Volume 2
Capítulo 1: Anna Yanami Está Tentando Me Dar Dicas
— Olá?
Além da porta, que rangia ao ser aberta, estava o cenário inalterado. Nossa sala de estar e jantar combinada permanecia como sempre, com dezoito tatamis de tamanho. Um programa de reprises de viagem passava na TV. Tudo estava como deveria ser.
Se não fosse pela garota que atualmente ocupava um assento à mesa.
— Ei, Nukumizu! Que bom te ver de novo!
A intrusa abriu a boca bem grande e mastigou uma colherada de curry.
— O que diabos você está fazendo aqui?!
Yanami Anna. Status atual: bochechas inchadas de arroz e molho, teve seu amor roubado por uma estudante transferida que acabou de chegar, uma heroína perdedora, se é que já houve uma. Ela engoliu, não percebeu o arroz em sua bochecha e sorriu para mim.
— Esse curry está bom. Normalmente fica melhor depois do segundo dia, né?
— É... Então você vai me dizer por que está na minha casa comendo meu curry?
— Ah, mmmhmhm.
Por favor, engula.
Bem, com isso, a identidade da visitante misteriosa não era mais um mistério. Sentei-me à sua frente, suspirando. Momentos depois, ela terminou de mastigar. Graças a Deus.
— Você realmente tem que me avisar antes de aparecer — eu disse. Yanami não estava nada impressionada com tais expectativas razoáveis.
— Cara, você sequer checa o seu LINE? Eu te avisei.
Desbloqueei meu telefone e verifiquei o ícone. Com certeza, havia uma bolinha lá.
— Desculpa, eu realmente perdi isso. Por que você não me mandou um e-mail avisando para eu checar?
— Ah, porque o app te avisa? Nas suas notificações?
— Minhas notificações? Ah. Isso.
Na verdade, não era apenas para avisar quando sua energia voltava no seu jogo de celular favorito? Quem diria. A gente aprende algo novo todo dia. Fingi não estar surpreso.
— Ok, então, por que você está aqui mesmo?
No final do semestre passado, nós tínhamos oficialmente nos tornado amigos. Não éramos o tipo de pessoa que aparece de surpresa para passar o tempo, mas aqui estava ela. A parte do curry era irrelevante. Yanami era do jeito que era.
Depois de quase terminar o prato, ela agora estava comendo as últimas migalhas de curry e arroz com uma precisão impressionante. Com as últimas sobras indo para o estômago, ela juntou as mãos em sinal de agradecimento.
— Obrigada pela comida — disse ela. — Enfim, estou distribuindo somen para todos os meus amigos.
— Somen?
Finalmente percebi o saco de papel em cima da mesa. Isso era um daqueles presentes de meio de ano que as pessoas às vezes dão? Será que nós tínhamos algo para retribuir? Talvez um conjunto de óleo de salada. Yanami provavelmente gostava de óleo.
Dei uma olhada. Uma caixa do tamanho certo estava apertada dentro, com as palavras Pacote de valor escritas em cima.
— Então não é um desses presentes de meio de ano — eu disse. — O que está acontecendo?
— Boa pergunta. Fantástica, até.
— É uma normal.
Yanami simplesmente limpou a boca e não me deu atenção.
— Basicamente, esse mês meu pai foi pago com noodles.
— Ele foi... o quê?
— Você ouviu. O pagamento dele de julho foi somen. O macarrão. Um monte dele.
As cigarras ficaram bem quietas de repente.
— Um salário inteiro é muita grana — eu disse. — Temos 300.000 ienes de somen.
— E isso não é tipo, código para alguma coisa, né? Tudo isso é legal?
— Uh, sim? Você sabe que minha família não é do tipo máfia, né? — Ela olhou pela janela. Eu fiz o mesmo, porque não? — Eu já comi… tanto somen.
O céu de agosto — e como ele estava azul — indicava o calor do verão, mas as nuvens que o pontuavam traiam a chegada do outono.
— Então você está só compartilhando isso com todo mundo — eu disse. — Por que não leva um pouco para seus vizinhos?
— Já levamos. Mas ultimamente, vários deles não têm atendido à porta.
Excomungados via somen.
— Que pena.
— É, é sim — ela disse. Um momento de silêncio respeitoso passou. — Espero que isso explique porque estou com vontade de curry.
— Mais ou menos. Sim. Você quer mais?
— Já peguei. Estou bem. Como fui boba. De várias formas, na verdade. Talvez tenha exagerado em uma entrega amigável de somen.
— Ei, sabe de uma coisa? Você provavelmente não viu o LINE de manhã também. O clube de literatura vai ter uma reunião de emergência.
— Ah, eu realmente perdi isso.
Fui procurar meu telefone e verifiquei o grupo do clube.
O presidente pediu para nos encontrarmos na sala do clube amanhã à tarde. Yanami já tinha respondido, confirmando sua presença.
Mandei uma resposta rápida de "ok", então disse.
— Enfim, você não tem outros lugares para ir?
— Você quer que eu vá embora tão rápido assim, né?
Yanami fez um biquinho.
— Só um pouco. Só pensei que você tivesse outras pessoas para distribuir somen.
— Sim, eu tenho mais uma… espera, o que foi isso primeiro?
— Nada. Ouvi dizer que o tempo vai ficar mais quente, então é melhor se apressar.
Nova energia brilhou nos olhos de Yanami.
— Depois das peras.
— Depois das o quê?
Virei-me rapidamente. Estava atrás de mim, estava Kaju, agora vestida com o uniforme e segurando um prato.
— Eu acabei de descascar essas, se você quiser algumas, Yanami — disse ela, com um sorriso bem largo.
