitasse Norah e Enek.
Liebert estava dormindo, e Norah estava focada suas ovelhas enquanto acariciava Enek.
Lawrence colocou seu copo de madeira desgastado no chão e lentamente moveu sua mão na direção de Holo.
Ele já tinha acariciado sua cabeça muitas vezes, mas de repente, isso agora parecia sagrado de certa forma.
Sua mão tremeu. Então, naquele momento —
“ — !”
Holo levantou a cabeça.
Lawrence apressadamente afastou sua mão; Holo o olhou com cautela, mas logo voltou sua atenção para outro lugar. Lawrence se perguntou o que estava acontecendo quando percebeu que Norah estava de pé, assim como Enek que rangia os dentes.
Para todo lado que olhasse veria o mesmo — floresta totalmente negra.
“Sr. Lawrence, se afaste!” gritou Norah com urgência, e principalmente por reflexo, o mercador tentou fazer como lhe foi dito, mas foi pego por alguma coisa e não conseguiu ficar de pé.
Ele se virou apenas para descobrir que era Holo, segurando firme as suas roupas, mantendo as mãos dele nas costas. Ele estava prestes a protestar quando um olhar de advertência de Holo o perfurou. Se tivesse que adivinhar, o olhar significava algo como “ignore a garota e fique atrás de mim.”
Holo parecia carregar uma intensa hostilidade para com Norah, e com medo de se opor, quando Holo se levantou, Lawrence ficou atrás dela.
Norah estava absorvida em seu próprio trabalho, tocando o sino em seu bastão e guiando Enek, juntando as ovelhas sonolentas e as trazendo para mais perto da fogueira, e então tocou no ombro de Liebert adormecido. Finalmente, ela lançou vários pedaços de lenha na fogueira.
Os movimentos de Norah eram hábeis e calmos, e sua maneira desajeitada em torno de outras pessoas fez Lawrence se lembrar do seu próprio desajeito ao lidar com pessoas de fora dos negócios.
Liebert finalmente acordou e, sentindo o clima tenso, seguiu os olhares de Norah e Holo, procurando por lobos.
Ele recuou, a mão apertando o peito — sem dúvida segurando a nota de seiscentos lumiones que estava escondida ali — enquanto buscava ficar atrás de Enek, cuja a pele da cauda estava em pé enquanto ele mostrava suas presas.
Completando a linha de defesa do acampamento, os únicos sons que permaneciam eram os inquietos bées das ovelhas, a respiração irregular de Enek e o crepitar da fogueira.
Não havia nenhum som dentre as madeiras de ébano. A lua estava visível e não havia vento. Sendo naturalmente um mero mercador, Lawrence dificilmente poderia sentir qualquer presença na floresta.
Mas Norah, Enek e Holo estavam totalmente imóveis enquanto olhavam para o breu.
Pelo que ele podia perceber, eles podiam estar olhando para um peixe-gato nadando em um lago negro.
Estranhamente, ele não ouvia nem sequer um uivo de um lobo. Lawrence já foi atacado por lobos muitas vezes em suas viagens, e tais ataques sempre vinham com uivos. E mesmo assim, ele não tinha escutado nenhum.
Ele se perguntou se realmente havia lobos.
O tempo se arrastava com uma lentidão agonizante.
Não havia nenhum latido. A única razão pela qual Lawrence pode manter sua guarda era Holo — ele confiava nela implicitamente, e ela ainda era a própria imagem da seriedade.
Liebert era um caso à parte, vendo Norah e Holo como simples garotas.
A cor parecia voltar ao seu rosto anteriormente pálido e assustado, e ele começou a lançar olhares duvidosos aqui e ali.
Houve movimentação no instante em que abriu a boca.
Norah segurou seu bastão com o braço direito e com a mão esquerda pegou a corneta afixada em sua cintura. Holo viu o gesto com desprezo — talvez porque os lobos e as cornetas de caça estivessem sempre em conflito.
Assim como os lobos uivavam e ursos arranhavam as árvores, pastores anunciavam a sua presença com um sopro em sua corneta. Nenhum animal podia reproduzir por tanto tempo, essa nota longa, que inequivocamente entregava a presença de um pastor.
A nota soou no meio da noite e foi engolida pela floresta. Se houvesse de fato lobos por perto, eles agora sabiam que uma pastora habilidosa estava entre eles.
