Torneio da Corte Brasileira

Autor(a): K. Luz


Volume 1

Capítulo 23: O Preço da Queda

Na arquibancada, alguns rapazes e dois homens estão assistindo à luta usando casacos com o mesmo emblema no short do Kimai. O mais alto entre eles, o treinador, tem uma expressão severa, mantendo os braços sempre cruzados.

Ele se recorda do passado, quando falava com um aluno na academia, ajudando-o a se alongar:

— (...)  Não… estenda mais a perna direita.

A porta do lugar abre, três jovens adentram no local, o que chama sua atenção, estando eles com os uniformes e mochilas da escola.

— É aqui! — diz o na frente do trio. — Esse é o lugar que eu pratico, vocês vão gostar! Confiem em mim!

— Bom, espero que seja legal mesmo… — O que está ao lado dele olha para os lados, vendo os alunos treinarem de forma distinta, havendo até lutas de sparring no ringue e tatami. — Não está passando a perna em nós, não é?

— Claro que não! Foi aqui que aprendi aquele movimento, aquele que mostrei ontem… — Sua atenção é direcionada ao treinador, vendo-o se aproximar. — Eai mestre. Trouxe alunos novos para você.

Os dois convidados também o cumprimentam de maneira casual, principalmente Kimai, que está mais atrás entre eles com um sorriso no rosto. O treinador os olha de cima a baixo.

 — Suas constituições não são ruins. Praticavam futebol ou algo do gênero?

— Ah! sim! Jogávamos no time da escola, mas a quadra está toda acabada desde o ano passado, então não tem mais nada para fazer depois das aulas.

— Tudo bem, farei um desconto nas primeiras mensalidades se gostarem daqui e se inscreverem. É sempre bom ter sangue novo.

— Uoh! Que sorte a de vocês! Mas… ei! Me der um desconto também!

— Nem pensar.

— Maldição! — Ele soca o ar em desapontamento. Os seus amigos ficam sem graça com a cena, sorrindo de leve.

Nos dias seguintes o treinador observa os novos alunos em cada tipo de treino. Socos, agilidade, esquivas e etc… tudo é avaliado.

“Esse aqui pelo jeito não vai se destacar.” É o que pensa ao fazer uma chave no pescoço do Kimai, sem muito aperto devido a ser apenas uma demonstração, estando ambos quase deitados no chão. “Seus socos e o senso de esquiva são lentos… Bom, contanto que queira treinar como um hobby, não deve ser um problema para ele.”

Seus braços desfazem a técnica.

— Entendeu como funciona?

— Sim… Caramba! Aplicando esse de jeito já acaba com o oponente!

— Está cansado demais ou ainda tem gás para mais algumas demonstrações? Só não garanto que após tantas submissões irá parecer algo mais imponente do que um saco de batatas para seus amigos.

— Haha! Não me subestime, vou pegar o jeito! Só estou começando!

 

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Fora da lembrança, o treinador olha para Kimai, que está tomando os golpes incessantes do Laerte em sua guarda.

 “Três meses depois daquele dia e…” Ele se recorda em flashes do rapaz derrotando alunos diferentes da academia com seus confrontos no chão, variando, em posturas distintas, chaves nos braços, pernas e pescoços. “...ninguém mais podia derrotá-lo no tatami. Fiquei surpreso, foi uma descoberta e tanto.”

Kimai braveja, empurrando o adversário de costas contra o chão, causando um estrondo ao explodir a terra no impacto. Saliva e sangue escapam da boca do pego, que fica encoberto pela poeira da colisão.

“Achar um diamante no carvão… Qualquer dia você vai me deixar cego com tanto brilho”, finaliza o treinador.

Na arena, Laerte fica com vista tremida por ter batido a cabeça, visualizando a forma enegrecida do adversário montado sobre ele.

“Como?!...”, pensa, transparecendo suas emoções pelo rosto. “Eu tinha certeza que estava mantendo a distância entre nós! Então como ele me alcançou?! COMO?!!”

 

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No passado, na última final do circuito amador, “Kimai vs Laerte” foi um confronto inesperado, pois na competição do ano antecessor o desempenho do desafiante foi insignificante — um completo desconhecido. Apesar disso ele conseguiu chegar ao topo para um confronto contra o campeão, que se provara até então um imbatível boxeador. 

