Torneio da Corte Brasileira

Autor(a): K. Luz


Volume 1

Capítulo 9: Auge

Traçal inspira fundo, virando a face recém acertada enquanto levanta os braços, aproximando-os da altura do queixo, ficando em uma postura fechada; seu cotovelo esquerdo concentra força, disparando jabs que perfuram o ar como flechas. O adversário os evita indo para os lados, deixando suas imagens residuais serem pulverizadas pelos golpes.

“Não sei o que está acontecendo…” pensa Omnislai. Sua aparência, principalmente pelos olhos, está com as cores afetadas por tons diferentes de verde, marcando o ar com traços da sua nova presença. “Esses socos são rápidos, com certeza iriam me acertar pouco tempo atrás… Mesmo assim... posso evitá-los! Consigo vê- não, senti-los claramente!”

Seu rosto bate sobre uma parede de água, atravessando-a para uma nova realidade: não há arquibancadas nem formas sólidas à volta, apenas os contornos do que existe, sendo o oponente e o solo em que pisa as únicas coisas normais — o foco.

“Seja vendo ou não, dá para sentir a aproximação de cada movimento, e eles vêm devagar demais! Mais lentos que lesmas! O mundo…”

O rapaz gira o quadril de repente, espalhando vento com marcas da sua aura, usando a força gerada para impulsionar um gancho que estoura no queixo do Traçal, lançando a cabeça dele para o alto com um estouro. É mostrado a todos que assistem o seu potencial em encurtar facilmente a distância mesmo que os braços grossos do oponente estejam direcionados à frente em uma tentativa de feri-lo.

“...sempre foi tão lerdo?” finaliza, vendo o seu punho acima ser banhado pela luz dos holofotes enquanto rodeado por gotas de sangue.

 

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Uma mão bate sobre o vidro. Jay aproxima seu rosto sobre o material; ele está suando frio devido ao nervosismo. Sua indagação escapa:

— Irmão… isso não é…? — indaga. Ao lado se encontra Ury, que está em uma condição de apreensão semelhante, ainda mantendo os braços cruzados por não ser tão expressivo quanto ele.

— Sim, deve ser a zona. — Quem responde é Laerte, que está atrás deles com uma barra de chocolate quase toda devorada.

Os irmãos se assustam, virando com golpes retos. O rapaz se inclina para trás, evitando-os por pouco centímetros; as mãos em forma de lança ficam paradas. Ele levanta as suas livres em um sinal de que não fará nada.

— Ei ei! Se acalmem. Não tem como uma pessoa com uma barra de chocolate ser perigosa.

“Por que não o notei atrás de mim?” pensa Ury, demonstrando-se incomodado ao apertar mais as sobrancelhas, perguntando em seguida: — O que está fazendo aqui?

— Só estava andando quando os vi, então decidi parar e assistir a luta com vocês. Ou será que preferem que eu vá embora?

— Não… tudo bem. Não temos nada contra, sabemos que é uma pessoa de boa índole. 

— Então, senhor Laerte, também acha que ele alcançou a zona? — fala Jay.

— Vamos, temos quase a mesma idade, não me chame de senhor, faz parecer que sou velho. — Ele se aproxima do vidro, vendo a batalha que Omnislai domina com socos de impacto instantâneo, os devastadores. — Sim… ele alcançou o auge da concentração. “Não existe plateia, não existem preocupações; não existem limites, apenas algo para conquistar.” É um “lugar” onde não há nada desnecessário, só o oponente, e nela você ganha as ferramentas para derrotá-lo.

— Você parece conhecer bem esse estado, pelo jeito já-

— Não pense que é algo trivial que qualquer um possa obter quando quiser. É só o que senti e fiquei sabendo depois de ter a experiência de enfrentar alguém nesse nível. Traçal deve estar surpreso agora, é um choque quando do nada um oponente ressurge com uma “arma” que pode nos ferir… mortalmente.

— E-entendo… Essa conversa me deixou tenso, minha barriga está voltando a doer.

— Isso é coisa para dizer ao lado do campeão do circuito amador?! — diz Ury, dando um cascudo no irmão.

— Desculpe… 

— Não se preocupem com essas coisas. — Laerte fica sério, quebrando o chocolate com uma mordida. — Mais importante… melhor focarmos na luta, senão vamos nos arrepender de não presenciar direito a habilidade do que poderá ser nosso próximo rival.