Mas, ainda assim, nenhum uivo ecoou. O grupo se manteve em silêncio absoluto.
“...Por acaso os afastamos?” perguntou Liebert incerto.
“Não tenho certeza... No mínimo, eles parecem ter recuado.” Liebert franziu a testa para resposta vaga de Norah, mas vendo Enek parar de rosnar e voltar ao trabalho de reunir as ovelhas, ele aceitou que o perigo imediato havia passado.
Talvez ele tivesse decidido que animais entendiam outros animais.
“Os lobos nesta área são sempre assim. Eu quase nunca os ouço uivar, e eles não parecem querer atacar — eles apenas observam...”
O jovem empregado da Companhia Remelio empalideceu com as palavras de Norah, como se ela tivesse falado sobre cadáveres voltando à vida e levantando de seus túmulos. Liebert era mais tímido do que parecia.
“É um pouco estranho que eles nem sequer uivem,” murmurou Holo, ainda olhando para a floresta. Liebert a entregou um olhar cético — essa garota da cidade que nem sequer é uma pastora, o que ela sabe de lobos?
Não era como se Liebert fosse especialmente ruim — muitas pessoas da cidade eram assim, mas suas suposições ainda irritavam Holo.
“Pode ser qualquer coisa além de lobos. Por exemplo, o espírito de um viajante que morrera aqui.”
O rosto de Liebert ficou branco como um lençol. A sábia loba havia exposto sua covardia.
“Ainda assim —”
Holo puxou a manga de Lawrence uma vez que ela tinha terminado de provocar o pobre cordeiro. Sua voz era baixa, então Lawrence se inclinou para aproximar seu ouvido.
“Eu estava meio séria. Tenho um mau pressentimento.”
Esta viagem não era uma viagem qualquer. Eles tinham que ir e voltar de Lamtra em segurança. Se o grupo falhasse, se eles fugissem ou encarassem seus destinos, a vida de Lawrence como mercador estaria encerrada.
Ele deu um olhar maligno para Holo como se dissesse, “Não tente me assustar com suas histórias tolas,” mas ela apenas observou a floresta vagamente.
Aparentemente, ela não estava brincando.
“Hmm, parece que a lenha acabou,” disse Norah alegremente, talvez para dissipar o clima ainda tenso. Lawrence concordou, e Holo finalmente desviou o olhar da floresta e assentiu. Liebert assentiu também, provavelmente, talvez em grande parte por se sentir obrigado.
“Devo recolher um pouco mais, certo?” disse Norah, talvez confiante com sua visão noturna.
Lawrence se sentiu mal por deixar a tarefa só para ela. “Eu também vou.”
Holo se intrometeu. “Eu também devo ir.”
Sem saber nada sobre como iniciar uma fogueira, Liebert não tinha levantado um dedo para ajudar a mantê-la, mas agora deve ter se sentido totalmente desconcertado.
“E-eu vou ajudar também!” ele disse, limpando a garganta, com medo de ser deixado sozinho.
Holo sorriu desagradavelmente para ele.
Eles entraram na floresta para recolher lenha, e Lawrence se perguntou se a aura bestial que sentia era apenas sua imaginação.
No entanto, não houve mais incidentes e a noite passou tranquilamente.
Quando Lamtra finalmente ficou à vista, Lawrence deu um suspiro genuíno de alívio.
Com a profunda floresta à sua direita e as colinas rochosas à esquerda, sua travessia foi semelhante a seguir por um beco sem fim.
Mas o suspiro de alívio não veio por chegar ao final desse beco. Ele tinha experimentado várias trilhas muito piores no passado. Não, o alívio veio do fato de que o estranho olhar que sentiu sobre ele na noite anterior tinha ido embora.
Lawrence sabia que não era simplesmente a sua imaginação já que Holo e Norah também ficaram continuamente em guarda. Havia definitivamente algo dentro da floresta que separava Ruvinheigen e Lamtra — algo que até mesmo uma brigada de cavaleiros temia.
Mesmo assim, eles fizeram a viagem com sucesso, portanto a viagem de volta também deveria ser possível. Lawrence ainda estava inquieto sobre isso, mas Norah estava com eles, e ela tinha feito esse caminho muitas vezes e nunca foi atacada nem uma vez. Confiando que as habilidades da pastora — assim como em Holo — conseguiria leva-los de volta de alguma forma.
