Torneio da Corte Brasileira

Autor(a): K. Luz


Volume 1

Capítulo 1: Chegada em Montes da Luz

Um zíper é puxado, a bolsa abre, por onde uma mão adentra e pega um pacote. A embalagem é rasgada, expondo uma barra de chocolate; uma boca abre, mordendo de uma vez o doce, diminuindo-o a cada ataque com a boca. As rodas do carro giram, o motor faz um ruído constante.

Árvores vão ficando para trás, a imagem pelo vidro está escura, sucedendo de ser abaixado pelo clique de um botão; mais uma mordida é dada na barra de chocolate. O sol se movimenta, saindo do centro do céu para próximo das bordas, aproximando-se do final da tarde. 

Placas são deixadas para trás, tendo os seguintes conteúdos: “Montes da Luz. 12 Km”, “Bem-vindo à Montes da Luz!”. Mais à frente está um outdoor, seu conteúdo chama a atenção do passageiro que está comendo, fazendo-o levantar os óculos escuros com o dedo. A propaganda em maioria é vermelha, como sangue, com bordas ornamentadas de dourado. Seu foco se direciona ao sorriso largo do idoso no outdoor, que está com a mão direita aberta, convidando-o para “entrar”. “O brilho da nova geração será destroçado no dia --/--/--, não perca a chance de ver a nova ‘maravilha’ do Holliver!”, é o texto mais destacado por lá.

O carro deixa o outdoor para trás, o rapaz já havia parado de olhá-lo, ficando de frente com os óculos abaixados. Sua pele é escura, o cabelo é curto e o corpo é musculoso, ressaltado na parte exposta da camisa que o casaco de couro não cobre.

— Essa é uma recepção e tanto, não acha? — fala o motorista.

— Devo dizer… Que homem excêntrico.

A cidade está à vista no seguimento da estrada, o sol está se pondo, mas nenhum dos dois conseguem tanta atenção quanto as margens de todo o caminho restante estarem cobertas de outdoors semelhantes ao de antes. Todas brilham com o acender de suas lâmpadas.

— Hahaha… — O motorista liga o rádio, permitindo o soar de uma música pelo carro. — São mais de três quilômetros assim. Vivo há décadas nessa cidade e nunca tinha visto algo dessa escala acontecer.

— Para dar tanta liberdade, o prefeito deve estar bem feliz com o aumento massivo do turismo. — O rapaz suspira ao notar que o chocolate havia acabado no pacote, colocando-o em um dos bolsos da bolsa que serve como lixo, onde há outras embalagens vazias.

— Não vou mentir, também estou! Hahaha! Apesar de estar muito corrido, nunca lucrei tanto!

— Hahaha! Tudo bem em dizer isso na frente de um cliente?

— Sei que é uma boa pessoa e que não se irritaria por isso, senhor. 

— Está certo.

— Veio para assistir o Torneio da Corte?

— Ah! não. Meu negócio é outro.

— Entendo… Você estaria com problemas se fosse isso, afinal os ingressos estão esgotados faz tempo, e o torneio será amanhã. É impossível conseguir algum atualmente.

O carro adentra no território da cidade, refletindo na lataria o intenso brilho dos postes e dos estabelecimentos à volta. Pés se movimentam para caminhos distintos, carros vão de um lado a outro. As ruas e calçadas estão cheias de vida.

— Me leve até esse hotel. — O rapaz entrega um papel com o endereço.

— Oh! certo!

— Não pensei que fosse ver tanta gente nessa cidade, parece até a minha.

— É como você disse, o prefeito está bem feliz, e não é à toa! hahaha!

A música no rádio para no apertar de um botão, trocando para uma frequência em que ocorre um debate:

— (…) é isso o que você pensa? — questiona o entrevistador.

— Sim. Era um absurdo sequer os torneios do Holliver serem permitidos no passado. Aquelas poucas regras que existem são uma fachada, só o que já é permitido pode levar os lutadores a ficarem sequelados, ou, até a morte. Dou de exemplo certos competidores dos eventos passados dele, como Robe Ferreira ou Franco Miliar… Essa competição é um completo desrespeito à vida! Ela tem que ser- — O motorista troca o canal, devolvendo-o para o que está tocando música.