 

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Traçal dá uma rasteira, raspando a terra até formar uma meia-lua, deparando-se com o oponente no ar, um que esquivou pulando. As articulações do Omnislai brilham, ele lança um chute na cara do adversário, a amassando até jogá-lo sobre o chão junto da dispersão do impacto.

O robusto se ergue de uma vez com a força das pernas, formando um sabre com mão ao atacar pelo lado, constatando a falha ao ter o estômago acertado por um chute impulsionado; o oponente está com o corpo bastante inclinado para trás em um sentido lateral, mostrando o quanto de peso pôs nesse golpe direto. Chamas percorrem os nervos do Traçal, inundando-o de dor.

Omnislai gira, destacando seu olhar no borrão formado. Ele bate em sequência na têmpora; plexo solar; entre os olhos; centro da garganta; centro do peitoral; virilha; e por fim, na lateral do queixo, forçando uma rotação repentina da cabeça do Traçal, chacoalhando seu cérebro. Ao parar de atacar, retorna a pose inicial de projeção das ofensivas; poeira é levantada à volta, os narradores e público gritam.

“O que será que mudou?” considera Omnislai. “Os golpes impulsionados de co-va são técnicas que usam todas as articulações, as fazendo serem mais poderosas e expostas do que socos de balanços largos. Mas sempre senti algo estranho quando as realizava, como se estivessem incompletas. Agora vejo que estava certo, faltava o acréscimo do poder de chutes no chão, e uma multiplicação mais densa da força transferida por cada articulação. O mestre provavelmente nunca me contou sobre isso para não me dar preocupações desnecessárias e para me proteger de falhas que pudessem me levar a um cenário trágico.”

Os pés do rapaz deslizam pelo solo, abrindo a base da postura ao limite; cada articulação gira por vez, condensando o poder que sobe na direção do punho direito; vento percorre as bordas do corpo dele, deixando rastros para trás como a saída de voo de um jato. A realidade é engolida por um branco ofuscante desde à frente do Omnislai, desfazendo sua figura e de tudo no local.

“Me desculpe, mestre. Mesmo sabendo dos riscos… ainda sim quero ver o limite. Quero ver o quão forte posso bater com o meu golpe mais poderoso ao incrementá-lo com esses novos conceitos. E então, vou descobrir o que está além desse mundo de luz que nunca consegui imergir”

Ele vocifera, forçando a destruição da sua imagem ao estender o punho no mundo de total branco, como uma chama conturbada desmanchando-se. Simples e direto; naquele momento não teria consciência… mas aquele soco — um que repetiu várias vezes na vida — havia rompido a velocidade do som.

Os barulhos dos arredores retornam junto da intensidade quente das cores como uma tempestade repentina. Os traços escuros que formam os dois lutadores ficam mais pesados. Traçal está envergado por completo devido ao soco que leva no tronco, cuspindo sangue com uma expressão torcida, sem íris; Omnislai está rangendo os dentes ao máximo, seu corpo está estremecendo desde o ponto de contato do punho.

O robusto é repelido como se tivesse levado a batida de uma bola de demolição, voando até estourar a parede com a colisão das costas, sumindo em uma nuvem de poeira.

Sangue mancha o chão, escorrendo do nariz até o queixo do Omnislai antes de gotejar. Ele aproxima o punho de si, apertando-o apesar da tremedeira que o afeta. Mesmo tendo atravessado uma barreira proibida pelo corpo, ele está bem, a aura o protegeu.

— I-INACREDITÁVEL!!! — grita Gaojung. — Essa velocidade…! Traçal, apesar de toda a diferença de peso e aura, foi arremessado!! Estou sonhando?! O que está acontecendo?! E desde quando… OMNISLAI É UM MONSTRO COM TANTO PODER?!!

— Foi como se uma bomba tivesse sido jogada no meio da arena! — comenta Malena. — Mas apenas… o que foi esse soco?... Não é como se estivéssemos presenciando um mestre lutando sem yrai?! Não é exatamente a mesma coisa?!

— Então o que estamos enxergando é a ascensão de um jovem de 19 anos ao nível de mestre?! Esse é o surgir de um novo “favorito”?!

A plateia grita de pé, batendo os pés sobre o solo, afetando toda a arena com um tremor.