Então tudo o que tinham a fazer era trazer o ouro.
Lawrence estava imerso em pensamentos enquanto observava Liebert entrar na cidade para fazer a compra — não havia motivo para todo o grupo entrar em Lamtra.
“Espero que tudo corra bem,” disse Norah, sem dúvida se referindo a tarefa de Liebert.
Até agora, tudo o que fizeram era perfeitamente legal, por isso havia pouco com o que se preocupar, mas falar isso parecia exagero.
“Concordo,” respondeu Lawrence.
Havia um motivo pelo qual usou o seu melhor sorriso de mercador quando disse isso.
Norah estava simplesmente jogando conversa fora.
Mas no coração de Lawrence, receio se misturava com arrependimento.
Ele temia que Norah não compreendesse verdadeiramente as consequências que os aguardava caso falhassem. A pastora diante dele era quem estaria em maior perigo quando contrabandeassem o ouro.
O ouro seria escondido no estômago de suas ovelhas enquanto passassem pelos postos de controle. Se acontecesse de uma das ovelhas tossir o ouro, o pastor responsável enfrentaria punição imediata.
Em contraste, se Liebert e Lawrence ficassem em silêncio, eles poderiam ser capazes de passar pelo ponto de inspeção.
Havia uma enorme diferença em seus riscos. Ele se perguntou se Norah entendia isso.
Lawrence observou enquanto Norah cuidava do seu rebanho como sempre fez, acariciando Enek quando ele retornava para o seu lado depois de realizar esta ou aquela tarefa. O mercador sentia que precisava averiguar o quão ciente do perigo Norah estava.
Simplesmente não parecia que ela compreendia a diferença entre o que poderia acontecer com ela em relação às consequências para as pessoas ao seu redor.
Sendo assim, tomar proveito da sua ignorância não estava longe de ser uma fraude. Lawrence ponderou sobre isso e concluiu que sua consciência estava definitivamente em algum lugar perto do estômago.
Se Norah descobrisse que teria que carregar a culpa caso falhassem, ela pode se recusar a cooperar, dando as costas para eles. Isso tinha que ser evitado. Portanto, Lawrence ficou em silêncio.
“Agora que penso sobre isso...,” Norah falou, tirando Lawrence do seu devaneio.
No entanto, quando ele levantou a cabeça, viu que ela não estava falando com ele.
Norah olhava para Holo, que tinha arrancado um único talo de grama alta e agora estava vagando sem rumo.
“Senhorita... Holo, quero dizer...” Norah hesitou depois de dizer o nome de Holo, talvez precisando reunir mais coragem para falar.
Lawrence notou as tentativas de Norah de se aproximar de sua companheira feminina várias vezes, mas a indelicadeza de Holo a fazia hesitar.
Em sua mente, ele a encorajava, mas ele ficou realmente surpreso com as próximas palavras a saírem da boca da garota.
“Você... você sabe muito sobre lobos?”
Lawrence ficou chocado por um momento, mas Holo — a Sábia Loba sempre sagaz — não se alterou nem um pouco. Ela finalmente inclinou a cabeça com curiosidade para Norah.
“Uh, quero dizer... eu só, ontem à noite você notou os lobos tão rapidamente, então eu...”
Ela parou ali, talvez porque se perguntava se Holo também tinha experiência como pastora. Se fosse o caso, seria como um corvo branco encontrar outro — uma rara pastora se encontrar com outra poderia acabar em uma conversa animada.
No entanto, a atitude insociável de Holo dava poucas oportunidades para conversar.
“O quê? Eu simplesmente os notei, só isso.”
“Oh, entendo...”
“Quero dizer, os homens geralmente são inúteis no fim das contas,” Holo disse com um sorriso travesso, olhando para Lawrence, que levemente deu os ombros em resposta. “Não acha?” Ela terminou.
“Um, eu, eu não...”
“Hmph. Então você acha que pode contar com aquilo?” Holo cutucou, apontando bruscamente. Norah olhou para onde Holo indicava —
— só para encontrar os olhos de Lawrence.