Pouco tempo depois do início da luta e o seu chão havia ficado todo sujo de sangue. Tudo no confronto se resumiu a um fracasso para o desafiante, lhe restando ficar nocauteado sobre a lona. Uma vitória absoluta para Laerte, que saiu intocável.

 A estimativa do público estava correta, Kimai não pôde o desbancar do trono. Mas, houve algo que ninguém percebeu sobre aquela luta: pouco antes de sair da arena, o boxeador olhou de relance o oponente, expondo um semblante estressado ao limite, como se tivesse acabado de acordar de um pesadelo fadigante.

Laerte, durante os minutos no ringue, notou que a presença do adversário era maligna, coberta de maliciosidade em cada ação, igual uma besta nas águas esperando a oportunidade de afundar a presa… Com isso ele soube que se fosse pego, mesmo que só uma vez, seria derrotado. Um medo profundo o afligiu por essas considerações.

Em um conflito dos seus estilos, não é Kimai que fica numa desvantagem contra ele, é o contrário.

 

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“Deve ter sido no avanço!... Kimai, você fortaleceu sua arrancada!!” Os farelos de terra caem devagar; o boxeador fica imerso nos seus pensamentos. “Está acabado! Eu sei que não posso vencer ele no chão- NÃO!!! Não tenho o luxo de desistir! Com certeza existe alguma coisa que posso fazer para o conter nesse seu ‘mundo’!!”

Laerte enrijece o braço direito ao limite, preparando-o para um balanço.

“Agora, em um maldito instante, ele irá aplicar uma submissão! Preciso o atingir com um impacto crítico para ao menos me libertar! Mesmo que tenha que ser em sua coluna!”

Na percepção do boxeador, Kimai vai lentamente para o lado, deixando leves imagens residuais, forçando-o a reagir. O olhar do boxeador se abre em ansiedade; ele gira o pouco que pode do seu tronco para impulsionar um soco desesperado, que rasga o ar, indo na direção da face do oponente.

O punho do boxeador para no soar súbito do apito, ficando próximo ao rosto do derrotado, que cai de bochecha sobre sua mão, expondo uma expressão devastada e sem consciência. Laerte está pasmo, não sentindo nenhuma resistência da parte da mandíbula sobre seu punho, que está aberta, deixando sangue escorrer pela borda da boca.

“Que idiota…” pensa o treinador, fechando os olhos ao abaixar a cabeça, não mudando a expressão apesar da frustração. “Você gastou todas as suas forças restantes naquele derrubamento, não foi? Realmente… que idiota.”

Os alunos à sua volta estão chorando, por outro lado, a torcida está empolgada, aclamando o resultado inesperado.

Pela primeira vez, Kimai perdeu uma luta no solo.

“Espero que esteja tendo um bom sonho, porque quando acordar, só o desespero te aguardará… Mas estaremos lá para te apoiar, e se prepare, teremos muito o que trabalhar a partir daqui.”

A equipe médica deita o Kimai no chão. Os lutador é tratado na arena, uma maca está ao lado para o levar em breve; Laerte está sentado, aborrecido, chegando a recusar a ajuda do médico que se aproxima.

Mesmo com a queda, nenhum dano considerável foi lhe causado, então por que esse gosto amargo?

[10° Luta (2°F) - Kimai vs Laerte

Duração - 4 m 36 s

Vencedor - Laerte

“Meu coração deve ter parado quando ele conseguiu derrubar o campeão… Que momento! Se ele pudesse ao menos mais um pouco…! Aaah! Mais um pouco!”, comentário do Gaojung.

 

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Um empregado entra na sala VIP, oferecendo uma xícara de café ao Lorde, que aceita, levantando-a para tomar; as gargalhadas do Traçal explodem, tremendo a xícara quando ele cai de costas contra o solo. O funcionário quase derruba a jarra no espanto, equilibrando-a na bandeja.

— Que patético! Hahahaha! — O rapaz segura a barriga, seu assento está caído como ele. — Você viu a expressão dele?! Nem a pau que ele foi o vencedor desse combate! Hahahaha! É essa a grande ameaça das finais?! Alguém que teme uma briga no chão?!

