Torture Princess Japonesa

Tradução: MatheusPD

Revisão: MatheusPD


Volume 1

Capítulo 6: A Decisão de Kaito

Kaito estava refletindo o quão miserável sua vida havia sido. As pessoas insistiam em chamá-lo de alma imaculada, mas na verdade ele não se sentia como uma, muito pelo contrário. Sua mãos acabaram de ser sujas de sangue pela primeira vez, entretanto já havia participado como cúmplice de seu pai, ajudando a se livrar de corpos.

Sua nova vida foi uma bagunça. Ele renasceu vendo horrores impronunciáveis, tendo até mesmo que arrancar sua própria mão e gravar feridas profundas em seu peito, mas fora isso, ele também teve algumas experiências das quais não queria esquecer. Alguém lhe desejou felicidade. Alguém prometeu protegê-lo. Kaito teve que rastejar e retalhar seu corpo, mas agora ele havia recebido essas bênçãos.

Para a maioria das pessoas estes confortos são tão constantes em seu dia a dia que chegam a ser triviais, indignos de atenção, mas, em seu caso, teve de literalmente "nascer de novo" para chegar a este ponto.

Por conta disso pensou em uma coisa pela primeira vez: Ele definitivamente não era uma alma imaculada e teve de presenciar acontecimentos infernais, ainda sim... Mesmo com tudo isso... Essa segunda vida que foi forçada a viver não foi tão ruim.

Talvez houvesse sentido na ressurreição de um criatura miserável como ele no fim das contas. Claro, ele nunca compartilhou esses pensamentos com ninguém.

— // — // —

Quando seus olhos se abriram, Kaito se encontrou em uma cadeira extravagante. Seus arredores eram pouco visíveis, com os lados completamente escuros. Ele se esfregou contra os muito bem feitos encostos enquanto vasculhava a sala.

"Onde eu estou? O que estou fazendo aqui?"

Uma toalha de mesa cinza-pérola estava estendida à sua frente. Na mesa estavam uma seleção de pratos em bandejas de prata. A comida tinha uma cor tão vívida que parecia ser de cera. Havia vários aperitivos em um prato transparente em forma de ostra e um vívido salmão laranja marinado com uma ampla variedade de patês, além de claro, mais uma infinidade de outros pratos refinados.

Aquela mesa estava absolutamente cheia de requinte. Candelabros vermelhos com velas a iluminavam, balançando suas chamas sobre aquele banquete bom demais para ser verdadeiro, mas mesmo com todo seu esplendor só havia uma única pessoa ali, com sua silhueta no final da mesa.

Ele vestia uma camisa de seda com gravata. Sua casaca estava decorada com fios de prata, se recusando a tirá-la para comer. O homem ignorou toda aquela fartura, escolhendo comer de um único prato.

Acima do prato de porcelana estava um pedaço de carne com sangue escorrendo dele. O fígado cru nem mesmo parecia temperado. Ele cortava finas fatias de carne e as carregava para boca com seu garfo.

As trevas se dissipavam apenas pela luz de velas e pelo discreto som de talheres. Kaito imediatamente reconheceu os olhos carmesins de, o cabelo preto sedoso e suas feições andrógenas. Aquele homem era Vlad e tinha uma perturbadora semelhança a Elisabeth.

"Mas... Por que? Porque eles me trouxeram direto para o chefão entre todos?"

Confuso, Kaito tomou nota de seu corpo. A dor em seu abdômen não tinha ido embora, embora pudesse mover seus braços e pernas livremente. Ele não estava preso, nem parecia estar sob o jugo de nenhuma magia.

Kaito olhou para Vlad, esperando-o baixar sua guarda. Vlad simplesmente continuou comendo em silêncio. Ele parecia bem distraído pela carne, como se fosse a única coisa em sua cabeça. Não estava claro se estava com a guarda baixa ou não. Kaito então se virou para poder ver o resto da sala, mas era impossível ter mais detalhes, pois tudo fora daquele ludar estava coberto pelas trevas.

"Eu não consigo nem mesmo dizer onde fica a saída. Isso não é bom."

Kaito se livrou de sua impaciência e frustração, acalmando sua respiração. Ele precisa manter a cabeça fria, mas o intoxicante aroma de fumaça vindo das velas o colocavam seus nervos a flor da pele. Isso evocava a imagem do cachorro negro, com seu olhar flamejante.

"Isso me lembra... Será que Elisabeth e Hina estão bem?"

— Hum? Ficou curioso, não foi?

Kaito levantou seu rosto assustado. Vlad, que acabara de comer, vestia uma expressão de surpresa em seus rosto. Kaito não esperava que ele parecesse tão jovem. Incerto do que responder, Kaito preferiu ficar em silêncio.

— Meu convite foi meio repentino, eu admito. Sem dúvidas está um tanto confuso neste momento. Minhas desculpas.

Vlad estalou seus dedos. Trevas e pétalas azul-indigo formaram uma espiral em frente a Kaito e uma bacia com água apareceu. Sua superfície formou um espelho que projetou uma cena.

Os olhos de Kaito se abriram ao constatar o que era.

— Elisabeth... Hina...

Ambas estavam a caminho da ladeira que dava até o castelo com o colossal cachorro negro investindo contra elas.

Hina balançou sua alabarda, acertando seu inimigo nas patas, mesmo assim, sua lâmina não conseguia cortar seu couro. Elisabeth disparou incontáveis estacas em sua costas, mas elas simplesmente caíram no chão ao acerta-lo. Sua mandíbula se abriu para ela, que contra-atacou invocando correntes a sua volta. Embora tenham surtido efeito, não conseguiram dar um golpe decisivo.

" Maldição. E pensar que você resistiria aos meus dispositivos de tortura tão bem. De fato, você merece carregar o nome de Kaiser."

Elisabeth cuspiu sangue no chão. Sua afiada intenção assassina havia sido afetada. Por mais que tentasse esconder, seus olhos carmesins estavam cheios de frustração. Colocando ambas as mãos na mesa, Kaito gritou o nome de Elisabeth.

— Não acha que ela está sendo um pouco impaciente? Para mim, Elisabeth é mais volátil que um barril de pólvora. Somente um tolo tentaria usar força bruta para subjugar o Kaiser, embora eu suponha que tentar lutar contra ele por si só seja um erro.

Vlad deu de ombros, falando em um tom que parecia o de um adulto descrevendo seu filho desobediente. Ele delicadamente levou o último pedaço de carne para sua boca. Depois de limpar seus lábios sujos de sangue, gesticulou com seu garfo sobre a bacia que Kaito observava.

— O Kaiser é o mais condecorado dentre todos os demônios os quais nós invocamos, o ápice daquilo que o ser humano é capaz de invocar. Mesmo Elisabeth, a famosa Princesa da Tortura, não seria pário para ele, a final isso mancharia o nome Kaiser se ela conseguisse. Ele tem seu orgulho como um cão de caça de primeira classe. O líder dos quatorze demônios está em uma categoria própria.

Este era o tipo de adversário que Elisabeth e Hina estavam enfrentando. Kaito apertou seus punhos, mas percebeu que havia algo o qual não se encaixava.

— Espere um pouco. O demônio está lá, mas você está aqui. Quer dizer que você invocou o Kaiser, mas não se fundiu com ele?

— Precisamente. Já deve ter escutado de Elisabeth, mas eu atuei como intermediário para materializar o Kaiser neste mundo. De certo modo, nós somos como um. Normalmente seria prudente me fundir com ele pelo bem de minha própria segurança, entretanto preferi não abandonar os prazeres do corpo humano, não que eu me importe muito de ter minha forma reduzida a um estado tão hediondo. Eles são ridiculamente horrorosos, não são?

Vlad gargalhou, com um franqueza que beirava a crueldade, de seus próprios companheiros demônios. Kaito se lembrou de quando Elisabeth disse para ele rir de um lacaio. Ele balançou a cabeça, então continuou a perguntar:

— Isso quer dizer que você é de carne e osso, certo? E se você morrer o Kaiser também irá?

— Exato! Foi uma coisa tola de perguntar para mim, não acha? Você parece surpreendetemente imprudente, por isso vou lhe dar uma dica: Você não pode me matar.

Vlad fez sua declaração com total apatia. Ele pegou de novo seu seu guardanapo e limpou mais seus lábios.

— Contra Elisabeth talvez tenha uma chance, só que comigo... Assim eu também não sou um humano comum.

Pétalas indigas e trevas envolveram seus dedos, levando seu guardanapo, o desdobrando e o queimando ainda no ar, com suas cinzas caindo sobre a mesa.

Vendo-o manusear as trevas e as pétalas azuis, Kaito percebeu algo. Este homem era parecido com o que Elisabeth seria se ela tivesse firmado um contrato com um demônio, assim como no exemplo de Clueless.

— Porque me trouxe aqui? Pretende me usar como refém?

— ... Queria me desculpar. Não parece que esteja brincando, mas parece estar equivocado... Me diga, você honestamente acredita que você teria algum valor como refém?

— Pensando bem, a essa altura eu duvido que Elisabeth se importa se eu viver ou morrer.

— Eu concordo. Convidei você para vir aqui porque tenho uma proposta.

Vlad assentiu novamente em um demonstração quase inocente de franqueza, mas seu rosto se tornou sério, com ele cruzando as mãos ao observar Kaito.

— Eu quero adotá-lo como meu filho e moldá-lo como uma segunda Elisabeth.

— Não estou interessado.

Kaito recusou prontamente, sem nem querer saber o que ele queria dizer com "uma segunda Elisabeth". Mesmo um tanto confuso, ele estava firme em sua resposta, afinal só a ideia de tornar o filho adotivo do contratante do Kaiser, por si só, era um absurdo. Vlad ficou surpreso, mas continuou.

— Oh, Elisabeth. Minha querida Elisabeth. Ela foi minha primeira filha e minha obra prima. Seu único defeito era ter superado a perfeição. Ela amadureceu ainda mais rápido do que eu esperava, mas no fim das contas, cortou todos os laços que tinha comigo. Eu quero substituí-la. Por tudo que obtive, por tudo que ainda irei obter, eu preciso de um sucessor.

— Mas por que eu entre todos? Isso não faz sentido.

— O que eu vejo em você é potencial para superar até mesmo ela. Eu ouvi um pouco de Clueless, mas sua morte foi muito indescritivelmente cruel, mesmo não cometendo pecados que justificassem isso, correto? Você entende a dor, ainda sim se mantem calmo diante dela. Por outro lado, você reage com força frente aqueles que odeia. Sua paixão e sua compostura contrabalanceiam uma à outra.

