Torneio da Corte Brasileira

Autor(a): K. Luz


Volume 1

Capítulo 22: Manchado

— Então aquele idiota perdeu! — exclama Traçal. As gargalhadas que solta em seguida soam mais alto que o volume da fala. — Apesar de eu ter dado a ele uma dica tão importante! Que desperdício!

O rapaz está na sala VIP com seu pai, estando o guarda-costa do lado de fora.

— O que acha da próxima luta? — pergunta Lorde.

— Resultados óbvios não me atraem. Por exemplo, a disputa de caipiras depois dessa soa mais cativante porque provavelmente será decidida com um golpe de sorte!

— Então seu oponente na semifinal não será uma ameaça independente de qual for.

— Hum? Sim. Isso é óbvio, não?

— Depende de você para ser.

— De novo jogando palavras sem sentido! Ei! Não sou um detetive, traduza para mim!

— Esqueça… — Ele levanta a metade do braço, balançando levemente. — Não seja ingênuo, preste atenção em Kimai, Laerte e qualquer outro que chamar sua atenção, pois um deles irá te encontrar na final.

— Você é muito sério, velhote! Hahahaha!

 

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Alguns empregados pegam seus equipamentos, saindo da arena.

— Os reparos acabaram — fala Malena.

— Sim… O tempo passou voando! — diz Gaojung. — Não houve muito dano na arena nessa última luta, então os reparos foram rápidos.

— Pelo seu tom, está tão ansioso quanto eu para a próxima batalha, não é?

— Como não estaria?! Hahaha! A última final do circuito amador está se repetindo! O sangue de todos está fervendo diante disto!!

— Concordo plenamente… Mesmo que não pareça, estou agora em um conflito interno para decidir o que espero desse combate.

— Bem, é natural! Afinal, independente do quão tensa tenha sido aquela final, ainda acabou sendo o combate de um só lado. Kimai está em grande desvantagem nas impressões gerais, pois ele foi derrotado sem acertar nenhum golpe em Laerte.

No quarto de preparo, o campeão do circuito amador está sentado com uma toalha por cima do pescoço, suado pelo aquecimento que fez. Ele encara o chão com uma postura inclinada, não esboçando ação alguma.

A batida do seu coração soa, vibrando o local junto, repetindo-se em pouco tempo. O ar fica cada vez mais denso, escurecendo o ambiente em ondulações de negro, transfigurando o rapaz sob os efeitos de uma cor vermelha ardente como fogo. As batidas prosseguem, subindo ritmo e volume até estremecerem o lugar, abalando a silhueta do Laerte em um terremoto de pertubações.

Um guarda-costas abre a porta, deparando-se com o lutador no canto da sala. O cenário tenebroso de delírios foi dissipado pela sua entrada, mas a visão que tem do rosto apático do rapaz é o suficiente para o deixar nervoso.

— E-está quase na hora, por favor esteja preparado para ir ao ringue no horário — avisa, em seguida, se apressa em sair, devolvendo o ar solitário ao lugar.

Laerte pega a toalha por cima do pescoço, suspirando ao levantar. Ele alonga os braços, depois gira o ombro enquanto caminha.

“Você sabe, não é?”, pensa o próprio. Ele chega ao corredor que leva a arena, um que se encontra tomado pelo brilho ofuscante de fora. “Como sempre, não tem o direito de perder. Coloque o peso do mundo sobre suas costas e o carregue até um precipício, mas não pode cair durante a viagem. Nenhuma vez.

Ele é engolido pela luminosidade, fechando os olhos antes de adentrar.

As faíscas jorram, os narradores exaltam a chegada dos combatentes com o apoio da torcida. Laerte pisa no território da terra com passos brandos, mantendo um sorriso leve. Seus punhos estão fechados por amarras brancas.

“Me pergunto… Kimai, seria você mais pesado que o ‘mundo’?” Suas íris reflete a chegada do adversário.

Do outro lado, o oponente atravessa a nuvem de fumaça com um semblante expressando grande animação. Ele bate os punhos, trocando um olhar afiado com o oponente.

O juiz conversa com ambos, fazendo os preparativos finais.

— Ei! — fala Kimai, um chamado direcionado ao árbitro. — Era um lutador ou algo assim no passado? Derrubou com facilidade aquele estrangeiro! haha!

Ele não obtém resposta, o homem se distancia, prestes a dar o sinal mais importante. Os lutadores tomam suas posturas, sendo a do Laerte uma de boxe e a do adversário uma de luta livre, com os braços levantados na altura do peitoral.