— Eu vou aceitar! Obrigada, Kaju.
Eu tinha me esquecido completamente dela. Pelo visto, as duas se deram bem. Kaju veio caminhando como um cachorrinho e se sentou ao meu lado.
— Hmm, essas estão boas — disse Yanami.
— Um parente nosso nos deu — direto do pomar Kojima — explicou Kaju. De repente, uma folha de papel e um gravador de voz apareceram em suas mãos. — Agora, se não for um problema, tenho algumas perguntas.
Ela estava mesmo falando sério sobre a entrevista.
— Claro — concordou Yanami. — É para um trabalho de casa ou algo assim?
— Sim... Vamos dizer que sim! Então, primeiro, preciso da sua data de nascimento, tipo sanguíneo, parentes que moram com você, hobbies ou habilidades, a história de como vocês dois se conheceram...
Kaju já tinha embalado no interrogatório. Interrompi rapidamente.
— Ok, ok, a Yanami é uma garota muito ocupada, com uma agenda lotada. Deixa isso para a próxima.
— Mas, querido irmão! — ela resmungou. — Eu ainda não ouvi nenhuma das suas emocionantes histórias da vida escolar!
E nunca vai.
— Seja como for. De volta para o seu quarto agora. Anda, sobe.
Ainda reclamando, Kaju finalmente se retirou. Um desastre evitado.
— Você faz ela te chamar de querido irmão? — murmurou Yanami.
— Eu não faço ela me chamar assim. Coloque isso na sua cabeça.
— Mas ela é muito fofa! O rostinho todo redondo, o cabelo tão sedoso...
— É, dizem que nos parecemos.
— Dizem? Quem? Me mostra essas pessoas.
Todos estavam ocupados. Assim como ela. Então por que ainda estava aqui comendo? Apoiei os cotovelos na mesa e lancei um olhar de soslaio pela janela. Dunas fofas de cirrocúmulos se espalhavam pelo céu. Como deviam estar altas. Será que conseguiam ouvir o canto incessante das cigarras?
— Quase outono — murmurei.
— Temporada de peras, uh-huh. Olha, se você queria algumas, era só pedir.
Ela empurrou o prato na minha direção enquanto ainda mordiscava uma fatia.
— Certo. Valeu.
Adeus, momento de introspecção. Peguei uma pera.
Faltavam dez dias para o novo semestre. Quando esses dez dias terminassem, eu olharia para este dia, para a visita de Yanami, do mesmo jeito que os dinossauros devem ter olhado para o meteoro.
◇
Na tarde do dia seguinte, ajustei a gravata enquanto passava pelo portão do Colégio Tsuwabuki, uma instituição convenientemente localizada a uma curta caminhada da estação Aidai-Mae. Pouco depois, abri a porta da sala do clube e entrei, encontrando apenas uma outra pessoa lá dentro.
Uma garota magricela estava sentada em uma cadeira dobrável diante da estante gigante que cobria a parede inteira, lendo um livro. As cortinas, balançando ao vento, a encobriram por um instante.
Os longos fios da franja e o curto rabo de cavalo lateral de Komari Chika dançavam na brisa. Ela era do primeiro ano, como eu, e mais uma heroína perdedora como a faminta do dia anterior — dessa vez, vítima de ninguém menos que o nosso próprio presidente. Quando nos conhecemos no semestre passado, ela me passou uma vibe de hamster raivoso — se um hamster pudesse escrever coisas maldosas no celular.
Desde então, todas as coisas maldosas passaram a sair da boca dela, em vez do telefone. Tínhamos avançado bastante. Quem disse que eu era antissocial claramente não conhecia Komari Chika.
— Ei, Komari. Quanto tempo.
Um som estrangulado escapou da boca dela. Ela agarrou o celular e, em velocidade luz, digitou.
VOCÊ ESTÁ ADIANTADO. LEIA ALGUMA COISA ATÉ A HORA.
— Ah, certo.
Ela voltou ao livro. Bom, de volta à estaca zero. Jogos mobile geralmente te recompensam por logar de novo, e não... bom, seja lá o que isso era.
— Ei, então — Outro som engasgado, outra busca desesperada pelo celular. Balancei a mão. — Deixa pra lá.
Encontrei uma cadeira do outro lado da sala.
O déjà-vu era surreal. Fiquei mexendo no celular, tentando ignorar o óbvio constrangimento, mas era demais. Até pra mim. De vez em quando, jogava algum comentário que não exigisse resposta. Não dava para apressar essas coisas. O segredo era manter tudo leve. Falar sobre bichinhos fofos e tal. Com o tempo, o coração dela se abriria.
— P-Podemos parar de falar sobre roedores, por favor?
Depois de vinte minutos, ela não aguentou mais, escancarando de vez as portas do próprio coração.
— Ei, a gente estava justamente entrando nos detalhes das diferenças entre gerbos mongóis e hamsters.
— Eu-eu pesquiso no Google! Por favor, para.
Mais uma vez derrotado pela guardiã do conhecimento. Paciência. Minha missão era apenas iniciar uma conversa, e nisso eu tinha sido bem-sucedido.
Voltei ao celular, satisfeito, quando a porta (de verdade) se escancarou. Yanami apareceu na entrada, segurando uma grande caixa de papelão, apoiada na porta com a perna porque os braços estavam ocupados.
— E aí! Vocês chegaram cedo — disse ela.
Levantei e peguei a caixa, colocando-a na mesa.
— Valeu. Pelo visto, a dupla de senpais ainda não chegou.
Ela se jogou em uma cadeira, os braços caindo de cansaço. Komari murmurou algo para si mesma e arrastou a cadeira para um canto distante.