— Eu não acho que iria tão longe. Sinto que tem uma grande diferença entre a realidade e o que você pensa de mim.

— Tem? Diria que a diferença é bem pequena. Eu acredito que posso esperar grandes coisas daqueles que conhecem a dor, mas ainda sim podem matar outros se for necessário.

Vlad estalou os dedos. As empregadas loiras de antes de antes apareceram atrás dele. Elas piscaram seus olhos púrpuros e se curvaram com elegância. Kaito se virou e olhou para as duas.

Vlad, não indicando se havia ou não percebido a hostilidade de Kaito, continuou, com uma voz quase musical.

— Acima de tudo, você foi morto e teve tudo tomado. Aqueles que tiveram algo tomado têm o direito de tomar dos outros. Eles são, mais do que ninguém, preparados para aceitar que têm este direito. Uma grande "fome" é necessária se alguém deseja aproveitar a dor dos outros. Se a fome for pouca (seu desejo) eles eventualmente serão consumidos por isso. Você precisa de uma certa capacidade: A capacidade de vestir o manto de "tirano" como se fosse um ofício que nasceu para fazer.

A performance de Vlad foi a de um poeta e sua análise de Kaito de um erudito. O jovem mordomo balançou a cabeça fervorosamente para evitar se deixar levar pelas palavras de Vlad. As chamas das velas balançaram com as palavras de Vlad que ecoaram como um encantamento. As palavras quase fizeram Kaito perder a cabeça. Ele precisava evitar se perder. Kaito não tinha nenhum desejo de ser como Elisabeth, duvidando até mesmo ser capaz.

As palavras proferidas pelo homem à sua frente não passavam de delírios de um lunático.

— Desde que era crianças, Elisabeth foi exposta a um irrazoável medo da morte. Sua dor e seu medo a moldaram em uma fina obra de arte. Eu desejo fazer de você meu segundo trabalho, meu sucessor. Admito que querer um filho depois de perder uma filha chega a ser simplório, mas que seja. O que me diz?

— Eu passo. E pare de balbuciar. Você me deixa enjoado.

— Ah, que resposta mais espirituosa! Escute um pouco mais. Garanto que não vai se arrepender.

Vlad não estava incomodado. Ele olhou para Kaito do mesmo modo que alguém inspeciona uma criança travessa ou, talvez, fosse mais próximo de um criador impressionado com a força da mordida de um filhote.

— Eu não pretendo fazer descaso de você, assim como Clueless fez e não estou simplesmente tentando tomar seu futuro de graça. Isso não estaria certo... Entretanto agora que eu disse em alto e bom tom, suponho que seria um pouco estranho para mim falar sobre certo e errado.

— O que está me oferecendo? A segurança de Hina e Elisabeth?

— Claro que não! O que faz você pensar que eu lhe deixaria se intrometer sobre eu e minha querida filha? O Kaiser e eu vamos resolver os assuntos com ela. Saiba seu lugar, criança. Aquela garota é filha de mim, Vlad Le Fanu e de mim apenas.

Por um segundo uma luz fria brilhou nos olhos carmesins de Vlad. Ele ficou ao lado de Kaito e correu uma de suas unhas pretas sobre a bacia com água. A figura de Elisabeth foi borrada.

— Não pense por um único momento que você tem lugar em nossa relação.

Os olhares diretos duraram apenas um instante, então Vlad começou a sorrir de novo.

— Além do mais! O que eu tenho a oferecer para você é muito mais incrível, algo que vai achar muito mais importante. Como pode ver, minhas habilidades mágicas superam as de Elisabeth e conectar outros mundos dificilmente é um desafio para mim.

Vlad estufou o peito com orgulho. Seu rosto estava tão satisfeito ao ponto dele parecer uma criança convidando um amigo para brincar. Tirando o fato de estar falando de adotar os outros, Vlad possuía alguns traços infantis ele próprio. De repente um sorriso cruel se fixou em seu rosto. Olhando para aquilo Kaito chegou a uma conclusão.

"Fundido ou não, este homem é inegavelmente um demônio."

E demônios faziam seu caminho por entre as rachaduras nos corações do homem.

— Parece que seu pai se envolveu em alguns problemas outro dia e foi afogado no mar. Eu posso invocá-lo e dar a você como um brinquedo.

Ao ouvir estas palavras seu coração parou por um instante.

— ... Espere, está me dizendo... Está me dizendo que aquele canalha morreu?

Antes de se dar conta, Kaito estava de pé. Sua cadeira tombou atrás dele. A bacia tremeu e as imagens na água foram borradas, embora Kaito não tivesse compostura para prestar atenção naquilo.

Ele sentiu que alguém havia martelado sua cabeça. Um sentimento de vazio se apoderou dele. Era como se seu peito estivesse oco e seu coração em pedaços. Isto mostrava o quão surpreso estava com a declaração de Vlad.

Aquele homem tinha morrido. Aquele homem que não importasse oque acontecesse, ele seguia vivo.

— Pode ter certeza. Parabéns, seu pai morreu! Talvez tenha sido Karma do trabalho... Como a personificação do mau fica estranho para mim dizer isso? Bem, quem se importa se é contraditório? Que resultado mais agradável! Então, o que vai querer fazer?

— O que eu vou fazer...? Quero dizer, ele está morto, por isso...

— O que eu acabei de dizer? Eu posso trazê-lo de volta e dar a você como brinquedo! Se você deseja vingança por ele ter lhe matado, recomendo acenar. Afinal não precisa esconder isso de mim ou se sentir envergonhado.

Vlad acenou repetidas vezes para demonstrar sua compreensão e afeto. Ele mostrou para Kaito um sorriso inocente. Sua expressão era de uma pessoa que estava convidando outro para jogar um jogo cruel.

— Não seria divertido arrancar suas tripas, tirar seus pulmões e torcer seu pescoço?

Ele não conseguia desviar a atenção de Vlad. Estas eram as palavras de um demônio, mas mesmo sabendo disso, Kaito sentia algo borbulhar das profundezas de seu coração partido. Ele não podia negar aqueles sublimes sentimentos obscuros.

Ele podia retirar as vísceras de seu pai e ignorar seus pedidos de socorro enquanto cruelmente o espancaria até a morte. Só de imaginar isso o preenchia de satisfação. Claro, botar isso em prática seria ainda mais excitante.

Se ele o fizesse, poderia finalmente se libertar das amarras do medo e do ódio, sendo o preço para isso o resto de sua vida fora.

— Me dê... Algum tempo pra pensar.

Kaito finalmente conseguiu cuspir estas palavras. A sensação foi como de cuspir sangue. Ele estava tremendo, com sua vertigem tão grande que lembrava o terror.

— Tome o tempo que precisar. Nós temos muito disso. Bem, vai pensar, pelo menos.

Ouvindo isso, Kaito virou seu olhar vazio para a superfície da água. Um afiado brilho prata correu pela diagonal.

Uma gigantesca lâmina se afundou no pescoço do Kaiser. O cachorro a bloqueou com suas garras e a mordeu com força o suficiente para racha-la. A Serviçal ainda brandia sua alabarda, mas suas roupas estavam rasgadas e seu rosto em lágrimas.

— Mestre, onde está você?!

Não dando atenção à sua condição nem às suas feridas, ela gritou por ele. Ao ver isso, Kaito percebeu que havia uma emoção que deveria sentir, mas, mesmo entendendo sua necessidade, não conseguia definir que emoção era. Ele se encontrava em um estado de choque e suas mente não era capaz de processar propriamente a cena diante de si.

A cena que estava presenciando parecia estar acontecendo em um mundo diferente. Era como se sua alma tivesse retornado para a sala onde ele foi estrangulado até a morte.

Incerto do que fazer, Kaito alcançou a água como um uma criança curiosa. Ela envolveu seus dedos.

A superfície foi partida e ela não projetou mais nenhuma imagem.

— // — // —

— Este será seu quarto, mestre Kaito. Por favor, sinta-se em casa enquanto toma sua decisão.

Quem estava falando era uma terceira empregada que carregava uma lanterna. Ela se curvou. Ao levantar sua cabeça podia-se ver seus olhos cinzas dentados. Parecia que era mais de fabricação mais antiga, com suas bochechas já se esfarelando. Kaito acenou com a cabeça, então sua acompanhante deus as costas e seguiu pelo corredor escuro. O som de "crac" de seu tornozelo esquerdo foi sumindo com a distância.

Agora, sozinho, Kaito examinou o quarto digno com surpresa.

— ... Espere. Será o mesmo quarto?

Esta deveria ser a primeira vez, ainda sim ele se lembrou deste cômodo. Em suas paredes estava um papel amarelo, tão envelhecido que mal dava para ver o design floral. As fofas esculturas de gesso estavam cobertas em cinza, com a mobília que uma vez branca, igualmente suja, entretanto, os puxadores de ferro da cômoda estavam vibrantes como sempre. Ela uma vez esteve decorada com bonecas e bichos de pelúcia, mas, talvez pelo fato de Kaito ser um homem, agora estavam sobre ela um rifle de brinquedo e um cavalo de balanço. Uma esteira de deitar estava acima da cama com teto. O colchão estava envolvido por um monte de cobertores aleatórios, cobertos por manchas de sangue.

— Com Certeza este era o antigo quarto de Elisabeth.

Esta era a versão real da sala "fantasma" que ele havia encontrado quando se perdeu no tesouro. As memórias deste cômodo provavelmente tinham tomado vida naquele espaço mágico que, embora não estivesse tão sujo, tinha o quase mesmo design. Vlad devia ter trocado os pertences que Elisabeth havia levado daqui, retornando o quarto vazio para próximo de seu estado original. Mais um exemplo de sua bizarra fixação por ela. O fato dele ter dado este quarto para Kaito e o decorado para um garoto quase chegava a ser cômico.

De repente tudo parecia hilário para Kaito. A risada intensa fez com que ele ficasse sem ar. Não tinha nada que pudesse fazer. Tudo parecia tão divertido. Ele abriu sua boca e soltou sua risada o mais alto que pôde. Seu estômago doía e lágrimas corriam por seu rosto. Mesmo assim, sem se importar com a dor, ele seguiu rindo de tudo: Da morte miserável de seu pai até sua condição atual. Tudo era inacreditavelmente cômico. E tudo não passava de besteira.

Derrepente sua risada cessou e seu punho foi de encontro a parede. Seus ossos estalaram, com uma dor profunda correndo por seu braço, ainda sim, ele a socou de novo. Sangue escorreu pela parede. Seus dedos doíam, mas ele continuou de novo e de novo. Kaito gritava ao atingir a parede completamente pocesso.

