Volume 2
Capítulo 3: Que Atire a Primeira Pedra Aquele Que Não Tem Perdas
O SOL BRILHAVA FORTE NAQUELA MANHÃ. Abri uma lata de café e olhei de soslaio para a placa acima de mim. ESTAÇÃO RODOVIÁRIA — MOKKULU SHINSHIRO. Estávamos quase uma hora ao norte de Toyohashi de carro.
— O que estou fazendo aqui? — murmurei.
Eu não tinha muita escolha. No momento em que vi aquela minivan com o adesivo de recém-habilitada e Tsukinoki enfiando a cabeça para fora do banco do motorista, eu soube. Essa era a minha vida agora. Komari e Yanami já estavam dentro também, então realmente não havia como escapar. Ainda assim, se eu soubesse que seria arrastado para uma cidade vizinha com nada além das roupas do corpo, talvez tivesse lutado um pouco mais.
Shinshiro era uma cidade situada na entrada rochosa de Oku Mikawa, no extremo nordeste do que antes foi a Província de Mikawa, onde a Batalha de Nagashino foi travada há séculos. Eu não sabia muito mais sobre a região. O ponto era: estávamos no meio do nada, cercados principalmente por montanhas.
Se Tsukinoki estivesse certa e Yakishio estivesse hospedada com sua avó na cidade, ainda tínhamos um longo caminho pela frente. Daí a rápida parada para descanso. Embora rápida fosse puro otimismo.
Tomei um gole do café, esperando e me perguntando quando a Senpai nos colocaria de volta na estrada.
— Ah, é mesmo. Ela me enviou o rascunho.
Ela me daria um sermão se eu não lidasse com isso logo. Encontrei a mensagem e cliquei no arquivo.
Relatório de Atividades de Verão do Clube de Literatura: Tsukinoki Koto — As Belas Escritoras na Floresta
A luz do sol filtrava-se pelos galhos acima. O homem caminhava cansado, seu quimono um fardo com seu tecido esvoaçante.
— Falta muito, camarão?
Flutuando e voando à sua frente estava o que parecia ser uma pessoa minúscula, do tamanho de um pequeno estorninho. Asas de inseto sobressaiam-se das costas da criatura. A pequena criatura respondeu sem palavras, subindo em um arco dramático. O homem forçou a vista. Não muito adiante no caminho havia um prédio modesto, mas acolhedor, com um aspecto quase europeu.
— Que extravagância — O homem jogou uma moeda para a criatura, satisfeito com seu próprio comentário sarcástico.
Seu guia desapareceu junto com a moeda no ar. Dazai, a princípio, foi indiferente quando Mishima lhe informou sobre a presença de Kawabata naquele novo mundo. No entanto, ao saber que o velho autor fora nomeado como guardião dos recém-renascidos, sua apatia transformou-se em obsessão. Dois dias de viagem de carruagem o levaram até a pequena casa de dois andares, envolta em hera, onde Kawabata passava a maior parte de seus dias. Dazai achava aquilo indigno de sua posição.
Nenhuma empregada notou sua chegada, não importava quanto esperasse, então ele tentou a campainha. Dazai sabia exatamente o que diria — toda sua preparação foi inútil quando foi o próprio Kawabata quem atendeu.
— Ah — Kawabata falou primeiro, lançando um olhar frio para Dazai. — Entre. Vou preparar um chá.
O interior estava desprovido dos confortos de seu mundo anterior. Pequeno de forma inquietante para o tamanho que aparentava do lado de fora, o cômodo não tinha mais que oito tatames. Em termos de mobília, havia pouco além de uma mesa e algumas cadeiras, onde Dazai agora se sentava. O traje de Kawabata, embora de origem local, tinha a qualidade de um padre cristão. Ele preparava o chá em um pequeno fogão, de costas para Dazai.
— Não tem empregadas? — comentou Dazai.
— Acho seus serviços redundantes por aqui — respondeu Kawabata. — Nada que um pouco de ajuda feérica não resolva.
Dazai analisou o cômodo. Um canto se destacava dos demais. Havia frascos, béqueres e uma bancada de trabalho semelhante à de um químico.
— Já ouviu falar da grama nilkeene?
— Nunca ouvi — respondeu Dazai, ainda encarando as costas do anfitrião. — Espero que seja boa para demência.
Kawabata despejou água fervente no bule sem esboçar sequer uma risada.
— Através de uma extração cuidadosa, descobri que podem ser transformadas em uma solução muito útil. Sem cheiro e sem sabor, mas com apenas uma gota antes de dormir, nunca mais terá uma noite de insônia.
— Um sedativo.
— Na verdade, você apagará como uma vela. — Kawabata colocou as xícaras na mesa, ignorando completamente os comentários de Dazai. — Alguém poderia fazer o que quisesse com você nesse meio tempo. E você nem perceberia.
— Você se envolve em áreas questionáveis. Perdoe a ironia, mas começo a duvidar da segurança de beber isso.
— Ah, mas a insônia não é uma praga com a qual nós, escritores, somos demasiadamente familiarizados? É ainda mais potente que Calmotin, sabia? — O chá caiu na xícara com um fluxo elegante. O líquido dourado soltava um vapor que se erguia e se espalhava pelo ar de forma convidativa. — Essas folhas foram colhidas nas Terras Altas de Solidea. O sabor é comparável ao de um bom Ceylon.
Kawabata deslizou a xícara quase transbordante para Dazai. Ele, no entanto, não a pegou imediatamente. Naquele instante, a porta se escancarou. Três meninas pequenas entraram voando, tagarelando e rindo como passarinhos.
— Professor, vem brincar com a gente!
— Olha! Um estranho!
— Quem é ele?
Os cabelos de cada uma tinham tons irreais de verde ou azul. Certamente, aquelas crianças não eram humanas.
— Agora, agora — disse Kawabata. — Tenho um convidado. Vão embora.
As meninas reclamaram, mas partiram da mesma forma barulhenta com que haviam chegado. Dazai observou a porta se fechar com um suspiro cansado.
— E quem eram elas? Não pareciam elfas.
— Olhar perspicaz — murmurou Kawabata.
— Criaturinhas sem graça. Uma única garçonete tem mais refinamento que as três juntas.
— E, no entanto, todos dormem de olhos fechados. — Kawabata dirigiu seu olhar diretamente para Dazai. — Mas onde estávamos? Ah, sim. Chá. Por favor, beba enquanto está quente.
— Claro. — Dazai estendeu a mão para a xícara. — Mas antes — ele parou —, uma pergunta para você. Você sabe onde está Akutagawa-sensei. Diga-me. Por favor.
Kawabata o encarou. Dazai perdeu a batalha silenciosa e desviou o olhar.
— Descobri que possuía algum tipo de habilidade quando cheguei a este lugar estranho — Kawabata divagou. O vapor do chá tornou-se menos convidativo, menos definido. — Palavras de Poder, assim foi chamado. Qualquer um que consinta com o que digo, independentemente do que seja — independentemente do que esteja nesse chá —, deve, em última instância, cumprir aquilo que concordou em fazer.
Foi só então que Dazai percebeu sua mão se movendo por conta própria.
— Kawabata. O que é isso?
— Eu disse para beber. Você disse claro. Minhas palavras têm poder, meu amigo.
Não era apenas sua mão. O corpo inteiro de Dazai o desobedecia. Cada músculo agia em direção a um único objetivo: beber o chá. E ele bebeu. O líquido fumegante encheu sua boca, deslizou por sua garganta e infiltrou-se em seu estômago. Mesmo queimando sua carne por todo o caminho, Dazai não conseguiu parar. Ele atirou a xícara vazia no chão. A droga agia com uma rapidez excepcional.
— Talvez eu devesse tê-lo deixado esfriar mais — Kawabata murmurou. — Mas realmente é melhor quando desce quente.
— O que significa isso? O que você vai fazer comigo?
— Você não verá Akutagawa. Nem você, nem ninguém.
Ele tomou seu próprio chá. Olhos frios e calculistas voltaram-se para um canto da sala.
— Você é teimoso demais para o seu próprio bem, então simplesmente vou dissuadi-lo fisicamente.
Rangendo os dentes contra a dor abrasadora em seu esôfago, Dazai seguiu o olhar de Kawabata. Entre as paredes envelhecidas, cicatrizes do tempo usadas como medalhas de honra, havia uma menos antiga. Como se ela e a porta que a acompanhava tivessem sido construídas recentemente. Por fim, Dazai compreendeu o desconforto que sentiu ao entrar ali. O quarto era pequeno demais para o tamanho da construção. O restante, ele deduziu, estava além daquela nova parede.
— O nilkeene deve começar a fazer efeito a qualquer momento.
— Você também bebeu. Eu vi — Dazai resmungou.
— Um segredo da casa. Não queremos desperdiçar um chá perfeitamente bom, não é?
O desprezo sarcástico manchou a expressão de Dazai.
— E pensar que eu quase me preocupei com você.
— E por que isso, Dazai?
— Veja bem, eu troquei nossas xícaras enquanto você estava distraído com aquelas garotas. E você nem percebeu.
Kawabata jogou o líquido de sua xícara fora, os olhos arregalados de choque. Dazai zombou.
— Acreditou em mim, foi? Que graça.
Ele se levantou cambaleante, a letargia passando.
— O que está acontecendo? Você trocou as xícaras ou não? — Kawabata exigiu.
— Minha habilidade se chama Mentiroso, sensei. Qualquer um que acredita nas minhas mentiras as torna verdade.
Dazai achou quase cativante o veneno emanando de Kawabata.
— Eu nunca troquei as xícaras. Você nunca engoliu nilkeene, mas engoliu minha mentira.
O vilão caiu de joelhos. Dazai ajoelhou-se e rasgou o cordão do peito da camisa de Kawabata.