— Isso tá pesado — reclamei. — Ah. Somen.
— Compartilhar é se importar, sabia? Leva um pouco com você, Komari.
A criatura acenou com a cabeça, em silêncio, do seu refúgio seguro. Yanami se aproximou de mim de lado. Me inclinei para longe.
— Ei, qual é o problema dela? Você puxou o rabinho de cabelo dela ou algo assim?
— Por que eu faria isso? — resmunguei. — Ela só vai ficar nervosa por um tempo. Nada de gritos e nem movimentos bruscos até ela se acostumar.
— Tipo um café de gatos. Entendi.
Um café de gatos provavelmente seria mais fofo do que isso. Deixamos ela em paz em silêncio, até que, alguns minutos depois do horário marcado, os alunos do terceiro ano — o Presidente Tamaki Shintarou e a Vice-Presidente Tsukinoki Koto — finalmente chegaram.
A essa altura, os recém-namorados provavelmente estavam entre a cruz e a espada, lidando com a proximidade da faculdade e o fato de terem começado a namorar apenas em julho.
— Desculpem a demora — disse o Presidente.
— E por interromperem as férias de vocês — acrescentou Tsukinoki.
Os dois se sentaram, para alívio de Komari, que se aproximou um pouco mais.
— Parece que faz tempo, não? — eu disse.
O presidente deu de ombros.
— Essas provas para as quais estamos estudando são difíceis. Pelo menos estou conseguindo me manter à tona.
Ele lançou um olhar para Tsukinoki, que não retribuiu.
— Eu estou tentando, tá bom? As provas de admissão vão acontecer quando tiverem que acontecer — resmungou a Senpai. — Não adianta se apressar, é o que eu digo.
— As provas não vão a lugar nenhum, mas suas chances de passar nelas, sim.
— Isso não é um grande problema. Tenho um plano B bem tranquilo na sua cozinha se eu deixar a bola cair — Tsukinoki trocou olhares com Komari, com quem então compartilhou um sorriso largo e cheio de significado. O presidente suspirou e levou a mão ao rosto.
Sem dúvidas, a dupla dinâmica estava funcionando como sempre, para o bem ou para o mal. O presidente tinha muito trabalho pela frente. Yanami levantou a mão, pondo fim àquela situação constrangedora.
— Então, o que estamos fazendo aqui?
— Ah, certo — O presidente parecia grato pela interrupção. — O conselho estudantil nos avisou que, a partir deste ano, todos os clubes devem apresentar um relatório sobre suas atividades durante o verão. Queria saber a opinião de vocês sobre isso.
Isso seria difícil, considerando que já havíamos passado do Obon, junto com a maior parte do verão.
— Por que estão jogando isso em cima da gente só agora? — perguntei.
O presidente lançou um olhar de soslaio para Tsukinoki.
— Eles não estão. Pelo visto, nos avisaram lá em julho.
— Não me olhe assim — rebateu a Senpai. — Estive ocupada estudando e tirando minha habilitação, então acabei esquecendo. — Ela ergueu um papel e o balançou no ar, como se estivesse zombando de seus criadores.
Não me dei ao trabalho de perguntar como ela teve tempo para fazer autoescola. Tive a sensação de que o presidente já fazia essa pergunta há tempo suficiente.
Yanami pegou o papel.
— Aqui diz que viagens de clubes contam. E aquela vez que fomos à praia?
— Fizemos isso antes das férias — respondeu o presidente. — Faltava uma semana para o recesso começar.
Só uma outra coisa me veio à mente.
— Temos postado nossas histórias online. Isso conta?
— Isso não é diferente da nossa atividade cotidiana. Eles querem algo único e especial que tenhamos feito durante as férias. Então... — Ele olhou para Tsukinoki.
Ela tirou de sua bolsa um folheto do tamanho A4.
— Criamos esta amostra para um jornal do clube, com todos os nossos trabalhos impressos. Só precisamos colocar uma capa e um colofão, e voilà. Vai parecer bem profissional.
Folheei o material e encontrei a comédia romântica que eu estava escrevendo.
— Tem muitas páginas vazias.
— É só uma amostra — explicou o presidente. — No produto final, teremos comentários ou artigos intercalando os textos, para parecer algo mais elaborado do que só um compilado do nosso trabalho antigo.
— Ei, o meu também está aqui — apontou Yanami, espiando por cima do meu ombro.
— Quero que todos pensem em quais histórias querem ver na versão final — continuou o presidente. — Ou, se preferirem, podem escrever algo completamente novo.
— O-O que você está fazendo? — Komari perguntou.
O presidente torceu os lábios.
— Não tenho muito tempo para escrever algo novo agora, então provavelmente vou submeter um resumo da minha série atual. O mesmo vale para vocês. Não se sobrecarreguem.
Percebi que Tsukinoki estava rabiscando algo em um caderno.
— O que está fazendo, Senpai?
— Shintarou disse que o que eu escrevi não é publicável — ela respondeu. — Então estou trabalhando na arte da capa.
O rascunho mostrava os contornos a lápis do que certamente seriam dois homens. Os sinais vermelhos estavam especialmente vibrantes hoje.
Abri meu perfil no Bungou ni Narou enquanto pensava no que enviar. Meu projeto pessoal era uma comédia romântica seriada chamada Halfway Down Love Street, e eu já tinha cinco capítulos. O primeiro capítulo fazia mais sentido para ser incluído como amostra publicada.
Verifiquei meus números. Ainda quatro favoritos. Exatamente o número de pessoas na sala agora, e isso não era coincidência.
