Volume 2
Capítulo 2: Asagumo Chihaya e a Caçada ao Ganso
DOIS DIAS APÓS NOS ALISTARMOS COM Asagumo Chihaya, ela nos mandou uma mensagem pedindo para nos encontrarmos. O mais rápido possível.
O ponto de encontro: o shopping Kalmia na estação Toyohashi, perto do lado norte. Corri para a estação vindo da plataforma externa. De relance, vi que eu era o primeiro a chegar, então me posicionei na frente do Kalmia enquanto recuperava o fôlego.
O relógio marcava exatamente duas e meia. Compradores se aglomeravam entrando e saindo. Outros, esperando suas próprias pessoas, estavam ali comigo. Desviei o olhar deles e o voltei para o chão.
— O que é que eu estou fazendo? — murmurei para mim mesmo.
Não estava aqui para expor Yakishio e todos os seus segredos sombrios. Algo simplesmente não me soava certo sobre colocá-la em julgamento, então me envolvi. Mesmo assim, não conseguia me livrar da sensação de que isso tudo não era da minha conta.
Antes que eu percebesse, alguém se aproximou de mim. Dei uma espiada e vi que era uma garota com uniforme de marinheiro. Ela usava óculos de aro grosso e seu cabelo estava preso em duas tranças soltas. Além disso, estava se acabando em uma cesta de takoyaki. Essa garota tinha muitos detalhes.
— Espera, Yanami, é você?! — soltei.
Ela me lançou um sorriso debochado.
— Demorou bastante para perceber — Pinçou a armação dos óculos, onde as lentes deveriam estar, e os empurrou para cima, toda orgulhosa.
— Esses nem têm lentes.
— São só para disfarçar. Me fazem parecer mais inteligente, não?
Não faziam, mas acenei com a cabeça assim mesmo.
— Tenho algumas perguntas — disse. — Vou resumir: o que é isso?
— Ah, claro, é um disfarce. Para não nos reconhecerem. Na verdade, é meu uniforme da antiga escola, mas ainda dá para me achar no papel, né?
— Quer dizer, tem só um ano, então — Parei. Havia… aspectos do papel que ela definitivamente estava tendo dificuldades em encaixar, por assim dizer.
— O que? Por que ficou quieto? — Ela enfiou um takoyaki na boca.
— Nada. Você faz o que quiser.
A equipe toda já estava ali e pronta para ir, exceto pela mente brilhante da operação, que não aparecia. Yanami ligou para o celular dela, mas ninguém atendeu.
— Estou surpresa que você veio — Yanami disse, digitando uma mensagem no LINE. — Achei que esse tipo de coisa fosse sua kryptonita.
— O que você quer dizer com esse tipo de coisa?
— Isso. A investigação sobre: Será que a Lemon está em um caso de traição. Você faria isso se fosse eu pedindo?
Provavelmente não, mas meu lado sensato me disse para não falar isso em voz alta.
— E você? Por que está se dando ao trabalho?
Yanami parou de digitar.
— Você viu o jeito que a Lemon olhou para ele quando estavam juntos?
Assenti. Me veio claro como água. O sorriso dela, radiante, não fazia justiça. Era como um botão prestes a florescer, e todos os sentimentos vinham com ele. Eu consegui ler nas entrelinhas. Mesmo o homem mais denso do planeta — até Ayano tinha que ver o que todos os outros viam.
A parte desconfortável era a ideia de que ele viu isso, e estava seguindo com ela assim mesmo. Que Yakishio sabia que ele sabia e não se importava.
— Você não olha para um cara comprometido assim. Não faz isso — Yanami disse. Ela fez um sorriso com dentes que me lembrou muito a Yakishio. — Amigos ajudam amigos, e eles também se cobram. Não importa o que aconteça, Lemon vai precisar da gente.
◇
Asagumo finalmente nos respondeu algum tempo depois. Ela os havia avistado, e deveríamos nos reunir na praça do lado sul. Bancas e vendedores cercavam o amplo espaço aberto. Parecia que estava acontecendo algum tipo de feira de produtores locais.
— Nukumizu, você tem que provar isso. Até os ossos são bons.
Yanami de alguma forma já tinha conseguido pegar um peixe-doce grelhado com sal.
Fiz o meu melhor para ignorar o som crocante e vasculhei a multidão à procura de Asagumo. Não demorou muito para encontrar uma garota baixinha se esgueirando atrás das bancas. Abri a boca para chamá-la, mas rapidamente a fechei de novo.
Ela estava usando um vestido simples de uma peça laranja clara e um chapéu de aba larga elegante — do tipo que as atrizes sofisticadas às vezes usam. Na testa, ela tinha uma compressa fria. Abaixo disso, usava um par de óculos de sol espelhados. Cada item discreto por si só, mas juntos, o conjunto parecia totalmente insano. Tornava muito difícil associar-se com ela em público.
Yanami mordeu a cabeça do peixe-doce.
— Então você conhece aquela garota, né?
— Agora você também conhece.
Difícil competir. Yakishio realmente teve dificuldades. Finalmente nos notando, Asagumo veio andando.
— Ah… oi — disse, sem saber como reagir.
Asagumo fez um sorriso maroto e retirou a compressa fria.
— Não me reconheceu nesse disfarce, né? Sou eu. Asagumo.
Uau, não acredito, eu sou o Nukumizu.
Ela reaplicou a compressa, indicando que aquilo era o disfarce.
— Lemon está aqui? — Yanami perguntou de uma distância segura.
— Eles estão do outro lado da praça — respondeu Asagumo.
— Parece que estão visitando as barracas na ordem. Podemos esperar por eles aqui com segurança.
Ela correu para se esconder na sombra de uma delas. Fomos atrás dela. Ela então tirou aquele dispositivo parecido com um telefone, com a antena, retirou os óculos escuros e começou a estudar os medidores nele.
— Ei, como você descobriu que eles estariam aqui, afinal? — Eu perguntei. Aquele negócio não era um radar de pessoas, era?
— Eu compilei e analisei uma quantidade estatisticamente significativa de dados — Ela puffou o peito pequeno com orgulho. — E acontece que meus cálculos estavam corretos.
Yanami inclinou a cabeça.
— Como você calcula algo assim?
— Dispositivos ajudam, mas vêm com uma margem de erro que eu apenas minimizei através de volume e análise — Asagumo explicou. — Através de tentativas e erros, consegui entender e contabilizar as imprecisões do rastreador.
Eu não gostei do som disso.
— Você disse rastreador?
— Estou usando um GPS, sim.
Senhor, nos ajude.
Yanami deu mais alguns passos para trás.
— Isso é, hum, legal?
— Silêncio — Asagumo sibilou. — Eles estão aqui.
Yanami e eu trocamos olhares, depois espiamos por trás da barraca. A praça estava lotada. Da nossa posição, tínhamos uma boa visão do centro, com as barracas alinhadas de cada lado.
— À direita. Na loja de sorvete — ela sussurrou.
Eu estreitei os olhos até conseguir distinguir um homem e uma mulher na multidão. O homem era alto, bonito e usava óculos. A pele morena da mulher já dizia tudo. Era Ayano e Yakishio, sem dúvida. Ayano usava uma camisa branca sofisticada, e Yakishio estava de uniforme. Parecia que estávamos observando uma novela.
Eles continuaram seu passeio, com cones de sorvete na mão. Sorriram e riram um do outro de uma maneira tão íntima que qualquer pessoa acharia que estavam em um encontro.
Yanami fez um som de aprovação.
— Ayano. Cara bonito. Alto também. Lemon não é nada mal. Eles ficam bem juntos.
— Yanami! — Eu sibilei.
A mão dela voou para a boca.
— Desculpe, Asagumo! Escapou.
— Está tudo bem — disse Asagumo, esboçando um sorriso autodepreciativo. — Eu concordo com você. Sempre concordei.
Ela fez uma pausa, e seu olhar se perdeu por um instante.
— Imagine minha surpresa quando ele realmente aceitou sair comigo. Achei que não tinha chance — sua voz diminuiu até quase um sussurro. — Tive sorte.