— Ele morreu. Aquele canalha morreu. Depois de ter torturado tantas pessoas até a morte, ele finalmente conseguiu se matar. Aquele bastardo merecia. Isso era para eu me sentir melhor?! Para eu perdoar ele?! Pro inferno! Eu quero é matá-lo com minhas próprias mãos!

Kaito socou a parede especialmente forte. Seu dedo mínimo chegou a se torcer, soltando um estalo alto. Mesmo que sua mente estivesse mergulhada em ódio e sede de vingança, ele não fez questão de reaver a compostura. Ele se desfez em lágrimas, como uma criança birrenta. Ele respirou fundo e bateu com sua nuca na parede, murmurando algo com sua voz rouca.

— Uma pessoa morta matando seu próprio assassino... Nada mais faz sentido.

Seu tom era cheio de autodepreciação. Seu sorriso era vazio. Após um tempo, ele tirou sua testa sangrando da parede, olhando ao redor, como se procurasse alguém que pudesse ajudá-lo. Seu olhar repousou na cama.

— ...Elisabeth.

A visão de Elisabeth em sua infância foi posta diante de seus olhos cansados.

A frágil e linda garotinha estava enterrada entre o mar de lençóis. Ela olhava para Kaito, com seus olhos desprovidos de vida. A única coisa que nunca mudou foi o quão bonita ela é.

Kaito parecia uma criança quando fez a jovem Elisabeth uma pergunta.

— Ei, o que diabos aconteceu com você? O que te fez ficar do jeito que é?

A visão não respondeu, mas Kaito continuava a perguntar, praticamente gritando.

— Droga, Elisabeth! Porque você resolveu se tornar a Princessa da Tortura?!

Esta era a questão que ele seguidamente queria saber e a pergunta que nunca se atreveu a perguntar.

Porque ela teve que se tornar a Princessa da Tortura? Quais razões ela teve? Ou talvez ela não tenha razão alguma? Sem nenhuma surpresa a alucinação não explicou nada. No fim das contas ela não passava de uma ilusão que a mente de Kaito invocou devido ao stress. Ele sabia disso, mas, mesmo assim, implorou do mesmo jeito até ela desaparecer.

Kaito começou a rir novamente, como um homem louco convulsionado na própria risada, até seguir socando a parede. Seus dedos sangravam, com suas lágrimas escorrendo por seu rosto.

Derrepente sua confusão passou. Não havia mais lágrimas em seus olhos. Toda sua loucura teve um fim abrupto. Sua cabeça estava clara como água quando chegou a sua conclusão: Não importava o quanto risse, esta dor nunca iria sumir.

— // — // —

A empregada com os olhos dentados cor de pérola estava à espera no corredor.

— Mestre Vlad está esperando pelo senhor na sala de jantar.

Seguindo atrás dela, Kaito rapidamente chegou à sala de jantar mais uma vez. Vlad ainda estava sentado sozinho na ponta da mesa. Diferentemente de Elisabeth, ele não parecia comer sobremesa, invés disso tomava uma taça de vinho. Vendo Vlad balançar a taça de um lado para outro, Kaito perguntou:

— Já tomei minha decisão. Me deixe matar meu pai com minhas próprias mãos. Nem depois de morto eu consigo perdoá-lo.

— Uma esplêndida decisão, se me permite dizer. Ninguém pode lhe negar o direito à vingança. Exercê-lo não é nada além de razoável.

Vlad largou sua taça de vinho e se pronunciou com uma voz acalorada, cuidadosamente esculpida para limpar qualquer resquício de culpa em Kaito. Seu não possuía sinais de surpresa. Esta era a resposta que esperava. E porque não seria? A razão pela qual ele queria Kaito como seu filho era, na certa, por entender que o jovem era prisioneiro de seu próprio ódio.

Kaito gentilmente segurou sua mão doendo. Hesitou por um instante, então fez mais um pedido:

— Antes disso eu queria... Não vou pedir para me deixar ver Elisabeth, mas... Posso pelo menos dizer adeus a Hina?

— Hina? Ah, aquela marionete que deixei para trás sem ligar. Estou surpreso por você ter se apegado aquilo. Você gosta de brincar com bonecas? Se desejar, eu posso fabricar uma igual para você... Ou melhor, uma preparada especialmente para atender seus gostos.

— Ela não é uma marionete. E ela não pode ser substituída. A Hina é a Hina.

Kaito fechou seus olhos, pensando a sensação quente dela o segurando em seus braços. Seu cabelo prateado e seu sorriso adorável de orelha a orelha. Daí ele abriu seus olhos, apagando a imagem.

— Nós ficamos pouco tempo juntos, mas estou em dívida com ela. Ah e mais uma coisa: Chame de volta o Kaiser enquanto eu me despeço dela. Seria muito injusto Elisabeth lutar contra ele sozinha.

— Eu devo admitir que tenho dificuldade em compreender como alguém pode se sentir em dívida com uma boneca. Se você pretende me trair, este seria certamente o momento para isso... Mas como é uma ocasião especial. Como meu verdadeiro e único sucessor, eu devo lhe dar esta solene satisfação.

Vlad acenou para o par de empregadas de cabelos dourados e lhes deu a ordem. Elas pegaram o relógio consigo e partiram para fora do castelo. Seu mestre falou orgulhosamente enquanto suas silhuetas desapareciam.

— Aquele relógio é um aparelho mágico. Ele pode colocar aquele sem resistência mágica entre o fluxo do tempo e espaço. Você próprio viu o tempo congelar a sua volta, não? Mas ninguém é removido do fluxo do tempo. As minhas serviçais poderiam ter te matado quando bem quisessem, ainda sim, não seriam capazes de levantar um único dedo contra Elisabeth sem este aparato. Para ser franco, foi uma ferramenta desenvolvida para lacaios, mas eu queria saber como os autómatos a utilizariam. Normalmente teria pouco efeito efeito, entretanto no estado em que se encontra, quem sabe? Agora, se importaria em beber enquanto espera?

— Não quero.

— Quanta frieza. Eu acho bem mais agradável beber acompanhado.

Rejeitando a oferta de Vlad, Kaito se sentou na cadeira mais próxima, ignorando a comida diante dele e apertou suas mãos sangrando. Vlad deu de ombros, daí seguiu com seu vinho.

Ambos ficaram esperando, com o tempo passando lentamente de maneira agonizante. Eventualmente a porta se abriu. Um par de passos foi ouvido do corredor, assim como o som de algo sendo arrastado. Kaito olhou em direção àquele som.

— Hina!

— Não houve necessidade de nos subjugarmos. Estava apenas deitada sobre os escombros.

— Parece que Elisabeth a julgou como um estorvo e a deixou para trás.

— Essa garota. Ela teve certeza de não deixar essa boneca lutar até quebrar. Elisabeth sempre teve seus momentos de gentileza. Parece que esta autômata não será de muito uso se você planejar usá-la para pegar Elisabeth e fugir do Kaiser.

Ouvindo as empregadas, Vlad olhou com o canto dos olhos para Kaito e riu. Ele se levantou imediatamente de sua cadeira.

As serviçais estavam trazendo Hina pelos ombros. Suas roupas estavam em farrapos, assim como sua pele semi-humana. Não parecia que teria problemas para andar, embora se recusasse a largar sua alabarda.

— ... Mestre... Kaito... Onde você... está...?

Enquanto recitava essas palavras como se fossem uma reza, ela levantou a cabeça, mostrando seu rosto entre seus cabelos prateados. Seus olhos verde-esmeralda vazios olharam para Kaito, então se abriram e voltaram a ter seu brilho.

— Mestre Kaito!

Hina se soltou das empregadas, largou sua alabarda e estendeu seus braços, esquecendo completamente da dor que sentia. Kaito recuou. Seu plano de confiar a Hina que salvasse Elisabeth havia sido descoberto, mas ainda sim ele as estava traindo. Ele não tinha o direito de ser abraçado por ela.

— Mestre! Estou tão feliz que o senhor está bem.

— Este é nosso adeus, Hina. Você tem que voltar para o castelo sem mim.

Hina estava prestes a se jogar encima dele, mas depois de ouvir essas palavras, ela parou completamente pasma, como se tivessem esfaqueado seu coração pelas costas. Após alguns segundos, ela se endireitou e olhou diretamente para Kaito.

— Mestre, talvez considere algum aspecto meu inadequado?

— O que você quer d....?

— Se é o caso, me permite ser rude o bastante para lhe perguntar o que é? Eu posso consertá-lo. Não sou nada além de uma tola, inconsciente de minhas próprias falhas, mas se me der uma chance de reparar meus erros, nada poderia me fazer mais feliz. Eu imploro por misericórdia.

— Não. Não é nada disso. Você não fez nada de errado.

Kaito não esperava essa reação dela.

— ... Então, talvez você tenha começado a me odiar? Você não consegue mais aguentar olhar pro meu rosto? Você não quer mais ter alguém como eu do seu lado? Se este é o problema, então eu posso arrancar meu rosto e fazê-lo ficar como bem quiser... Afinal eu sou uma boneca. Um objeto feito para lhe satisfazer...

— Você está errada, Hina. Não há nada de errado com você, nada mesmo. Eu apenas escolhi seguir ele.

— Mestre Kaito... Você quer dizer... Vlad?

Hina olhou para a pessoa que Kaito apontava com perplexidade.

— Não posso dizer que é minha primeira escolha, mas mesmo que eu tenha que ficar do lado dos que machucam os outros, então assim seja.

Não havia uma única coisa de errado com ela. Mesmo que estivesse traindo ela, ele não queria deixá-la com uma expressão tão dolorida, mas ao mesmo tempo não se podia dar ao luxo de mantê-la a seu lado.

Agora ela não estava em condições de lutar. Se ela desistisse dele, Vlad deveria deixá-la ir. No fim das contas sua relação foi por conta de acidentalmente ter ligado ela. Se ela apenas pudesse esquecê-lo e encontrar um novo mestre, ela poderia viver o resto de seus dias em paz ou pelo menos é isso que ele queria acreditar.

— Apenas esqueça a sua configuração amorosa e, depois que voltar, viva sua vida como quiser. Eu pedirei a Elisabeth... Aliás, a Vlad, para apagar a sua memória e te reconfig...

— Por favor, não faça pouco caso de mim, Mestre Kaito.

Ela interrompeu Kaito, com uma voz fria e afiada. Foi a primeira vez que demonstrou tanta raiva diante dele. Hina tomou fôlego, exalou e recompôs suas maneiras polidas.

— Eu tenho um preconfigurado coração de autômato, mas ainda sim tenho o meu e meu apenas. No momento que escolhi você como meu mestre e você me escolheu, decidi dedicar minha vida a você e mais ninguém. Eu vivo por querer seu bem e eu quebro por querer ser quebrada. Não tenho intenções de servir outro mestre, mesmo que o senhor ordene isso.