— Suponho que agora você vá se vingar, não é? — o homem desgrenhado rosnou.
— Há muito tempo deixei o passado para trás, velho cão. O que temos de ruim entre nós também há de bom em igual medida.
Dazai ergueu o homem de corpo frágil e o carregou até a porta fora de lugar. Dentro, havia um quarto simples. No centro, sombreada pela luz fraca, uma única e grande cama. Algo doce pairava no ar.
— Temos tempo de sobra para compensar ambos. Agora, você vai me dizer onde está Akutagawa-sensei, ou vamos descobrir juntos como você canta.
◇
Eu não queria conhecer as famílias que consideravam aquilo adequado para a família.
Depois de terminar de observar as nuvens passando em um céu sem nuvens — e de refletir sobre as regras modernas de censura —, fui até a área de descanso. Yanami estava parada perto da seção de lanches, de braços cruzados, com uma expressão séria.
— O que você tá fazendo? — chamei.
— Ei. Chegou na hora certa. — Os olhos dela estavam fixos em um goheimochi.
Goheimochi era um clássico das estações de descanso no centro do Japão — arroz amassado até virar mochi, moldado em um retângulo oblongo, espetado, coberto com molho de missô e grelhado direto no espeto.
— Com fome?
— Tive um pensamento sobre carboidratos.
— Só um, é?
— Só um. Tipo, há uns dez mil anos, os humanos pararam de ser caçadores-coletores, certo? Começaram a praticar agricultura. Ou seja, passaram a viver à base de carboidratos.
— Profundo. Tem mais?
Ela assentiu, como se aquilo fosse algo revolucionário.
— Desde então, virou a base da nossa alimentação. Nossas histórias se entrelaçaram, uma se tornando sinônimo da outra. Pensa bem. Somos realmente os mestres? Ou estamos apenas vivendo no mundo dos carboidratos?
— Só admite logo que quer o goheimochi.
Ela balançou a cabeça.
— Não é sobre o mochi. É sobre reavaliar relacionamentos. Relacionamentos baseados em carboidratos.
Eu não entendi, mas sinceramente, nem precisava.
— Isso tem tudo a ver com o tanto de somen que você comeu e—
— E não engordei — interrompeu Yanami. — Eu sou gostosa desde o dia em que nasci.
— Não querendo acabar com a sua festa, mas vi na TV outro dia que os cientistas dizem que o consumo diário de carboidratos provavelmente não aumentou tanto assim depois que passamos a praticar agricultura.
— Espera, sério?
— Quero dizer, tá no nome. Eles caçavam e colhiam. Não íamos atrás de um cervo pra cada refeição. Comíamos nozes, plantas e coisas do tipo.
Yanami cruzou os braços de novo.
— O que você tá me dizendo é que eu deveria pegar o goheimochi.
O que eu estava dizendo era que ela não enganava ninguém. Peguei minha carteira.
— Espera aí — ela disse. — Você vai mesmo comer isso na minha frente quando eu tô tentando especificamente não pensar em comida?
— Parece um problema seu. Faz séculos que não como um desses.
— E se... — Ela me olhou de canto de olho. — Só uma mordida?
— Muito mole pra dividir. A gente faria uma bagunça.
— Tá dizendo que eu sou uma bagunça?
— Uma bagunça gostosa, espero. Ouvi dizer que hipotermia não faz bem.
E assim, de repente, minha fome sumiu. Deixei Yanami com suas reflexões amiláceas.
Já estávamos ali há tempo demais, então fui procurar Tsukinoki. Nosso plano era ir falar com Yakishio. Encontrei ela e Komari conversando na loja de presentes.
— Ainda acho que a geleia de ume tem que ficar do lado esquerdo. — Senpai bateu o pote na prateleira.
— Ne-nem pensar. Direito. — Komari bateu o pote do outro lado de uma caixa de curry de carne de veado. Tsukinoki levou o punho à boca e franziu a testa.
— Simplesmente não consigo ver isso. O curry tem presença, vou admitir, mas a esquerda ainda não faz sentido pra mim. Não compro essa ideia de que a geleia tem a vibe de passado conturbado que preciso da direita.
— P-Por isso mesmo é perfeita ali. O-Onda nova.
O que, em nome de Deus, eu tinha acabado de presenciar? Tsukinoki me notou antes que eu pudesse decidir se queria me meter naquilo.
— Deixe-me explicar, Nukumizu.
— Por favor, não.
— Escute mesmo assim. Veja bem, a comum fujoshi tem sido discriminada há muito tempo, e isso só tem piorado. Há quem diga que nós faríamos um ship até de um lápis com uma borracha se tivéssemos a chance. — Ela cobriu o rosto com a mão num gesto dramático de indignação. — A audácia. Dá pra acreditar em tamanha calúnia?
— Não foi exatamente isso que acabei de presenciar?
— O que você acabou de presenciar foi um experimento mental.
Um bem degenerado, na minha opinião.
— O que você precisa entender é que, quando um novo anime sai, estar na vanguarda dos ships é uma questão de vida ou morte para nós. Precisamos estar sempre em plena forma, com nossas sinapses prontas para disparar. Pense no jeito que os atletas precisam treinar. Para nós, orgulhosos membros do clube de literatura, isto é a mesma coisa.
Eu não me sentia mais seguro nesse clube.
— Entendi perfeitamente. Gostaria de não ter entendido, mas cá estamos — falei. — Então, o que era toda aquela conversa de esquerda e direita?
— Na notação padrão, o nome do topo vem primeiro, o de baixo depois — elucidou a Senpai. — O topo fica à esquerda, o de baixo à direita.
Komari assentiu fervorosamente.
— I-Isso nos permite debater em público.
Só porque podiam, não significava que deviam.
— Então, a geleia é o de baixo... digo, desculpa. Fica à direita — eu disse.
— Errado. Incorreto. A geleia é o topo.
— E-Ela é o de baixo!
Tsukinoki estreitou os olhos e pensou novamente.
— Então, o curry é o topo? Picante é muito óbvio. É muito unilateral.
Lá se ia o código.
— Vo-você não entende — Komari argumentou. — E-Ele machuca com o toque...
A Senpai bateu palmas.
— Meu Deus, você está tão certa! Amor proibido. Quanto mais desejam, mais se machucam. É brilhante! Dá pra trabalhar muito bem com isso!
Ela mordeu o lábio, e o brilho desapareceu.
— Argh, mas eu já me decidi pela geleia!
— Acontece — Komari assentiu com simpatia.
— Ei, uh, Senpai? — interrompi. — Podemos sair agora?
As fujoshis voltaram os olhos para mim.
— O-O quê?
— Certo — A Senpai fez um gesto com o queixo para mim. — Você toma a decisão.
— N-Não estrague tudo — Komari me lançou um olhar por entre a franja.
O que eu tinha feito?
— Uh, certo. Que tal isso?
As duas me encararam enquanto eu pegava algo aleatório da prateleira.
— Adicionar o lámen de porco... Isso foi inspirado — Senpai suspirou.
— Ele tem talento natural.
Ah. Opa. Isso não era o curry. Erro meu.
— Certo, agora que isso está resolvido, vamos sair d—
Senpai me agarrou.
— Venha comigo!
Ela me arrastou até outra prateleira.
— Vamos de novo com esses picles.
— Y-Yamagobo... — Komari murmurou.
— Impressionante primeira escolha, Komari.
A pequena deu uma risadinha.
E lá foram elas de novo, desta vez por causa... de picles. Não sairíamos dali tão cedo.
◇
Um borrão verde passou pela janela. Já estávamos na estrada havia quase quatro horas, e isso depois de sairmos do posto de descanso.
— Onde diabos estamos? — murmurei para mim mesmo.
Tsukinoki estava completamente distraída. Quanto mais dirigíamos, mais desvios ela fazia, e mais nos afastávamos de Yakishio. Se eu não dissesse nada, ficaríamos presos aqui pelo resto da vida.
— Senpai, podemos ir para a casa de Yakishio agora, por favor?
O carro deu um solavanco. A Senpai pisou no freio e girou o volante bruscamente para um lado.
— Certo, seta primeiro — murmurou.
— S, esses são os limpadores de para-brisa — Komari gaguejou, e desta vez não era só por timidez.
— Ah. Alavanca errada.
— P-Por favor, preste atenção na estrada.
Nada como uma motorista recém-formada. Claro que isso não era novidade. Yanami e eu tínhamos uma visão privilegiada do espetáculo o tempo todo, sentados no banco de trás. Komari fez um bom trabalho mantendo as coisas animadas até agora.
Tsukinoki olhou pelo retrovisor.
— Você estava dizendo algo, Nukumizu?
— Eu estava perguntando se estamos mesmo indo para Yakishio.
— Agora acertei. Sei exatamente onde estamos. Tenha um pouco de fé na sua senpai.
Ela riu, confiante.
Eu já tinha ouvido essa exata promessa nas Ruínas do Castelo de Nagashino.
E depois, de novo, nas águas termais onde tínhamos perdido tempo demais. Em algum momento desse percurso, minha fé se esvaiu. Estávamos basicamente fazendo turismo agora, e nem era segredo.
Sendo sincero? Não era tão ruim quanto eu fazia parecer.
— Vou acreditar, por falta de opção melhor — falei. — Mas a falta de civilização me preocupa um pouco.
— É, também estava pensando nisso. De qualquer forma, mudando de assunto, Nagano fica logo ali se continuarmos nessa estrada. Legal, né?
— Pouco relacionado, se quer saber. Prefiro ficar em Aichi, por favor.
O carro deu uma guinada. Yanami piscou os olhos, despertando.
— Hã? Eu tava dormindo. Já chegamos?
— Ainda não — respondi. — E você tá babando.
— Não tô — ela pegou o lenço da minha mão e limpou a boca mesmo assim.