Nós não dissemos nada. Não podíamos. Então, mantivemos os olhos nos nossos alvos. Eles pararam de barraca em barraca, apontando, rindo, sorrindo. Yakishio brilhava como o sol. Eu pensei no que Yanami tinha dito antes. Você não olha para um cara que já tem alguém assim. Simplesmente não olha. Isso não poderia estar sendo fácil para Asagumo. Então eu disse.
— Ei, acho que já chega por hoje.
— Eles estão indo embora — ela falou por cima de mim.
Eu olhei de volta para eles. Yakishio estava puxando Ayano pelo braço em direção a outra barraca que vendia o que parecia ser sobremesas ocidentais. Autoatendimento, com doces expostos para os compradores pegarem e comprarem como quisessem. Eles ainda estavam terminando o sorvete. Ayano pegou uma cesta com a mão livre. Yakishio jogou algo nela. Eles discutiram um pouco — Ayano balançou a cabeça, sorrindo, e levantou a cesta para longe. Yakishio pulou e colocou o que tinha mesmo assim.
Isso continuou por um tempo. Eventualmente, eles se misturaram de volta à multidão, mas Asagumo ainda estava com os olhos fixos em nada.
— Ei, você está bem? — Eu perguntei.
Ela puxou o adesivo gelado da testa e se virou.
— Estou bem — disse suavemente. — Só vou dar um retoque na maquiagem.
Yanami e eu assistimos ela ir em direção à estação e então soltamos um suspiro.
— Ela não está nada bem — eu disse.
— Não, ela não está. Por mais sensíveis que você ache que as garotas são, Nukumizu, dobre isso.
Açúcar e especiarias, eu pensei. Talvez açúcar e lipídios no caso da Yanami.
Yanami colocou uma mão no meu ombro e balançou a cabeça.
— Aquele comentário de antes. Sobre eles ficarem bem juntos? Isso foi demais. O amor é uma coisa complicada, e você precisa ser mais cuidadoso.
— Você está tentando colocar isso em cima de mim agora?
— Com certeza. Faz alguma coisa sobre isso.
Por que eu me dei ao trabalho?
— Tá bom, tanto faz — eu disse. — Você não deveria ir atrás dela?
— Eu? Nah, vai você.
— Ela literalmente falou de maquiagem. Isso significa que ela vai para o banheiro. O que eu vou fazer, me esgueirar lá dentro?
— Então você quer que eu a siga até o banheiro? — Yanami argumentou. — É só esperar ela do lado de fora. Vai dar tudo certo.
— Será?
— Olha, nessas horas, o importante é saber que alguém se importou o suficiente para aparecer. O que, aliás — ela fez uma cara feia para mim — é o tipo de apoio que eu queria ter de uma certa pessoa.
Um ponto extremamente válido. Trabalho emocional não era o meu forte.
— Além disso, não tenho certeza se faz sentido falar com ela agora.
Bem verdade. O comentário "eles ficam bem juntos" foi um pouco...
— Tá bom — eu disse. — Ainda não estou totalmente convencido, mas vou.
— Obrigada.
Eu deixei a praça e fui em direção aos banheiros mais próximos, por falta de uma ideia melhor, até que tropecei em uma garota de macacão laranja e chapéu, parada em uma loja aleatória. Ela estava olhando uma capa de livro de couro, com as mãos atrás das costas.
— Asagumo — eu chamei. — Ei, você, hum, tá bem?
— Nukumizu — ela respondeu sem olhar para mim. Ela alcançou a capa do livro, mas se afastou na última hora.
— É bonita, né? Você acha que ele iria gostar?
— Eu diria que sim. Bom gosto.
— Eu achei que sim. Mitsuki adora livros — ela murmurou. — Ele quer trabalhar com eles no futuro, sabe?
— Sério?
Eu não fazia ideia. Nem estava claro para mim que tipo de trabalho com livros existia. Era quase surreal como eu estava aprendendo sobre um cara que mal conhecia de uma garota que eu conhecia ainda menos.
— Ele diz que ser autor é mais um sonho do que um plano de carreira. Por isso, ele quer ir para Tóquio e estudar literatura de uma perspectiva acadêmica. Talvez entrar para o mercado editorial. Qualquer coisa, desde que tenha a ver com livros — ela continuou, sem direcionar a fala a ninguém em particular. — Fiquei surpresa quando ele me contou isso pela primeira vez. Nunca tinha encontrado ninguém que compartilhasse meu sonho antes.
— Ah, entendi — foi tudo o que consegui responder.
— Embora, pessoalmente, eu gostaria de ser bibliotecária. Claro que não será menos competitivo — ela finalmente pegou a capa do livro e sentiu o couro. — Meus cálculos estavam certos.
— Hã?
— Eu vi — ela disse. — Com meus próprios olhos.
— Ah, entendi.
Eu não considerava rastreamento por GPS um "cálculo", por assim dizer.
— Ele não gosta de coisas doces. Suponho que seja possível que ele as estivesse pegando para mim.
Eu acenei tão rápido que parecia um movimento mecânico.
— Sim. É bem possível. Ele é um cara legal.
— Sim, ele é. Ele engole sorvete se você pedir. Conversa com você se você pedir. Ele vai se divertir e sorrir como se estivesse gostando — Asagumo tagarelava como se estivesse discutindo consigo mesma. Ela colocou a capa de volta no livro. — Ele já…?
As últimas palavras dela foram engolidas pelo som abafado da estação.
— Nunca tomamos sorvete — ela disse, em um tom mais alto. Eu gaguejei, sem saber como responder. — Nunca saímos para pegar sobremesa juntos. Eu nunca pedi, porque sabia que ele não gostava disso. — Ela segurou a aba do chapéu e a puxou para baixo. — Então… isso doeu um pouco. Ver eles fazendo isso.
— Bem, talvez ele tenha escolhido um sabor que não seja doce — sugeri. — Eles também fazem crêpes salgados e outras coisas assim, não?
— Salgado? Que tipo ele poderia estar comendo?
— Talvez fosse atum com maionese.
Os olhos de Asagumo se abriram.
— Você acha que aquele cone inteiro era de atum com maionese?!
— Ei, é um sabor popular de onigiri.
Eu estava totalmente inventando, mas ela riu mesmo assim.
— Essa é uma forma de acabar com o estômago irritado. Acho que devo procurar saladas leves para ele, só por precaução.
Ela olhou para baixo.
— Eu tenho inveja da Yakishio. Ela é tão honesta e sem desculpas em ser ela mesma e o que quer. Eu sempre estou tão preocupada em não ser um peso.
— Ah, seja um peso.
Ela olhou para cima, chocada.
— Ele não vai deixar de gostar de mim?
— Não sei te dizer. Eu não o conheço tão bem. Mas provavelmente ele não é tão raso a ponto de te abandonar só porque você quer comer sorvete.
Eu aguentei muito mais de uma garota com quem eu nem sequer estava namorando. Isso tinha que significar alguma coisa.
— Você é realmente muito legal, Nukumizu — ela disse. — Eu te julguei mal.
Ela e todo o resto da escola, aparentemente. Asagumo me observou, analisando-me com aqueles olhos grandes e redondos.
— O que foi? — perguntei.
— Só estava me perguntando como é o tipo de garota por quem você se apaixonaria — ela riu. — Eu adoraria conhecê-la um dia.
— Vamos ver.
Eu gostava de garotas o suficiente, mas realmente namorar uma… bem, isso era difícil de imaginar agora. Asagumo estava em um relacionamento e cheia de problemas. Yanami não tinha nenhum e ainda carregava um conjunto completamente diferente de bagagens.
Parecia que, quanto mais pessoas eu conhecia e mais me envolvia nas circunstâncias delas, menos realista a ideia de um romance genuíno se tornava.
— Devíamos voltar — eu disse. — Yanami está esperando.
— Claro. Já estou composta de novo — ela sorriu. Mas não por tempo suficiente para me dar alívio, pois ela se sobressaltou quase no segundo seguinte. — Nukumizu! Se esconda! — ela agarrou minha mão.
— Hã? Por quê? O que está acontecendo?
— Não tem tempo! Rápido!
Com uma força surpreendente, ela me puxou para dentro de uma loja de roupas e para um dos provadores.
— O que estamos fazendo?! — eu exalei.