— Hina... Desculpe, eu tenho que segui-lo, mesmo que eu tenha que dar a Vlad tudo o que eu considero precioso, porque eu preciso matar meu pai!

Antes que Kaito se desse conta, ele já havia subido seu tom, como que em resposta ao seus pensamentos instáveis. Ódio e sede de sangue preenchiam seu coração e o sofrimento que uma vez sentiu retornou para ele. Kaito cerrou seus punhos, ofegando intensamente.

Toda a seriedade havia desaparecido do rosto de Hina, sendo trocada por compreensão. Ela não tinha como saber sobre seu passado, mas parecia ter sentindo algo e gentilmente lhe fez está pergunta:

— Isso vai... Vai te trazer felicidade?

— Como?... Felicidade?

— Vai?

— Bem, eu acho que sim.

Envolvido pelo tom franco de Hina, Kaito assentiu, mas ele não tinha ideia se aquilo ia realmente lhe trazer felicidade, pelo contrário, homicídio era algo bem distante da palavra felicidade, mas tudo que tinha que fazer era matar seu pai e todo a enxurrada de ódio que corria por seu coração deveria desaparecer.

Tendo ouvido sua resposta, Hina sorriu.

— Que bom se assim for.

— O que?

Kaito se surpreendeu novamente por sua resposta. Por alguma razão, Hina parecia mais aliviada.

— Quando estávamos no castelo, você nunca, nenhuma vez, sorriu de verdade, mestre Kaito... Eu estava tão preocupada com você. Se essa escolha irá te trazer felicidade, vá em frente, se sua consciência lhe permitir viver como isso.

Hina ficou feliz ao ver a imagem de Kaito podendo voltar a sorrir, mas sabia qual seria o fim que lhe aguardava ao final deste caminho, com isso, sua expressão ficou melancólica.

— Então, você esteve preocupado comigo todo esse tempo?

— Sua felicidade é a minha felicidade, mestre. Não vou lamentar a morte de alguém tão cruel como seu pai. Garanto que se quer matá-lo é porque tem bons motivos para isso e eu mesma sou testemunha do qual triste o senhor é, ao ponto de não ter quase nada para lhe manter preso à vida. Se seguir esse caminho fizer retornar sua vontade de viver, então que assim seja. Agora irei seguir seu desejo e suspender minhas funções.

Sua inesperada proclamação atingiu a consciência de Kaito. Seus olhos se abriram ao saber que ela iria se desligar, porque o motivo de sua despedida era para que ela pudesse viver uma vida longa e em paz.

Kaito segurou seus ombros. Ela lentamente olhou em seus olhos.

— Hina, para de falar besteiras! Porque você vai se desligar?!

— Se está dizendo não precisar mais de mim, mestre Kaito, então qual o sentido deu continuar vivendo? A senhorita Elisabeth não deseja fugir e eu sou um fardo. Por favor, fique em paz consigo mesmo. Se você diz que vai ficar bem, então vou voltar ao meu estado original de um simples boneca.

— Pare com isso Hina, estou te pedindo. Por favor, eu não quero que você morra. Não consegue entender isso?

— Muito gentil da sua parte... Que homem mais gentil e sensível você é. Mesmo que eu seja indigna de tão sentimento, eu irei aceitá-lo. Minha é a seu lado e se não me quer mais, então ela chegou ao fim. Não precisa sentir culpa por isso. Meu trabalho está completo, por isso, me veja partir com um sorriso.

Hina sorriu. Sua voz tinha estava repleta de convicção e orgulho, muito além do que Kaito era capaz de compreender. Não importava o que dissesse, ele duvidava de conseguir abalar sua determinação. Quando se deu conta disso, seu corpo relaxou. Hina deu um passo atrás, segurando logo em seguida a saia de seu uniforme. Seus cabelos prateados reluzentes balançaram. Ela baixou sua perna ferida e se curvou de maneira amável.

— Com isso, mestre Kaito, eu me despeço. A Partir de agora, a menos que o senhor volte a precisar de mim, eu irei entrar em sono profundo. Você tem meus sinceros agradecimentos, por me permitir ficar a seu lado... E grata por me deixar ser sua amante, que me deixou mais feliz do que é capaz de imaginar.

Ao expressar toda sua felicidade sobre o pouco tempo compartilhado entre eles, sua voz não tinha traços de falsidade, apenas de gratidão fervorosa.

— Com meu coração cheio de amor e gratidão, dou boas vindas a morte... Queira me dar licença.

Ela se levantou, pegou sua alabarda e a usou para suster seu corpo enquanto caminhava. As serviçais tentaram ajudá-la, mas foram dispensadas e ela deixou a sala de jantar sozinha. Sua figura convicta logo desapareceu nas trevas.

Kaito ficou estático no mesmo lugar, vendo-a sair, se lembrando das palavras de Marianne e Elisabeth:

"Depois que me matar, eu acredito que não haverá ninguém nesse mundo que te ame de verdade."

"Sim... Não terei mais ninguém, nem mesmo uma única pessoa, pelo resto da eternidade."

Kaito sentiu como se tivesse acabado de perder alguma coisa preciosa para ele e só agora se deu conta do quão importante era de fato.

Ele permaneceu em silêncio. Antes de conseguir processar seu sentimento de perda, Vlad o chamou.

— // — // —

Nota do tradutor: Modifiquei um pouco esta cena. Originalmente Hina dizia apenas apoiar incondicionalmente Kaito, mesmo que fosse matar o próprio pai, afinal sua felicidade está acima do certo e do errado.

Como achei isso muito forçado e até nocivo para esta "suposta cena romântica" resolvi acrescentar as apelações de Hina para a consciência de Kaito a fim de dissuadi-lo, juntamente com o conhecimento dela "saber" a qual caminho ele seria levado caso fizesse aquilo, por ser o errado a se fazer, e também, o fato de Hina "imaginar" o que Kaito havia passado, para justificar melhor sua tomada de decisão.

— // — // —

— Preciso perguntar, só para constar. Por acaso acabei de presenciar um milagre? O milagre das palavras elevadas de seu brinquedo terem lavado todo o rancor acumulado a anos em seu coração, limpando seu espirito e preparando-o para viver uma vida feliz depois?

— ... Não de preocupe. Apenas invoque meu pai de merda de uma vez!

Kaito cuspiu suas palavras. Vlad assentiu, estalando os dedos.

As empregadas trouxeram um carrinho feito para transportar comida, como se estivessem impacientemente esperando por isso. Acima dele havia algo coberto com um lençol branco, o qual foi prontamente removido. Embaixo do lençol estava um boneco com roupas cinzas, mas não possuía olhos, boca ou cabelo. As juntas eram esféricas, sua pele era pálida e sua construção era tão plana que era difícil imagina-la abrigando uma alma. Vlad pegou uma faca da mesa, a girou com seu indicador pelo cabo com uma insígnia de águia e a parou de maneira abrupta, Então a usou para cortar seu próprio pulso.

O corte cortou sua artéria, com o sangue jorrando pela mesa e pingando no chão. O sangue se juntou, parecendo até que estava vivo, daí começou a desenhar um complexo desenho no chão. O design era diferente do círculo de teletransporte que Kaito estava familiarizado.

Enquanto tudo acontecia, Vlad franziu as sobrancelhas. Seu braço, que até agora estava escondido sob suas mangas, tinha um brilho carmesim com glifos divinos. As correntes da Igreja foram marcadas com fogo em sua pele. Parecia que quando ele usava mágica, elas causavam ainda mais dor, mas logo sua expressão voltou ao normal.

— Minhas palavras não carregam mentiras. Minhas palavras não carregam falsidade. Minhas palavras não carregam inverdades. Sua alma vaga entre os mundos. Na terra ele chama, seu corpo mutilado. No éter ele encontra sua forma mais uma vez.

Vlad sussurrou alguma coisa. Em conjunto com seus encantos, o círculo de invocação no chão começava a brilhar.

Conforme a luz ficava cada vez mais forte, a atmosfera na sala começava a mudar.

— La (torne-se) - La (atravesse) - La (torne-se) - La (retorne) - La (torne-se)...

O ar se tornou seco e afiado, como se milhares de pedaços de vidro estivessem voando. Um brilho sem forma dançou na ponta do nariz de Kaito, com ele o seguindo com seu olhar. Os cantos de sua visão estavam cheios de imagens que eram definitivamente de outro mundo.

Rodovias, carros, multidões, letreiros, rios, escolas. Tudo isso eram cenas do mundo que ele deixou. Elas refletiam com uma imensidão de cores, preenchendo a sala escura com uma luz estranha.

— Você deve fechar os olhos daqui pra frente. Ficar olhando para a luz por muito tempo faria qualquer homem normal enlouquecer. Você não quer que sua alma seja sugada, quer?

Ouvindo o aviso de Vlad, Kaito freneticamente apertou seus olhos. Ainda sim, as luzes atravessavam suas pálpebras. Enquanto tentava se virar para para a escuridão para evitar a luz, memórias dos eventos que se desenrolaram passaram por sua cabeça.

Como se estivesse voando pela luz, Kaito se afundou nas profundezas de um mar de memórias. Uma garota com um cabelo escuro falou, com seu tom oscilando ora malicioso ora orgulhoso.

— Eu sou a Princessa da Tortura, Elisabeth Le Fanu.

Eu sou a loba orgulhosa e a porca imunda.

— Você e eu... Nós estamos fadados a morrer, esquecidos por toda a criação.

Uma boneca com um cabelo prateado flutuando deu um sorriso cheios de gentileza e afeição.

Tudo vai acabar bem, mestre Kaito. Não importa oque aconteça eu vou cuidar de você.

— Com meu coração cheio de amor e gratidão, dou boas vindas a morte.

Um jovem de cabelos ruivos deu um sorriso melancólico, sua voz tremendo em confusão enquanto respondia.

— Eu só esperava que você pudesse encontrar felicidade neste mundo.

No final ele não foi capaz de realizar o desejo de Neue.

Quando se deu conta disso, seu peito começou a apertar violentamente. Seu coração doeu e seus pulmões doíam quando respirava. Uma parte calma e mais sensata dele perguntou a si mesmo.

"Você está realmente bem com isso? Isso realmente não irá lhe trazer arrependimentos?"

"Cale-se, cale-se... Mesmo que traga eu ainda tenho…"

Enquanto tentava responder a própria consciência, ele ouviu a voz de Vlad.

— ... Está feito.

Foi quando Kaito abriu seus olhos.