Apenas levemente incomodado com isso, não pude deixar de notar a ausência de uma certa integrante do clube que me abandonara — Yakishio Lemon. Atleta de pista bronzeada pelo sol, artista talentosa do clube de literatura e terceira heroína.
— Ei, Presidente, cadê a Yakishio?
— Disse que estava ocupada. Vou repassar as informações para ela.
O atletismo era sua prioridade, mas, às vezes, ela deixava suas coisas jogadas por aí, então presumi que não tivesse esquecido completamente de nós.
Todos estávamos em silêncio, contemplando nossas histórias e decidindo quais escolher, até que Yanami exclamou.
— Certo, acho que vou escrever uma continuação da minha primeira história! O que você vai fazer, Komari?
Komari hesitou, murmurando sons indecisos, antes de pegar o celular.
VOU ESCREVER UM CONTO — dizia a tela.
— Oooh, legal. E você, Nukumizu?
— Talvez eu revise o primeiro capítulo da minha série e envie — respondi.
O presidente assentiu e bateu palmas.
— Ótimo. Todos temos nossas tarefas. Enviem-me seus textos quando terminarem.
Ele se levantou, com a Tsukinoki logo atrás.
— Vocês já estão indo embora?
O Presidente agarrou a Tsukinoki pelo braço.
— Tenho que garantir que Koto não procrastine nos estudos. A gente se vê depois.
— Tchau! E boa sorte! — Tsukinoki chegou até a porta antes de se virar novamente. — Ah! Alguém se importaria de me substituir na biblioteca amanhã?
— Biblioteca? — repeti. — Para quê?
— Lembra quando eu disse que temos conexões lá? Este ano, estou no comitê, mas ando muito ocupada. Eles não precisam de muita coisa, só um pouco de ajuda para organizar a coleção, então eu apareço para ajudar de vez em quando.
O Presidente surgiu por trás dela.
— Podemos fazer pedidos de novos livros e ainda ganhamos desconto se comprarmos por eles. É uma troca justa.
Komari assentiu e levantou a mão timidamente.
— E-Eu posso ir.
— Eu também posso — ofereci.
— Sério? Isso seria incrível. Quanto mais gente, melhor — disse a Senpai. — Temos que nos manter bem vistos pelos bibliófilos.
Yanami juntou as mãos em um gesto de desculpas.
— Desculpa, eu tenho um encontro de turma amanhã.
— Sem problemas. Sei que foi meio em cima da hora. Vou mandar os detalhes depois.
A Senpai acenou e saiu com O Presidente, dessa vez de verdade.
Assim que suas vozes sumiram no corredor, Komari fechou o livro com um baque e saiu correndo da sala quase imediatamente, murmurando algo. Provavelmente um "tchau" ou "até mais" meio apressado. Yanami tentou, sem sucesso, conter um bocejo. Espreguiçou-se.
— Acho que vou nessa também. Tenho um horário marcado no salão amanhã.
— Ah, o encontro da turma — comentei. — Isso significa que a Hakamada vai estar lá também?
— Claro. Digo, encontro de turma faz parecer mais do que realmente é. É só eu, Sousuke e alguns amigos antigos nos reunindo para colocar o papo em dia.
— Hm. Parece divertido.
Minha falta de entusiasmo era evidente. Um grande sorriso se espalhou pelo rosto dela.
— A Karen também vai.
— Espera, o quê? Ela vai?
Himemiya Karen era a aluna transferida que entrou na nossa turma por volta de maio. Uma beldade que, em apenas dois meses, conseguiu roubar o amigo de infância e paixão de Yanami bem debaixo do nariz dela. Yanami tinha seu charme, mas sua graça e presença de protagonista não foram suficientes para manter Hakamada Sousuke ao seu lado. Além disso, Himemiya tinha "atributos" maiores.
— Mas ela é uma transferida — comentei. — Achei que fosse um encontro de turma.
— É um evento opcional de "traga seu namorado ou namorada", para apresentações.
Fazia sentido. O que eu não conseguia ignorar era a implicação disso. Essas eram pessoas do ensino fundamental que conheciam a história dela com Hakamada. E agora, ele apareceria acompanhado de outra garota. Ela percebeu minha preocupação.
— Ei, relaxa. Eu mudei desde o semestre passado. De agora em diante, sou a Yanami otimista, grata e espalhadora de felicidade.
— Não diga...
Minhas expectativas estavam no extremo oposto de altíssimas. Ela juntou as mãos de forma condescendente.
— Vou facilitar para você entender.
— Isso seria uma novidade.
— Sousuke e Karen são meus melhores amigos. Portanto, a felicidade deles é a minha felicidade. Entendeu?
Assenti, porque ela esperava que eu fizesse isso. Yanami aprovou e continuou.
— Então, ao ficarem juntos e felizes, eles me fazem feliz. Estou grata além das palavras.
— Seja lá o que funcione para você.
Tinha minhas dúvidas sobre essa súbita e drástica mudança de opinião. E, como previsto, Yanami puxou um livro intitulado 108 Maneiras de Ser uma Pessoa Melhor.
— O que você tem aí? — perguntei.
— Hmm... "Você é digno de amor exatamente como você é. Um espeto é um espeto por causa do palito..." Ei, quer pegar emprestado?
Entendi tudo.
Yanami sorriu. Eu balancei a cabeça em silêncio.
◇
No caminho para casa, fiz uma parada na máquina de vendas do pátio. Antes que pudesse decidir o que comprar, uma voz sussurrou.
— Tem alguém aí?
Virei a cabeça de imediato. Ninguém. Devia ser minha imaginação. Às vezes, quando me envolvia demais em uma light novel, quase conseguia ouvir as vozes dos personagens na minha cabeça. Sim, era isso.