— Silêncio! Mitsuki vai nos ouvir.
Será que ele tinha se aproximado de nós? Mas, então, por que estávamos nos escondendo em primeiro lugar? Não via nada de errado em sermos pegos. No pior dos casos, parecia que estávamos fazendo compras… sozinhos. Juntos.
— Espera, droga, isso pode ser ruim — sussurrei.
— Exatamente por isso que nos escondemos!
A aba do chapéu dela me acertou diretamente no rosto.
— Isso dói.
— Desculpa, mas não tem muito espaço aqui.
Os provadores não foram feitos para duas pessoas. Asagumo se mexeu para tentar tirar o chapéu da minha frente, com seu cabelo fazendo cócegas no meu braço. Por que todas as garotas fofas cheiravam tão bem? Eu não estava imaginando isso. Elas simplesmente cheiravam.
— Ele não estava com a Yakishio? — sussurrei, com as orelhas atentas.
— Não. Ele estava sozinho. Vou dar uma olhada lá fora.
Ela colocou a cabeça para fora da cortina.
Agora isso era irônico. A investigação de infidelidade tinha se tornado muito mais sobre duplicidade do que eu esperava. Como as mesas haviam virado. Asagumo puxou a cabeça para dentro. Ela pegou outro pacotinho de gelo e pressionou na testa.
— Não sei como te contar isso, Nukumizu.
— Tente.
— Fui vista.
— Como?
Ela abriu a cortina de repente. Lá fora, estava um Ayano rígido e sem jeito. Asagumo se curvou.
— Olá, Mitsuki — disse, com um tom de rendição.
— Chihaya — disse Ayano — E aquele é o Nukumizu?! O que vocês dois estão fazendo?
Que pergunta, e eu desejava ter uma resposta para dar. Não tentei oferecer nenhuma. As chances eram de eu acabar falando algo errado, então cedi a palavra para Asagumo.
Olhei para ela. Ela me devolveu o olhar, depois fez um sinal de concordância com a cabeça. Estávamos na mesma página.
— Mitsuki — começou ela, dando um passo em direção a Ayano. Ela se virou, olhou para mim com aqueles olhos de esquilo e, de repente, senti que já não estávamos mais na mesma página — Nukumizu pode explicar tudo.
◇
A maioria das pessoas, quando ouve "Estação Oeste", assume que é uma estação de trem totalmente separada. No entanto, é apenas o nome que as pessoas dão para o lado oeste da Estação Toyohashi. Ayano e eu pegamos a escada rolante em direção à Estação Oeste juntos. Desembarcamos sem dizer uma palavra, e continuamos caminhando em silêncio.
Graças à péssima ideia de Asagumo de me jogar aos lobos, ele e eu fomos conversar sozinhos. Chegamos à entrada oeste da maior estação de trem da cidade. Os shinkansens paravam ali, então o local estava cheio de serviços de traslado para pessoas que viajavam de longe.
— Vamos encontrar um lugar tranquilo — disse Ayano.
— Certo — concordei. — Privacidade.
Olhamos ao redor. Ayano murmurou.
— Honestamente, esse talvez seja nosso melhor ponto mesmo.
— Verdade. Não tem muita gente.
Comparado ao lado leste, a Estação Oeste estava bem calma. Precisávamos disso para o que estávamos prestes a discutir. Honestamente, estava até silencioso demais.
Ayano parou em frente a uma loja de Chikuwa Yamasa e se virou para me encarar. Não havia raiva em sua expressão. Apenas uma firmeza calma.
— Eu gostaria de saber o que eu acabei de encontrar — disse ele.
— Certo... — coloquei a mão no queixo e fingi pensar.
Por dentro, eu estava suando em bicas. O que, diabos, poderia justificar Asagumo e eu estarmos no mesmo provador? Eu precisava me lembrar de que não fiz nada de errado. Vim aqui para ajudar Asagumo, e esta foi a situação em que me meti.
Que se dane, decidi. Encarei seu olhar acusatório com o meu próprio.
— Acho que você é quem tem algo a explicar.
Ele franziu a testa.
— O quê? Por quê?
— Você está com a Yakishio, não está?
A única razão pela qual eu estava sendo interrogado agora era porque esse cara estava andando por aí fazendo burrada.
— Ela estava me ajudando com umas compras — disse ele. — Nem ficamos juntos muito tempo.
— E quanto à prefeitura? Aquilo era só um passeio entre vocês dois? Eu posso continuar.
Eu não poderia continuar. Ayano ficou em silêncio por um tempo, antes de jogar as mãos para cima e rir.
— Você me pegou. Já devia saber que não ia conseguir te enganar.
— Eu-eu... Você deveria ter sabido mesmo.
Agora, esse era o cara que não tinha ideia errada sobre mim.
— Mas não estávamos fazendo nada que não deveríamos ter feito — ele acrescentou rápido, mexendo as mãos. — Você sabe que a Lemon é melhor que isso.
Ele estava certo. Por mais pouco tempo que tivéssemos passado juntos, eu sabia disso. Mas foi exatamente por isso que Yanami e eu nos envolvemos a princípio. Eu balancei a cabeça.
Balancei a cabeça.
— Vamos lá. Não se faça de idiota. Você está saindo com outra garota pelas costas da sua namorada, e não é só uma ou duas vezes. O fato de essa garota ser a Yakishio não justifica — na verdade, só piora a situação.
Ambos ficamos em silêncio quando um cliente saiu da loja de Chikuwa Yamasa. Que ótimo lugar ele tinha escolhido para isso. Quando o transeunte desapareceu, perguntei.
— E então, o que está acontecendo com vocês dois?
Ayano mexeu os lábios algumas vezes, procurando uma desculpa, antes de desistir.
— Eu estava... pedindo conselhos sobre relacionamento para ela — confessou ele.
Isso me confundiu. Asagumo era um pouco — na verdade, muito — estranha, mas que problemas ele poderia ter que precisasse de alguém para escutar? E da Yakishio, de todas as pessoas?
Ele desviou o olhar, coçando a bochecha nervosamente.
— Eu nunca namorei ninguém, então simplesmente não sei como essas coisas funcionam, sabe? Eu precisava de alguém para me orientar.
— E você escolheu a Yakishio.
— Ela é popular. E tem a perspectiva feminina e tal — disse Ayano.
— Entendi. Então você queria conselhos sobre relacionamento. Da Yakishio — repeti mecanicamente. Que tolo. Um absoluto idiota. Uau, minha opinião sobre Ayano estava no fundo do poço. — Que tipo de conselho exatamente?
— Bem, ah, é um pouco... privado — disse Ayano. — Não repita isso, tá?
— Pode deixar.
Quem eu teria para sair contando por aí? Ninguém. E quão ruim isso poderia ser? Um cara como ele pedindo ajuda para uma garota como Yakishio, não poderia ser mais do que um "Como eu seguro as mãos dela?"
— A questão é — Chihaya — ele gaguejou, — ela pode ser muito... agressiva. Quando estamos sozinhos.
— Ah.
Um pouco mais intenso do que segurar as mãos.
— Eu sou um cara, né? Não me incomodo — continuou. — O problema é que ela nunca leva as coisas além de um... beijo. E eu não quero, bem, ultrapassar limites muito rápido, sabe? — Ele olhou para os lados, como se verificasse se havia ouvintes, e abaixou a voz. — Tenho medo de parecer insistente. Tenho receio de me apressar ou machucar ela de alguma forma. Ou fazer algo que a faça me odiar.
Tudo isso estava tão além da minha compreensão. Mas agora as coisas começaram a fazer sentido. Ele não estava traindo Asagumo. Era apenas uma conversa amigável sobre relacionamentos com... Com quem mesmo?
— Espera, você contou tudo isso para Yakishio?! — soltei, incrédulo. — Você não pode estar falando sério.
— Ela é minha única amiga mulher de verdade, então, sim.
— Uau.
Como pude esquecer que estava falando com uma estrela de nêutrons? Mesmo que ele de alguma forma não tivesse percebido os sentimentos dela, a coragem dele de levar esse tipo de conversa para uma garota... Minha opinião sobre ele estava caindo mais rápido do que uma pedra.