Esquece a babona, me repreendi.
A bronzeada primeiro.
Inclinei-me para frente.
— O sol vai se pôr em breve. Estamos perto ou não?
— Relaxa, estamos perto. Muito perto — insistiu a Senpai. — Ufa, a vovó Yakishio mora longe, né?
Chequei o mapa no meu celular.
— Estamos a vinte minutos do posto de descanso. Achei que você tinha dito que ainda faltava um bom pedaço.
— Olha, se eu tivesse dito que era só um pulo dali, você teria ficado no meu pé pra irmos direto.
De fato, eu teria. Era, afinal, o motivo de estarmos aqui.
— Às vezes você precisa desacelerar um pouco na vida. Eu só queria curtir o caminho, tá bom?
— Vou te chamar de espírito livre, porque soa mais educado, mas não viemos aqui pra passear. Viemos para...
— Lá vem você de novo — Yanami interrompeu. — Tá vendo como você sempre pula direto pro negativo, negativo, negativo? É disso que eu tô falando. Fomos pras águas termais, vimos umas coisas legais, comemos comida boa. Isso não é o bastante pra você? Porque deveria ser.
Notei o grão de arroz grudado no sorriso pretensioso dela. No que dizia respeito a Yanami, ela tinha aproveitado um bom banho quente e um katsudon. Sem falar na soneca, que devia ter sido maravilhosa.
— Mas viemos até aqui para ver a Yakishio — retruquei.
— É. Dã.
Ela claramente tinha esquecido. Espera aí, por que eu era o único surpreso com essa informação?
— Pera um pouco. Yanami. Komari — acusei. — Vocês duas já sabiam que íamos fazer tudo isso? Só eu não recebi um maldito guia de viagem?!
As cúmplices riram.
— Nada de brigas, crianças — disse a Senpai. — Se tiver que ficar bravo com alguém, fique bravo comigo, Nukumizu. Só saiba que eu estava me divertindo o tempo todo. Você facilita muito na hora de provocar.
Ela me olhou pelo espelho retrovisor com um sorriso presunçoso. Odeio que ela saiba exatamente como se safar de situações assim. O melhor jeito de fazer alguém calar a boca era cutucar até que percebessem que você só estava se divertindo com a reação deles.
— Agora vamos, prometo. Tenho o endereço bem aqui — garantiu.
— Tá, tanto faz. Como conseguiu o endereço, afinal? Ela não tem respondido ninguém ultimamente.
— Lembra que eu era capitã do time de atletismo? Eu meio que cuidava dela no conselho estudantil, então mantemos contato. Conversei com a mãe da Yakishio.
Ela já tinha sido do conselho estudantil? E conhecia a mãe da Yakishio? Aquela frase estava carregada demais.
— Agora tenho ainda mais perguntas, mas deixando isso de lado — falei —, basicamente, a mãe dela queria que fôssemos vê-la. Certo?
— Certo. Ela e a avó sabem que tem algo errado. Estão tão preocupadas quanto a gente. — a Senpai olhou o GPS. — Já estamos chegando. Preparem as lágrimas e os discursos para o reencontro. Nada de zoar quem chorar.
O GPS fez seu clássico "você chegou ao seu destino" quando Tsukinoki estacionou o carro no acostamento.
— É aqui — ela anunciou. — Alguém consegue ver a casa?
Tudo que eu via eram árvores e arbustos densos ao nosso redor.
— Tem certeza? — Yanami abriu a janela e enfiou a cabeça para fora.
— Tem uma placa ali sobre correntes pra pneu?
Yakishio podia ser muitas coisas, mas certamente não era uma eremita. Nós três olhamos para nossa guia.
— Eu-eu… esse é o endereço que me passaram — Tsukinoki mexeu no GPS, claramente nervosa. — De-deveria ser aqui.
— Deveríamos ligar para a mãe dela? — sugeri.
— Eu não tenho o número dela. Meu amigo do atletismo deve ter.
Ela ligou. Sem resposta. Deixou uma mensagem e desabou no banco.
— Acho que agora só nos resta esperar. Alguém quer ir a algum lugar enquanto isso?
A mão de Yanami se ergueu num instante.
— Sim! Tem um lugar superestiloso aqui perto! Podemos ir até lá?
— Claro. Onde fica?
Yanami analisou o mapa no celular.
— Uhhh, um pouco ao norte daqui. Siga a estrada e pegue a saída depois da placa à esquerda.
— Partiu!
Os pneus chiaram no asfalto, e a aceleração nos jogou para trás nos assentos. Komari soltou um gritinho.
Seguindo as direções de Yanami, chegamos em três minutos. Tsukinoki diminuiu a velocidade e estacionou no acostamento.
— Parece ser aqui.
Ao lado da estrada, uma trilha estreita descia em direção a um rio próximo. O carro mal passaria ali.
— Sem estacionamento. Vou ficar aqui. Vocês vão dar uma olhada.
— Tem certeza? — perguntei.
— Estou esperando aquela ligação de volta de qualquer forma. E preciso ligar para o Shintarou também.
— O presidente?
— Eu, ah, talvez tenha meio que faltado a uma sessão de estudos pra isso. Preciso inventar umas boas desculpas.
Ela ia precisar de total concentração para isso. O namorado dela era bem rígido.
O restante de nós seguiu pelo caminho até o leito do rio. O rio corria perpendicular à estrada, rápido, mas relativamente raso, e parecia ter no máximo uns dez metros de largura. No seu ponto mais estreito, uma pequena ponte de concreto ligava nosso lado ao oposto. Na verdade, era tão pequena que nem tinha corrimão de segurança. Chamar aquilo de ponte talvez fosse exagero.
Yanami empurrou o celular na minha direção.
— É essa! Essa é a ponte! Eu vou subir lá em cima, você me fotografa daqui de baixo e tenta não se afogar. Vai bombar!
— Você vai perder o celular, se isso muda sua opinião.
— Nah, ele tem seguro.
Eu também tinha, tecnicamente. Yanami correu até a ponte, abriu um sorrisão e fez sinal de paz com as duas mãos.
— Tira a foto!
Felizmente, consegui um bom ângulo do leito do rio e fui poupado de um destino aquático. Se eu posicionasse a câmera de um jeito que seus pés ficassem fora do quadro, parecia que ela estava em pé dentro do rio. Até que ficou uma foto boa.
— Ei, Komari, você podia subir lá também.
Olhei ao redor procurando por ela. Komari estava espiando em uma fenda entre duas pedras.
— O que você tá fazendo?
— Eu-eu vi um caranguejo.
Agora eu estava interessado. Abaixei ao lado dela.
— Onde? Aqui dentro?
— N-Não fala tanto. Vo-você vai assustá-lo.
Sábia. Fiquei quieto e forcei os olhos. Algo se mexeu lá no fundo. A caçada estava aberta.
Ouvi um estalo. Caranguejos não deveriam fazer snip? Desta vez, foquei os ouvidos e ouvi o som perto dos meus pés. Virei-me. Yanami girou o braço, e meio segundo depois, uma pedra grande voou na minha direção vinda da ponte.
— Ei! — gritei. — Você não pode sair jogando pedras nas pessoas!
— Até quando eu tenho que ficar posando, cara?! Eu tô parecendo uma idiota aqui!
Total transparência: eu tinha esquecido completamente dela. Essa perdedora tinha todo o direito de atirar suas pedras.
— Tá bom, foi mal — admiti. — Eu me distraí com o caranguejo.
— Você tava no meio do meu ensaio. E me largou. Por causa de um caranguejo. Esse caranguejo tem que ser o mais incrível do mundo inteiro.
Era isso que eu estava tentando descobrir. As pinças eram bem legais, ela tinha que admitir. Para evitar ser apedrejado, fiz as pazes com Yanami e tirei sua foto.
— Conseguiu? Como eu fiquei? — perguntou. — Melhor do que o caranguejo?
— Muito melhor. O caranguejo tá morrendo de inveja.
— Tenta parecer menos interessado, por favor. Ei, Komari, quer tirar uma comigo?
Komari engasgou com a atenção repentina.
— Eu-eu… tô olhando o caranguejo.
— De novo com esse caranguejo — suspirou Yanami. — Qual é a desse bicho? Você quer comer ele ou algo assim?
As pessoas sentiam coisas além da fome, ao contrário do que Yanami parecia acreditar.
— Ei, anima aí — falei. — Que tal gravarmos um vídeo ou algo assim?
— Um vídeo! Boa ideia. Bom ter você de volta, Nukumizu.
Quando foi que eu saí? O que foi que eu deixei para trás? Esses mistérios me assustavam. Deixei a câmera gravando enquanto me desligava e observava o ambiente. A avó da Yakishio tinha que estar por perto. Fiquei imaginando como seria uma Yakishio de duas gerações atrás. Foi então que percebi que Yanami não estava se mexendo.
— Esse vídeo vai ser bem chato — comentei.
Ela começou a mexer no cabelo.
— Tá, mas eu nem sei o que fazer. Pensei em cantar, mas não lembro a letra de nada.
— Canções infantis são músicas. Canta "O Pequeno Elefante".
— Isso parece meio triste. Você tem certeza?
Eu não tinha. No fim, Yanami apenas ficou balançando as mãos. Chamar de chato talvez fosse um elogio. No meio da gravação, uma figura entrou no quadro. Cabelo curto, membros longos e pele bronzeada. Eu quase não acreditei. Quase gritei, se ela não tivesse piscado e colocado um dedo nos lábios, sinalizando para eu ficar quieto.
Yakishio se aproximou sorrateiramente de Yanami, que notou minha expressão de boca aberta e inclinou a cabeça para o lado.
— O que foi agora? Um caranguejo-rei dessa vez? Um caranguejo-das-neves?