Fiz minha escolha de bebida.
— Você...
Um grito agudo escapou de mim, detonando minha masculinidade, quando uma mão pálida surgiu ao redor da máquina. Se eu estivesse de botas, teria sido totalmente justificável que elas tremessem, muito obrigado.
Foi então que percebi o scrunchie no pulso e as unhas chamativas. Reconheceria aquelas mãos em qualquer lugar.
— Shikiya? — chamei.
Das sombras, algo se moveu. A coisa do conselho estudantil.
— Você é... o garoto do clube de literatura — murmurou.
Shikiya Yumeko, aluna do segundo ano, apoiava-se pesadamente contra a máquina de vendas. Seus longos cabelos castanho-claros ondulavam sobre os ombros. Os cílios longos e marcantes lançavam sombras sobre seus olhos. A maioria esperaria um bronzeado para acompanhar seu estilo, mas sua pele era de um branco fantasmagórico.
Ela era uma gyaru de verdade, e eu teria ficado emocionado por estar diante do meu arquétipo favorito, se não fossem as lentes de contato assustadoramente brancas e a aura sombria que a envolvia.
— O que, ahm… O que você tá fazendo aí? — ousei perguntar.
— Vim pegar uma bebida… Fiquei cansada. Pode ajudar? — Ela me entregou uma moeda.
— Ahm, claro. Só um chá?
— I LOHAS. Pêssego… E abra. Por favor.
Tão específica. Mas ela era minha senpai, então fiz o que pediu e abri a garrafa para ela.
— Sem troco — avisei.
— Me ajuda…
— Hã?
Shikiya não elaborou, mas, pelos indícios — os olhos fechados, o queixo levemente erguido, os lábios pálidos entreabertos, — entendi o que ela queria.
— Sh-Shikiya?
Em qualquer outro cenário, esses seriam os sinais clássicos para ir para um beijo.
Engoli em seco. Calma. Era um pedido inocente. Eu só estava dando água para minha senpai, com quem mal tinha trocado meia dúzia de palavras. Qualquer um poderia se identificar com essa situação, certo?
— Anda logo… — Ela suspirou.
— T-Tô indo!
Um cavalheiro não fazia uma dama esperar. Coloquei o gargalo da garrafa em seus lábios e inclinei.
Naquele dia de verão, no pátio deserto, sob a sombra de uma máquina de venda automática solitária, enquanto as cigarras zumbiam e estridulavam, e um fio de líquido escorria pelo queixo de Shikiya enquanto ela bebia, só uma pergunta ocupava minha mente.
O que, exatamente, tava acontecendo agora?
— Ei, acha que já consegue, ahm, fazer isso sozinha?
A mão de Shikiya disparou de repente e agarrou a minha. Soltei outro gritinho.
— Muito… Tá derramando — ela murmurou, pegando a garrafa e saindo para o sol. — Valeu. Era exatamente o que eu precisava.
O médico talvez devesse receitar um pouco mais, no seu caso.
O I LOHAS escorreu da garrafa e caiu no chão.
— Pare de inclinar assim! — resmunguei. — Coloque a tampa primeiro.
Fui em frente e fiz isso por ela. Então, ela pegou um lenço rosa e rendado e me entregou.
— Limpe, por favor — ordenou, quase sem fôlego.
— Você literalmente está segurando ele na mão. Não pode... Ah, esquece.
Ela me lembrava a Kaju de três anos de idade. Sempre se comportava bem com nossos pais, mas sua coordenação motora regredia uns dois anos sempre que comia comigo. Basicamente, eu precisava ficar de olho nela o tempo todo durante as refeições.
— Limpe sua roupa sozinha. Sujou seu laço ali.
Tentei devolver o pano úmido, mas ela não pegou.
— Ahm, Senpai? Seu lenço.
— Como está Koto... Tsukinoki?
— Conversamos há pouco. Ela parece estar bem sobrecarregada com os estudos no momento.
— Ouvi dizer que ela está namorando Tamaki... — Ela balançou um pouco sobre os pés. — É verdade?
— S-Sim. É.
— Entendo... — murmurou, ainda oscilando.
Saí do caminho enquanto ela cambaleava de volta para o prédio. Quando vi que ela entrou, soltei um suspiro. O relacionamento dela com o presidente me intrigou por um tempo, até que me dei conta de algo.
— Opa. Ela não pegou o lenço de volta.
Pensei em ir atrás dela, mas logo desisti. Ela não era alguém que se confrontava sem preparação prévia. Eu daria um jeito de devolver depois. De alguma forma. Preferencialmente pelo correio ou algo assim.
◇
Na tarde seguinte, entrei na biblioteca da escola Tsuwabuki. Atrás do balcão, havia uma garota do comitê, ocupada demais com seu laptop para me notar.
Hesitei por um instante e então disse.
— Ahm, com licença.
— Desculpe, estamos fechados. Estamos organizando as prateleiras hoje.
— Ah, bem... É por isso que estou aqui. Para ajudar com isso. Sou Nukumizu, do clube de literatura.
A garota parou de digitar e levantou o olhar. Seu rosto era fino e esguio, a pele clara. Ela tinha uma única trança caída sobre o ombro.
— Entendo. Koto mencionou que você viria.
Ela juntou as mãos na frente da saia longa e se levantou. Quando contornou o balcão, notei o emblema na manga, indicando que era do segundo ano.
— Agradecemos muito. Sempre ficamos com pouca gente perto das férias de verão. Venha comigo, por favor.
— Claro.