— Também acredita que eu sou azarado? — pergunta o oponente. — Estão todos dizendo a mesma coisa independente para onde eu for: “Ele está em grande desvantagem contra o estilo do Laerte. O vencedor que vai para a próxima fase já está decidido”, algo assim.

— Depende… Você é o mesmo daquela final?

— Hahaha… Falando sobre isso, todo o pessoal que foi aprovado para o torneio melhorou muito. Estou surpreso. Por exemplo, você, seus jabs… não, seus socos no geral ficaram ridiculamente mais rápidos. Os reflexos e jogo de pernas do Omnislai também foram para outro nível, até o Holpos conseguiu um equilíbrio melhor no uso do seu talento. Porém, devo me desculpar. Diferente de vocês, não mudei nada. Ainda sou o velho Kimai, sem nenhuma nova arma.

— Então está decidido.

O apito soa, a batalha começa.

 

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Como os lutadores anteriores, ambos foram entrevistados. Primeiro, Kimai:

— Qual seu sobrenome e idade? Quanto possui de força ini?

— Meu sobrenome é Roberd, tenho 19 anos. — Diferente do Humine, ele está à vontade no assento, não transparecendo nenhum rastro de vergonha. — 310 II é minha medida de ini.

— Quais suas impressões do torneio?

— Está empolgante! Sinto meu sangue ferver!

— Oh! Esperava que fosse reclamar! Que homem simples!

— Isso é um elogio?

— Hahaha! Certo, diga uma coisa que gosta e outra que odeia.

O rapaz fica pensativo por alguns segundos, enfim respondendo:

— Gosto de treinar! Odeio gente fresca!

— Eh?... O que seriam pessoas “frescas”?...

— Os que não tem fé. — Ele cruza os braços.

— Acabei ficando mais confuso… Qual o seu maior desejo envolvendo esse torneio?

— Revanche!

Sua testa franze, destacando o olhar determinado.

A entrevista do Laerte:

—  Carton é meu segundo nome,  tenho 18 anos. 624 II. Sobre o torneio… até agora não vi nada que pudesse me fazer reclamar, ele está indo bem, apesar de tratar os participantes com brutalidade. Eu gosto de chocolate e outros doces. Desgosto da sensação de ter que me controlar sobre como consumi-los, a famosa dieta… O meu maior desejo envolvendo o torneio é como o da maioria: quero a yrai de Tier 5… a todo custo.

— Realmente. Seria um ótimo impulso para quando entrar no circuito profissional.

— Haha! Não é para isso que a desejo.

 

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Laerte é o primeiro a fazer algum movimento, investindo de uma vez, abrindo a lateral da cabeça do adversário, que sente um vazio avassalador pela sensação de um buraco por lá.

“Não deu nem para ver!”, pensa Kimai, se estabilizando ao sentir a cabeça por completo novamente. Ele põe os braços à frente numa defesa de cruz, recebendo uma pancada no centro dela. “Seus jabs e balanços médios já eram absurdos no ano passado, mas agora estão insanos!

O punho esquerdo do atacante desaparece constantemente, ferindo a guarda inimiga por todos os ângulos. Por trás dos braços, o olhar do Kimai acompanha as pernas do oponente para tentar prever as ofensivas, vendo-as se arrastarem ocasionalmente.

A defesa é aberta, o rapaz avança com um salto, buscando encurtar a distância, sendo recepcionado com socos por sua face, que é esburacada. Ao pisar à frente ele puxa a guarda para o alto, erguendo a postura, recebendo uma enxurrada de impactos fortes o suficiente para o afastar gradualmente contra sua vontade.

Kimai range os dentes pela pressão, decidindo ir para o lado; Laerte percebe o ato, mudando sua postura como resposta, aproximando os braços do seu tronco e punhos do rosto, dobrando mais os joelhos, imergindo por completo no estilo peek-a-boo.

O adversário dele se depara com uma perseguição repentina, vendo-o se inclinar para o lado ao projetar um soco do mesmo sentido, forçando-o a trancar ainda mais a cruz, recebendo uma pancada que o abala de cima a baixo, chacoalhando seus ossos. Kimai vai para o lado oposto ao que estava, visualizando o oponente balançar como um pêndulo para o atingir novamente com a outra mão.

“Ele aprendeu um novo estilo?!...” Desta vez é a lateral do seu corpo que é acertada, espalhando os efeitos do impacto pelo ponto extremo contrário, manchando o ar de branco, como se farinha fosse jogada ao ar e se tornasse um com ele. — Argh!! Esse está difícil de prever!