Yakishio chegou bem atrás dela e abriu os braços.
— Um pouco mais raro do que isso — respondi.
— Espera, sério?! É um caranguejo-peludo?
Yanami se abaixou e começou a vasculhar pelo crustáceo inexistente exatamente quando Yakishio a agarrou por trás.
A física aconteceu.
— Ih… — foi tudo que consegui dizer.
Yanami puxou Yakishio para baixo, e Yakishio empurrou Yanami junto com ela — direto para o rio. Gritos ecoaram. Decidi que não era culpa minha. Era da gravidade. Havia até vídeo provando que não era minha culpa. Parei a gravação e fui ajudar. Se isso fosse uma luta de judô, fiquei me perguntando o quão legal seria aquele golpe.
◇
Deixei que o sofá cabriole me envolvesse e que o teto alto e abobadado preenchesse todo o meu campo de visão. Graças às direções de uma Yakishio encharcada, conseguimos chegar à casa de sua avó. Era a última casa em uma pequena comunidade. Surpreendentemente, para uma moradora mais velha, era no estilo ocidental e tinha dois andares. Pelo que parece, havia sido colocada à venda como casa de veraneio antes de a família de Yakishio reformá-la para si.
A avó dela morava sozinha, já que seu marido trabalhava no exterior. No momento, porém, ela havia saído para fazer compras. Além da sacada no segundo andar, dava para ver vários quartos ao longo do corredor. O cômodo onde estávamos era mobiliado de forma modesta, embora os livros ingleses sofisticados que lotavam as prateleiras denunciassem um estilo de vida bem diferente.
Yanami e Yakishio estavam no banho. Komari estava sendo devorada pelo sofá. Tsukinoki, por sua vez, não demonstrava a menor intenção de sair da cadeira de massagem.
Fui até ela.
— Ei, podemos conversar?
— Sobre o quê, jovem? — ela murmurou. — Como pode ver, estou cuidando das minhas dores e feridas. Ahhh, é esse o ponto certo. Dá até para sentir meus ossos voltando ao lugar.
Pelo menos um de nós estava no paraíso. Olhei na direção do banheiro. Nenhum sinal de Yanami ou Yakishio.
— Fico muito feliz pelos seus ossos, mas qual é o plano agora?
— Plano? Que plano? Nossa querida Yakishio está de bom humor. Isso é tudo que importa. — A Senpai voltou a gemer de satisfação.
— Isso é o que me preocupa. Se ela estivesse obviamente arrasada, teríamos alguma base para agir, mas como vamos tocar no assunto se ela nem ao menos reconhece o problema?
Yakishio não demonstrou um único momento de fraqueza desde sua entrada desastrada digna de um show de comédia. Eu a conhecia bem o suficiente para saber que essa era sua forma de lidar com a situação.
— Você é rápido para tirar conclusões e também para tentar resolver tudo de imediato — disse a Senpai. — Acalme-se um pouco.
— Eu... Certo.
— Fingir que está bem faz parte de ficar bem às vezes. Relaxe. Apenas esteja ao lado dela.
A cadeira de massagem deu um suspiro e parou de vibrar. Tsukinoki se levantou e sacudiu uma Komari sonolenta.
— Sua vez, Komari.
Ela se sobressaltou.
— Hã?! M-Mas eu não... preciso de uma massagem.
— Às vezes, a gente só descobre o que precisa depois de experimentar. Venha cá.
A Senpai a puxou e a colocou na cadeira à força, fazendo com que ela soltasse um gritinho surpreendentemente feminino. Se ao menos ela fosse tão fofa o tempo todo...
— Ah, vejo que encontraram minha melhor amiga. — Yakishio apareceu, secando o cabelo com uma toalha. O visual de regata e shorts parecia feito para ela. — Uso essa belezinha praticamente todo dia.
— Não se machucou nem nada, né? — perguntei.
— Estou bem, seu preocupado. Não esperava sair rolando daquele jeito, mas a culpa foi da Yana, que é surpreendentemente pes—
— Surpreendentemente o quê?! — Yanami gritou do vestiário. — Você disse alguma coisa, Lemon?!
— Não! Nem terminei a frase!
— Mas começou, sua...! Ah, quer saber? Esquece. Só vem logo! E seja discreta!
— Esqueci de alguma coisa?
Normalmente, ser discreta não envolvia gritar pela casa inteira. Yakishio foi até lá, fez o que precisava fazer e depois voltou correndo para pegar a bolsa de Yanami.
— Ela tá bem? — perguntei. — Se machucou?
Yakishio acenou displicentemente.
— Nah, nah, ela só teve um pouco de dificuldade para caber em algumas das mi—
— Eu disse para ser discreta, Lemon!
— Foi mal! Esqueci! Mas só falei para o Nukkun.
— Ah, tá.
Bom saber minha posição na hierarquia. Já estava começando a achar que tinha imaginado todo aquele drama de quatro dias atrás. Ninguém tocava no assunto. Os relacionamentos seguiam normalmente. Eu só queria conseguir fazer o mesmo. Me rendi ao sofá. Yakishio logo se juntou a mim. Senti o cheiro de sabonete e um leve toque cítrico.
— Então, o que vocês estavam fazendo lá? — ela perguntou.
— Só passando o tempo — menti. — Não esperava que você fosse aparecer, isso é certo.
— Aparecer? Como se eu fosse algum tipo de criatura lendária?
Rimos um pouco. Depois, silêncio.
— Você conversou com a minha mãe, não conversou?
— Hã? Eu...
— Obrigada. Por se preocupar, quero dizer.
Ela se levantou antes que eu pudesse ler sua expressão. A porta da frente se abriu com um clique, e uma mulher mais velha entrou.
— Cheguei, Lemon. Temos visitas?
Tirando os fios grisalhos no cabelo, seria difícil dizer que ela já passava dos sessenta. As rugas em seu rosto pareciam posicionadas estrategicamente para realçar suas feições, em vez de revelar sua idade. Sem dúvidas, tinha sido uma mulher belíssima na juventude. Não era preciso ser um grande detetive para adivinhar quem ela era.
— Oi, vovó! — Yakishio correu para ajudá-la com as sacolas. — Uns amigos da escola estavam por perto, e acabamos nos molhando, então eu trouxe eles pra dentro.
— Brincando no rio de novo, é? Espero que não tenha jogado ninguém na água.
— Não, dessa vez foi sem querer.
Sua avó ia dizer algo quando Tsukinoki apareceu.
— Me desculpe pela invasão. Somos do clube de literatura junto com a Lemon.
— Sejam bem-vindos — disse a avó. — Espero que ninguém tenha se machucado por causa da minha neta.
A Senpai apertou a mão dela.
— Não. A outra está apenas usando seu banheiro. Agradecemos muito a hospitalidade da Lemon.
— Ah, que bom. É um alívio saber que ela não arrastou ninguém pelos cabelos.
Ela lançou um olhar para a neta, que apenas deu de ombros e mostrou a língua.
— Lemon-chaaaan, cadê o sorvete? Você disse que tinha sorvete!
Yanami saiu do banheiro, uma toalha no pescoço e as bochechas coradas. No instante em que viu a nova presença na sala, se enrijeceu.
— O-O-Olá! Muito obrigada por nos receber! Eu sou colega da Lemon, ahm...
— Seja bem-vinda você também — disse a avó. — Peço desculpas pelas travessuras da minha neta. Lemon, já serviu chá para eles?
— Tô indo! E também vou pegar um pouco de sorvete.
As Yakishio desapareceram na cozinha. Quem diria que duas gerações antes, a família de Yakishio era surpreendentemente normal? Yanami sentou-se ao meu lado. Ela e Yakishio deviam usar o mesmo xampu e produtos, mas de algum jeito, Yanami tinha um cheiro mais doce.
— Lemon me contou no banho que a avó dela era professora universitária.
Ou seja, Yakishio vinha de uma família de intelectuais. Pensei sobre isso.
— Como...?
— Sei lá.
As Yakishio voltaram com uma bandeja cheia de chá e sorvete.
— Sintam-se em casa — disse a avó. — E fiquem para o jantar também.
Íamos ficar tanto tempo assim? Ela bateu palmas.
— Sabe de uma coisa? Devíamos comer sushi. Alguém tem alguma restrição alimentar?
— Ah, não precisa, a gente pode— mgh!
No meio da frase, um travesseiro veio direto no meu rosto.
— Eu quero tudo, senhora! — Yanami comemorou, pressionando ainda mais.
— Y-Yanami! — grunhi. — N-Não consigo… respirar!
— Ei, que tal calar a boca?
Agora eu podia afirmar com precisão que fui sufocado por uma garota. Definitivamente, dava para transformar isso em algo impressionante.
◇
A noite caía mais rápido nas montanhas. Principalmente por causa das próprias montanhas, já que havia colinas para o sol se esconder atrás.
Eu estava sentado à mesa, olhando para o céu escurecendo através da claraboia no teto. A lua já brilhava, mas as estrelas não estavam menos luminosas por isso.
— É melhor comer antes que acabe — disse Yanami, quebrando meu devaneio. Ela engoliu um nigiri de enguia, levou a mão à bochecha e fez um pequeno balanço com o corpo. — Derrete na boca! Posso pegar o gengibre?
Ela puxou todo o monte sem esperar resposta e, sem hesitar, devorou metade de uma vez.
— O que aconteceu com sua fase sem carboidratos? — perguntei. — Isso é muito arroz.
— Só estou beliscando menos. Beleza é equilíbrio, Nukumizu. Carboidratos e gorduras têm seu papel no processo, e você não pode… Espera, você não come seu sushi inteiro?
Fingi não me importar e terminei a outra metade do meu tamago nigiri. Quem ela achava que era, a polícia do sushi?
— Mastigar tudo de uma vez cansa. Eu gosto de saborear, obrigado.