Neste momento, Norah parecia genuinamente desconcertada enquanto desviava o olhar. Holo perguntou de novo, e Norah olhou para Lawrence se desculpando enquanto sussurrava algo para Holo, que se aproximava da pastora.
Dado o sorriso atrevido da loba, ele imaginava a resposta.
Lawrence assistiu e percebeu que a conversa estava prestes a virar uma farsa.
Ele acenou com a mão como que para admitir a derrota, enquanto Holo e Nora riam.
“Em primeiro lugar, não é estranho perguntar se alguém como eu, viajando sozinha com um homem, se sei muito sobre os lobos?”
Julgando só pela aparência, Norah parecia ser a mais velha das duas, mas assim que Holo falou, ela saiu por cima. Ela colocou uma mão no quadril e levantou o dedo indicador parecendo por tudo nesse mundo como um teólogo dando uma palestra.
“Veja só, a resposta é completamente evidente! Porque —”
Por quê? Norah se inclinou como se falasse.
“Porque! Quando a noite cai, um lobo sempre vai aparecer — tentado por este desamparado e indefeso coelhinho. Certamente você concorda que um coelho que é devorado por um lobo toda noite não poderia deixar de saber algo sobre os lobos!”
Norah olhou atordoada por um momento, mas logo compreendeu o que Holo queria dizer. Seu rosto ficou vermelho enquanto olhava de Holo para Lawrence; então, envergonhada, ela olhou para seus pés.
Holo riu. “Ah, esta foi uma reação agradável. Mas não — minha primeira resposta é a verdadeira,” ela disse alegremente, para a qual Norah corou até as orelhas e desviou o olhar quando pareceu se lembrar de algo.
Em seguida, pareceu que ela levantou a voz em um tranquilo “Oh.”
“Na verdade, é o meu companheiro que é mais parecido com um coelho. Se eu o deixar por conta própria, ele provavelmente morreria de solidão.”
Holo sussurrou no ouvido de Norah, mas sua voz era alta o suficiente para chegar aos ouvidos de Lawrence. Ele deu um sorriso amargo para Holo, mas foi a crédula concordância de Norah que doeu mais.
Como se ele realmente parecesse ser assim.
“Mas, de qualquer forma, foi um acaso eu notar os lobos na noite passada.”
Na verdade, não era uma conclusão óbvia, mas Norah foi suficientemente confundida por Holo até este ponto que ela pareceu simplesmente aceitar. Ela colocou as mãos na bochecha (agora estava ficando menos vermelha) e assentiu.
Então respirou fundo, ela falou, seu nervosismo evidentemente tinha dissipado.
“Na verdade, eu pensei que talvez você fosse uma pastora, senhorita Holo.”
“Oh, porque fui rápida em notar os lobos?”
“Bem, isso também,” admitiu Norah, parando para olhar para seu companheiro de pelos negros, que estava contente por fazer uma pausa no seu trabalho enquanto sua mestra estava conversando. “Na verdade, foi porque Enek parecia prestar muita atenção em você.”
“Mm, é mesmo?” Holo — que tinha nervos o suficiente para expor sua cauda sem problemas quando sabia que não seria descoberta — sorriu, totalmente calma enquanto cruzava os braços e olhava para Enek. “É difícil dizer na frente de um cachorro de estimação, mas ouso dizer que ele está apaixonado por mim.”
Como se tivesse entendido, Enek olhou para trás em direção à Holo e então correu mais uma vez para cuidar do rebanho.
Sua mestra, por outro lado, ficou muda com as palavras de Holo.
“O-o quê? Er, você quer dizer, Enek está?”
“Meu Deus, isso não é motivo para se entristecer. Qualquer macho vai ficar confiante demais se for mimado. Tenho certeza que ele é muito importante para você, mas isso só o faz se sentir seguro de que possui sua afeição. Não há erro; ele vai procurar outras para se divertir. Não importa o quão delicioso seja o pão, às vezes você quer sopa.”
Talvez sentindo alguma simpatia com o argumento de Holo, Norah assentiu, aparentemente impressionada.
“Pondo de outra forma, algumas vezes você tem que ser frio com ele. É uma boa forma de por ele na linha.”
Norah assentiu com firmeza, como se a tivessem dito uma grande verdade, mas em seguida chamou o Enek e se agachou para pega-lo.
Ela o pegou quando ele pulou nela, em seguida, olhou para o Holo e sorriu.