Laerte vai de um lado a outro, dando acertos consecutivos que começam a afetar os sentidos do rival. Como ele parou de dar jabs para ataques de balanços laterais, mesmo que curtos, a força potencial aumentou várias vezes, provando-se pelos barulhos emitidos.

O público torce, os narradores estão agitados.

Um golpe passa, não encontrando o alvo; Kimai vai para trás, deixando uma imagem residual com traços de vapor. Porém, ele não teve tempo para sequer supor que escapou, notando um ataque reto que estoura sobre seu peitoral, formando uma bola de partículas claras a partir da área amassada, recebendo uma linha de saliva deixada pelo rapaz, que está desabando.

Desde baixo surge um feixe amarelo, explodindo sobre o queixo dele, jogando sua cabeça para o alto, fazendo-o liberar uma meia-lua de sangue.

“Porcaria…! Ei ei!” Kimai enxerga a imagem conturbada do boxeador, sendo impossível uma identificação das características do seu rosto. “Só por ser mais conveniente, não vai me deixar nem cair?...”

Os socos prosseguem explodindo sobre sua existência. Seja pela frente ou lados do corpo, com seus músculos enrijecidos e braços nas laterais da face, ele resiste ao dano mesmo que esteja claro que seja uma segurança temporária. Kimai se visualiza derrotado, totalmente acabado.

“Eu sabia que tinha ficado muito mais forte! mas caramba…!” Seu corpo se encontra ferido por praticamente qualquer lugar que a vista bata, sujo de sangue, em maioria do que caiu do seu nariz e boca.

Devido a dor, os baques nos contatos dos punhos soam para Kimai como explosões de tinta negra, mudando constantemente do peitoral, costelas, cintura e cabeça pelos trajetos distintos de cada balanço inimigo. O mundo está branco, o sombreamento do ferido é de profundo negro igual ao seu traçado, uma cor que está se deformando como se estivesse fervendo num deserto, se tornando mais e mais confusa no passar dos instantes.

“Ser deixado para trás com uma distância colossal… é vergonhoso. Me permita pelo menos…!” Kimai está tentando sorrir, finalmente conseguindo ver o pé do oponente na posição que deseja. Como os arredores estão clareados, não há nenhuma informação desnecessária em sua mente, o objetivo tão esperado está lá, logo à frente.

Ele avança, tentando agarrar Laerte, entretanto encontra apenas a cena do rival estando distante.

“Hã? Quando?! Por que está tão longe?... Se estivesse no alcance de sempre, apesar de não na curta distância, eu poderia pegá-lo. Mas dessa você não vai sequer poder me atacar, então, por quê?”

Um punho afunda sobre o rosto do Kimai, despejando a realidade por sua mente. Por ter a parte superior do corpo jogada para trás, consegue ver a postura atual do boxeador, que está virada com o braço esquerdo abaixado na altura da cintura, de onde estão sendo disparados os “chicotes”, que percorrem do todo o longo alcance sem problemas, causando danos adicionais ao oponente.

O império do Detroit Style chega.

Laerte alterna de volta ao peek-a-boo, voltando a causar impactos pesados, trocando para a pose padrão, que espalha mais do sangue do adversário nos contatos dos socos, voltando em seguida de novo para o estilo Detroit, empurrando as costas dele contra a parede com as pancadas.

Não melhorou em nada, é?”, considera o boxeador, observando a situação precária do rival. “Apesar de não ter mudado muito em força, técnica e velocidade, sua resistência foi para outro patamar, o que é perfeito para seu estilo de agarrões e submissões, que sempre busca uma oportunidade em meio à ‘tempestade’. Você foi um adversário interessante, só teve azar em cair contra mim. A gente se esbarra de novo por aí, Kimai.”

Ele atinge-o na cara com um direto, afundando seus sentidos em mais de um total branco, que afinam os traços do pouco que ainda existe dele, do pouco que o faz existir.

Kimai desaba com uma expressão pasma, vendo se aproximar os farelos que indicam onde está o chão. Sua expressão fica torcida, ele sobe o olhar; seus pés saltam, ele alcança a cintura do oponente enquanto braveja, assustando-o.

Sua mão esquerda sobe, empurrando o ombro do boxeador; a direita enrola-se por detrás do joelho; sua cara e parte do tronco pressionam-se contra o estômago e barriga dele. Kimai explode a terra com o impulso das pernas, derrubando Laerte de costas contra o chão, causando um tremor por toda a arena como a encarnação de um meteoro.

A última chama ainda queima.



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