Volume 2

Capítulo 118: A Peça; Estranho... Talvez Interessante...

 

Lin Xi correu. Correu e correu. Seus passos instáveis, quase a derrubando de cara no chão.

Ela cruzou a cidade num fôlego só, desconhecido a origem da força que tornou isso possível. Porém, seus olhos repletos de lágrimas diziam tudo.

Até que ela viu aquilo...

Soldados. 

Muitos soldados.

Todos desgastados, cansados e abatidos. 

E ao centro da sua formação, no pátio da própria casa, um pano branco corbria um corpo.

— Nããããããoooo! — Lin Xi gritou, cruzando os soldados armados e caindo de joelhos ao lado do corpo, que ao ser descoberto pelo pano branco, revelou o rosto pálido e frio do seu pai.

Os soldados não se moveram. Apenas observaram, com suas próprias lágrimas descendo, os choros e gritos da jovem.

Lin Xi se agarrou ao corpo sem vida, falando palavras incompletas. Incompreensíveis. 

Logo, Lin Ji e Lin Chaoyan, como vultos, surgiram ao lado dela. As duas ofegantes, e aos prantos. 

As portas da residência da família Lin se encheram com gente da cidade inteira. Todos queriam ver o corpo, confortar as enlutadas e se despedir do falecido. 

As filhas do Branco porém, se mantiveram de joelhos ao lado do seu corpo. Sua atenção era apenas para seu pai.

— Sob o sol escaldante daquele dia, o General Branco retornou a sua casa... e para seu orgulho como pai, foi recebido aos braços de suas filhas. Orgulho ao general, ao ter sua partida banhada com as lágrimas de seus soldados leais. Orgulho ao homem que sustentou sua honra e lealdade a sua terra até seu último suspiro. E sobre tudo... Orgulho ao homem que ao retornar ao seu lar uma última vez, foi recebido com abraços pela sua família, que o amou em todas as situações.

A voz do narrador foi forte e solene, fazendo a cena no palco se tornar apreensiva para todos que a viam. E ali, as crianças do General Branco se despediram do seu pai.

...

Com as palavras do narrador, Qin Xa se pegou quase 13 anos atrás, em suas memórias, quando repentinamente recebeu a pior notícia de sua vida. Foi desesperador, ela ainda se lembrava que mal conseguia entender o que aconteceu naquele maldito dia.

Essa cena era horrível demais para se assistir. Por que tinham que colocar logo isso? 

Suas lágrimas lentamente trouxeram uma dor inimaginável a sua alma, fazendo Qin Xa engasgar com seu próprio Qi quase descontrolado. 

Sua alma ardia em um grito de dor que apenas ela entendia, e ela se encolheu no assento, sem encarar o palco por um bom tempo.

Por que tinham que apresentar essa cena tão realisticamente?

Quem foi o maldito que achou ser uma boa ideia reviver os traumas de alguém de uma maneira tão intensa?

Essa peça era odiosa. Macabra e cruel demais.

Inocência, paixão, sentimentos, tramas, crueldade, sangue, dor, luto. Tudo isso num lugar só... por que colocaram tudo isso numa mera história?

Peças deveriam servir apenas de entretenimento e reflexão... não deveria doer tanto. Qin Xa mordeu os lábios. Seus dedos se cravaram na pele dos seus braços.

Qin Xa se fechou para o mundo. Um rio de lembranças inundando sua mente. E nenhuma delas era uma coisa feliz. 

Quantas vezes naquele hospital ele não se pegou chorando, ao ver sua mãe dormindo e sem poder fazer nada para tirá-la de lá?

Noites em claro, trabalhando.

Dias afinco sem descanso. 

E uma preocupação sem fim. Uma vontade quase torturante de continuar trabalhando em prol de algo...tão ilusório quanto a cura de uma doença. Tudo porque tratamentos já não eram o suficiente. 

Trocar de lugar com sua mãe era uma coisa que ele faria 1 milhão de vezes se fosse preciso! Mas não conseguia fazer uma coisa dessas! Ele foi obrigado a ver ela se desfazendo aos poucos... vê-la reclamando de remédios infinitos, dizendo que queria ir para casa e que estava bem.

Hospitais eram frios demais... enfermeiras eram estranhas demais... doutores eram sérios demais e sempre traziam notícias ruins. 

No fim, ele só lutou até fracassar completamente no seu único dever. 

Falhou como filho ao não conseguir proteger sua mãe. Seu pior fracasso. 

Falhou como homem por não construir uma casa que pudesse ser chamada de sua. E aquela que ele considerava, ruiu em sua presença aos poucos, atrás de um sorriso sempre gentil e carinhoso, que carregava dor.

E falhou como pessoa... ao desistir de tudo. Que fracasso sua vida inteira foi. 

Talvez o que Qin Xa sentiu nessa vida fosse apenas para pagar seus fracassos passados. E daí que ela se sentia vazia? Ela fracassou em sua vida passada, era pedir demais querer um objetivo nessa.