“Se ele algum dia tiver um caso, vou manter isso em mente.”
“É bom.”
O Enek acusado injustamente latiu uma vez, mas Norah colocou os braços em volta e ele logo se acalmou.
“Mas acho que gostaria de continuar mimando ele enquanto eu puder,” disse Norah, beijando levemente Enek atrás das orelhas.
Holo os olhava, com um leve sorriso brincando em seus lábios.
Era um sorriso de certa forma incômodo, inapropriado para a ocasião, Lawrence percebeu isso quando Holo olhou para ele.
“Porque... se este trabalho terminar bem ou não, eu estarei desistindo do meu trabalho como pastora,” disse Norah calmamente enquanto ela segurava Enek em seus braços. Era evidente que ela tinha entendido completamente a sua situação e estava preparada para agir de acordo com esse entendimento.
Ela entendia tanto a posição onde tinha sido colocada e os prováveis resultados.
A preocupação de Lawrence era desnecessária.
Embora Norah pudesse parecer frágil, ela sobreviveu a expulsão de um asilo e seguiu em frente superando inúmeras dificuldades. Ela não era a filha mimada de nenhum nobre.
Ao mesmo tempo, Lawrence tinha renovado seu respeito por Holo.
Ela havia percebido os receios de Lawrence e, depois de tomar a iniciativa de conversar com Norah, casualmente conseguiu evidências do quão preparada a garota estava.
Isso explicava sorriso incômodo da Holo mais cedo.
O mercador se perguntou se o pronunciamento de Holo sobre os homens serem geralmente inúteis estava necessariamente errado.
Lawrence cobriu os olhos em derrota e então se esparramou no chão para descansar.
A paisagem de outono estava fria com o inverno se aproximando, mas as nuvens espalhadas no céu pareciam quentes.
O contrabando seria um sucesso.
Lawrence murmurou algumas palavras de encorajamento para si mesmo enquanto uma ovelha que vagava por ali olhava para ele.
Depois de algum tempo, Liebert retornou, montado no seu cavalo em um passo calmo.
Quando se carrega uma grande quantidade de dinheiro, ele vai ver todos ao seu redor como ladrões, mas fiel à sua posição como empregado de confiança de uma empresa mercantil em uma cidade grande, Liebert parecia imperturbável.
Ele mostrou um saco de grãos de ouro apenas grande o suficiente para ser segurado em uma mão, e depois de todos os presentes terem confirmado o conteúdo do saco, Liebert o colocou dentro de sua jaqueta, apalpando levemente.
“Agora tudo o que temos que fazer é voltar em segurança com isto e alimentar as ovelhas em um momento oportuno,” ele disse, como se para enfatizar que todos os principais problemas viriam de agora em diante. “Então, uma vez que tivermos passado através dos portões, as ovelhas serão recolhidas como discutido anteriormente. Estamos de acordo?”
“Estamos,” disse Norah com um aceno.
Liebert olhou adiante. “Então vamos. Um amanhã dourado nos espera.”
O pequeno bando voltou para o caminho estreito entre a floresta e as montanhas.
Na manhã seguinte, Lawrence abriu os olhos quando sentiu algo frio em seu rosto.
Uma ovelha está me lambendo de novo? Ele imaginou, mas ele viu apenas o céu cor de chumbo. Evidentemente haveria uma rara chuva de outono.
E estava frio. Lawrence levantou a cabeça da raiz da árvore que estava usando como travesseiro e viu que o fogo havia se apagado. Para se ter uma pequena diferença entre o tempo em que Norah foi dormir e a hora em que todo mundo acordasse, uma pessoa era encarregada de ser acordada por Norah mais cedo para cuidar do fogo. Essa pessoa deveria ser Liebert, mas ele estava dormindo com a lenha em seus braços.
Era tão tolo que Lawrence nem conseguia ficar zangado com ele.
“...Mmph.”
Lawrence se sentou, aparentemente despertando Holo, com quem tinha partilhado um cobertor.
Sem sequer um “bom dia”, ela o atirou um olhar verdadeiramente fulminante e puxou todo o cobertor.
“Se você está acordado, não precisa dele” parecia ser a sua lógica.