Logo, ele estaria tão baixo quanto eu coloquei Yanami.
— Sua vez — disse ele. Ele se aproximou de mim antes que eu pudesse entender quais eram as regras do jogo. — Fala a verdade. Eu aguento.
— Falar o quê?
— Eu sei que não sou grande coisa, não vou culpar ela por seguir em frente, especialmente se for com um cara como você.
Eu gaguejei e me perdi.
— Ok, espera aí! Devagar! Você está com a ideia errada!
Além disso, por que ele me colocou em um pedestal tão alto? Sério.
— Então por que vocês estavam juntos? Não precisa esconder.
— Eu não estou escondendo nada! Ela estava...
Eu me interrompi. Quanto eu poderia dizer? Que Asagumo achava que ele estava traindo ela com Yakishio, então a seguiu? Eles estavam em uma posição perfeita para enfrentar as adversidades e sair mais fortes, e eu não queria ser responsável por estragar isso. Coisas assim pesam na consciência.
— Ela estava o quê? — pressionou Ayano.
— Ela estava... me ajudando com minhas próprias questões de relacionamento! — soltei. — Eu estava pedindo conselhos também!
Ayano fez uma cara como se eu tivesse acabado de lhe dizer que porcos podiam voar. Isso provavelmente teria sido mais crível.
— Eu não sabia que você tinha uma namorada — ele disse.
— Eu não tenho, mas tem essa garota, então, uh, eu só queria saber o que ela pensava sobre as coisas.
— O clube de literatura está cheio de garotas. Por que você... — Ayano ficou quieto, colocou a mão no queixo e ficou pensando. Supostamente, de verdade, não era encenação.
— Ei, uh, você tá bem?
Um alto-falante distante anunciou a chegada de um shinkansen. Alguns momentos depois, o sino tocou, anunciando sua partida.
Bem na hora, Ayano bateu as palmas.
— Agora entendi! — disse ele. Eu não entendi. — Não se preocupe. Te entendi direitinho.
— Ah, certo. Isso mesmo. Você está certo.
O que ele teria entendido? Ele relaxou pela primeira vez desde que começamos a conversar.
— Todo mundo diz que eu sou mais denso que concreto, mas não sou cego.
— Ei, então, uh, sobre o que estamos falando?
Ele me deu um tapinha nas costas.
— A garota de quem você gosta está no clube de literatura, não está? Por isso não podia ir até elas.
Eu presumi que ele não estava se referindo a nenhuma das personagens das light novels na estante. De qualquer forma, só havia uma opção para mim. Eu me recusava a ser a causa de um término.
— É, você me pegou — disse eu.
— Deixa eu adivinhar. É a Lemon?
Eu estava pronto para isso e imediatamente neguei com a cabeça.
— Não, não é ela. E não se preocupe. Eu dou um jeito sozinho. Você foca em tratar bem a Asagumo.
Isso, claro, deixava Yanami e Komari como as opções restantes. Dois extremos, mas no mesmo espectro.
— Ei, não seja tímido. Você deveria convidá-la para sair, assim todos nós podemos sair juntos um dia.
— Er, ah, tô bem. É meio um segredo? Um grande segredo. Espero manter isso em segredo até a formatura, no mínimo.
Ayano sorriu.
— Não estou dizendo que você tem que se declarar imediatamente. Só leve as coisas um pouco mais longe, saia da caixa. Se estabeleça como alguém mais do que apenas um colega de clube.
Agora esse cara tinha cérebro. Será que inteligência emocional seletiva existia?
— Eu te apoio. Vou garantir que a Lemon esteja lá.
— Yakishio? Por que a Yakishio?
Esse homem poderia ter desafiado o protagonista mais denso do mundo, e agora isso oficialmente se tornava meu problema.
— Porque você disse que ela não é a certa — ele continuou. — Ela só vai estar lá para ajudar a facilitar as coisas e fazer a garota real se sentir mais à vontade para sair. Aliás, você pode até pedir para a Lemon perguntar, caso esteja muito tímido para fazer isso sozinho.
Isso talvez tenha sido a primeira boa ideia dele o dia todo.
— Espera, não conta para a Yakishio que eu estou interessado em alguém! Especialmente não na turma de literatura!
— Ah, eu conheço esse truque. Você está se fazendo de difícil.
— Isso não é o que está acontecendo! Não conta nada para ela! Nada mesmo! Estou falando sério! — Que coisa mais estúpida de me deixar com a garganta seca.
— Entendi, entendi. Não se preocupe. Eu vou dar um jeito em tudo.
Uma ideia me ocorreu enquanto eu lamentava a total falta de pensamento crítico sendo usada contra mim: talvez ele e a Asagumo fossem o casal perfeito depois de tudo.
◇
— Então você contou para ele que estava pedindo conselhos sobre relacionamento. Sobre uma garota que você gosta. Na turma de literatura.
A risada de Yanami atingiu meu tímpano através da caixa de som do celular. Já estava tarde, e eu acabara de me deitar.
— Não tem graça — eu resmunguei. — Eu mal consegui sair dali.
— Tudo bem. Foi mal — Ouvi ela se recompondo. — Mas pelo menos a Asagumo sabe que o cara não está traindo ela. No fim, deu tudo certo.
— Eu acho.
Eu tinha contado o resumo da nossa conversa para a Asagumo, omitindo as partes mais sensíveis. Agora ela sabia que o relacionamento entre o Ayano e a Yakishio era estritamente profissional. O resto não era da nossa conta. Qualquer conversa que eles precisassem ter, seria entre eles.
— Então, pra onde vamos? — Yanami perguntou.
— Quem está indo pra onde?
— Você não tem que convidar uma garota do clube de literatura agora?
— Tecnicamente.
— Podia ser eu.
— Podia ser — eu disse. — Você está de boa com isso?
Minha sorte parecia estar começando a mudar. Lidar com Ayano logo, antes que ele fosse longe demais com sua imaginação, definitivamente parecia ser a melhor opção.
— Claro. Não tenho mais nada para fazer mesmo — ela disse. — É só me avisar.
— Pode deixar. Obrigado.
O tom de Yanami mudou.
— Não é como se eu tivesse outra pessoa para sair. Todo mundo está ocupado com os namorados e não tem tempo para mim ultimamente.
Senti um perigo iminente. Eu tinha que encerrar essa ligação antes que a conversa fosse mais a fundo nesse caminho sombrio, ou iríamos ficar até de madrugada.
— Então, é isso. Já está ficando tarde, então…
— Quer saber de uma coisa, Nukumizu?
— O quê? — eu perguntei, parecendo um idiota.
— Você é realmente o pior nisso.
Na minha defesa, quem é bom em ligações telefônicas?
◇
A Estação Futagawa era apenas uma parada de distância da Estação Toyohashi. A uma curta caminhada dali, ficava o Centro de Recursos Subterrâneos. Apesar do nome pomposo, era basicamente um museu de (tambores de suspense) recursos obtidos do subsolo. Quase todo Toyohashiano nativo poderia afirmar que já havia estado lá ao menos uma vez na infância.
Foi lá que decidimos nos encontrar, dois dias depois da nossa missão de espionagem.
No que eu tinha me metido? Naquela tarde, eu teria o papel principal na Operação: Ajudar Nukumizu com Sua Paixonite, estrelando Ayano, Asagumo, Yakishio e Yanami.
Ayano era o único empurrando nessa direção, mas isso já era o suficiente para ser um incômodo. A Yakishio achava que estávamos só saindo para nos divertir, e só isso. Yanami sabia, claro, mas a presença dela sozinha já dava a dica para Ayano sobre quem era a minha suposta paixão.
Eu já podia sentir a dor de cabeça chegando.
O plano era sobreviver ao dia primeiro. Depois, eu poderia dizer para Ayano que ela me deu um fora ou algo assim e varrer essa bagunça para debaixo do tapete.
— Espera, aí ele vai me lembrar como o cara que a Yanami deu um fora pelo resto da vida.
Isso me irritou por motivos que eu não entendia. Eu não merecia isso. A única razão de eu estar nessa confusão era porque o Ayano não conseguia manter as mãos para si.