— Decepcionado? — Seu pai devolve a xícara para a bandeja, tendo tomado apenas um gole. O empregado se despede, afastando-se.

— Claro! — Ele coloca a mão sobre a boca, encarando a lâmpada no alto. — Não haverá nada de bom se eu ganhar esse torneio sem um desafio, nenhum mérito real terá peso sobre o título. Preciso que esses caipiras sejam fortes, estejam em suas melhores condições e usem tudo o que puderem contra mim. De outro jeito, não será sequer uma oferenda digna a ela.

— Entendo. Já se passaram tantos anos e mesmo assim você continua firme nisso… Se algum dia não estiver mais acorrentado, me diga, ninguém vai culpá-lo por parar ou pegar mais leve.

— Hahahaha! Velhote, não questione minha convicção! — Traçal volta a ficar de pé com um único movimento.

— Hum? Medo de que ela seja abalada?

— Não. — Sua gola é ajustada com algumas puxadas para os lados, em seguida, com a mesma mão, ele retira os óculos escuro do bolso, pondo-o no rosto. — Mas vamos parar de falar desse assunto, você sabe que desgosto.

— Ótimo.

— Bem, vou dar uma volta!

— Pensei que estava interessado no próximo confronto.

— Não aguento mais ficar parado, e não é como se fossem moscas grandes o suficiente para chamar minha atenção. Agora só tenho uma em mente.

Ele abre a porta, mantendo a demais mão no bolso. O seu pai diz antes que batesse a porta:

— Tenha uma boa viagem.

A batida soa alto, ensurdecedora.

 

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Algum tempo se passa.

— Hoje está pegando fogo! — brada Gaojung. — A primeira partida da semifinal foi decidida! E agora?! Quem irá ser o próximo a se classificar?!

Na escuridão do corredor, Holpos estala o pescoço com movimentos para os lados, fazendo o mesmo com os braços. Quando chega sua hora, ele anda ao destino.

Faíscas jorram, do meio da fumaça ele surge dando um soco na sua palma, membros cobertas por luvas que expõem os dedos. Ele encara o outro corredor, apertando mais as sobrancelhas na espera.

“E pensar que cairia logo contra você. Logo o cara que quebrou a cara do Unsai… Tudo bem, estou disposto a acabar com a sua raça na frente de todo mundo!” 

Os efeitos da entrada do lutador restante estouram, não tardando para que ele saia da nuvem de fumaça. Seus passos soam, parando ao estar próximo do adversário.

Ambos se entreolham: Kaon com sua expressão impassível enquanto Holpos expondo cada vez mais desdém no levantar das sobrancelhas. O  ar à volta deles fica denso, esquentando ao ponto de entortar.

— Que expressão de peixe morto! Haha! — fala Holpos. — Ver se não cospe minha orelha na terra quando arrancá-la! — Ele assume uma postura com os braços à frente, que prioriza a saída para um ataque.

Kaon assume a mesma forma que usou contra Unsai, abaixando o centro de gravidade, colocando o braço esquerdo mais na dianteira ao mesmo tempo em que recua o direito numa altura mais baixa.

— Devo dizer que tem culhões para aparecer depois daquela entrevista — fala Holpos —, você deveria ter ficado calado sobre algo tão importante. Apesar de que mesmo escondendo aquilo, é ridículo pensar que pode pisar num ringue. Não nasceu com esse direito, tem consciência disso?

Ele não obtém resposta, estando de frente a uma serenidade inabalável.

— Do tipo calado, é? Que entediante, esperava pelos menos te tirar um xingamento. Sendo sincero, me sinto feliz que não se retirou do torneio, estava morrendo de vontade de te devolver o troco pelo o que fez! Eu sou sortudo por encontrá-lo, mas você é azarado por ter me encontrado. Afinal, fui ensinado sobre tudo o que pode fazer pela pessoa que o conheceu melhor. 

A fênix brilha no teto, se tornando mais intensa no ajuste de potência dos holofotes; o apito soa, as vozes do público se levantam e a batalha começa.



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