Quando passou por mim, consegui vê-la melhor. Era magra e tinha traços sutis, delicados. O tipo de beleza discreta. A personificação do estereótipo de uma bibliotecária ou membro de um clube de literatura. Seu tipo parecia exalar melancolia em cada poro, como se um romance trágico estivesse inevitavelmente à sua espreita.
Fomos para dentro da biblioteca. Ela olhou para trás e esboçou um sorriso suave.
— Vejo que o clube de literatura ainda está recebendo novos membros. Isso é um alívio.
— Bom, tecnicamente já sou membro há um tempo. Só estou começando a aparecer mais agora.
— Espero que continue assim. A outra garota já chegou e poderia precisar de uma ajuda.
Com um dedo pálido, apontou para a estante 900. A seção de literatura.
Agachada à sombra das prateleiras, Komari murmurava para si mesma enquanto examinava os rótulos dos livros.
— Ei. Desculpe o atraso — disse.
Ela me lançou um olhar nada impressionado por trás da franja.
— T-Tenho certeza que sim. V-Você pega a metade de baixo da lista.
— Beleza. Não deve demorar muito.
Peguei a lista e comecei a seguir a fileira, reorganizando os volumes de acordo com seus rótulos e verificando se havia algo faltando.
Rapidamente ficou tedioso. Na verdade, estava demorando bastante. Eu já sentia os bocejos chegando.
— A propósito — quebrei o silêncio — você disse que estava escrevendo um conto para o jornal, certo? Alguma ideia?
— S-Sim — Komari respondeu, para minha surpresa. Eu meio que esperava que ela tentasse arrancar minha garganta, como de costume, mas agora parecia uma camarada na batalha contra o sono. — Bom, eu... na verdade já escrevi. É um r-romance isekai.
O quê? Como? Eu mal tinha começado a revisar o primeiro capítulo do meu texto.
— Você trabalha rápido. Vai postar no Narou?
— Já postei o-ontem à noite.
Ela lutou contra um sorriso que tentava se formar em seus lábios.
— Imagino que tenha mais.
— Eu-eu... e-entrei no ranking diário.
— O quê? Sério? Você disse que era um romance isekai?
Peguei meu celular e, depois de navegar pelos rankings específicos do gênero, cliquei em algumas coisas. Os melhores trabalhos, as obras escolhidas, estavam no topo, em uma liga própria. Alguns deslizes para baixo e vi um autor familiar chamado Kuon Usagi.
— Então esse é seu pseudônimo — comentei. — Espera... Você está no top 10? Você está em oitavo?!
Komari deu uma risadinha.
— M-Meus pontos sobem toda vez que eu atualizo.
Incapaz de conter a empolgação, ela saltou no ar como um coelho. "Usagi", de fato
O ranking diário do Narou ia até 300. Conseguir entrar já era um feito. Ficar entre os dez primeiros era um milagre.
— Caramba, sim, você já passou dos 3.000 pontos — comentei.
Sua série original era sobre o sobrenatural, algo no estilo ayakashi, um gênero de nicho com pouco potencial de pontuação. Além disso, ela era completamente nova no site. E, ainda assim, havia alcançado milhares de pontos da noite para o dia. Tinha alguma coisa aí. Ela não demonstrava abertamente, mas eu podia sentir que a ostentação estava prestes a começar.
Podia ser apenas um conto curto, mas três mil pontos eram três mil pontos. Esqueça coelho, galo parecia um apelido mais adequado para o nível de arrogância que ela certamente atingiria depois disso.
Ousei lançar um olhar para ela e, sem surpresa alguma, seu rosto inteiro dizia apenas uma coisa: pura satisfação.
— Eu-eu quero dizer, não estou nisso pelos pontos, d-de qualquer forma — ela se gabou.
— Você realmente acha que eu vou esquecer a forma como você menosprezou minha série?
— O q-que importa é seguir sua paixão. Dê um tempo, N-Nukumizu.
— Uau, nunca me senti tão menosprezado em toda a minha vida. Como é a vista lá do alto, Komari? Deve ser bem bonita.
Então ela tinha literalmente cem vezes mais pontos do que eu! E daí? Isso não significava que a qualidade era proporcional. Eu mesmo julgaria isso.
Cliquei na postagem dela.
Relatório de Atividades de Verão do Clube de Literatura: Komari Chika — Solteira e Pronta para Conhecer Novas Pessoas!
— Sylvia Luxéd, nós terminamos!
Fiquei completamente sem palavras. Fui acusada de tentativa de assassinato contra a filha do barão, Anne, e, como resultado, meu noivado com o Príncipe Herdeiro Guster foi anulado. E tudo isso aconteceu na minha própria residência.
Éramos melhores amigos desde que o conceito de amizade sequer fazia sentido para nossas jovens mentes. Estávamos destinados a nos casar.
Seus cabelos eram dourados e ondulantes, seus cílios mais longos e destacados do que os meus próprios, seus olhos azuis como o céu e duas vezes mais cativantes. Alguns diziam que havia magia envolvida em seu olhar hipnotizante.
Para mim, naquele momento, eles transbordavam apenas desprezo.
Estendi uma mão, sabendo que era inútil.
— Príncipe Guster…
— Guarde suas desculpas para as freiras, Sylvia. Você não tem mais futuro, a não ser como uma delas.
— Agora, espere só um minuto. A festa de formatura nem aconteceu ainda!
A mandíbula do príncipe caiu. Esse não era um mundo comum — era, na verdade, um jogo otome.
Na realidade, eu era apenas uma estudante normal do ensino médio, até que, um dia, acordei no corpo da filha de um duque, Sylvia Luxéd — a vilã da minha mais recente obsessão.