Olhei para o relógio. Os outros quatro logo chegariam de ônibus. Ayano, apesar de todos os seus defeitos, tinha organizado todo esse encontro com uma eficiência irritante. A ideia do Centro de Recursos foi minha única contribuição. Ele montou o grupo, coletou os horários e planejou as opções de transporte. Enfim, fez tudo.
— Nukumizu! Ei, espero que não tenhamos te feito esperar muito.
Falar do diabo.
— Não, você está bem na hora — eu disse. — Parece que estamos todos aqui.
— Yup — Ayano me deu um empurrão no ombro e piscou. — Você consegue, amigo. Urgh.
— Olá, Nukumizu. Estava ansiosa por hoje — O sorriso de Asagumo foi apenas ligeiramente eclipsado pelo reflexo de sua testa. Hoje, ela estava vestida com uma blusa listrada e calças justas e moldadas. Ela realmente era fofa quando não estava triangulando sua posição exata.
— Ei, Nukkun — Yakishio entrou na conversa. — Tá com cara de Nukkun hoje.
Ela estava de jeans e uma blusa branca de ombro caído. Simples, mas elegante e sofisticada. Pela primeira vez, ela cheirava a algo além de desodorante.
Última da fila, Yanami, usava um suéter verde com uma blusa translúcida por cima. Uma saia marrom clara caía um pouco acima de um par de sandálias de sola grossa. No rosto, uma máscara de indiferença absoluta.
— Tá bem, Yanami? — eu perguntei.
— Sim. Muito bem — Respondeu ela.
O que quer que tivesse deixado ela de mau humor, não era meu problema. Provavelmente relacionado à comida.
Eu não ia a esse museu desde o ensino fundamental. O longo e escuro corredor que descia para o subterrâneo evocava memórias nostálgicas.
Ayano empurrou seus óculos, certamente compartilhando o sentimento.
— Preparado para ir, Nukumizu?
— Pronto o suficiente.
Nenhum homem resistiria ao chamado das sirenes do museu, fosse ele científico ou histórico. Então seguimos em frente. O caminho até o salão de exposições era rochoso e sombrio, imitando um poço de mina. Quando chegamos ao fundo, parecia que o mundo subterrâneo havia se aberto para nós.
Tanto Ayano quanto eu ficamos maravilhados. O primeiro correu para os samples de minerais.
Eu estava pensando por onde começar minha própria jornada, quando Yanami me puxou pela gola.
— Um momento, por favor.
— O que foi? — eu resmunguei. — Quero começar logo.
— Depois que conversarmos. Por aqui.
Qual era o problema dela? Yanami me arrastou até a borda do salão, fazendo cara feia o tempo todo.
— Qual é a grande questão? — eu perguntei de novo.
Yanami colocou a mão na cintura e me respondeu com um olhar azedo.
— Somos cinco estudantes do ensino médio. Nas férias de verão. Juntos. Preciso falar mais?
Na verdade, sim, meio que precisava. O que eram aquelas palavras? Jargões para a nova campanha dela?
— Esses são os melhores anos da nossa vida. E você quer que a gente passe isso no subsolo? Literalmente. Estamos no subsolo — ela desabafou. — Cadê a estética, hm? Quem escolhe um lugar assim?
Eu não conhecia muitas pessoas além de mim, então não saberia.
— Ayano estava de boa com isso — eu disse. — Os caras adoram essas coisas.
— Ótimo. Fico feliz por você. Mas já pensou, sei lá, na outra metade da população? Olha o meu look! Olha o esforço que eu coloquei nisso!
— Certo. Por que, aliás, você fez isso?
— O que parte disso você não entendeu?! — Yanami explodiu. — Isso é o que você faz quando sai com outras pessoas! Especialmente quando tem outras meninas! Você não quer chamar a atenção? Nem um pouco?
Eu não queria, na verdade. Não.
— Deus, esse é o seu problema, Nukumizu. Aí está. Eu tenho certeza de que isso é o máximo para os meninos, mas para a gente?
Ela apontou.
Asagumo estava em seu próprio mundo do outro lado do salão.
— Olhem! Pessoal! Venham ver esse incrível exemplar de mica aqui! Nossa, quantos capacitores essa belezura poderia produzir?
Ela e Ayano estavam grudados na vitrine, se divertindo como nunca. Eu virei de volta para encarar Yanami.
— E qual é o seu ponto?
— Be-bem, ela não conta! Ela é inteligente! — Yanami retrucou. — A Lemon vai me entender!
A implicação dessa frase não passou despercebida por mim. Em outro canto, a traidora gritou.
— Caramba, pessoal! Eles têm um carrinho de mina! A gente pode andar nele?
— Yakishio! Não toca nisso! — Eu a repreendi. A sofisticação dela não ia além do tecido das roupas.
— Ela também? — Yanami se deixou cair. — Eu... tô... sozinha?
— Ei, não é tão ruim assim. Olha ali — eu disse. — Você pode tocar em vários metais e comparar pesos e coisas assim. Quer tentar?
Ela me olhou com um olhar de pena.
— Eu acho que isso soa... meio interessante.
— Então vem. Aproveita enquanto o ferro está quente.
Ela gemeu.
— Isso não foi engraçado.
Fomos até a exposição, com Yakishio logo nos alcançando.
— Ei, Nukkun, foi ideia sua?
— Ayano aprovou. Mas sair em si foi tudo com ele.
— Ah é? — Yakishio olhou para mim com uma mistura de desconfiança e curiosidade. — Quando vocês dois ficaram tão próximos?
— A gente só estava conversando. Surgiu na conversa.
— Sei... O Mitsuki tava me contando umas coisas engraçadas antes, tipo que eu deveria te apoiar, sei lá o que isso significa.
— Apoiar minhas costas, hm?
Por quê? O que aquela anomalia astronômica fez? Eu só queria uma vida tranquila. Isso era pedir demais?
Tudo culpa da Asagumo.
— O que tá acontecendo, hm? — Yakishio pressionou. — Deixa eu adivinhar...
Ela olhou na direção de Yanami, que estava lutando com uma amostra de metal.
— Nossa, isso é pesado! — Ela resmungou. — Vocês vêm me ajudar?
Olha quem estava se divertindo de repente. Yakishio me deu uma cotovelada, sorrindo.
— Sou sua asa, né?
— Não. De jeito nenhum — eu disse.
Era um pesadelo. Eu estava preso em um pesadelo de desinformação. Era isso o que estava acontecendo. Me virei, procurando por Ayano para dar um pedaço da minha mente. Achei ele e sua namorada admirando um modelo teórico do futuro da cidade, feito na era Showa. Yakishio seguiu meu olhar. Algo a deixou quando viu eles.
— Quer... ir lá? — eu sugeri.
— O quê, e transformar a bicicleta deles em uma de quatro rodas? — Ela mostrou um sorriso cheio de dentes. — Eu quero deixar eles em paz por hoje.
— Quero dizer...
— Qual é a sua, hm? — Ela não apenas me cutucou dessa vez, mas foi bem mais fundo. — Eu sou a torcedora deles, Nukkun. Ficar na arquibancada é meu lugar.
— Mas ele nem sabe como você se sente. Você não pode pelo menos...
— Não — ela me interrompeu novamente. De forma suave, mas sem dúvida alguma. — Tá tudo bem.
Ela sorriu para eles, e eu vi paz no sorriso. Foi então que percebi que ela havia feito as pazes com seus sentimentos. Ela amava Ayano. Continuaria amando ele. Mas se isso significasse estar ao lado dele, ela estava disposta a manter tudo isso guardado. Por mais fácil que fosse se distanciar ou simplesmente desabafar e se livrar disso, Yakishio escolheu persistir.
Eu não tinha dado o devido crédito a ela. Não pelo peso do que ela carregava. Não pela dor. E certamente não pela força dela.
— Eu te devo um pedido de desculpas, Yakishio.
— Por quê?
— Você tá sempre sorrindo e brincando com algo — eu disse — então às vezes esqueço que você realmente tem uma cabeça boa nos ombros.
— Muito perceptivo da sua parte — Ela fez outro sorriso com os olhos fechados, mostrando os dentes, e levantou alguns dedos em sinal de paz. — Se você realmente, realmente estiver arrependido, pode me mostrar seu dever de casa de verão.
