Torneio da Corte Brasileira

Autor(a): K. Luz


Volume 1

Capítulo 26: Na Mesma Jaula

— Que merda… — Unsai bate os punhos nos seus joelhos, olhando irritado para o chão.

— Hahahaha! Hilário — fala Traçal —, o magrelo acabou com todos os representantes de uma academia! Vocês ficarão ferrados na mídia! 

Shinsai segue calado, mantendo os braços cruzados.

“No início estava tudo sob controle”, pensa Unsai, “até que Holpos começou a se movimentar de forma estranha nas trocas, tomando alguns golpes que normalmente teria defendido sem dificuldades… Só pode ter sido…! Comparando com as gravações da minha luta, é o mesmo- não, com ele foi pior. Teve algo na última parte do confronto que não foi usado contra mim. Como Kaon fez aqui-” Sua expressão se contorce na descida de um tapa, um dado nas suas costas.

— Larga de frescura! Hahahaha! Ficar se remoendo depois de tudo ter acabado não muda porcaria nenhuma! — Traçal levanta colocando os óculos escuros. — Em vez de se preocupar com isso, deveria pensar em como devolver o troco no futuro! Bem, tanto faz o que fará, está na minha hora! Se apostarem, não se esqueçam de repartir uma parte comigo! Hahahaha!

Com passos desleixados, Traçal deixa o local.

Unsai suspira, em seguida levanta as costas, ficando relaxado sobre o sofá.

— No fim a má sensação que me perturbava não era apenas preocupação exagerada, Kaon realmente levou a luta. Mas… não estou tão surpreso, desde o nosso confronto eu sabia que ele era forte. (...) O treinador vai ficar uma fera… 

Um sorriso discreto se molda em Shinsai, que chama a garçonete para fazer um pedido. A mulher acena com a cabeça ao ouvir tudo, se retirando em sequência. Ele estala o pescoço ao dizer para Unsai:

— Omnislai está sumido faz um bom tempo, será que ele se perdeu?

— É verdade… Vou procurar por ele.

 

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No quarto de repouso, os irmãos estrangeiros continuam assistindo à TV.

— O pessoal desse país é tão estranho — comenta Jay. — Não conheço ninguém que lute como ele. Para quem tem só dois de aura, é um desempenho muito bom.

— A quantidade de aura não interfere na técnica, mas não a ter é um problema sério, ainda mais em um torneio tão livre quanto esse.

— Entendo, você está dizendo que ele vai acabar quebrando.

— Hm… Até o Traçal, que é a “muralha de poder", se machucou notavelmente na primeira fase. Alguém com pouca força ini, ao ser acertado, é como se sempre tomasse um counter, mas de aura. É estar à beira da morte.

— Falando em counter de aura… Isso me lembra do quão doloroso o treino era em casa. Posso chamar nossa infância de inferno?

— Humpf! Não há como comparar isso ao seu estilo de vida antes de nos conhecer.

— Hahaha…

O silêncio toma o local.

— Ei… Ury. 

— Diga.

— Me perdoe… — Ele levanta os joelhos para abraçá-los, ficando numa forma encolhida. — …por quase estragar tudo. Fora o veneno, achei que não valia a pena “usá-los” contra o Humine, essa inconsequência me fez ficar prestes a perder, a quase afundar a moral da nossa família. Cheguei até ao ponto de me descontrolar e tentar prontamente matar o meu oponente. Que infantil. Isso me fez perceber que no fim não consigo agradecer por todos os favores que me deram nem por meio das minhas ações.

— Jay.

— Huh?

— Não creio que a sua decisão foi ruim, já está na hora de você usar a própria cabeça ao invés de depender tanto de mim. O custo para o corpo ao usar as drogas é alto, e Humine não demonstrou ser um grande obstáculo na primeira luta. No seu lugar eu não iria nem com o veneno. Apenas aceite que o oponente foi mais que o esperado por o ter estudado bem.

— C-certo… 

— O tempo passa rápido… — Ury olha o relógio, em seguida decide se levantar. — Devo me preparar para derrubar a “muralha de poder”... com tudo o que tenho.

— Vai usar quantas seringas?

— Não ouviu? (...) Eu disse: “com tudo o que tenho”.