Todo o seu talento era sua benção e punição por ser quem era. Condenada a ser melhor que todos... mas ser inferior a tudo. Enquanto todos tinham prazeres e objetivos, ela estava pagando seus fracassos ao não ter nada disso.

De que servia ela pensar sobre como seria a vida e Liu Qin Xa, sendo que ela tomou-lhe isso?

Casar? Ter uma família? Ter filhos e viver sua velhice? Nada disso tinha mais significado... afinal, Qin Xa roubou tudo dela antes mesmo dela nascer. Antes de poder entender o que era possuir vida.

Como não poderia ser punida uma criatura como essa? Ela merecia sofrer essa dor, merecia todo esse vazio.

E mesmo que não merecesse. Ela deveria sofrer! Só de reconhecer que merecia isso, já era motivo o suficiente para sofrer isso e muito mais! 

E perdida naquela correnteza turbulenta e cruel de memórias intensas e sensações que não iriam voltar, Qin Xa sentiu sua pele formigar. Como se algo lhe abraçasse e tentasse trazê-la de volta ao mundo. Encolhida no assento, uma presença sobrenatural cobriu seu corpo inteiro, transmitindo calor para ela e lhe causando arrepios. 

Ela olhou ao redor, mas não viu nada. Sua bochecha sentiu um ardor, um formigamento — e um toque suave. Foi breve como o sopro de uma brisa, mas estava lá. Mais uma vez. 

Mais uma vez ela sentiu sua pele formigar, sendo isso algo impossível. Para uma pele tão resistente quanto metal, como era possível sentir qualquer formigamento?

"O que foi isso?" Confusa, seus olhos brilharam, molhados. 

Mas ela não viu nada além do público, entretido, encarando a peça que retratava agora o funeral do General Branco. Os panos brancos cobriam o local fúnebre, trazendo toda a paz que um luto deveria ter...

O homem, com suas asas brancas, cobriu seu corpo com elas e descansava sobre a mesa.

"Será que eu fiquei louca? Uma coisa dessas é coincidência se ocorrer uma vez, mas duas vezes já é assustador... mas por que me abraçar? Qual o sentido de tentar me confortar?" 

Ao pensar nisso, ela se viu muito mais calma. Seu Qi foi novamente suprimido, ficando completamente parado, e lhe dando tranquilidade física. O Qi intensificava o que já existia dentro dela tanto quanto tornava ela mais poderosa. 

Ela percebeu que deveria tomar muito mais cuidado com sua mente do que havia imaginado. Assim como alguém poderia sentir dor fantasma, sua mente talvez estivesse criando essas sensações para confortá-la...

Qin Xa não sabia. Não fazia ideia do quão ruim era sua situação atual. Mas... viver com isso, aos poucos deixou de ser uma opção. Ela precisava melhorar e ficar bem! 

Sofrer em silêncio pelos erros do passado, ela parece alguém que faz isso? Ela errou, sim, mas o passado é passado. Molda seu futuro, mas não deveria destruir seu presente! Qin Xa deveria encarar seus demônios. Assim como seu Qi aproveitou seu momento de fraqueza para quase lhe derrubar, era hora de encarar essa fraqueza, e usar ela para se melhorar.

E sair da área de conforto era o primeiro pequeno passo. E se era inconfortável assistir a essa maldita peça... Qin Xa iria assistir ela inteira e achar todos os seus pontos positivos e negativos!

Seu fracasso na vida passada foi real, aconteceu e deixou sua mãe morrer no leito de um hospital... já fazia 13 anos que aquilo ocorreu, Qin Xa precisava a todos os custos superar e seguir em frente!

Respirando fundo e selando seus poderes mais uma vez, ela voltou sua atenção para o palco maldito, cujo propósito talvez fosse ser uma tortura para sua mente. E mesmo que não fosse, estava sendo. 

As irmãs Lin, vestidas de branco, acompanharam todo o funeral em silêncio, chorando caladas e vendo as centenas ou milhares de visitas indo e vindo da sua casa.

O homem foi enterrado com honras e glórias, com seus soldados e camaradas tocando músicas e fazendo homenagens a sua pessoa.

No fim de 3 dias, Lin Xi se encontrou sentada sob o luar azul. O Coelho Crepúsculo que Zhao Piao lhe presenteou repousava em suas pernas, e aquele que seu pai ganhou estava aos seus pés, com uma ninhada de filhotes.

— O que eu faço... — murmurou, ao pegar a carta que recebeu horas atrás. 

Na carta, dizia que um dos nobres suspeitava das intenções do rei, que parecia querer anexar os territórios dela, agora que era a herdeira mais impotante da família, com um dos herdeiros da coroa.

Não entendendo as decisões do rei, Lin Xi não fazia ideia do que fazer, mas a carta sugeria que ela procurasse um nobre para casar... assim, suas terras seriam protegidas e sua independência legítima seria reconhecida.