— // — // —

— ...O... O que?

O homem diante dele era, sem dúvida, seu pai.

O severo e barbudo homem parecia ansioso. Ele puxava seu cabelo preto despenteado, com seus olhos vasculhando a sala como um camaleão. Kaito reconhecia muito bem aquele rosto. Ele reconhecia aquele distinto nariz pontudo. Por algum motivo seus olhos estavam entreabertos e ele não estava satisfeito.

Kaito olhou para aquele homem à sua frente da cabeça aos pés. Depois de um momento, ele murmurou.

— ... Era assim que ele era?

— Mas... Mas onde diabos eu tô? Mesmo o outro mundo não era pra ser tão escuro. Que merda tu pensa que ta fazendo aqui, Kaito? Aqui, seu bosta... Tá querendo se vingar é? Escuta aqui, cê não vá tentar nenhuma idiotice!

De repente seu pai começou a ficar cada vez pior. Mesmo morto, sua raiva parecia ser maior que nunca e para pior ele possuía um senso de perigo que beirava a paranoia. Ele chegava a salivar, mas seus olhos já não possuíam o mesmo tom de loucura que uma vez tiveram.

Kaito se deu conta de algo. Toda a loucura de seu pai era fruto de seu uso indiscriminado de drogas. Até mesmo agora, Kaito podia ver que a natureza cruel e sádica dentro dele permanecia intocada. Sua figura musculosa e a facilidade em machucar os outros eram de fato assustadores, mas era apenas isso.

Seu pai gritava para ele, mas sua agressividade não passava de um sussurro perto da de Elisabeth ou se quer da dos demônios. Sua expressão não se comparava ao olhar monstruoso de Clueless ou ao rosto cheio de lágrimas de Marianne. Nem mesmo chegava perto do sorriso demoníaco de Vlad.

Kaito estava pasmo.

— ... Você não é tão assustador assim...

No instante em que viu o jeito desajeitado da sua fúria mundana de seu pai, todo o seu medo havia sumido. Sua raiva e sua sede de sangue também se acalmaram, enquanto ele se perguntava se aquele era o homem que ele odiava tão intensamente. Então toda a tensão que envolvia seu corpo... Desapareceu. Perdendo toda a compostura que segurava até agora, ele coçou os olhos.

"O que é isso? Esse cara é realmente aquele cara?"

— Kaito, que silêncio é esse? Responde de uma vez, seu pedaço de merda!

Kaito não conseguia nem mesmo associar a pessoa a frente dele com aquela que o matou, com o homem que temia ou com o homem que tinha todo o direito de odiar mais que qualquer outro. Comparado a ele, o Conde era muito mais ameaçador.

"Ó... Entendi."

Depois de pensar em todas as coisas, conseguiu encontrar a resposta.

"Meus sentidos adormeceram."

O jovem de 17 anos passou muito tempo entre demônios que superavam a razão humana e muito tempo ao lado da mulher a qual os caçava. O homem que o antigo Kaito temia já não era mais alguém digno de medo. O déspota e tirano que tinha como pai, não existia mais. Aquele à sua frente era simplesmente um homem com raiva, incapaz de se controlar.

Vendo seu pai continuar a gritar, Kaito falou com um decepção.

— ...Então isso era tudo o que ele era?

No momento seguinte, Kaito ficou imerso em risos. Seu pai parecia confuso, Kaito por outro lado, achava cada vez mais divertido. Enquanto apertava seus estômago de tanto rir, ele pôde praticamente rir das correntes que o prendiam se quebrando. Desta vez, do fundo de seu coração, sentiu o quão absurdo aquilo era.

Quem teria imaginado que a pessoa que por tanto tempo aprisionou o coração de Kaito fosse alguém tão miserável?

— Eu não preciso dele.

— Que? Do que está falando? Porque está me ignorando e rindo seu imbecil? Ficou louco ou algo assim?

— Eu não preciso de alguém como ele. Não vale o preço.

Seu pai estava segurando ele pela gola, mas Kaito apenas deu de ombros enquanto olhava sobre seu ombro. Vlad franziu as sobrancelhas. A ferida em seu pulso foi profunda, mas ele já estava curada. Com o coração em paz, ele fez sua declaração.

— Não vale a pena matar este homem em troca de meu futuro.

Mesmo sem entender o contexto, o pai de Kaito podia entender que estava sendo vaiado e levantou sua mão, mas Vlad estalou os dedos e o seu braço foi decepado, com ele olhando o corte surpresso. Vlad fez sinal para Kaito continuar.

— Depois de vir para este mundo eu vi o Inferno...

Ele pôde ver as pessoas fazendo horrores e também quem as enfrentava. Ele viu espatáculos doentios. Ele viu os fracos sendo devorados e, acima de tudo, ele conseguiu sobreviver. Ele teve o círculo de teletransporte gravado em seu peito e a coragem de ajudar a derrotar um demônio. Tudo isso graças somente ao ego distorcido de uma mulher.

A Princesa da Tortura, Elisabeth Le Fanu. Uma mulher orgulhosa como uma lobo e imunda como uma porca.

A mulher que Kaito agora servia era muito mais aterrorizante, mais bela e mais envolta em pecados que qualquer outra.

No fim das contas, ele não podia se manter acorrentado por um homem patético como seu pai.

Ele foi morto, mas isso já não importava.

Ele fez uma promessa que era muito mais importante que algo tão trivial.

— ... Mas neste Inferno, alguém fez um desejo para mim, por isso, não importa o quão impossível ele é, eu tenho que fazer qualquer coisa para encontrar a felicidade.

Kaito terminou de falar, recusando, sem hesitar por único momento, a proposta de Vlad.

O contratante do Kaiser cruzou seus braços em consideração, olhou para o rosto de Kaito e soltou um grande suspiro. Com todo um exagero teatral ele levou suas mãos ao rosto e balançou sua cabeça de um lado para outro.

— Pelo visto eu te alcancei um pouco tarde demais.

Vlad então caminhou com um pouco desconcertado, como se soubesse desse infortúnio do fundo de seu coração. Ao se aproximar do pai de Kaito, pôs a mão em seu ombro. Quando o fez, o homem carrancudo abriu sua boca e começou a gritar de novo.

— Que se foda oque você quer, seu merda! Eu vou te matar, pode ter certeza dis...

Aparentemente, Vlad pôs restrições em sua fala também. Ele apertou seus olhos com irritação e chegou ao ouvido dele. O pai de Kaito congelou como um animal que estava sobre as garras de um predador. Vlad pronunciou com prazer as seguintes palavras:

— Se você matar aquela coisa mais uma vez, eu vou permitir que aproveite esta nova vida. O que me diz?

Depois de um momento de confusão, ele praticamente lambeu seus lábios, aceitando a proposta com uma rapidez fenomenal. Enquanto isso, Kaito deu meia volta e começou a correr. Uma voz raivosa cheia de avareza, seguiu atrás dele.

— Espere, Kaito! Não se atreva a correr de mim!

— É claro que eu vou correr, seu demônio!

Kaito simplesmente não tinha a intenção de se sentar e esperar que o matassem. Seu pai o perseguia, gritando alguma coisa sem nexo. Kaito procurava a entrada por onde ele veio. As serviçais não ficaram em seu caminho. Ele duvidava ser capaz de chegar a Elisabeth vivo, mas, mesmo que acabasse morto, salvar Hina de se desligar já seria uma vitória. Talvez houvesse de evitar o pior.

Vlad estalou seus dedos. Pétalas indigas e trevas se juntaram, perfurando o pé de Kaito com uma estaca. Ele gritou de dor, caindo de joelhos. Ao mesmo tempo, seu pai agarrou seu pescoço.

— Não faça pouco caso de mim, seu pedaço imprestável de merda! Não me menospreze! Não se atreva! Que ódio! Você é um pé no saco!

O jovem mordomo tentou levantar as mãos para resistir, mas descobriu que elas também tinham sido perfuradas. Seus braços estavam cobertos de sangue.

Seu campo de visão diminuiu e começou a ficar turvo. Ele se lembrou da horrível sensação de ter sua traqueia esmagada, a mesma a qual voltou a experimentar. Seu corpo era imortal, mas nesse ritmo, os ossos de seu pescoço iriam quebrar e suas artérias se romper. Se isso acontecesse, mesmo ele não seria capaz de sobreviver.

"Vou ser morto de novo?"

Suas palavras foram belas, mas agora só serviam para lhe envergonhar. Assim como na última vez, ninguém virá para salvá-lo. Mesmo que chamasse, sua voz não iria alcançar ninguém. Não havia ninguém para vir resgatá-lo.

Este era o fim para ele, mas pelo menos queria poder parar ela.

Ele se lembrou de seu olhar gentil e do calor de seu abraço. Porque ele não correu para ela e a segurou para que não fosse embora? Uma lágrima correu por seu rosto, enquanto sussurrou com o coração cheio de arrependimento.

— ... Me desculpe, Hina.

De repente um som afiado veio de algum lugar.

Os braços do pai de Kaito afrouxaram de seu pescoço com a surpresa e ele abriu seus olhos um pouco. Seu pai estava olhando em direção ao som boquiaberto. Curioso, Kaito conseguiu ver oque era.

Hina estava correndo em direção a eles, girando sua alabarda como um tornado. As serviçais correram para para-la, mas ela as atacou com tanto vigor que ficaram irreconhecíveis.

— Você me chamou? Me chamou, mestre Kaito?!

Sentindo o perigo iminente, o pai de Kaito o largou para fugir. Kaito caiu no chão, embora o impacto nunca tenha chegado. Ele se encontrou envolvido no braço direito de Hina. Com sua mão esquerda livre, ela brandiu sua arma.

— Pelo pecado de ter estrangulado o mestre Kaito, sua punição será a morte.

Sem um pingo de excitação ou dúvida, ou mesmo ansiedade, ela o fez. A metade de cima do corpo de seu pai foi lançada ao longe, com seu sangue e entranhas espalhados pelo chão. Mesmo que fosse um golem, ele não conseguiu suportar a perda excessiva de sangue, caindo já completamente sem vida.

Ainda preso em seus braços, Kaito ficou pasmo com oque estava acontecendo. Em uma tentativa de prevenir que ele entrasse em choque, Hina o colocou no chão, deixou de lado sua alabarda e abraçou Kaito com os dois braços. Ela colocou seu rosto em seu peito e falou com uma alegria vinda direto de seu coração.

— Mestre Kaito, você me salvou mais uma vez do abismo da morte. Oh, meu amado mestre! Enquanto desejar, eu estarei ao seu lado pela eternidade. Eu vou te amar até o dia de minha morte, lhe protegendo de todos que quiserem seu mal!