— Desculpe pela barulheira — fala, desconcertado. — O pessoal de fora está realmente louco sobre o torneio. Ouvi dizer que estão fazendo até protestos em alguns lugares, ainda bem que não está acontecendo nessa cidade.

— Depois de algum tempo essas coisas vão ficar para trás, não se preocupe. — O passageiro mexe no interior da bolsa, ficando surpreso ao sentir algo em específico topar no seu dedo, fazendo-o procurar com mais afinco com as duas mãos.

— Sinceramente, tanto escândalo por causa de luta é tão louco, imagino como os lutadores aguentam toda essa pressão.

Um sorriso se expande no rosto do jovem, ele abre o pacote de chocolate que achou por sorte.

— É, eles são incríveis… ou só um bando de idiotas, haha!

O carro estaciona. O rapaz coloca a alça da bolsa sobre o ombro ao sair do carro.

— Obrigado por ter me contratado, senhor…?

Laerte, me chame disso. — Os óculos escuros são retirados e dobrados para encaixar por baixo da gola.

— C-claro. — Ele fica surpreso com o olhar do rapaz, que se resume a uma dimensão afiada de amarelo puxado, que rasga a imagem do motorista no ajuste de foco da pupila. — Amanhã venho buscar o senhor no horário combinado.

— Certo, tenha uma boa noite.

O carro vai embora, Laerte caminha na direção da entrada do hotel, atravessando a grande movimentação na calçada. Apesar da barulheira à volta, os ouvidos dele se focam em sons específicos de baques.

“Até nessa cidade tem esse barulho…”, pensa. “‘Nada muda independente para onde se vá’, é?”

Ele para ao perceber algo no som, voltando a andar em pouco tempo.

“Ah… então é ‘você’. Que impaciente.”

Ele entra no hotel, tendo sua imagem coberta pela movimentação das pessoas na calçada.

 

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Um punho passa rasgando o ar, acertando a face de um homem, contorcendo-a; sangue e dentes são jogados para os lados. O acertado é jogado sobre uma pilha de lixo que explode na colisão; o que deu o soco vira a cabeça, desviando de uma lata que passa em alta velocidade.

O local é um beco extenso no centro da cidade, mal iluminado, abandonado até pelos demônios.

O que está de pé tem 1,92 m de altura, usa um casaco com capuz que esconde seu rosto nas sombras, mas não o brilho do seu sorriso largo e olhar. Pelo chão, em pontos diferentes, estão alguns homens jogados, todos com a cara amassada e alguns membros quebrados. O solo está manchado de vermelho.

Botas grandes golpeiam o piso, revelando a chegada de um grande homem no lugar. Ele tem 1,97 m de altura, é gordo o suficiente para sua jaqueta aberta ficar comprimida nos lados sem qualquer possibilidade de selar a barriga exposta; sua testa está franzida e os lábios estão levantados em um bico de arrogância; as mãos se encontram nos bolsos.

— Desgraçado! Limpou o chão com meus capachos como se eles fossem esfregões! — Veias ressaltam na face do gordo, os músculos dos seus braços enrijecem.

O sorriso do encapuzado é rápido, imergido em um tom de desprezo. Tal responde:

— Dá para ver o quanto as cidades pequenas são um lixo quando os assaltantes tentam tirar dinheiro de você com uma maldita faca de cortar pão! — Ele pisa no canivete no chão, destruindo-o em vários pedaços.

— Não espere sair daqui vivo depois de fazer tanta merda!

— Que seja, pare de latir! Venha!

“Aposto que esse maldito é de alguma academia e tá se achando.” Ele retira as mãos do bolso, estando a da direita com um fecho de metal. “Já cansei de lidar com esses idiotas, sempre caem da mesma forma.”

O gordo investe, pisando à frente, socando por um trajeto alto; a perna direita do encapuzado recua deslizando junto de uma inclinação do corpo, deixando a ofensiva encontrar apenas o nada.