Jay fica tenso ao presenciar a seriedade em que seu irmão está imerso, vendo a expressão dele se escurecer num breu — concentrado em apenas um objetivo.

Ury se aproxima da porta.

— Traçal não é alguém que eu possa enfrentar sem usar tudo, você sabe. Não terei arrependimentos.

— Sim… eu entendo e concordo.

A porta vai sendo fechada.

— Ury!

— Huh? — Ele empurra um pouco a maçaneta, voltando a revelar parte de si pela abertura.

— Estarei assistindo!

— O quê?... Isso deveria significar algo?

— Haha! Mostre ao mundo o quão forte é a sua alkala!

A porta é fechada.

Jay vira o rosto para a TV, decidindo deitar-se com uma expirada densa. Seu olhar se revela em parte.

— “Todas”, é? Não exagere… porque no fim nada vale mais que sua vida.

 

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Na sala do Holliver, o próprio desfruta de frutas pequenas que pega de uma cesta adornada.

As portas abrem, o juiz dos combates entra no local. Ele olha de parede a parede sem mudar o semblante gélido, notando que há uma cortina vermelha tampando o ambiente da visão do público neste meio tempo entre a próxima luta.

— Oh! Jacin! — fala Holliver ao perceber sua presença. — Veio rápido, ótimo, ótimo.

— O que deseja?

— Mmm… Essa roxa é muito boa, traga-me mais delas — diz para um empregado, em sequência responde: — Jacin, primeiro quero saber como está sendo apitar hoje.

— Apesar de jovens, eles reagem a tempo o suficiente para pararem. Também não houve nenhuma quebra das regras notável.

— Entendo… São bons garotos! Hahaha! E a yrai está servindo bem? Precisa de uma melhor?

— Não. Essa de Tier 1 é o suficiente para que eu possa conter qualquer um deles se necessário.

— Hahaha! Bom, bom. Mas… é sobre isso o “segundo”. Pare de ser tão certinho, quero que demore mais para encerrar as lutas, estou começando a ficar frustrado.

— Aqui não é o submundo, vai arriscar mesmo assim?

— Sim, sim, tenho medidas para o pior cenário.

— Como está ressaltando isso pela segunda vez, penso que não deveria ter pausado aquela luta na primeira fase por causa do sangramento.

— Hahaha! Não se preocupe, foi da minha intenção tornar mais gradual. Os jornais vão ficar loucos amanhã, já consigo ver!

— Entendo. Estou voltando para baixo,. Se precisar me ver novamente, basta chamar.

— Tchau, tchau.

O juiz sai do local.

“Que homem confiável! hahaha!”, pensa Holliver. “Como é empregado geralmente no submundo, não se importa com o quanto sua imagem é denegrida na superfície? Que perfeito.”

 

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O tempo corre. A plateia está repleta de murmúrios, a ansiedade está impregnada no ar.

Como a batalha do Laerte contra Kimai pareceu muito unilateral, as expectativas de melhor luta da segunda fase foram postas no último confronto da rodada.

— E finalmente o horário chegou — fala Malena. — O que passa por sua cabeça, senhor Gaojung?

— Bem… Uma hora realmente pode ser longa… 

— Haha! Ninguém deve estar tão nervoso quanto o senhor!

— Como não estaria?! O que temos hoje é basicamente os jovens mais promissores de cada nação se enfrentando! Estou pegando fogo!!

— Eu também estou!

— HOOOH!!! — gritam em uníssono com os braços levantados, algo que, claro, as pessoas próximas estranham.

 

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Entrevista do Traçal:

— Qual seu sobrenome, idade e medida de força ini?

— Mar, 19 anos e 836 II.

— Não importa quantas vezes eu ouça, é um valor assustador.

— Incrível, não? Hahahaha!

— Quais suas impressões do torneio?

— Nenhuma.

— Certo… Diga algo que gosta e algo que odeia.

— Gosto de mulheres, mas acredite em mim quando digo que não sou um mulherengo! Hahahaha! Eu não gosto de ser decepcionado e ficar parado por tempo demais, é uma desgraça.

— Que estranho… 

— Hã!?... Tá me chamando de estranho?!

— Ah! não! Eu só estava pensando que sua resposta não foi bem como eu esperava.

— Hahahaha! Vamos, pare de frescura e prossiga!