Kaito inesperadamente começou a rir baixinho. Tudo aquilo era tão absurdo, mas pouco a pouco, a felicidade voltou para dentro de si. Ele pensou que ninguém viria salvá-lo, só para descobrir que não era verdade.

Não dessa vez…

Ele levantou sua mão suja de sangue. Vendo isso, Hina deu um jeito de tratá-la. Ignorando os apelos dela, Kaito tocou seu rosto com a ponta dos dedos, para não sujá-la de sangue. Após um breve momento deu um suspiro de alívio.

— Mestre Kaito, tem algo de errado? Está com dor?

— Só estou feliz que esteja viva. Muito feliz... Me desculpe, Hina. Me desculpe.

— Mestre! Não precisa de desculpar! Está tudo bem. Daqui em diante, por toda eternidade, na doença e na saúde, eu vou servi-lo de todo coração enquanto estiver viva.

De repente um olhar feroz e assassino surgiu em de seus olhos verde-esmeralda.

— ... Parece que ainda há mais um que quer te machucar.

Kaito olhou para cima e viu Vlad, por alguma razão, pisando sobre as vísceras de seu pai com as solas de seus sapatos de couro. Quando viu o semblante gélido dele, seu sangue parecia ter esfriado. O homem estava pálido. Com sua irritação tão alta, parecia planejar esmagar Kaito e Hina naquele mesmo instante.

— Morra e apodreça, seu filho de uma puta.

— Pare, Hina!

Em um piscar de olhos, Hina já tinha desaparecido. Mesmo ferida, ela arrastou sua alabarda. Suas pupilas dilataram ao investir contra Vlad. Sem nem mesmo se virar para ela, Vlad estalou seus dedos.

Trevas e pétalas indigas se misturaram, invocando uma serra rotativa no ar, a qual foi disparada não para Hina, mas direto para Kaito. Vlad manteve seus olhos apáticos em Hina, para testá-la. Ela não hesitou por um único momento em largar sua arma e se retorcer para proteger Kaito.

Por um segundo, Kaito pôde ver Neue nos olhos dela.

— Hina, não!

Ele conseguiu empurrá-la para fora do caminho da lâmina.

— ... Porque? Mestre... Kaito?

Seus olhos se abriram e seus braços se estenderam. Kaito olhou para ela e sorriu.

O calor queimava por seu corpo. Seu estômago foi aberto ao meio. Ainda que a serra não parecesse sólida, ela se provou mais dura que a alabarda de Hina, Kaito conseguiu impedir ser cortado ao meio, mas seus intestinos estavam por um fio. Ele colapsou sem mais nenhuma palavra.

— NÃOOOOOOOOOO!

Gritou Hina em um grito ensurdecedor.

Kaito sentia algo quente saindo de seu coração. O som esmagador de seu coração batendo era insuportável. Enquanto ele tremia no chão, um pensamento cruzou por sua cabeça.

"Eu espero... Que Hina... Aproveite... Para escapar... Mas eu... Duvido disso…"

Baseado em sua personalidade, Kaito duvidava que ela o deixaria para trás. Ele precisava encontrar um jeito de dizer que corresse, mas sua visão já estava escurecendo e sua voz já não o obedecia.

Era para tudo estar escuro, mas uma luz correu por seus olhos. Que sensação era aquela? Parecia muito com aquele de quando ativou o círculo de teletransporte em seu peito. Era a sensação da energia mágica vinda do sangue de Elisabeth que corria por suas veias. A beira da morte, a alma de Kaito estava ressoando com a poderosa magia em seu sangue.

As memórias no sangue começaram a surgir.

Era como se sua vida estivesse passando diante de seus olhos, como nas histórias, mas era algo inteiramente sinistro.

— // — // —

Infindáveis corpos em uma brutal chacina. Centenas de corvos voando. Uma massa em frenesi, cantando uma melodia de sangue. Uma garota, amarrada em com em uma camisa de força, pendurada no ar. Uma frágil garotinha, olhando pela janela de seu quarto.

Um homem esbelto repousava suas mãos sobre seus ombros, cobertos por um roupão. Seus cabelos negros se mecheram quando ela começou a se virar, irritada. Seus olhos pararam no homem, que levantou seus braços em rendição. Depois de ver seus rosto, ela respirou em alívio.

— Tio Vlad. Não me assuste desse jeito.

— Ah, Elisabeth. Minha querida Elisabeth. Você tem sido uma boa garota? Não saiu por aí matando gatos escondida de novo, saiu?

— Não. Eu não faço mais isso.

— Não teria tanta certeza, mas não se preocupe. Não importa o que fizer, eu manterei segredo por você.

As feições de seu tio lembravam as dela. Sua voz estava cheia de alegria por seu reencontro. Depois de tossir seco, ela cuspiu sangue. Vendo-a sofrer, Vlad fez uma proposta.

— Pobre Elisabeth, nascida com uma doença incurável. Querida Elisabeth, aquela que possui a mesma natureza cruel que eu. Você possui a "capacidade", ainda sim está presa a beira da morte. Eu vim lhe curar deste tormento.

— Sério? Mas tio, até os doutores dizem que não posso ser curada. O que quer dizer com eu ter a capacidade?

— Eventualmente você irá entender. Venha aqui, pegue, mas assim como eu fiquei quieto sobre suas transgressões, você também não pode dizer a ninguém sobre isso.

Seu tio pôs um dedo sobre seus lábios e piscou. Elisabeth acenou com a cabeça. Vlad então passou a mão em sua cabeça e pegou algo de sua sacola.

— Com isso, você com certeza terá uma vida muito mais alegre que qualquer outro.

Em suas mãos estendidas, ele depositou um pedaço cinza de carne em forma de um coração humano. Após comê-lo, Elisabeth conseguiu viver tranquilamente até os 16 anos.

Todos se alegraram com sua recuperação milagrosa, mas, como uma espécie de pagamento por isso, seus pais morreram. Uma noite, sua carruagem caiu de um penhasco. A causa da queda não foi determinada, mas no local do acidente, um senhor de idade disse ter visto uma grande cachorro negro ao lado da estrada.

Na noite de seu funeral, Elisabeth estava sentada em sua janela, da mesma forma que fazia quando mais nova, ainda de pijama. Um dedo pálido tocou seu ombro. Aos poucos, ela levantou seu rosto coberto de lágrimas.

Na sua frente estava seu tio, vestido de preto. Ele deveria estar fora, viajando pelo interior.

— Tio Vlad.

— Ah, Elisabeth! Eu estou tão feliz de te ver viva e bem, minha querida!

Sem se dar conta do quão estranha era seu cumprimento, Elisabeth correu para seu amado tio. De repente, ele começou a bater palmas. Ela parou no meio do caminho, com um olhar pasmo. Mesmo que seus pais tivessem acabado de morrer, ele estava batendo palmas como se não se importasse com aquilo.

— ...Tio?

— A carne de demônio foi capaz de fincar raízes em você!

Elisabeth não conseguia entender do que ele estava falando. Depois que a luz da lua o iluminou, ela notou algo. Seu rosto era jovem demais e muito atraente para alguém de sua idade, sem contar que também era perverso.

Vlad continuou falando, com sua voz em um tom que parecia estar convidando outra criança para fazer travessuras.

— Elisabeth, agora nenhuma doença humana é capaz de te matar. Desse momento em diante, você tem que machucar os outros e oferecer sua dor e a discórdia de suas almas para seu corpo. Se não fizer isso, a carne de demônio em você irá apodrecer e você morrerá, atormentada por uma terrível agonia. Não, não há motivos para ter medo, fique calma. Minha pobre e amada Elisabeth.

Vlad sorriu banhado pela luz da lua. Ele seguiu falando com o sorriso em seu rosto.

— Seus parentes deixaram a você a população do feudo, toneladas de sujeitos para você se saciar. Até você lamber seu prato, até você celebrar de todo seu coração, você deve comer tudo que conseguir.

Elisabeth sentiu que as palavras de seu tio não eram nenhum gracejo. Tardiamente, ela também se deu conta de algo. Aquela coisa que ela comeu anos atrás era algo proibido, algo que nunca deveria ser consumido. Tremendo, Elisabeth segurou os ombros. Seu tio sorriu enquanto seguia falando.

— Sim, Elisabeth Le Fanu. Agora você pode se tornar uma porca faminta mais que qualquer outro.

Alguns dias depois, Elisabeth não aguentou mais a dor que atormentava seu corpo. Com a ajuda de seu tio, ela usou usou um dispositivo de tortura pela primeira vez e cometeu seu primeiro assassinato.

Ela serrou uma pessoa ao meio, ainda viva, com uma serra e empalou uma jovem garota dentro de uma sela flutuante, chorando e vomitando o tempo inteiro. Conforme ela ia empilhando corpos dia a dia, Vlad ria cada vez mais alto ao seu lado.

— Muito bem, Elisabeth, muito muito bem! Isso, Elisabeth, mais! Oque você acha, minha querida filha? Está se divertindo?

— ... Talvez... Você esteja certo...

Com lágrimas em seus olhos, ela olhou para os corpos daqueles que tinha matado, daqueles que a adiaram, se decepcionaram e queriam que ela morresse. Quando mais ela chorava e se desculpava, mais a raiva deles aumentava sem limites.

Não demorou e a flor venenosa desabrochou.

Ela tentou se matar várias vezes, mas Vlad fez questão de impedi-la. Foi só depois do encontro com seus amigos demônios que ele teve certeza que ela não mais resistiria.

— Se choro ou se me alegro, o resultado é sempre o mesmo.

Ela aceitou seu fardo em vida. Ela vestiu seu corpo em um vestido mágico, feito com a energia acumulada das vidas que ceifou. Com seus poderes, invocou dispositivos de tortura os quais massacraram os habitantes de seu próprio feudo.

Enquanto violava os inocentes, sentou sozinha na sala do trono, balançando sua taça de vinho para frente e para trás.

— Que tipo de pessoa se desculpa quando come um porco ou se delicia com um bife? Não importa quantas lágrimas eu chore ou quanto eu me arrependa. Nada irá mudar quem eu sou e o que eu fiz, sendo assim, tomei minha escolha. Eu escolhi viver com orgulho.

Eu escolhi me alegrar, enquanto eu faço de todas as pessoas do mundo meus sacrifícios.

Porque eu deveria chorar quando faço outras vítimas? Porque deveria me desculpar?! Eu devo é rir enquanto massacro vocês! Eu devo lhes colocar em meu prato. Eu devo ter o prazer de devorar vocês e eu devo acariciar meu estômago quando estiver farta, ainda sim, vocês tem o direito de me matar. Eu não devo demonstrar misericórdia enquanto os consumir, mas chegará o dia enquanto o caçador e a caça irão trocar de lugar e eu irei morrer na estaca.