Aproveitando que o outro está preso no balanço falho, o encapuzado se prepara para dar um murro, ficando surpreso ao vê-lo cuspir no seu rosto.

“Bando de maricas! Não pensem que as ruas e becos são que nem aqueles ringues confortáveis e cheios de frescuras!” O gordo balança o braço, batendo na cara do encapuzado, arrastando-o por certa distância com o poder do choque. “É aqui fora onde acontece uma luta de verdade!”

Seja com a mão que porta o fecho ou a sem, ele começa a espancar a guarda de braços erguida do encapuzado, acertando-o com balanços frenéticos, rasgando pedaços da roupa a cada impacto.

Com mais um soco tal entra em contato com o torso do oponente, entortando-o, as costas do acertado batem na parede, espalhando poeira.

“Xeque-mate, otário!” O cotovelo e o ombro giram, impulsionando um soco com o fecho; o gordo estampa um sorriso no semblante.

— Ei, até quando vai “gritar”? — fala o encapuzado. — Você não está dizendo nem uma única palavra, mesmo assim é tão barulhento! tão óbvio!

Uma perna pisa forte à frente, rodeada por uma circunferência de ar; um borrão branco sobe desde bem baixo, colidindo no queixo do gordo, fazendo-o ir para o alto, deixando suas botas dele a mais de trinta centímetros do chão; suas íris chacoalham nas escleras, sangue vaza pelas suas bordas, nariz e principalmente pela boca com o queixo esmagado.

O gigante cai de costas no chão, espalhando um baque pesado. Ele está apagado com uma expressão de espanto, praticamente afogando em vermelho. O encapuzado gargalha, puxando com força o que resta da sua peça de roupa, rasgando-a por completo, revelando uma proporção anormal de músculos. A pele dele é clara, o cabelo loiro fica jogado para trás, chegando até o final do pescoço; as sobrancelhas estão em constante aperto, destinadas a um estresse eterno.

O ruído de alguém caminhando soa, fazendo-o virar de relance.

— Pare de perder tempo e vamos de uma vez — diz o homem que acaba de chegar, alguém com feições e musculatura semelhantes a do rapaz. — O torneio será amanhã, tenha algum foco.

—  Hã? Velhote, você acha que um torneio num fim de mundo desse será interessante?

— Nenhuma competição com um vencedor óbvio tem graça, Traçal. Mas… vai que você tá em má forma ou algo assim, hahaha! Bem, se quiser marcar o mundo com uma impressão forte o suficiente para finalmente sair da minha sombra, não perca essa oportunidade dada por Holliver. Mostre tudo o que pode fazer; destroce os adversários, não deixe nenhum fugir por desistência.

— Hahahaha! Óbvio que o farei!

Os dois andam na direção da saída do beco. Um dos que apanharam por ali ainda está acordado, mexendo a mão com dificuldade, colocando-a no bolso, de onde retira uma pistola. Ele a aponta na direção do rapaz, tentando estabilizar a mira o quanto pode apesar da tremedeira.

Um clique soa no pressionar do gatilho, chegando imediatamente aos ouvidos da dupla, sucedendo da explosão que libera a bala; Traçal vira de uma vez, desviando a bala ao levantar um braço, fazendo o projétil ir quebrar um tijolo do muro ao lado. 

O assaltante fica pasmo, abrindo a boca e os olhos o máximo que pode. Gritos femininos podem ser ouvidos da rua afora, uma demonstração do quanto os pedestres se assustaram com o barulho.

— Ah… E não é que um de vocês tinha colhões para atirar? — O rapaz se aproxima dele com passos lentos, seu sorriso fica mais largo, amassando as bochechas com as curvas de uma meia-lua. — Mas veja, você fez uma bagunça e me gerou problemas… Sabe o que isso significa?

Ele se agacha, aproximando a palma ao rosto do homem.

— N-não… Por favor… não… 

— Vai ser rápido, afinal não tenho muito tempo. — Com a expansão da palma sobre a vista do arruaceiro, tudo fica preto. — Até mais, retardado!



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