Mas ela já não era independente agora que estava sozinha no mundo? Por que nem mesmo as propriedades dos seu pai, que viveu e morreu pelo reino, ela poderia ter?

Naquele momento, uma sombra entrou no palco.

Olhando seu animal, Lin Xi franziu os lábios. — Por que você não enviou notícias... eu esperei tanto tempo por isso...

No movimento dos panos, todo o cenário mudou para mostrar um jovem gemendo, com bandagens nos braços e mãos, enquanto rolava na cama de um lado para o outro. Estava suado, ou melhor, completamente encharcado de suor.

Zhao Piao estava acabado em cima daquela cama, muito longe da sua figura que antes era a de um erudito educado e frágil. De repente sua porta foi aberta, mas sem tirar nenhuma reação dele.

Um empregado, de rosto belo, se apressou para o lado da cama, carregando uma tigela com um líquido verde. Mãos juntas ao corpo e passos leves, e... um vestido. 

— Jovem senhor, aqui está a mistura curativa. — seu tom era cuidadoso. Causando uma certa confusão em Qin Xa, por que ela não esperava ver isso nesse mundo. Definitivamente não imaginava viver para ver algo assim.

Que surpreendente. E o mais interessante era que o público não estranhou um homem com um comportamento afeminado... 

"Eu sou muito hipócrita... tanto falei dos cultivadores e não faço ideia de como a sociedade mortal funciona... será que ele também usa calcinha? Que droga de pensamento é esse?" 

Focando na cena a sua frente, ela viu o empregado passar a mistura médica nas mãos de seu senhor com muito cuidado, talvez um toque de carinho? Realmente, isso foi curioso...

Depois de tratar dos ferimentos, Zhao Piao se levantou, sério. — Pegue algo para eu comer, Qiao Xu... 

— Imediatamente. Por favor, não se esforce, eu vou buscar agora mesmo. — Zhao Piao tirou suas bandagens e revelou cortes profundos nas mãos e nos braços, enquanto a medicina lentamente fazia esses cortes se fecharem.

Mas ele ignorou isso e rápido como um uma borboleta, pegou um grande mapa que estava embaixo do seu colchão e o espalhou pela cama, começando a fazer marcações em vários lugares. 

— No leste é o melhor lugar, pela madrugada mesmo... mas eu só tenho 10 minutos para cruzar a mansão inteira... mais 1 mês e eu me recupero totalmente...

Olhando o mapa atentamente, ele pegou um caderno e anotou algo. — As armas vão chegar em 14 dias e eu posso conversar com o negociante. Deixar esse lugar parece mais difícil a cada dia...

Zhao Piao sorriu e guardou o mapa, sentando de volta a cama. 

Parece que ele planejava escapar da mansão. 

— Jovem senhor, aqui está sua refeição. 

— Obrigado, Qiao Xu. — Zhao Piao nem mesmo fez cerimônia ao começar a comer. Seu mastigado era bárbaro e faminto, deixando claro que ele estava realmente morrendo de fome.

Seu empregado, ao lado, observando com atenção, não pôde deixar de assentir para aquilo por alguma razão. Porém, estava meio cabisbaixo por ser tão ignorado.

— Jovem senhor, o Mestre Shui chegará só mais tarde, pode comer mais devagar...

Zhao Piao olhou para ele por um momento, mas não parou suas ações. Cada vez que a comida entrava na sua boca, era triturada em segundos e engolida. 

— Qiao Xu... hoje é o dia que meu pai vai voltar para casa. O que você acha que vai acontecer se ele chegar e eu estiver descansando novamente? 

Qiao Xu ficou rígido, seus olhos se voltando para a perna de Zhao Piao por um momento. 

— Entendi... — Qiao Xu observou Zhao Piao o ignorar novamente e focar na comida. Ele abriu a boca para falar algo... mas ficou em silêncio.

Bang!

A porta do quarto foi arreganhada e um velho mais alto que o batente, entrou no quarto. — Levanta, coelhinho. É hora de voltar a treinar. Onde está sua espada? Mesmo que você esteja comendo ou dormindo, acha que pode ficar longe da sua arma?

Zhao Piao encarou Qiao Xu, que abaixou a cabeça evitando o olhar do velho. Praticamente dizendo em silêncio que não queria chamar atenção. 

— Está aqui... eu não me afastei dela. — com um movimento ligeiro, Zhao Piao levantou, puxando um dos lençóis da cama para o lado, e revelando uma espada fluída que escorreu pela sua mão, deixando ela sólida tão rápido quanto a fez aparecer. 

— Pelo menos algo bom... — o velho nem mesmo olhou para nada antes de virar as costas e sair do quarto. Zhao Piao seguiu atrás, antes de lançar um olhar de compreensão para Qiao Xu, dizendo: — Tome cuidado ao andar por aí...

Ao ver seu mestre sair... Qiao Xu deixou um sorriso escapar.

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