Me censurem. Me odeiem. Amaldiçoem meu nome e me condenem ao inferno!

Eu sou a Princessa da Tortura, Elisabeth Le Fanu! 

Eu sou a loba orgulhosa e a porca imunda, esquecida por toda a criação! —

Depois daquilo, Elisabeth ergueu várias lendas sangrentas, acumulando um poder mágico comparável ao mais forte dos demônios. Com isso se tornou digna de suceder Vlad, mas, chegou o dia em que ela se revoltou contra o seu autoproclamado "pai adotivo".

Ela ruiu enquanto empalava seus lacaios com milhares de milhares de estacas.

— Ola, Vlad. Não me diga que você acreditou que o dia de nosso acerto de contas nunca chegaria? Esse é o dia de nosso julgamento. Seu destino e o meu são os mesmos. Sermos mortos como os porcos que somos.

Os dois se enfrentaram mais uma vez, se ferindo gravemente e sendo capturados pela Igreja.

Talvez todos os feitos hediondos dela, cometidos sem medo de Deus, foram para estender sua própria vida ou talvez para conseguir derrotar seu "pai", cujo poderes e aliados eram fortes demais para qualquer pessoa se opor, mas isso não importa mais agora.

— // — // —

Kaito tossiu sangue quando voltou a si. Pelo visto ele teve a sorte de ter cuspido o sangue que bloqueava sua garganta. A dor intensa acordou sua alma do choque que ele recebeu. As memórias de Elisabeth sumiram, deixando-o impossibilitado de ver mais. A realidade voltou rapidamente para ele, junto com o fato de estar perdendo muito sangue.

O chão parecia quente, como um cobertor e estranhamente macio. Seus sentidos pareciam estarem se entorpecendo. O sangue sobre o qual estava deitado era estranhamente confortável.

Ao fechar seus olhos de novo, Kaito pensou nas memorias que ele presenciou.

"... Aquilo foi duro, eu tenho que admitir. Dada as suas circunstâncias, ninguém poderia ter te salvo."

Resistindo à vontade de se render ao sono, Kaito abriu seus olhos. Sua visão estava turva, não conseguindo enxergar muito naquela penumbra. O que ele podia ter certeza era que Hina estava usando sua arma e lutando de alguma maneira. Ela o estava protegendo.

"Até mesmo Deus virou as costas para você. Ainda sim você intencionalmente... escolheu se tornar a Princesa da Tortura. Eu sinceramente nem consigo começar a entender uma coisa dessas."

Kaito esticou sua mão. Ela afundou na espessa poça de sangue que o cercava. Ele esticou seu braço novamente, procurando por uma parte seca. Seu braço tremia freneticamente enquanto tentava movê-lo.

"Mesmo que fosse para seguir vivendo ou para se vingar... Eu ainda não entendo como você pôde escolher seu caminho tão facilmente... Tão facilmente…"

Enquanto se contorcia no chão, Kaito continuava a mexer seus dedos. Ignorando sua dor e todo o sangue que estava perdendo, ele se contorceu como uma minhoca. Pensando que talvez estivesse tentando fugir, Vlad riu e resmungou.

— Parece que seu mestre planeja te abandonar, mesmo que esteja lutando por ele. Ainda quer continuar mesmo assim?

— Mestre Kaito está fugindo? Na verdade isso é maravilhoso! Então eu preciso comprar o máximo de tempo que conseguir!

Um som metálico de sua lâmina se chocando foi ouvido. Ao mesmo tempo, Kaito continuou a rastejar. Ele traçava faixas de sangue no chão, conectando umas às outras, até finalmente ficar pronto. Ele sorriu.

— Eu não acredito... Mas nós temos uma coisa em comum no fim das contas.

É como Clueless havia dito. Havia uma área em que Kaito e Elisabeth se pareciam muito.

Kaito estendeu seu braço um pouco mais.

— Eu já estou morto... Quando estava vivo, eu nunca consegui revidar, mas você está viva, então... Enquanto ainda consegue... Dê a seu "pai" uns bons tapas.

Kaito conectou o começo e o fim do círculo com seu dedo. Com seu trabalho feito, colapsou.

Ele conseguiu sentir o sangue queimar com energia mágica. Vlad, de repente, se deu conta do que estava acontecendo.

— ... Isso é....

Em frente a Kaito estava o círculo de invocação de Elisabeth.

Durante toda sua vida, ele desenvolveu uma certa habilidade, de não esquecer nenhuma informação aprendida através da dor. Ele tomou vantagem disso ao gravar o mapa dos túneis subterrâneos do castelo em sua pele para não se perder e claro, quando Elisabeth gravou o círculo de teletransporte em seu peito.

O círculo de teletransporte, desenhado da maneira que se lembrava, começou a ondular ferozmente. O sangue, cheio com a energia mágica de Elisabeth, brilhava em um carmesin vívido, semelhante a rubis derretidos.

Auxiliado pela luz do círculo, Kaito pôde finalmente enxergar oque acontecia na sala. Vlad estava desferindo ataques, com seu rosto cheio de impaciência, mas Hina de algum modo ainda conseguia segurá-lo. Kaito tossiu sangue, então gritou.

— Quando você limpar essa bagunça você pode ir direito pro inferno como você prometeu, Elisabeth!!!

Quando Kaito gritou, trevas explodiram do círculo. Pétalas carmesins formaram uma espiral ao longo da sala, como um tornado de sangue.

Um longo vestido flutuou entre a tempestade de trevas e pétalas carmesins. Seu interior escarlate girava, saindo dele uma bela mulher, com um busto generoso envolto por cintos de couro e seus cabelos negros sedosos flutuando atrás dela. Seus olhos carmesins caíram sobre Kaito.

Ela pousou sobre seu sangue, o que realçou o estilo de suas vestes e sua aparência sedutoramente demoníaca.

Aquela era uma linda mas ao mesmo tempo distorcida.

Em sua mão, ela empunhava a Espada Executora de Frankhental.

— Olá, Vlad.

Elisabeth, imediatamente entendeu a situação, dando uma risada maliciosa. Seus lábios se contorceram da mais perversa e sublime maneira possível. Vlad deu um passo atrás.

Elisabeth, coberta de sangue, estava totalmente livre das correntes da Igreja. Vlad não estava apenas acorrentado, mas o Kaiser também não estava a seu lado. Ela lambeu seus lábios ao olhar para sua presa.

Ela levantou sua espada para o alto. Pétalas carmesins e trevas formaram uma espiral à volta da lâmina, então trouxe-a para baixo, como se conduzisse uma execução.

"Agora morra sozinho... Esquecido pelo céu, pela terra e por toda a criação!"

Correntes surgiram de todas as direções, rapidamente enchendo a sala. Hina estava deitada no chão, com correntes cruzando por cima de sua cabeça, as quais destruíram oque restava das serviçais e se prenderam ao redor de Vlad como serpentes. Ele se retorceu e lutou para conseguir quebrá-las com suas pétalas indigas, mas no final as correntes apareciam em uma quantidade maior do que ele podia destruir. Seus ossos trincaram conforme elas apertavam sua pele.

Ele ficou suspenso no ar, da mesma forma que Elisabeth uma vez havia sido. Pétalas carmesins se amontoaram ao seu redor, como um último banquete de um condenado. Em um instante elas derreteram e se transformaram em uma plataforma com uma estaca. As correntes prendiam Vlad a ela. Elisabeth brandiu sua espada mais uma vez. Chamas carmesins foram acesas. Não eram chamas demoníacas, mas eram mortais. Ele queimou nas chamas da humanidade, como se estivesse sendo julgado por ela.

— E pensar que meu fim será... Por uma coisa assim... Isso é uma piada ruim, Elisabeth...

Trevas densas e pétalas indigas giravam ao redor de Vlad, mas as correntes não se quebravam, com o fogo já chegando na ponta de sua elegante capa. Quando sua carne começou a queimar, ele abriu seus olhos, incrédulo.

Seu olhar safira repousou em Elisabeth. Ela retornou ele com um sorriso quase gentil. Vlad continuava incrédulo, mas parecia que estava começando a entender a situação. De repente, ele se encontrou preso na garras da morte pela primeira vez.

— Elisabeth...

— Os déspotas são mortos, tiranos são pendurados e executores são executados. Assim é o mundo. A morte para os torturados deveria ser adornada com seus gritos, enquanto eles afundam no inferno sem nenhuma chance de salvação. Só nesta hora que a vida de um torturador está realmente completa... É hora de encontrar seu destino, homem vil. Eu não tenho intenção de fugir. Eu vou lhe acompanhar em breve.

As pontas do longo cabelo de Vlad começaram a queimar. Não conseguindo mais manter as aparências, começou a convulsionar. A plataforma rachou. Sua pele começou a queimar. Ele queimou como um homem comum. Elisabeth fez uma declaração.

— Morrer queimado... Um fim digno de você e eu.

— Elisabeth!!!!

Vlad deu um grito agonizante, até ser engolido pelas chamas.

O fogo fez seu rosto inchar. Sua pele foi transformada em cinzas e eventualmente todo seu corpo foi carbonizado. Tudo que restou foram ossos e as correntes que os esmagaram sem misericórdia. Suas cinzas foram varridas pelo vento. Vlad Le Fanu se tornou nada além de mais uma vitima da Princesa da Tortura, Elisabeth Le Fanu.

— // — // —

Foi assim que o contrante do Kaiser e o criador da Princesa da Tortura teve seu fim.

Tudo que restou foi Elisabeth, para em pé, como um retrato da realeza.

Em meio ao calor das chamas que ainda restava na sala, ela fechou seus olhos, depois olhou para o céu. Seus cabelos negros soprovam de um lado para outro, com uma pétala carmesin caindo de sua pele.

Tendo derrotado seu maior adversário, Elisabeth respirou fundo, exalou e abriu seus olhos.

— Finalmente...

— // — // —

— Delícia!!!

Elisabeth segurava seu garfo e sua faca enquanto gritava de alegria. Diante dela estava um banquete indiscutivelmente maravilhoso.

— Estou grata pelo seu elogio, Lady Elisabeth.

— Francamente, suas reações são muito exageradas quando se trata de comida.

Hina sorriu e se curvou cuidadosamente. Kaito estava próximo a ela, segurando uma garrafa de vinho com ambas as mãos. Toda vez que Elisabeth esvaziava sua taça, ele mecanicamente a enchia.