Se argumentasse, ela provavelmente ficaria genuinamente com raiva, por isso, embora fosse um pouco cedo para ele, Lawrence se forçou a levantar. Ele tinha que atirar mais lenha na fogueira. As ovelhas estavam todas amontoadas por causa do frio, e sem nenhum trabalho a fazer, Enek dormia — aninhado com sua amada mestra, é claro. Lawrence ficou de pé, as juntas estalando, e jogou uma tora no fogo, olhando cansado para Enek dormindo de confortavelmente.
Enquanto a madeira seca começava a crepitar no fogo, Enek bocejou contente. Lawrence sorriu; isso o lembrava de Holo.
Ainda assim, estava frio. Era como se o inverno tivesse chegado de repente.
A causa era óbvia para Lawrence, olhando para o tempo, mas como estariam chegando em Ruvinheigen ao meio-dia do dia seguinte, ele queria que o clima esperasse até lá.
Mas o céu não parecia que ia esperar. Lawrence fungou amargamente. A chuva provavelmente cairia de tarde, certamente até o anoitecer.
As árvores eram grossas o suficiente na floresta para o grupo provavelmente poder se abrigar sob elas, mas com as ovelhas, isso dificilmente seria uma opção. A floresta também era sinistra. Lawrence não estava aterrorizado com ela, mas também não estava ansioso para passar a noite lá. Usar a borda das árvores como abrigo seria o suficiente.
Lawrence pensou sobre isso enquanto olhava para a fogueira crescente, e então algo de repente pairou sobre suas costas.
Ele não teve tempo de se virar antes de um rosto familiar aparecer diretamente ao lado dele.
Era Holo com a textura da raiz da árvore sobre a qual tinha dormido ainda impressa em seu rosto.
“É mais quente aqui.”
Lawrence não era tão modesto a ponto de tomar essas palavras literalmente.
Holo enrolou o cobertor em torno de Lawrence e deliberadamente se amontoou junto com ele novamente. Roubar o cobertor era bom, mas talvez ela tenha decidido que era um exagero. Afinal, a fome e o frio eram companheiros de todos os viajantes.
Mas Holo não disse nada para se desculpar, Lawrence não disse nada que a perdoasse.
Ele mexeu as brasas com uma vara, em seguida a jogou no fogo.
“Oh, é verdade,” ele disse casualmente. “Você não disse que podia prever o clima?”
“Certamente. Vai chover depois do meio-dia,” ela respondeu, sonolenta.
“Qualquer um poderia dizer isso, olhando para este céu,” brincou Lawrence.
Em vez de repreender, Holo bateu a cabeça levemente em no ombro dele.
“Gostaria que pudéssemos pegar cavalos rápidos e voltar para a cidade antes da chuva. Enfim, o que me diz sobre uma sopa de batatas? Vai nos aquecer junto ao fogo.”
“Não tenho do que reclamar. E também —”
“Você quer acariciar a sua cauda, certo?” disse Lawrence, baixando ainda mais a voz.
Holo suspirou e assentiu. “Quero voltar para a estalagem o mais rápido possível. Embora...”
Seu rosto estava melancólico quando olhou para o céu.
Um vento frio soprou sua franja, e ela estreitou os olhos como se isso tivesse tocado seus longos cílios.
“A chuva está vindo, embora eu também não desejasse isso.”
Foi então que Lawrence se lembrou. Quando ele conheceu Holo, ela tinha sido a deusa da colheita de uma área de abundante. Os agricultores odiavam a chuva fria durante os meses de colheita no outono, mesmo que agora estivesse longe dos campos de trigo, tal clima não era algo que receberia bem.
Embora a própria Holo quase não tivesse boas memórias dos campos de trigo devido a tudo que aconteceu por lá, ela ainda foi a deusa da colheita.
Não precisava de uma deusa da colheita para não gostar da chuva fria. No pior dos casos, a chuva poderia se transformar em granizo.
Lawrence ficou com mais frio só de pensar nisso, e ele bruscamente jogou mais lenha na fogueira.
Havia um pouco mais de tempo antes que todo mundo acordasse.
No entanto, ele ainda não tinha percebido uma coisa.
Holo nunca disse nada sem um motivo.
Nota:
1 – Ale é um tipo de cerveja produzida a partir de cevada maltada usando uma levedura que trabalha melhor em temperaturas mais elevadas.