Graças ao meu planejamento cuidadoso, deveríamos estar caminhando para o final verdadeiro da história. Hoje seria o capítulo final: a festa de formatura da Academia Real de Magia. Lá, Sua Alteza deveria cancelar oficialmente nosso noivado, depois do qual meus pais me deserdariam e eu seria enviada para um convento, onde passaria o resto da minha vida.
— Você deveria fazer tudo isso na festa! — resmunguei. — Parece até que não se importa com todo o planejamento meticuloso que eu fiz para garantir que os eventos da história acontecessem na ordem certa!
As únicas testemunhas presentes eram atendentes. Isso simplesmente não serviria.
— Sylvia, mas que diabos você está falando? — O príncipe deu um passo para trás, certamente me achando histérica.
Não estava muito longe da verdade. Sylvia era uma das personagens mais populares, a ponto de ter recebido um spin-off próprio. Nele, eu — ou melhor, ela — chamaria a atenção de um príncipe estrangeiro rebelde, que ficaria fascinado com minha ousadia e audácia durante a festa. Ele veria meu espírito combativo como um desafio, e juntos encontraríamos a felicidade.
Nada disso poderia acontecer nas circunstâncias atuais.
— A-Ainda assim, Sylvia, está acabado. Não posso tolerar a atrocidade que você tentou cometer contra a Honorável Anne — disse o príncipe. — No entanto, causar um escândalo em público mancharia sua reputação, e eu não gostaria que você sofresse essa humilhação. Esse é o último resquício de consideração que lhe concederei, dado nosso passado.
Consideração? Ele podia enfiar a consideração onde o sol não bate. Se ele não me humilhasse como uma porca sendo assada em praça pública, eu teria que me conformar com uma vida no convento.
— Muito bem. Vamos para a festa. Lá, insultarei Anne na frente de todos, e então você me repreenderá e romperá nosso noivado diante de toda a sociedade!
Isso serviria. Era uma solução pouco refinada, mas poderíamos voltar ao caminho certo. Levantei a barra do meu vestido e fui até a porta.
— S-Sylvia, o noivado já foi desfeito — murmurou o príncipe, hesitante. Coloquei a mão na cintura e o encarei com um olhar gélido.
— Você é um príncipe ou um rato medroso? Pare de gaguejar, pegue suas coisas e termine comigo naquela festa!
— M-Mas eu estou tentando dizer que—
Agarrei seu braço.
— Nós vamos! Agora! E não se esqueça dos documentos que detalham meus crimes hediondos. Alguém traga a carruagem!
Não havia tempo a perder. O mundo precisava saber que eu estava solteira, e, pelos deuses, eu estava pronta para conhecer novas pessoas.
◇
Okay, agora eu estava convencido. Definitivamente parecia o tipo de coisa que atrairia mais pessoas do que a minha. O que era demonstravelmente verdade, já que eu tinha exatamente zero leitores fora do clube.
Eu estava indeciso sobre que nota dar quando notei Komari franzindo a testa.
— O que foi?
— Y-Yakishio me mandou mensagem — ela disse.
— Vocês duas conversam?
Elas tinham se dado melhor do que eu lembrava.
— Eu-eu corro com ela de vez em quando.
Isso sim era uma surpresa. Pensando bem, talvez nem tanto.
— Lembro vagamente de você pedindo ajuda a ela no último dia de aula — comentei. — Você ainda está seguindo com isso?
— A-Aliás, isso é culpa sua — ela resmungou.
— Com certeza. Eu me desculpo.
E eu realmente queria dizer isso. Pouco antes das férias de verão, Komari havia usado a corrida como uma desculpa esperta para afastar Yakishio, dando a Yanami e a mim a chance de conversar em particular. Nunca me ocorreu que ela ainda estaria presa nisso.
— Você poderia simplesmente dizer não — sugeri.
Komari se remexeu e olhou para baixo.
— Q-Quando alguém me obriga a fazer algo com tanta pressão, é d-difícil de recusar.
Que personalidade de mangá erótico é essa?
— Me conta mais. Na verdade, não. Esquece isso — eu disse. — Se quiser, posso falar com a Yakishio por você.
— N-Não é que eu não goste — Talvez eu tenha me empolgado um pouco, mas isso foi pura maldade. — E-Ela d-diminui o ritmo por minha causa e me deu sapatos. E-E ela me carrega quando fico cansada — Komari mexia os polegares.
Yakishio realmente tinha um coração grande, se nada mais. Me senti um pouco menos culpado.
— A-Ainda assim, acordar às seis... não é divertido.
Nisso, concordávamos.
— Pelo menos dizem que acordar cedo faz bem pra saúde. Acho. Provavelmente eu conseguiria encontrar um artigo científico que confirme isso.
— V-Você só tá falando besteira agora.
— Isso mesmo.
Voltei a verificar a seção "M" da minha estante atual. Quanto mais rápido terminássemos, melhor.
Algum tempo depois, Komari perguntou do nada.
— V-Você sabe se a Yakishio t-tem algum irmão homem?
— Hã? Vai saber…. Acho que ela mencionou uma irmã mais nova uma vez, mas não me cobre isso depois.
— V-Você já viu ela pela cidade? Com a-a-alguém talvez?
Balancei a cabeça. O que diabos ela queria saber?
— Por quê? É importante?
— N-Não. Esquece.
Tive a sensação de que ela estava escondendo algo, mas seria rude insistir. Além disso, eu não estava com vontade.
Estiquei as costas doloridas e voltei ao trabalho.
◇
Duas horas se passaram. Terminei, me despedi de Komari e segui para a sala do clube. Por mais que eu quisesse ir direto para casa, precisava de uma pausa antes. Estava caminhando pelo corredor que conectava ao anexo oeste quando senti uma mão no meu ombro.