Yanami parecia genuinamente perplexa.
— Você consegue… se cansar de comer?
Exasperado, coloquei um prato de inari e maki na frente dela.
— Olha esses rolos. Viu o tamanho deles? Tenta comer um desses de uma vez. Eu te desafio.
— Oooh, posso?
Ela fez exatamente isso. Num instante, um dos makis extragrandes desapareceu. Eu nem fiquei com raiva. Apenas impressionado. E ela engoliu em tempo recorde.
— Sabe de uma coisa? Talvez seja só um problema de habilidade.
— Não faço ideia do que isso quer dizer, mas boa sorte com isso. Ah, posso pegar outro hamachi?
Lá se foi outro hamachi. Comecei a notar uma correlação negativa entre a quantidade de sushi nos pratos e a proximidade de Yanami.
— É melhor você comer também, Komari — falei. — O sushi está voando.
Ela estava travando uma batalha silenciosa com um rolo de ikura.
— Eu-eu… nunca comi caviar antes. Estou m-meio assustada de experimentar.
As primeiras vezes eram importantes. Deixei ela lidar com isso.
Enquanto tomava um pouco de missoshiru vermelho, observei os outros. Tsukinoki parecia ter se dado muito bem com a avó da Yakishio. Elas estavam presas em uma conversa longa sobre culinária, embora eu tenha escolhido ignorar as referências ocasionais a treinamento de esposa vindas da Senpai.
Ela não estava realmente apostando em abrir um espaço na cozinha do Presidente… estava?
Yakishio encheu o prato de Komari com as peças mais sofisticadas que conseguiu encontrar.
— Coma bastante, Komari.
— U-Uni? E isso é um c-cogumelo?
— É abalone. É bom. Bem macio.
— Nunca comi nenhum desses antes.
Ah, verão. A estação das primeiras experiências para muitos jovens.
Depois de comer seis peças de sushi e um inarizushi, eu já estava satisfeito. Enquanto deixava a comida assentar com um chawanmushi cremoso, dei uma espiada em Yakishio. Nunca falamos sobre o óbvio, e certamente não poderíamos na frente da avó dela.
Yakishio colocou sua tigela de missoshiru vermelho sobre a mesa e percebeu que eu estava olhando.
— Tem algo no meu rosto ou o quê, Nukkun?
— Ah, hum, só queria saber quando você pretende voltar.
— Ainda não sei ao certo. Acho que vou ficar até o dia antes do início das aulas, pelo menos. — Ela tampou a tigela, abrindo um sorriso. — E eu não vou faltar, só pra deixar claro.
Melhor do que nada, suponho. Terminei meu chawanmushi e agradeci à avó dela pela refeição.
Yakishio parecia bem. Estava comendo bem. Graças a Deus ela não estava na mesma turma do Ayano ou da Asagumo. Talvez fosse seguro esperar que as coisas voltassem ao normal com o tempo. Não precisava haver um fim, nem qualquer tipo de resolução necessariamente. A vida não era tão organizada e bonitinha como um videogame ou um romance.
Às vezes, simplesmente tínhamos que viver sem saber exatamente o que aquele algo era. Sem um desfecho. Para pegar emprestadas as palavras de Yanami, talvez aparecer — talvez se importar — já fosse suficiente às vezes. Pelo menos, teria que ser por enquanto.
◇
O céu estava escuro, e a travessa que eu havia colocado diante de Yanami agora estava vazia. Komari estava no meio de um momento de mudança de vida depois de experimentar uni pela primeira vez. A conversa de Tsukinoki com a vovó Yakishio continuava tão animada quanto antes.
— Você nunca se sente solitária morando tão longe assim? — perguntou a primeira para a segunda.
— Hoje em dia, com a internet, você nunca está realmente sozinha. E minha neta me faz companhia de vez em quando.
Ela estendeu a mão e deu um afago na cabeça de Yakishio, que sorriu timidamente. Aproveitei uma pausa na conversa e perguntei a Tsukinoki.
— Já está ficando tarde. Você acha que vai conseguir dirigir?
— Se eu trouxe a gente até aqui, posso levar de volta. Nossa, você nunca para de se preocupar.
Ela sorriu enquanto levava o chá aos lábios. Depois do trauma desta tarde, ela não podia me culpar por isso. Não que eu tivesse muita escolha. Bebi meu chá com uma seriedade fúnebre.
— Ei! — exclamou Yakishio. — Vocês deviam passar a noite aqui! Temos espaço de sobra!
Ninguém disse nada por um instante, então eu respondi.
— A oferta é boa, mas ninguém trouxe nada.
Mas então me deu um estalo. Vasculhei o passado, revirei os anais da minha memória, escavei imagens antigas. Yanami havia trocado de roupa depois do incidente no rio. Todo mundo trouxe bolsas.
Todo mundo, menos eu. Olhei para Tsukinoki.
— Vamos passar a noite aqui, não vamos?
— Sempre foi uma possibilidade. Foi por isso que eu disse para trazerem roupas. — Ela piscou, seu cérebro processando. — Espera, eu esqueci de te avisar disso?
Na verdade, sim. Por quê, Deus? Por que ela era assim?
— Eu literalmente não trouxe nada — disse eu. — E, de qualquer forma, não podemos incomodar. Seria falta de educação.
Ninguém pode simplesmente hospedar quatro pessoas de surpresa. A vovó Yakishio devia estar se sentindo bem desconfortável.
— Que ideia maravilhosa! — ela comemorou, nada desconfortável. — Adoraríamos recebê-los!
Pensando bem, a mãe da Yakishio sabia que estaríamos vindo. Não era difícil imaginar que sua avó também soubesse e tivesse se preparado. Levantei a mão devagar.
— Eu… hum… não trouxe nada para passar a noite.
— Pode deixar isso com a vovó! — Ela me deu um sinal de positivo que deveria ser tranquilizador.
Yakishio fez o mesmo. Assim como Yanami. E Tsukinoki também. Komari hesitou um pouco antes de entender e, no fim, sucumbiu à mesma loucura. Como dizem por aí: se não pode com eles, junte-se a eles.
◇
A avó de Yakishio me levou até um dos quartos no andar de cima, onde prateleiras iam até o teto. Seu conteúdo consistia principalmente em livros de engenharia, e muitos deles estavam em japonês desta vez.
— Desculpe a bagunça — disse ela. — Meu marido está no exterior, então ele não vai se importar que você fique aqui esta noite. — Ela me entregou um pijama dobrado e uma cueca limpa. — Vou pegar uma escova de dentes para você também. Precisa de mais alguma coisa?
— N-Não. Está ótimo. Obrigado.
Era um tipo único de desconforto. O tipo que só se sente com estranhos excepcionalmente gentis. Como se pudesse ler meus pensamentos, ela abaixou a cabeça.
— Sinto muito se tudo isso pareceu meio repentino.
— Hã? Ah, não, está tudo bem. Não precisa se desculpar.
— Vocês vieram por causa da Lemon, não foi?
— Eu… Sim — confessei. — Basicamente, sim, senhora.
— Queria saber o que está incomodando ela, mas entendo que há coisas que simplesmente não se compartilham com a família. Então, fico feliz que ela tenha vocês quatro. — Ela me olhou com gentileza, como se olhasse para uma criança pequena. — Você não é bem como imaginei, mas estou torcendo por você. A vovó está do seu lado, Nukumizu.
— Obrigado? — Fiquei lisonjeado? — Então ela já falou de mim.
— Ah, ouço falar de você há um bom tempo. Mas não achei que nos conheceríamos tão cedo.
Há um bom tempo? Isso não fazia sentido.
— Espere, só para esclarecer, eu não sou namorado dela nem nada. Nos conhecemos há poucos meses.
— Oh. Sério?
Assenti.
— Acho que a senhora está me confundindo com outra pessoa. Mas tenho uma ideia de quem seja. — Escolhi minhas próximas palavras com muito cuidado. — Ele… pode ou não ser o motivo de ela ter vindo para cá.
A avó de Yakishio escolheu as dela com o mesmo cuidado.
— E esse garoto também não é namorado dela?
Balancei a cabeça. O silêncio dizia coisas que eu não podia dizer.
— Entendi. E obrigada. Ainda mais por isso.
— Quero dizer, para ser justo, nós não somos, hum, totalmente irrelevantes no que aconteceu.
Pessoalmente, metade de mim queria debater isso, mas a outra metade sabia que seria uma discussão perdida.
— Bem, devo retirar o que disse, então?
Fiquei boquiaberto de confusão. Ela me encarou com os olhos, mas para quê exatamente?
— Sei que sou suspeita, mas realmente acho que ela é uma jovem muito atraente.
— Hã. Bem, sim — concordei. — Ela é popular na escola.
A vovó piscou de um jeito assustadoramente parecido com a própria Yakishio.
— Melhor agir rápido, então.
— Desculpe? Não entendi.
Ela abriu a porta, um sorriso sutil nos lábios.
— Como eu disse. Sinta-se em casa.
◇
O jantar terminou com Yanami como a campeã indiscutível da noite. Todos estavam exaustos, e ninguém perdeu tempo para se preparar e ir direto para a cama assim que a mesa foi limpa. A última a se arrastar foi Yanami, que havia desabado no sofá num coma alimentar por um bom tempo. Por fim, a sala voltou à calmaria.
— Não sabia nem que ela conseguia ficar cheia.
Aquilo me lembrou daquele tipo de gap moe que aparece quando uma personagem normalmente forte e determinada mostra alguma fraqueza. Se é que dá pra chamar coma alimentar de moe. Teria que consultar os especialistas nisso.
(N/SLAG: Fala, leigada; gap moe, um termo amplo que descreve qualquer personagem cuja aparência, comportamento, interesses e/ou estilo de vida contrastam com a impressão inicial que eles causam. Tsunderes são, de fato, parte do guarda-chuva maior do gap moe, mas o termo pode assumir outras formas também.)