Sua tarefa se quer levava sua humanidade em conta. Ele despejava o vinho com um olhar sem vida, não dando a mínima para o gosto dele. Aparentemente, desde que a comida fosse boa, Elisabeth não se importava muito com a qualidade do licor. Ela alegremente drenava sua taça.

Pelo menos este trabalho é fácil, ele pensou. Kaito olhou para suas roupas e suspirou.

Ele estaria muito agradecido se ela conseguisse algo melhor para ele vestir ao invés de seu uniforme de mordomo.

Ignorando suas reclamações, Elisabeth devorou o restante, mas quando terminava seu último prato, Kaito se moveu para encher-lhe a taça, sendo interrompido por sua fala.

— Não tem arrependimentos?

— Pelo que?

Ele prontamente devolveu a questão. Ainda segurando a garrafa de vinho, o mordomo esperou sua resposta.

Alguns dias haviam se passado desde que eles expurgaram o Kaiser e retornaram ao castelo. Esta foi a primeira vez que Elisabeth falou a respeito disso.

Naquela noite, depois de ser carregado de volta para o castelo, Kaito confessou ter temporariamente aceito o convite de Vlad. Elisabeth simplesmente tratou de suas feridas, só então o jogou para fora da cama. Ele imediatamente desmaiou, com Hina segurando sua mão a noite inteira, enquanto Elisabeth entregava seu relatório à Igreja.

No dia seguinte, sua usual vida bizarra, embora não fosse desegradável, voltou para ele. Decidindo não comentar sobre os eventos que ocorreram, por isso quando Elisabeth trouxe o assunto a tona, Kaito foi pego de surpresa. Havia muitas possíveis respostas para a pergunta dela sobre "arrependimentos", por conta disso ele ficou pensativo.

Elisabeth levantou seu dedo esbelto.

— Primeiro, no que se refere a custódia da Igreja.

— Bem... Arrependido ou não, aquele lugar tem vários cargos, então se tiver mais alguém como Clueless lá, eu vou estar acabado. Como não tenho como resistir caso algo venha acontecer, não tenho planos de ir para lá por hora.

— Por hora, é?

— Exatamente. Se eu sentir que você pode morrer e eu terei que te seguir, quem sabe. Eu posso ir tentar a sorte na Igreja e pedir por ajuda.

— Ah, típico de você.

— É, se possível eu prefiro não te acompanhar até o inferno.

— E eu prefiro que não vá.

Elisabeth respondeu com um sussurro, então balançou sua taça vazia. Obedecendo sua ordem não pronunciada, Kaito a encheu até a borda. Girando a taça enquanto falava, Elisabeth fez sua próxima pergunta.

— Segundo, então. Você está realmente bem com 'aquilo'?

— ... Sim. Aquilo. É estou bem com aquilo.

— Entendo. Bem, se você diz que está bem então está bem.

Diferente de Kaito que havia sobrevivido por causa de uma transfusão de sangue feita por Elisabeth, o corpo de boneco de seu pai perdeu todo seu sangue e sua alma desapareceu. Elisabeth poderia tê-la invocado de novo, mas Kaito recusou, entretanto, ele pediu para que ela recuperasse o "corpo" de seu pai para enterrá-lo atrás do castelo.

O funeral não tinha sentido. Ainda sim, por alguma razão, Kaito queria fazê-lo de qualquer forma e assim foi feito.

Kaito não tinha planos de visitar o túmulo de seu pai. Com o tempo seria coberto de grama ou flores naturalmente. Era melhor assim. Esse pensamento sozinho o permitiu lidar com seus sentimentos.

Em frente a Elisabeth novamente, ele pensou que tudo aconteceu por causa de seu egoísmo. Foi a Princesa da Tortura quem o colocou nessa situação insana e ela que forçou uma segunda vida sobre ele.

Kaito deu de ombros, então falou para ela casualmente.

— Então você me trazer de volta a vida e me invocar aqui deve ter sido coisa do destino... Por isso, até você começar a caminhar pela estrada do Inferno, eu tentarei ficar a seu lado por todo tempo que conseguir, mesmo que seja o único.

Elisabeth iria morrer sozinha. Nem mesmo um demônio deveria ficar a seu lado, mas talvez não seria ruim para um humano ficar a seu lado até este dia fatídico chegar.

  • Ao longo da vida sangrenta de Elisabeth Le Fanu, ela foi seguida por um único servo tolo 

Kaito pensou que isso soava bem. Elisabeth olhou para ele, deu de ombros e soltou uma risada brincalhona.

— Mas então. Eu deveria ficar alegre com o fato de ser servida até a morte por um servo infiel como você? Um que nem mesmo pode cozinhar?

— Se bem que alguém que só pode invocar pessoas de outro mundo que não sabem cozinhar orgãos não é de muito valor.

— Eu irei de matar por isso. Com dor. Mas enfim. Me traga aquela coisa que é o único talento que possui.

— Claro, claro, madame. Já faz algum tempo.

Ele obedeceu seu comando e retornou a garrafa de volta a sua bacia. Kaito pegou uma panela de barro de dentro da banheira de gelo onde estava gelando. Hina, incapaz de segurar sua excitação, tentou expiar.

Vendo as duas inclinarem suas cabeças, Kaito limpou a tampa.

— Ah, então é assim que a especialidade do Mestre Kaito, purin, se parece! Quão belo!

— De fato, isso balança de maneira tão linda. Eu fico com vontade de comer de vez em quando. Agora, sem mais delongas...

Kaito olhou para elas, Elisabeth preparava sua colher e Hina já não conseguia se segurar. Foi quando ele se deu conta de algo. Ele examinou seu rosto com cuidado. Um sorriso genuíno estava estampado nele.

"Então é assim que é…"

Ele pensou de volta na promessa que fez a Neue, então calmamente observou a cena diante dele.

Elisabeth estava lá, assim como Hina. Ele esperava que esses dias caóticos continuassem para sempre. Pela primeira vez em sua vida, ele rezou para que ele não os perdesse, mesmo que as batalhas esquentassem. Para esse fim, ele planejou fazer tudo que estivesse ao seu alcance.

Para cumprir com a promessa que fez a Neue e para manter a que havia feito para Elisabeth.

A Princesa da Tortura, Elisabeth Le Fanu, o invocou de outro mundo e ela um dia deveria morrer sozinha, esquecida por toda a criação e mandada para o Inferno.

Mas eles ainda tinham algum tempo antes disso...

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Pósfacio

Bom dia e para aqueles que ainda não conheço, é um prazer conhecê-los. Eu sou Keishi Ayasato, a autora.

Muito obrigado a todos por comprarem a Princesa da Tortura. Alguns de vocês dirão: "Mas eu só dei uma olhadinha na livraria!". Para essas pessoas, essa é a parte que eu me agarro na sua perna e imploro que não o ponham de volta na prateleira. Meu avô disse que, se você comprá-lo, será abençoado, mais especificamente, você pode ganhar um bônus de +3 de sorte. O quanto isso é verdadeiro, prefiro não comentar.

A Princesa da Tortura é o primeiro livro que eu tenho a honra de escrever para a MF bunko J. Por conta deste livro ser o primeiro, eu estava bastante nervosa. Sinceramente espero que tenha gostado, mesmo que só um pouco.

A idéia da Princesa da Tortura, uma mulher perversa, linda, de berço nobre a qual comanda incontáveis dispositivos de tortura, é uma a qual eu queria escrever tem um tempo, entretanto, eu nunca consegui encontrar uma razão para o protagonista ficar com ela ou porque ele escolheria seguir servindo-a, então a história nunca tomou forma. Nesse meio tempo, meu editor sugeriu que eu escrevesse uma história combinando elementos sombrios dentro do gênero isekai, foi quando uma luz acendeu em minha cabeça. Eu pensei: "A premissa pode ser que ela invocou ele depois dele morrer e o forçou a ser seu servo!". Depois disso, eu fui capaz de escrever a história de Kaito e Elisabeth sem problemas.

Se você não se importar, eu estou emocionada em lhe dizer o que acontece em seguida, nessa história em que uma pecadora espera pela morte através do fogo, levada até ele pelas próprias pernas e de um garoto que ganhou uma segunda chance na vida.

A propósito, eu escrevi um livreto edição limitada que você pode encontrar no "Animate", descrevendo a vida diária dos dois já mencionados, assim como Hina, a empregada apaixonada a qual banha o protagonista com todo o amor. Como um bônus, o Açougueiro aparece, também. Pular isso não irá interferir você de aproveitar a sequência, mas se estiver interessado, por favor confira (Eu sou o tipo que faz propaganda em momentos chave como esse). Por favor deem uma olhada, mesmo que seja só para admirar a bela capa que Saki Ukai, a ilustradora, desenhou, mas acima de tudo, eu espero do fundo do meu coração que, se eu conseguir fazer a continuação, eu vou lhe impressionar e isso me faria muito feliz.

Por favor, eu te imploro!

Já estou quase sem espaço aqui no posfácio, então eu acho que essa é a parte que vou para os agradecimentos.

Saki Ukai, muito obrigada pelo lindo design dos personagens e suas ilustrações. Na primeira vez que vi o design de Elisabeth, eu fiquei sem ar. Para o meu designer e minha editora, suas sugestões foram sem preço, e para meu editor "O", eu desejo minha mais sincera gratidão.

Finalmente, para meus leitores, meus sinceros agradecimentos. Não há prazer maior para um autor do que as pessoas lerem seu trabalho. Eu vou dar tudo de mim para fazer minha próxima história divertida, então irá me trazer muita felicidade se demonstrarem interesse.

Com isso, eu espero nos encontrarmos de novo.

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Posfácio do Tradutor

Prazer, eu sou o Matheus.

Com alguma frequência eu via o título dessa história aqui e alí e fiquei curioso pra ver do que se tratava. Achei ela, digamos, "diferenciada" e resolvi dar uma chance, ainda que o primeiro volume tenha sido mais ou menos em minha opinião

Ela realmente começa a ficar boa no segundo livro, realmente muito boa, tanto que eu uso como referência para explicar coisas referentes a psicanálise, a "Crime e Castigo" que é uma das maiores obras da humanidade, a própria redenção de nossos pecados, ao perdão, a empatia, dentre outros valores, embora eu duvide que a autora esteja consciente do que ela própria escreveu.

Então eu estava sem oque fazer e decidi fazer uma boa ação para com esta autora a qual eu vim a admirar tanto a obra e cá estou eu.

A todos os que leram esta tradução, muito obrigado e até o próximo volume.

https://nubank.com.br/pagar/6psyw/8wjFKDf3X1

Tem vontade de escrever, mas não sabe ao certo o tema e como desenvolve-lo? https://discord.gg/9VmnbQmJk2

 



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