— Qual seu maior desejo envolvendo este torneio?

— Ganhar! Ficar no topo! A yrai também me interessa.

Um sinal é dado para o homem na câmera. A gravação é encerrada com o soar das risadas do Traçal.

 

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Entrevista do Ury:

— Lee, 20 anos e 463 II. Minha impressão é que sinto falta de disciplina em boa parte dos lutadores desde a primeira fase.

— Oh! Interessante! Isso pode cultivar uma rivalidade entre os dois países. Então do que (...)

— Não soa mal… Eu gosto de “rossén”, um prato à base de macarrão, carne e verduras recorrentes da região em que vivo. Não posso responder em público sobre o que não gosto.

— O-okay?... 

— Meus objetivos são a yrai e o prestígio, para ajudar minha família.

 

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Faíscas jorram na entrada da arena; os holofotes se movimentam aleatoriamente. O telão fica com a imagem do Traçal em sua pose de batalha.

Do corredor escuro, atravessando a névoa, surgem as  patas enormes de uma criatura obscura. Elas se cravam nas paredes, puxando a face enraivecida para fora; seu rosto tem aspectos de lobo com centenas de dentes pontiagudos se raspando, compondo um sorriso largo. Pelo tamanho a cabeça mal passa pela entrada, ficando de lado com um dos olhos carmesins escancarados.

A fumaça é puxada, uma meia-lua e dois olhos brilhantes se movem por ela; Traçal se revela da poeira, ocupando o lugar do monstro.

Ele levanta o punho direito par incitar a plateia, reparando nos arredores.

“Agora entendo porque não podemos entrar mais naquele andar, foi transformado em plateia. Huh! Bem que achei estranho os lutadores terem tanto espaço livre antes.”

O narrador brada, iniciando a introdução do outro competidor.

“Hoh?... Assim está ótimo!” Traçal encara a demais entrada, tendo um aumento de empolgação. “Retiro o que disse sobre Laerte ser minha esperança para esse torneio! Você é quem conseguiu minha atenção!”

Um rosnado soa do corredor, se juntando aos barulhos emitidos dos efeitos de entrada. Uma boca extensa fecha, raspando os dentes entre si; seus passos são curtos pelas patas rasteiras, que movem o corpo deformado de um jacaré negro. Devido ao tamanho colossal, a criatura se espreme pela entrada assim como foi com o lobo, estourando parte da sua forma negra ao sair de uma vez.

Muitas seringas vazias foram deixadas pelo solo do corredor, visíveis por partes das suas silhuetas refletirem luz. Brilho que é bloqueado na saída do Ury, que desaparece no exterior fumacento.

O público fica surpreso com o que vê, trocando os gritos animados por suposições e comentários sobre a situação.

— O-o q-que é isso que estamos presenciando?! — indaga Gaojung. — É impressão minha, ou tem vapor saindo do Ury?!

A pele do lutador está avermelhada, os músculos estão notavelmente mais ressaltados que o habitual, que não estão mais cobertos na parte superior como na primeira fase. O cabelo dele está espetado, poucas pontas resistem em ficar para baixo.

Seja pelo nariz ou boca, qualquer simples respiração marca o ar de branco. O rapaz tem dificuldade em manter a expressão no seu normal, sofrendo de leves espasmos a cada instante.

— Hahahaha! Achei que era um garoto certinho, Ury! Que bom que eu estava errado!

O juiz repassa as falas de sempre, os lutadores se entreolham.

— Como se sente?! — pergunta o robusto.

— Haha… Para falar a verdade, não conheço todas as substâncias que injetei e seus riscos, a única coisa que sei é que minha adrenalina está no máximo! Estou ótimo!! — Ury sorri com os olhos abertos ao máximo. — Não garanto sua segurança a partir daqui, Traçal! Se não quiser correr risco de vida, desista logo e me poupe tempo!

— Nem ferrando! hahahaha! — Um barulho pesado soa quando ele acerta a sua palma com o punho.

O árbitro se põe em posição, subindo o apito na altura da boca. As bestas de antes se chocam no alto, amassando suas faces enquanto rosnam para a outra, distorcendo os arredores em uma espiral nebulosa com o espalhar do negro.

No soar do apito, a batalha começa.



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