— Uhh, qual matéria?
— Como assim "qual matéria"? — Ela já estava perdida.
Yakishio leu minha expressão em branco.
— Eu ainda estou mantendo o diário de fotos, só pra constar! Agora é tecnicamente um diário de observações, porque eu tenho essas glórias matinais que andei registrando.
— Isso não vai estar no dever de casa.
— Droga.
Eu retirei tudo o que disse. Tudo. Sofisticada? De jeito nenhum. Ela era a mulher cavaleiro sem cabeça.
— Beleza, qualquer coisa, a gente pode se encontrar no clube e eu...
— Com licença — Yanami interrompeu. — Por que tô sentindo um clima meloso rolando aqui? E, ah, que se dane, compartilhando dever de casa sem mim.
Surpresa, surpresa, Yanami também não fez nada.
— Yana, você ainda tem dever de casa também? Precisamos fazer uma festa de cópias — disse Yakishio.
— Com certeza. Na casa do Nukumizu.
Eu queria poder ter voz nessa conversa.
— Vou te dar minhas coisas, então leve para outro lugar — eu disse. — Uau, olha só! É um jogo de perguntas e respostas. Vocês deviam ver quem é mais esperto. Tchau.
Livre, finalmente, eu observei o corredor. Aqueles bonecos de loess estavam me chamando. Eram fascinantes, de verdade. Um tipo de massa mineral que se formava no solo ao redor—
— Nukkun! Tem espaço para três jogadores! — Yakishio acenou para mim.
Eu, é claro, já sabia disso e tinha habilmente omitido essa informação. Em vão. Continuei fingindo que não a ouvia até que Yanami se juntou ao coro de gritos, e minha mão foi forçada.
Eu contra Yanami contra Yakishio. Uma batalha feroz isso não seria.
◇
Esgotamos as exposições em cerca de duas horas, então seguimos para o Centro de Educação Audiovisual ao lado. O fato de termos a opção de dois museus tão próximos pode ter influenciado minha escolha do local para hoje.
Algumas crianças hiperativas passaram correndo na frente de Yanami, que estava sentada em sua cadeira. Ela fez uma pose.
— Consegui — devolvi o celular dela.
— Valeu. Boa foto. Será que vai bombar? Tô preocupada que os cristais estejam meio que ofuscando o clima.
O trono de Yanami era uma cadeira côncava coberta por dentro com um zilhão de pequenos "cristais de poder" coloridos. Definitivamente, era um cenário marcante.
— Nada disso, o povo te ama — respondi mecanicamente.
Me espreguicei. Yakishio estava ocupada estudando a Maior Bolota do Japão de todos os ângulos. Ayano e Asagumo se revezavam tirando fotos na frente de um espelho de ilusão que fazia a pessoa parecer extremamente magra.
Minhas energias estavam no fim. Minha casa me chamava. Yanami folheou um panfleto e soltou um "ooh" em uma das páginas.
— Tem um planetário — murmurou. — Um planetário...
Ela refletiu sobre isso por um tempo. Fiz um esforço consciente para ignorar seus devaneios. Ela sorriu de canto.
— Ahá, então é esse o seu plano. Ah, garotos. Sempre iguais.
Eu podia apontar algumas coisas erradas nessa afirmação.
— Que plano? Do que você tá falando?
— Ei, não, eu entendo. Acredite em mim. Não somos tão diferentes, você e eu.
De alguma forma, eu duvidava disso. Ela se levantou e deu alguns tapinhas no meu ombro.
— Somos adolescentes. Estamos nas férias de verão. No fundo, todo mundo quer seus cinco segundos de fama. Qual o seu perfil nas redes?
Tecnicamente, eu tinha um Twitter, mas nenhum dos meus zero seguidores faria qualquer alvoroço, não importava quantas fotos invejáveis eu postasse.
— Não é minha praia. Na real, tava pensando em ir pra casa logo.
— O quê? Não! Mas as rochas eram só pra baixar minha guarda, e aí você mandaria o golpe final com o planetário. Esse era o plano, certo? Certo?!
Golpe final? Só se estivéssemos falando de carros. Ainda assim, não.
— Podemos ir, se quiser.
— Eu sabia! Vou chamar os outros!
Enquanto Yanami corria para reunir os três retardatários, fiquei refletindo sobre os extrovertidos e a natureza da sua existência. E, quando já estava entediado de encarar um dos exibits, Ayano apareceu com os ingressos. Deixa com o cara que tem namorada. Ele era rápido.
Yanami encarava seu ingresso em silêncio.
— O quê? Você que quis vir — provoquei.
— Sim, mas você viu o programa de hoje?
Eu não tinha visto. Conferi meu ingresso: "Proteja o nosso universo com os Super Galactic Spectro Rangers!".
— Sentai. Legal — comentei.
— É mesmo? — disse Yanami. — Não sei se sentai vai ser romântico o suficiente para o que você quer. Você acha que vai funcionar?
Para o que ela estava planejando, provavelmente não. Yakishio se inclinou.
— Oooh, Spectro Rangers. Eu amava eles.
— Já viu esse antes? — perguntei.
— Meu pai me comprou um livro ilustrado científico daqui uma vez. Ele disse pra eu ler bastante pra ficar super inteligente.
E funcionou como mágica.
Por algum milagre, consegui arrastar Yanami até o planetário conosco. Só quando ela se distraiu tirando selfies me senti seguro o bastante para tirar os olhos dela por um instante.
Asagumo observava um pôster.
— Mitsuki, diz aqui que tem um mistério para resolver como parte do show. Que tal uma pequena competição?
— Gosto da ideia — disse Ayano. — Que tal se juntar a nós, Lemon?
— Hã? — Yakishio parou de tirar fotos para Yanami por um segundo. — Eu?
Ayano se aproximou de mim e sussurrou.
— É com você. Manda ver.
— O quê? Não. Vamos não.
Ele assentiu, entendendo absolutamente nada.
— Você tá nervoso, mas não precisa. A gente ainda vai estar lá. Só umas cadeiras de distância.
Não tive chance de retrucar. Ele chamou Yakishio.
— Vem, Lemon. Vai ser só nós três.
— Ah, mas eu ia assistir com a Yana — Yakishio disse. — Vocês dois podem ir na frente.
Sorriso perfeito. Jogada perfeita. Ela fez bem. Agora os noivos só precisavam entender a indireta.
— Você não precisa ser tão gentil — a noiva traidora disse. — Eu queria que a gente se tornasse mais amigas.
Yakishio hesitou por um instante, mas balançou a cabeça.
— Obrigada mesmo, mas sério, você devia ficar com o Mitsuki. Vamos, Yana. Nukkun.
Ela se virou. Ayano segurou sua mão.
— Lemon, espera! Escuta—
Um momento de hesitação.
— Mitsuki! — ela rosnou, soltando-se. — Você tá aqui com a Asagumo, então assiste com ela! Eu assisto com eles! Agora chega! Sem mas!
Vários visitantes nos lançaram olhares curiosos, se perguntando sobre a comoção. Finalmente entendendo a situação, Ayano abaixou a cabeça, tirando-a quase literalmente das nuvens.
— Desculpa. Não queria te chatear.
Asagumo se aproximou e pousou uma mão gentil em seu ombro.
— Olha — disse Yakishio, coçando a cabeça, meio sem jeito — ela é sua namorada. Não sei por que você tá priorizando qualquer outra pessoa além dela.
— Você tá certa.
— Eu sei que estou. Pff, cara, essa indecisão toda não foi o que me fez me apaixonar por você.
Ela deu um tapa nas costas dele. Eu vi seu sorriso. Tudo que ela disse, eu repeti mentalmente. Nenhum cara que tivesse atraído a atenção de Yakishio deveria ser tão...
— Espere — interrompi, finalmente registrando suas palavras. — Yakishio, o que você acabou de dizer?
— O que eu o quê?
Ela ainda estava sorrindo. Repetiu a pergunta, olhando primeiro para Yanami e depois para Asagumo. Viu as expressões em nossos rostos. E então, de repente, seu rosto passou de bronzeado a pálido como um lençol.