Caí na cama, cansado demais até pra tentar organizar os pensamentos que zuniam na minha cabeça. Felizmente, o sono veio quase que imediatamente.
◇
Algum tempo depois — não sei quanto —, despertei. Pisquei pro relógio e forcei os olhos no escuro pra tentar enxergar que já passava da meia-noite. A sensação de algodão na boca me convenceu a levantar e descer as escadas em busca de algo para beber. Fiquei extremamente grato, naquele momento, por já ter recebido permissão para pegar o que quisesse da geladeira.
Peguei uma água com gás e já estava prestes a subir de novo quando notei alguém sentado na sala escura.
— Yanami?
— Ah, oi. — Tão animada como sempre, mesmo no meio da madrugada. Presumi que o sushi já tinha sido digerido.
— Ainda acordado?
Depois de hesitar um pouco, resolvi sentar no sofá, de frente pra ela.
— Bateu a sede. A Yakishio já dormiu? — As garotas estavam todas dividindo o mesmo quarto.
— Disse que ia dar uma corrida.
— A essa hora? — Comecei a me levantar, mas rapidamente pensei melhor. Eu nem conhecia a área. Péssima ideia sair por aí, a não ser que eu quisesse me perder. Abri a tampa da garrafa.
— É, eu também fiquei meio inquieta. — Yanami esticou os braços pra cima, se espreguiçando.
Esperei pra ver se mais alguém estava acordado e escutando, então perguntei.
— Vocês chegaram a conversar?
— Sobre o elefante na sala? — Assenti com a cabeça. Ela balançou a dela em negação.
— Imaginei. É difícil de puxar esse assunto, né?
— Acho que é uma parte disso. Mas também… sinto que, se a gente conversasse, eu acabaria dizendo algo de que me arrependeria.
Esperei que ela continuasse.
— O motivo pelo qual eu me meti nisso tudo foi porque queria que a Lemon tivesse alguém do lado dela. Só que… como posso explicar...? — Ela encarou o teto, pensativa. — Sei lá. Só sinto que todo mundo pisou na bola nessa história.
— Como assim?
Yanami franziu a testa.
— Os sentimentos da Asagumo são válidos, não me entenda mal. Eu entendo sentir insegurança, ainda mais num relacionamento novo, e do jeito que o Ayano e a Lemon ficavam juntos… tudo aquilo. Você vê a pessoa fazendo coisas e mostrando lados que você nunca conheceu, e é tipo... — Ela se mexia inquieta, mexendo nos próprios dedos. — Mas, ao mesmo tempo, é isso. Esse é o relacionamento deles. Eles têm a história, as memórias compartilhadas, e ela sabia disso desde o início. Se estava desconfortável, deveria ter falado com ele, simples assim. Em vez disso, ela começou a fazer joguinhos e colocou os dois no banco dos réus, e eu só não acho que isso seja justo.
Yanami fez uma pausa e respirou fundo. Fechou os olhos.
— Falando por mim, eu apostaria que a Karen passou pela mesma coisa. Provavelmente não conseguia evitar de me ver, de vez em quando, quando olhava pro Sousuke.
Pensei sobre aquilo.
— Yanami, você estava stalkeando—
— Eu quis dizer no sentido figurado! — Ela suspirou. — Você nunca aprende, sério. Enfim, o que quero dizer é que ela tem que lidar com a tia tratando ela diferente, ou com o fato de que ele já está acostumado com coisas femininas que a maioria dos caras não estaria. Não é difícil ligar os pontos e perceber que eu sou a razão disso tudo. E tipo, basta uma coisinha fora do lugar no quarto dele pra sua mente começar a correr, e ele com certeza tem mais de uma. Tem tanta coisa que eu dei pra ele ou que compramos juntos.
Supondo, é claro, que ele não tenha se livrado de tudo isso. Yanami franziu o rosto.
— A menos que eles já tenham passado dessa fase — disse, mais para si mesma do que pra mim. — Já passaram? Quer dizer, como não teriam passado? Deus, já tá tarde demais pra isso...
E assim começou o espiral. Eu precisava interromper aquilo agora.
— Ei, quer que eu pegue uns cubos de açúcar pra você ou algo assim?
Sem resposta. Yanami estava ocupada demais recitando números primos para si mesma.
— Uh... eu devia estar preocupado?
Ela bateu nos joelhos.
— Novo recorde! Tô bem. — Um raio de esperança nessa hora sombria. — Onde eu tava mesmo? Ah, é. Então, a Karen não julga o Sousuke, e ela tenta manter uma... bem, tenta manter uma distância saudável entre nós, mas pra ser justa, aquelas vezes foram ela tentando ser legal. O ponto é que ela nunca faria o que a Asagumo fez.
— Mas parte disso também é culpa do namorado — interrompi.
Nem tinha exatamente um ponto a fazer. Era só... algo no jeito que ela estava desabafando me deixava estranho. Não sabia explicar.
— Tá bom, acho que sim — resmungou Yanami, fazendo beicinho, seu raciocínio completamente interrompido. — O Ayano não é uma má pessoa. Não tô dizendo isso. Só tô dizendo que ser lerdo não é desculpa pra fazer besteira. Não dá pra culpar a Asagumo por sentir que tava contra a parede.
— Mas ela—
Levantei a mão.
— Vamos parar de falar sobre isso.
Yanami franziu a testa.
— Que que deu em você?
— Sei lá... só não gosto de ouvir você sendo tão dura com alguém, acho. Sei lá. — O que é que eu tava falando? Já tava quase morrendo de vergonha de mim mesmo. — Foi mal. Isso foi esquisito. O que eu quis dizer é que você pode deixar o ódio comigo.
— Entendido! — Ela se levantou num pulo. — Mas só mais uma coisa. A Lemon é péssima em ser sutil! Esse foi o jeito mais idiota disso vir à tona, ela devia ter falado isso há um ano!
Logo ela pra falar, né? E ela continuou falando. Então tanto fazia "só mais uma coisa".
— Se a Asagumo e o Ayano realmente se amam, deviam ter se comunicado melhor! Isso é a coisa mais estúpida de todas, e esses três precisam dar um jeito na vida!
Ela soltou o ar como uma máquina soltando vapor.
— Pronto, terminei. De volta à doce e adorável Yanami.
— B-Bem-vinda de volta.
Tirando o jeito como ela falou, ela tinha razão. Ayano e Asagumo realmente não se comunicaram como deveriam. Yakishio pode até ter se precipitado, mas o casal apaixonado deixou acontecer.
— Mesmo assim, eu sou amiga da Lemon. E se a gente conversar, eu já sei o que vou dizer — declarou a doce e adorável Yanami.
— O quê? — Yanami fez uma expressão que me deixou sem palavras. Um rosto que eu jamais imaginei que ela conseguiria fazer.
— Eu diria pra ela seguir em frente. — Eu não conseguia desviar o olhar. Mesmo no escuro, aquilo me cegava. — Eu diria que se a Asagumo tá disposta a simplesmente desistir, então a Lemon não tem motivo pra não lutar pelo que quer.
— Mas você sabe que—
— Ela nunca faria isso. Eu sei. E por mais idiota que pareça, é a coisa certa a se fazer.
Ela afundou de volta no sofá, voltando ao seu jeito animado de sempre. Bebi um pouco de água pra preencher o silêncio. Momentos assim me faziam lembrar que vivíamos em mundos completamente diferentes.
Yanami perdeu, sim, mas também amou. Ela entendia as pessoas, e não tinha medo de falar o que pensava ou de ser ela mesma na frente dos outros. Às vezes, pra ser completamente honesto, eu me sentia pequeno ao lado dela.
Infantil. Imaturo.
— Vou dar uma volta — falei.
— A essa hora?
— A lua tá bonita hoje. Não vou demorar.
As coisas estavam clareando pra mim de um jeito que eu queria que tivessem clareado antes, quando realmente importava. Pensei na Yakishio, em como ela parecia triste ao subir naquele ônibus, e em como, naquele momento, eu congelei.
Yanami me olhou em silêncio por um tempo, então disse suavemente.
— Tem um santuário que passamos no caminho pra cá. Fica perto.
— E daí?
— Ouvi dizer que é onde a Lemon vai quando quer pensar. — Yanami esfregou os olhos, sonolenta.
— Não disse que ia procurar por ela.
— Não? Então eu vou. — Aquele sorrisinho convencido que eu odiava apareceu nos lábios dela. — E vou transformar ela numa hater também.
— Dá pra, por favor, não fazer isso?
Uma já era mais do que suficiente. Resignado, me levantei.
◇
O cascalho rangia sob meus pés. Puxei uma das mangas da minha camisa. Já havia trocado de volta para as roupas com que cheguei. Precisavam de uma lavada, mas pijamas não combinavam com conversas sérias.
— Tomara que ela esteja lá.
As ruas não tinham postes de luz, então, ao entrar na sombra de uma entre milhões de árvores, onde a luz da lua não alcançava, mal conseguia ver os próprios pés.
Eventualmente, meus pés tocaram o asfalto. Abri o mapa no celular, bem ciente da pouca bateria restante. O santuário estava logo à frente. Saí da estrada em direção a ele, e tudo se abriu.
Ciprestes imponentes sombreavam os terrenos do santuário. Uma nuvem passou em frente à lua, lançando tudo numa escuridão ainda mais densa. Fiquei completamente imóvel. Algo caiu no chão. Virei rapidamente em direção ao som.
Nada.
Esperei. Ainda nada. A nuvem se afastou, e a luz da lua voltou a passar entre os ciprestes, revelando uma figura solitária. Algo atingiu o chão novamente. Yakishio disparou, os pés raspando na terra. Ela parou quase imediatamente. Passou as mãos pelo cabelo, ajeitando-o para trás. O suor escorria dela e cintilava sob a luz da lua.