Kimai assobia com um sorriso, segurando o braço direito em uma tentativa de conter a empolgação. Os irmãos ao lado do Laerte estão com os olhos bem abertos de surpresa enquanto ele coça a nuca, vendo que o último pedaço do chocolate caiu no chão.

“Isso não é bom”, considera Laerte. Na arena, Omnislai retoma sua postura de luta com os braços erguidos, emitindo uma pressão verde para o ar, uma densa, que expõe o quão forte sua presença se tornou para os outros lutadores. “Você virou uma ameaça… assustadora.”

Em outra parte daquele andar, em um corredor qualquer, um homem assiste a transmissão pela televisão pendurada.

— Esse é um bom estilo. — Sua voz é grossa e fixa num tom de seriedade. — Rápido como um trovão, descendo dos céus sem medo de se destruir.

Ele começa a caminhar, deixando o local.

— É alguém respeitável. Essa batalha é um bom aprendizado, será uma boa referência.

A poeira saindo do muro da arena se dissipa, revelando a condição do Traçal. Ele está com o centro do tronco marcado por um punho, estando, assim como o oponente, sujo e com o rosto manchado pelas descidas de sangue.

— Como o esperado, o impacto teve um grande efeito pelo corpo dele! — fala Gaojung. — Será que ainda pode continuar?! Ou o dano interno foi maior que imaginamos?!

O robusto força os músculos dos braços, retirando-se da parede com paciência. Ao sair de lá ele encara Omnislai, mudando a expressão para uma careta devido à vontade repentina de tossir, despejando vermelho pelo chão enquanto fica inclinado à frente.

— Seu desgraçado… — Traçal passa o antebraço pela boca, limpando-a. — Se tinha tanto poder, por que não mostrou mais cedo? 

— Foi mal… Simplesmente não podia, pelo motivo de não saber que sequer existia um eu como esse dentro de mim. Mas graças a você pude chegar nesse nível. Obrigado, Traçal.

— Não me agradeça, merda!! — Ele levanta os braços, separando-se aos poucos das silhuetas de aura por movê-los devagar, de maneira suave. — Esse é você, a sua força total; e isso é tudo. — A mão esquerda para, ficando dobrada; a mão direita para, apertando-se em uma forma rígida. — Se está confiante de que pode continuar com o confronto, então venha! Vou recebê-lo com toda minha força!

 

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Omnislai se recorda de uma conversa que teve com Lobo após retornar de uma corrida há anos atrás:

— Ei, mestre. As histórias de guerra sobre seu esquadrão são verdade?

— Depende… seja mais específico.

— Sabe, aquelas de que vocês não eram acertados por tiros de rifles e até os de canhões.

— Sim, é verdade.

— Hein!? Não pode ser! Como é possível?!

— Só é um pouco diferente do que dizem. Não é que “não éramos acertados”, e sim que “íamos desviando”.

— Ei ei! Estamos falando de balas! São rápidas demais para isso! Como seria possível?!

— Nunca disse que era fácil, mas conseguimos sobreviver em vários campos de batalha assim. — Ele fica batendo de leve o indicador na pele ao lado de um dos olhos. — A resposta para isso ser possível está aqui.

— A visão?...

— A manipulação de aura é mais profunda do que você imagina, a apuração dos sentidos faz parte disso.

— Uau… Vocês eram incríveis… Principalmente você, mestre, que ia pular em cima dos inimigos!

— A-apenas esqueça isso. Passado é passado, não estamos mais no campo de guerra. Apesar dos princípios do estilo co-va terem sido mantidos, a aceleração que se pode atingir em um ringue é limitada, esse é o motivo da necessidade importante que é você dominar os “olhos do futuro”.

— Haha! Parece interessante! Certo!! Por favor, me ensine!

 

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De volta ao presente, Omnislai sente uma forte presença ser emitida do oponente. Cada lado do Traçal libera uma cor diferente à volta, saindo do esquerdo um vapor azul enquanto do direito um vermelho, formando um vórtice denso que deixa todo o público tenso, batendo de frente com o seu verde impregnado no ar.

“Parece que encontrei algo semelhante ao seu cenário de guerra, mestre.” Omnislai imagina canhões e rifles sendo apontados contra ele à frente. “Vou ter que correr como nunca, porque se só um tiro me pegar… estarei morto!”



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