Mas ela ainda tinha uma chance. A única pessoa que não sabia ainda era o próprio Ayano, e ele era mais denso do que qualquer coisa densa. Se houvesse um momento para ser burro como um tijolo, era agora.
Virei-me lentamente, bem devagar, para avaliar sua reação. Logo agora ele resolveu usar o cérebro. Ayano estava mais vermelho do que um tomate.
— Lemon, você acabou de...?
— A-A-Agora escute primeiro, Mitsuki! Eu-eu posso explicar! Não é... Eu não quis dizer... — Yakishio desviou o olhar, escondendo-se atrás das mãos. Foi recuando devagar. — Eu não quis... Eu não...
Ela continuou repetindo variações dessas palavras, cada vez mais baixinho. E então, silêncio. Yakishio girou nos calcanhares e disparou como um raio, desviando das pessoas no caminho.
Ela sumiu num instante. Nós, que ficamos para trás, ainda estávamos tentando processar o que tínhamos acabado de testemunhar.
— Eu... acho que ela se foi — falei.
O tempo descongelou. Assim que isso aconteceu, Ayano tentou correr atrás dela — mas mal conseguiu dar um passo.
— Não vá! — Asagumo gritou. Ele parou. Ela juntou as mãos como se estivesse implorando. — Por favor, não vá! Você não precisa! Você pode ficar aqui! Comigo!
— Chihaya, ela...
— Eu estou bem aqui! Eu! Sua namorada!
Agora ela estava implorando. Suplicando. Lágrimas começaram a brotar em seus olhos.
Ayano olhou uma última vez na direção de Yakishio antes de se aproximar de Asagumo. Apenas uma única vez. Antes que a primeira lágrima caísse, ele a pegou com um lenço.
— Você tem razão. Me desculpe — disse ele.
— Mitsuki...
Observando-os se abraçarem, senti algo. Algo tão vívido que não consegui me forçar a correr atrás dela.
— Nukumizu! — Yanami me sacudiu. — Ei, Lemon ainda está lá fora!
— Eu sei.
— O quê?
A ficha caiu de uma vez. Era tristeza. Uma parte de mim, uma pequena parte, não queria esse desfecho. Uma parte egoísta — uma parte estúpida que achava que o infortúnio de Asagumo e a determinação de Yakishio eram apenas obstáculos para o verdadeiro final feliz.
— Eu vou atrás dela! — soltei.
Corri. Deixei tudo para trás e não olhei para trás. As pessoas passavam como vultos. Em algum momento, acho que praticamente saltei um lance de escadas. Ainda assim, não havia sinal dela.
Explodi para fora do prédio. Isso não era algo que eu faria. E, com certeza, não era algo da conta de um figurante.
Mas, agora, Yakishio não tinha um protagonista para tornar isso sua história.
◇
Cheguei a um ponto de ônibus alguns quarteirões adiante, com os pulmões em chamas. Yakishio estava lá, agachada no concreto. Atrás do guarda-corpo, um grande estacionamento de supermercado se estendia. O cenário nunca se importava com o contexto.
Uma dor surda ardeu no meu peito quando me aproximei dela.
— Você está bem?
— Nukkun? — Yakishio ergueu a cabeça dos joelhos. Seus olhos estavam vermelhos. — Eu sei que sou idiota, mas dessa vez eu estraguei tudo bem rápido, né? — Ela escondeu o rosto e limpou as marcas de lágrimas das bochechas.
— Eles estão lidando bem com tudo no museu. Está tudo certo por lá.
— Obrigada. E desculpa.
— Eu... também sinto muito — falei.
— Pelo quê? — Ela sorriu. Eu não acreditei.
Desviei o olhar. Sentia culpa porque uma parte de mim desejou não encontrá-la. Porque eu sabia que não era a pessoa que ela queria ver.
Ele nunca viria. Ela podia esperar o quanto quisesse, para sempre até, e ele ainda assim não viria. E o momento em que eu apareci, essa verdade afundou nela. Eu era a brisa fria que apagaria de vez essa esperança. Carros passavam pela pequena rua de duas pistas à nossa frente. O silêncio nunca durava muito tempo. A vida nunca se importava muito com as circunstâncias.
Yakishio se levantou e se espreguiçou, as mãos apoiadas nos quadris.
— Estou bem agora. Só vou esperar o ônibus e ir para casa.
— Eu vou com você.
Ela balançou a cabeça.
— Deixa uma garota ter um tempo para pensar sozinha.
— Então, pelo menos, me deixa ficar até ele chegar.
— Tá bom, claro. Mas conversa comigo.
— Conversar? Sobre o quê?
Ah, eu já tinha ouvido falar dessa técnica. Um pedido simples nunca era o que parecia quando vinha de um rosto bonito. A internet dizia isso.
— Uhm, ah, você já decidiu o que vai fazer para o jornal do clube?
Yakishio não ficou satisfeita.
— Essa era sua deixa para me fazer rir e me animar.
Viu? Nunca era o que parecia.
— Ah, tanto faz. Até que funciona. Estava pensando em escrever um poema ou algo assim.
— Você sabe escrever poesia?
— Não sou tão burra. Você começa com "era uma vez, blá blá blá", as coisas acontecem, e pronto.
— Isso é um conto de fadas, Yakishio.
Yakishio deu de ombros.
— Chame do que quiser — e então tossiu
— Era uma vez uma garota — começou. Ela viu minha boca entreaberta e um vestígio de sorriso passou por seus lábios. — Ela amava, amava, amava correr. E então, um dia, ela conheceu um garoto. O garoto amava, amava, amava ler.
Demorei para perceber que era sobre eles. Yakishio e Ayano.
Prendi a respiração, quase esquecendo de respirar.
— O menino gostava de falar sobre seus livros, e a menina gostava de ouvir. Eles se tornaram melhores amigos — ela continuou. — Mas o que a menina não sabia era que o menino era um príncipe. E, quando o príncipe crescesse, teria que partir para seu castelo. A menina desejava poder ir com ele, mas não sabia se comportar corretamente nem como dançar em bailes.
Um caminhão passou roncando, levantando poeira. Quando tudo ficou quieto novamente, Yakishio retomou de onde havia parado.
— Isso deixou a menina triste, então o príncipe tentou ensiná-la — como ter boas maneiras e como dançar em bailes. A menina fez o seu melhor para aprender, para que pudesse ir ao castelo com ele e, um dia, ela conseguiu. E eles viveram felizes para sempre.
Não disse nada. Esperei. Nenhuma continuação veio.
— O que aconteceu com eles depois que foram para o castelo? — perguntei.
— Eles viveram felizes para sempre. Como todas as histórias terminam.
O ônibus chegou, seus freios rangendo e chiando. Houve um sopro de ar, e a porta se abriu.
Yakishio subiu o primeiro degrau de um salto.
— É aqui que eu fico. Diga aos outros que sinto muito por tudo isso.
— É só isso? — gritei. — É assim que termina?
Ela parou de subir os degraus, mas não se virou.
— Como o quê termina?
— Você e Ayano.
— Sim — sua voz mal conseguiu se sobressair ao ronco do motor. — É sim.
Por um momento, pareceu que ela ia dizer algo mais. Mas não disse. A porta se fechou atrás dela quando subiu o último degrau.
Fiquei ali até que o ônibus sumisse de vista.
◇
Fechei meu caderno de exercícios. Não estava fazendo progresso nenhum na lição de casa daquela noite.
Já se passaram três dias desde então. Quase quatro, de acordo com o relógio. Yakishio não estava respondendo. Yanami falou com as amigas dela, que disseram que ela também não estava indo ao treino de corrida. Ayano e Asagumo me ligaram pelo menos meia dúzia de vezes cada um, perguntando por novidades. Eu disse a verdade: que ela parecia estar surpreendentemente bem, mas não toda a verdade. Nunca conseguia encontrar as palavras certas para explicar o que conversamos no ponto de ônibus.
Restavam quatro dias de férias de verão. Certamente, ela apareceria quando o semestre começasse. Se eu conseguisse esperar até lá.
Meu celular acendeu.
— Asagumo?