A palavra linda me veio à mente — e permaneceu ali.
Yakishio voltou para sua posição inicial e correu de novo, parando após apenas alguns passos. Repetiu isso mais algumas vezes, e eu continuei observando. Quando finalmente me viu, eu já tinha perdido a conta. Foram momentos surreais. Como se eu estivesse olhando para uma pintura — e ela estivesse olhando de volta para mim.
— Ah. Nukkun — disse ela, casualmente jogando o cabelo para trás. — Que coincidência te encontrar aqui.
— Ouvi dizer que você saiu pra correr e não consegui resistir.
— Na verdade, sua ajuda cairia bem. Tô treinando minha largada. Me cronometra? — Ela me jogou um cronômetro. Precisei segurá-lo em alguns malabarismos antes de conseguir firmar na mão. — Começa quando eu começar e para quando eu passar daquela árvore, beleza?
— Beleza.
Eram, no máximo, cinco metros. Ela disparou e parou. Passou tão rápido assim. Repetimos isso algumas vezes.
— E aí, como foi?
— Hã... um segundo exato — respondi.
— Você falou isso da última vez. Sabe que tem que apertar o botão pra funcionar, né?
— Eu sei como funciona um cronômetro. A maioria das pessoas normais não consegue cronometrar no milissegundo.
— Então tenta mais. — Yakishio sorriu pra mim antes de puxar a camisa para limpar o rosto. Não se importou nem um pouco com a barriga aparecendo. — Tô me sentindo meio esgotada, pra falar a verdade. Hora do descanso?
— Não sabia que você cansava.
— Ei, também sou humana, tá? Você sabe disso, né?
Primeiro uma Yanami completa, agora uma Yakishio cansada. As últimas vinte e quatro horas tinham sido cheias de surpresas. Yakishio se esgueirou entre as árvores, indo em direção ao santuário principal do templo.
— Bem deserto — comentou. — Nunca vim aqui tão tarde.
Passou por dois portões torii e então se virou, acenando para mim. A segui, não muito certo de que não acabaria sendo isekaiado ao atravessar para o outro lado.
Ela se sentou num banco e bateu com a mão no espaço ao lado. Obedeci, sentando do outro lado.
— Vou arriscar e presumir que você veio aqui pra... Ei, o que você tá fazendo aí tão longe?
— Eu, ah…
Yakishio se arrastou até o meu lado.
— Não precisa me abraçar nem nada. Só que... essa distância machuca um pouquinho, sabe? — Me desculpei, por mais que não adiantasse muito.
— Relaxa. Então, veio pra conversar, né?
— Surpresa — respondi, meio sem graça. — Eu entendo, de verdade, mas você deixou a gente bem preocupado, sumindo daquele jeito.
— Desculpa. Eu fujo quando fico nervosa. Péssimo hábito. — Ela parecia tão frágil quando levantou o olhar. — Eu realmente queria levar isso pro túmulo. Mas acabei estragando tudo, e depois não sabia mais o que fazer.
Não podia culpá-la. Mesmo que, um dia, quisesse contar tudo, aquele não era o momento nem o lugar. Eu entendia o impulso de fugir.
— Achei que, sei lá, o tempo ia dar conta — continuou. — E que as coisas iam voltar ao normal.
— Não vão.
A melhor amiga agora sabia que ela queria algo mais. As coisas iam mudar, principalmente os momentos que passavam juntas.
— Você acha que eu e o Mitsuki não podemos mais ser amigos? — Yakishio me implorava com o olhar. — Eu nunca vou me meter entre eles. Tô falando sério.
Me obriguei a não ceder à pena e balancei a cabeça.
— Você andou se encontrando com ele em segredo, Yakishio. Com a Ayano. Eu vi.
— V-Você… — Yakishio se levantou num pulo. — E-Eu não tava... não era o que parecia…
Levantei as mãos como se estivesse tentando acalmar um animal selvagem. Costumava funcionar com a Kaju.
— Tá tudo bem. Eu sei. Você só tava dando uns conselhos pra ele.
— Ah, ótimo. Então você sabe de tudo — ela desabou no banco de novo. Uma risada triste e quebrada escapou. — O gato saiu do saco. Que idiota que eu sou. — Coçou a bochecha. — A Yana?
— Sabe. A Komari provavelmente já percebeu, e a Tsukinoki com certeza sabe.
— Até a Komari, é...?
— Agora tá tudo às claras, Yakishio. É ilusão achar que as coisas vão continuar iguais.
— Eu sei. Eu sei disso.
Ela ficou de cabeça baixa por um tempo, pensando no que dizer.
— O Mitsuki não sabe direito o que ele e a Asagumo são — disse, por fim. Pegou uma pedrinha e jogou. A escuridão engoliu sem nem fazer barulho. — Primeira namorada e tal. Ele não sabe como retribuir, o que retribuir, nem como nada disso funciona, pra falar a verdade.
— Ok, mas... por que ele foi falar disso com você, em primeiro lugar? É algo íntimo. Ninguém pergunta pra uma garota como ser íntimo com ela. Além do mais, você nem queria ouvir isso, queria?
Yakishio fez um gesto com a mão, como quem afasta uma besteira.
— Ah, qual é, estamos no ensino médio. Eles estão namorando. É óbvio que vão fazer essas coisas.
Fiquei surpreso por ela ter aceitado isso tão naturalmente. Mas, de fato, ela tinha razão. Casais de ensino médio fazem o que casais de ensino médio fazem. Hakamada e Himemiya que o digam.
— Aposto que já deram as mãos, pelo menos. Logo mais, vão…
— Yakishio, você sabe que eles já se pegaram de verdade, né?
Aquilo bateu nela como um soco no estômago. Quase literal, pelo jeito que reagiu. Ela claramente não sabia.
— Eles... então eles já se beijam. Certo.
Como era possível que, mesmo a quilômetros de distância, o Ayano ainda dava um jeito de ferrar comigo? Por que justo essa parte ele fez questão de esconder?
— Bom, é... estão namorando, né? É o que casais fazem — repeti, meio sem convicção.
— Mas tão rápido assim? Não é rápido demais?
— Você acha mesmo que eu tenho resposta pra isso?
— Justo. — Todo mundo sempre esquecia com quem tava falando. — Mas é verdade. Eles estão namorando... — Ela escondeu o rosto entre os joelhos. — E é verdade. Odeio que seja verdade.
— Olha, Yakishio. Se você tentar voltar a agir como se nada tivesse acontecido, vai acabar cometendo os mesmos erros.
— Eu sei.
— Não tô dizendo que precisa parar de ser amiga dele, mas precisa entender que concessões vão ser necessárias.
— Eu sei. Eu entendi. Por isso tentei ser só amiga e ouvir o que ele tinha pra dizer. Me esforcei de verdade. Falei pra ele ser honesto, se comunicar, fazer tudo certo, igual uma boa amiga faria. Achei mesmo que tava aceitando tudo. Que tava fazendo as coisas do jeito certo. — Ela se endireitou de novo. — Mas aí comecei a me importar com a minha aparência.
Não entendi de primeira. Isso não era meio que o normal, quando se gostava de alguém?
— Não vejo nada de errado nisso.
Ela balançou a cabeça.
— Você sabe como eu fico suada depois dos treinos? Normalmente, eu nem ligava, ia direto pra casa. Mas quando comecei a me encontrar com o Mitsuki, não dava mais pra fazer isso. Também não dava pra me arrumar demais, né? Então comecei a ir pra casa antes, tomar banho, voltar e fingir que tinha vindo direto da pista. Quando não dava tempo, deixava uma muda de roupa no clube.
Yakishio fechou os olhos e sorriu, recordando. Eu conseguia sentir a alegria dela, imaginar a diversão que eles deviam ter tido juntos.
Quando abriu os olhos novamente, o sorriso já tinha sumido.
— Nunca foi pra ser mais do que aquilo. Eu só queria ouvir o que ele tinha pra dizer. Dar conselhos. Mas eu estava tão feliz ao lado dele, e eu… eu não queria que acabasse. — Seu lábio tremeu. Ela cerrou os punhos. — Teve uma vez. Uma vez em que tive um pensamento horrível.
— Que tipo de pensamento?
— Tenho vergonha até de dizer. Eu… — Sua voz saiu como um sussurro rouco. — Eu desejei… desejei que eles terminassem.
Abri a boca pra falar algo, mas acabei fechando de novo. As palavras da Yanami que eu mal reconheci vieram à mente.
"Ela não tem motivo pra não pegar o que quer."
Yakishio mordeu o lábio com força, tentando ao máximo segurar o que estava prestes a vir à tona.
— Mitsuki veio até mim pra pedir ajuda, e eu… — Ela se abraçou, como se tentasse se proteger de si mesma. — Eu sou horrível. Sou uma pessoa ruim.
A primeira lágrima caiu. As outras vieram logo em seguida.
— Eu não… eu não queria… — E então ela desabou. — Me desculpa… me desculpa.
Chorou como uma criança perdida, soluçando alto. E eu só conseguia ficar ali. Mas eu estava ali por ela. Porque não podia fazer mais nada.
Um dia, Yakishio ia esquecer o que aconteceu naquela noite — nossa conversa se tornaria apenas mais uma lembrança turva entre tantas outras. Mas eu jurei pra mim mesmo que ia lembrar. Que nunca esqueceria o que ela sentiu naquele momento.
◇
Minutos se passaram, e os soluços de Yakishio foram virando fungadas silenciosas. Ela enxugou os olhos com o dorso da mão.
— Desculpa por despejar tudo isso em você.
— Não me incomoda. Desculpa por te colocar nessa situação.
Yakishio balançou a cabeça e deu uma risadinha.
— É a segunda vez que eu fico parecendo idiota na sua frente. — Sorriu, mesmo com as lágrimas ainda presas nos olhos. — Não conta pra ninguém que eu chorei, tá?
Retribuí o sorriso.
— Claro. Depois que você ouvir uma última coisa que eu quero te dizer.
— Chantagem, é? Tudo bem. Manda ver.
Limpei a garganta.
— É sobre uma amiga minha.
— Você tem amigas?
Não tem nada a ver.
— Tenho, sim, pra sua informação. E essa amiga tá numa situação parecida com a sua. Ela tem um amigo que já tem namorada.
— Ok...
— E ela apoia completamente, não tá tentando nada, mas...
— Mas?
— Mas... se ela achasse, nem que fosse por um segundo, que teria uma chance... ela provavelmente se jogaria nele. Pelo menos, é o que eu acho.
— Ela faria o quê?! Nukkun, essa garota parece encrenca! Você anda com encrenca agora?!
Alguns diriam que sim.
— Mas a questão é que ela não quer estragar nada entre eles — esclareci. — Ela tá tentando lidar com a situação, apesar de tudo, e estabelecer limites saudáveis. Ela tá se esforçando. Fazendo o possível sem invalidar o que ainda sente pelo amigo.
— Isso é bem profundo e tal, mas você acabou de dizer que ela roubaria o namorado de alguém se pudesse.
Ela faria mesmo.
— Não sei por que você tá me contando isso.
Olhei pra cima, me perguntando isso também.
— Sei lá... digamos que você é mais doce do que pensa.
Yakishio também olhou pro céu.
— Acho que sim. Isso me faz sentir um pouco melhor.
Agradeci em silêncio à hater por ter servido de exemplo perfeito. Yakishio apoiou as mãos atrás do corpo e se inclinou pra trás.
— Me sinto sortuda por ter vocês, sabia? Pessoas que não me abandonam, mesmo quando eu piso na bola.
— É porque a gente te conhece, confia em você e, no fim das contas, se importa.
— Hã. — Ela me lançou um olhar. — Tá sendo bonzinho demais hoje. Adotou um gato ou algo assim?
— Já tá tarde. O cérebro começa a ir pra uns lugares estranhos nessas horas. Me ignora.
Já tinha passado da hora de pensar com clareza. Me peguei olhando em volta, como se esperasse ver certa "hater" que com certeza usaria aquele momento como munição.
— Que foi? — perguntou Yakishio.
— Nada. A gente devia voltar antes que a Yanami comece a se preocupar.
— Ih, é mesmo, ela tá acordada, né? Agora me senti mal.
Me levantei, batendo a poeira da calça. Yakishio começou a fazer o mesmo, mas de repente sentou de novo.
— Ei. — Ela estendeu os braços pra mim.
— O quê? Tem um inseto ou… — Pausei, então ri e estendi as mãos.
Yakishio aceitou com um sorriso e se puxou pra cima.
— Tá aprendendo.
— Tá tarde. — Comecei a andar mais rápido.
Ela logo me alcançou.
— Ei, Nukkun.
— Hm?
— Eu vou conversar com o Mitsuki e a Asagumo — disse ela. — Prometo.
— A Asagumo também?
— É. Eu tava andando com o namorado dela pelas costas. Sinto que devo um pedido de desculpas.
Pensei em contar que a Asagumo meio que já sabia disso, mas decidi deixar quieto. Quanto mais elas se entendessem com as próprias palavras, melhor.
— Acho que você deve, sim — respondi. — Quer que eu avise ela que você quer conversar? Ela tá super preocupada com você.
— Sim. Obrigada. Qualquer hora que ela tiver livre, pra mim tá bom.
Tinha esperanças de que tudo daria certo depois daquela conversa.
— Ah, tem… tem mais uma coisa que eu queria pedir sua ajuda. — Ela desviou o olhar, nervosa.
— Claro. O que você precisa?
— É que… eu tô com um pouco de medo, eu acho. De ver o Mitsuki. Posso acabar fugindo de novo se não tiver alguém do meu lado pra manter minha cabeça no lugar, então, é… — Ela agarrou minha camisa e puxou. — Eu quero que você esteja lá! Não que eu precise que você fique me mimando nem nada. É só que, ter alguém por perto tornaria tudo mais fácil. Eu, ahm… sei que não tô em posição de pedir nada, mas eu—
— Sim, claro. Tudo bem.
Yakishio ficou boquiaberta.
— Sério? Assim, de boa? Você tá tranquilo com isso?
— Não tô menosprezando a situação nem nada. Só tô tipo…
— Tá tipo o quê?
— Tipo: por que não, sabe?
— Aff. Que sem graça. Achei que você ia soltar uma frase de efeito ou algo assim.
— Olha, improvisar frase de impacto não é tão fácil assim, tá?
Ela colocou a mão na cintura e soltou um suspiro dramático.
— Esse é o seu problema, Nukkun.
Então se virou e saiu andando com toda a pose.
— Qual problema, exatamente? — resmunguei.
Yakishio se virou de repente e me lançou seu sorriso escancarado de sempre.
— Descobre aí.
E saiu apressada.
◇
Yanami recolheu seus pratos de café da manhã com os olhos semicerrados de sono.
— Ugh... Como você tá acordado a essa hora, Nukumizu?
— Eu dormi praticamente assim que voltei — respondi, passando o restinho da geleia de laranja na última fatia de torrada. A vovó da Yakishio tinha se superado com aquilo. — Noite difícil?
— Nem sei que horas eram quando finalmente consegui voltar a dormir. Tô com tanto sono que mal comi — disse ela, soltando um bocejo. Dei o benefício da dúvida e presumi que ela estava cansada demais pra lembrar de cobrir a boca. E, claro, por "mal comi", ela quis dizer pelo menos três fatias de torrada.
Yanami estava esperando por nós do lado de fora quando Yakishio e eu voltamos ontem à noite. As duas trocaram, no máximo, umas duas ou três palavras, riram um pouco, e voltaram direto pro quarto, cutucando uma à outra com brincadeiras. Tudo o que eu lembro é que estava cansado demais até pra trocar de roupa antes de cair na cama.
O que estava bem mais fresco na minha memória era a Yakishio praticamente me puxando da cama naquela manhã.
— Ei, Komari, quer mais salada? — perguntou Yakishio. — Você mal encostou na sua torrada.
— Eu-eu não como muito de manhã... É cedo demais.
Falando nela, Yakishio estava claramente animada o suficiente pra implicar com a Komari, que se esforçava pra terminar a metade restante do pão. Seu bom humor parecia mais genuíno dessa vez. Talvez fosse pretensioso da minha parte, mas gosto de pensar que nossa conversa teve algo a ver com isso.
Tomei um gole do meu chá. As trocas entre elas sempre rendiam um bom entretenimento. Então notei Yanami me encarando.
— Ei, onde você conseguiu essa camisa? — ela perguntou.
— Ah, só tô pegando emprestado. Tenho que lavar e devolver depois.
Yakishio largou a Komari por um instante e comentou.
— É minha. Fico feliz que tenha servido direitinho.
— É sua? Sério? Quer que eu tire? Eu tiro agora.
Eu tinha presumido que fosse do avô dela. Mesmo estando limpa, roupas femininas ainda eram... roupas femininas.
— Nah, não é nada demais. Tentei dar ela pra Yana ontem, mas ficou apert...
— Lemon! — cortou Yanami, irritada. Completei a frase mentalmente. — Eu literalmente te pedi pra não contar pra ninguém!
— É só o Nukumizu — disse Yakishio. — Tudo bem, né?
— Não é mais não!
Essas duas não conheciam o conceito de manhã tranquila. Terminei meu chá e juntei os pratos.
Enquanto me levantava pra levá-los de volta, minha mente foi pro tecido sobre meus ombros. Meus ombros eram mais largos que os da Yanami, então não devia ser por isso que a camisa ficou apertada nela. Só restava uma variável lógica: a região do peito.
Minha mente deslizou direto pro lado errado. Tentei recuperar a compostura pensando na Kaju. Funcionou. Nesse momento, um braço se enroscou no meu ombro.
— E aí, Romeu? — ronronou a Tsukinoki. — Se divertiu ontem à noite?
— Para de respirar no meu ouvido — falei. — E me solta.
Lá se ia minha compostura de novo.
— Pelo visto, seja lá o que você fez, deu certo. Você tem lá seus truques.
— Eu não... — ia começar a me fazer de humilde, mas me interrompi. — Nosso trabalho é só estar lá por ela. Agora, por favor, me solta.
A Senpai bagunçou meu cabelo.
— Aww, olha ele todo sem graça. Ainda tô com tudo.
— Vo-você vai atrás de qualquer uma, né, Nukumizu? — Komari me olhou como se eu fosse lixo humano. Ou seja, só um pouco mais agressiva que o normal.
— Como é que vocês não veem que eu sou a vítima aqui? Que absurdo é esse?
Esse tipo de difamação acaba com a reputação de alguém. Me afastei do caos, bem na hora em que a avó da Yakishio se aproximou com um bule de chá.
— Quer mais chá, Nukumizu?
— Tô bem, obrigado — respondi. Ela assentiu, então se virou para Yakishio e as outras, que estavam rindo e brincando juntas.
— Ela tem bons amigas.
— Dependendo da sua definição de bons... As garotas do clube de literatura são, no mínimo, únicas. Nem sempre de um jeito bom.
— Eu estava te incluindo, sabia? — disse ela, me dando um tapão nas costas antes de ir se juntar à neta. Agora eu entendia de onde a Yakishio tirava suas expressões violentas de afeto.
Continuei meu caminho para, finalmente, colocar os pratos no lugar.
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