Li a mensagem e pulei da cadeira na mesma hora. Corri até a janela. Uma pequena silhueta andava de um lado para o outro do lado de fora da minha casa. Vestindo qualquer roupa que encontrei e tentando fazer o mínimo de barulho possível, saí. Lá, parada além do portão, estava Asagumo.
Ela abaixou a cabeça quando me aproximei lentamente.
— Me desculpe por incomodar tão tarde — disse ela. A hora da noite provavelmente era só parte do motivo de sua voz tão fraca.
— Não se preocupe com isso. O que você está fazendo aqui?
Como se eu já não soubesse. Ela era a própria dissonância cognitiva andando.
Ela não tinha feito absolutamente nada de errado naquele dia. Tinha todo o direito de se manifestar e impedir Ayano quando o fez. Mas, segundo Ayano, isso não a impediu de se culpar. Pelo contrário, parecia estar se martirizando.
— Você já conseguiu falar com ela? — perguntou.
Balancei a cabeça.
— Ainda estou sendo ignorado. O que, imagino, é melhor do que nada.
Um consolo vazio. Asagumo abaixou ainda mais a cabeça.
— A culpa é minha por ser indecisa — murmurou.
— Como assim? Por quê?
— Eu disse que estava preparada para abrir mão dele. Mas, quando chegou o momento, fiquei com medo. Eu nunca deveria ter dito nada.
Eu não sabia o que dizer.
— Namorar é difícil, imagino. Por isso vocês, bem, trabalham juntos. Enfrentam as coisas. Hm, eventos de gatilho. Conseguem todas aquelas... CGs. E tal. Acho.
Ofereci um pedido de desculpas silencioso. Eu era ingênuo demais para lidar com assuntos do coração.
— Se ao menos fosse tão simples — ela balançou a cabeça. — Desde que começamos a namorar, tudo que eu sinto é ansiedade. Preocupação. Não consigo parar de pensar em todos os e se.
— Então me responde isso: por que você deixou as coisas acontecerem? Por que nunca impediu eles de se encontrarem? Isso não teria cortado todo esse—
Não, isso não estava certo. Ela não precisava ser repreendida. Não precisava ouvir de mim algo que certamente já havia dito para si mesma centenas de vezes.
— Eu só tenho tanto medo de dizer a coisa errada — disse ela. — Como fiz quando ele tentou ir atrás dela.
— Aquilo não foi um erro. Yakishio é quem errou. Ayano também não deveria ter confundido suas prioridades.
— Não tenho tanta certeza. Ele tentou ir. Eu tive que impedi-lo. Eu o manipulei.
— Você é a namorada dele. Tinha todo o direito de chamar a atenção dele.
— E eles tinham todo o direito de conversar, mas eu tirei isso dele. Porque eu tinha medo de que, se falassem, eu o perdesse. Que ele escolhesse ela em vez de mim. Não foi coragem ou bravura que me fez falar. Foi porque eu duvidei dele — ela suspirou profundamente. — Estou tão cansada. Se Yakishio é quem ele prefere, eu prefiro terminar tudo agora do que—
— Essa não é a resposta — disse firmemente.
— Mas eu—
— Não é. Talvez eu esteja falando besteira agora, e me avise se estiver, mas você não pediu Ayano em namoro por impulso, pediu?
— Não.
Isso não era da minha conta. Eu era um espectador. Havia um momento certo para parar, e ele já tinha passado há muito tempo.
Agora, não havia mais volta.
— Bem, pelo pouco que sei sobre Ayano, ele também não parece ser o tipo de cara que diz "sim" por impulso — Pensei na última vez que vi Yakishio, momentos antes daquela porta do ônibus se fechar. — Agora pega todas essas emoções e coloca dentro de uma caixa. Yakishio sente exatamente a mesma coisa, só está tentando entender qual é o seu lugar.
Asagumo estremeceu ao ouvir o nome dela.
— Ela não quer ficar entre vocês dois. Então, por favor, nada de medidas drásticas. Ela é minha colega de clube. Quando chegar a hora, eu vou defendê-la.
Asagumo parecia confusa.
— Então você não gostaria que a gente terminasse? Por causa dela?
— Nada a machucaria mais do que ser a razão de vocês dois não conseguirem ficar juntos. Por favor, não a trate como uma vítima. Você acha que está ajudando, mas não está.
— Eu — ela baixou a cabeça novamente. — Me desculpe.
Eu a vi começar a tremer. Então percebi que talvez eu tivesse falado demais.
— O quê... ei, Asagumo? Você não está chorando, está?
Uma garota chorando na frente da sua casa depois da meia-noite não era uma boa imagem. Olhei rapidamente para o quarto de Kaju, no segundo andar. Nenhuma luz acesa. Eu estava ficando louco, ou a cortina se moveu?
— Olha, hum, ei, não quis te pressionar tanto assim. Aqui.
Fui até os meus bolsos. Não havia lenços ou guardanapos. Obrigado, Deus.
— Ok, hum, eu vou te acompanhar até mais perto de casa, pelo menos. Você mora perto?
Ela assentiu. Eu caminhei com ela até a rua principal.
— Você não precisa se preocupar com ela — eu disse. — Eu me encarrego disso.
Na prática, eu não estava totalmente seguro disso. Eu não tinha um grande plano.
Ver Asagumo daquele jeito, no entanto, me fez sentir que eu precisava dar a ela algo para se agarrar.
Ela tirou um dispositivo do bolso.
— Pelo menos me deixe te dar isso. Pode ajudar. Já ajustei os parâmetros do GPS.
— Eu... vou me virar sem isso. Você também deveria, para constar. Me prometa que vai parar com essas coisas.
Ela assentiu, e nos despedimos. Eu tinha muito a pensar no caminho de volta para casa.
Nada veio à minha mente. Principalmente, me peguei desejando que a magia fosse real. Eu poderia estalar os dedos e resolver tudo. Como eu iria interagir com ela quando ela inevitavelmente aparecesse novamente? Meu celular vibrou no meu bolso. O número me fez hesitar — vice-presidente do clube de literatura, Tsukinoki Koto.
— Oi! — a voz dela veio pelo alto-falante. — Não pensei que isso realmente aconteceria tão tarde.
— É, eu estou acordado. Meio estranho que você esteja, mas o que aconteceu?
— Então, você lembra de eu ter dito que o Shintarou destruiu o meu primeiro rascunho para o jornal?
— Vagamente.
— Bem — ela disse — isso me deixou com raiva, então editei para ser realmente para todas as idades dessa vez. Você pode dar uma olhada para mim?
Por que ela não estava estudando para os exames da faculdade?
— O presidente não pode fazer isso? — Eu apontei.
— Ele só vai destruir de novo. Eu quero que você faça a fase de edição para a gente poder dizer que teve uma, e depois enfiá-la no estilo guerrilha.
Ela estava completamente fora de si, achava que minha palavra tinha tanto peso naquele clube.
— Então você está procurando um bode expiatório, é isso que está dizendo?
Silêncio. Ele falou por si só.
— Eu estou meio ocupado ultimamente, mas manda pra mim e eu dou uma olhada, acho.
Comecei a desligar.
— Espera — ouvi ela dizer. — Essa parte é importante.
Eu coloquei o telefone de volta no ouvido, desejando que ela tivesse começado por isso.
— Yanami me contou sobre o que aconteceu com Yakishio. Parece que foi um grande tumulto.
Se tinha vindo de Yanami, só podia ser uma coisa.
— Quanto? — eu perguntei.
— Tudo. Desde o arco da traição até o pé na boca na frente da namorada. Quase todos os detalhes.
Eu suspirei.
— Ela adora falar, não é?
— Não segure isso contra ela. O capitão do time de atletismo me perguntou sobre ela, então fui eu quem mexeu na cabeça da Yanami.
Yakishio era o ás deles. Eu imaginei que fosse só uma questão de tempo até começarem a se preocupar. A pergunta então se tornou o que a Senpai queria que eu fizesse a respeito disso.
— Você está livre amanhã? — ela perguntou. — Bem, hoje, tecnicamente.
— Uh, antes de eu responder a isso, você tem que esclarecer o motivo de estar perguntando.
Tsukinoki esclareceu. Alto, orgulhosa, e sem um pingo de ironia.
— Para a intervenção, óbvio!
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