— Ei, Nukumizu. Clube hoje?
Era Ayano Mitsuki, um antigo colega do cursinho quando estávamos no fundamental. Mas, mais do que isso, ele era a paixão da Yakishio. Seus óculos evidenciavam suas notas, e ele também era alto e bonito. Uma de suas colegas de cursinho, Asagumo Chihaya, teve a honra de relegar Yakishio ao status de perdedora.
Por algum motivo, ele vinha falar comigo de vez em quando. Um sujeito estranho, sem dúvida.
— Tô ajudando na biblioteca — respondi. — E você? Hora estranha pra estar na escola.
Já era quase quatro da tarde. A maioria das pessoas tinha uma longa lista de lugares preferíveis a estar no campus tão tarde durante as férias de verão.
— Você sabe como é. Ei, sabe se tem alguém na sala do clube? Queria devolver um livro que peguei emprestado.
— Tô indo pra lá agora. Posso levar se quiser.
— Agradeço.
Ele me entregou o livro. No seu pulso, notei uma pulseira ornamentada que não combinava nem um pouco com seu estilo.
— Ah, isso aqui. Um pouco exagerado, né?
— Ahm... acho que sim.
Na verdade, eu não me importava, mas parecia que ele estava morrendo de vontade de contar sobre aquilo. Fiz o mínimo como membro funcional da sociedade e dei corda.
— Chihaya me deu de presente e disse pra eu nunca tirar — ele disse, meio sem jeito. — Meio bobo, né? Foi uma surpresa e tal, então o que eu podia fazer?
Ele parecia abatido. Depois de tanto tempo convivendo com os perdedores, quase não percebi que ele estava apenas se gabando de forma disfarçada.
Ele não parava de falar, e eu não parava de acenar.
◇
Cheguei à sala do clube alguns passos depois e tentei abrir a porta. Ou Komari tinha chegado primeiro, ou alguém esqueceu de trancar, pois estava entreaberta.
Entrei.
— Ah, Nukkun! Oi!
Bati a porta de volta no mesmo instante.
Não era a Komari. Era Yakishio Lemon.
Correção: era Yakishio Lemon meio nua.
— Você devia trancar a porta quando for trocar de roupa! — gritei do lado de fora. Yakishio saiu enquanto ainda abotoava a blusa.
— Por que diabos você vive ficando pelada na frente dos outros?!
— Ah, tanto faz. Eu estou com roupa por baixo — disse ela de maneira casual. — Estou mais coberta do que quando estou na pista, até. — Ela olhou para cima e inclinou a cabeça. — Espera, o que você quer dizer com "ficando"?
Droga. Certo. Ela não se lembrava daquela confusão no galpão.
— Nada — falei. — O corredor não é lugar para se trocar.
Empurrei ela para dentro da sala, ignorando seu "Ei!" horrorizada. Depois fechei a porta. Seguro.
— Você se preocupa demais, Nukkun. Coloca isso naquela bolsa ali.
Uma toalha voou em minha direção. Ignorando as roupas suadas enroladas dentro dela, fiz o que ela pediu e enfiei na bolsa.
Espera, por que eu estava na sala com ela?
Encontrei um lugar para sentar e fiquei lá, excepcionalmente imóvel, embora não fosse por paz de espírito. Dei uma olhada furtiva. Ela realmente estava se trocando sem se importar com minha presença. Só quando a blusa dela estava totalmente colocada que baixei a guarda. Ah, então era assim que as fitas eram amarradas.
— Por que você está se trocando aqui, afinal? — perguntei.
— O vestiário da equipe de atletismo é muito pequeno. Os calouros não têm prioridade, então eu só venho para cá quando estou com pressa — Yakishio ajustou uma das fitas no espelho. — E você? Não é férias de verão?
— Vim ajudar na biblioteca. Ei, você esqueceu algo.
Ela havia deixado o tradicional clipe de cabelo de limão sobre a mesa. Ela pegou o clipe e olhou para ele com estranheza.
— Estranho. Achei que tivesse colocado na minha bolsa.
— Deve ter tirado para o treino.
— Normalmente não tiro, mas eu acabei de polir ele. Fiquei com pena de sujar novamente no dia seguinte.
Não se podia julgar um livro pela capa (ou, nesse caso, pelo conteúdo). Apesar de toda a yakishionice dela, ainda era uma das meninas mais bonitas da escola. Aparências importavam para ela.
Ela prendeu o clipe de limão e ajeitou tudo direitinho.
— O presidente Tamaki me disse que vamos fazer um jornal?
— Sim, para parecer que realmente fizemos algo nas férias — falei. — Eu só vou arrumar o capítulo um da minha série. E você?
— Boa pergunta. Eu gosto das minhas fotos, mas talvez eu tente escrever algo, para variar — Ela arrumou a franja e, quando ficou satisfeita, levantou o punho. — Legal.
Yakishio olhou para o celular, leu a mensagem e sorriu.
— O que foi? — perguntei.
— Nada. Tenho que ir. Até logo!
— Suas meias estão ali — chamei, enquanto ela saía.
— Não tem problema! — ela gritou de volta. E sem mais palavras, saiu pulando.
— Na verdade, tem um probleminha, sim — resmunguei. Peguei as meias com um lenço e as joguei na bolsa dela, que ela também havia esquecido.
Paz finalmente. Peguei o livro que estava lendo e abri, mas meus olhos logo começaram a se perder. Fechei o livro e olhei para o teto.
Um prédio deserto nas férias de verão. Um garoto e uma garota que quase foram algo.
Balancei a cabeça e abri o livro novamente. Estava pensando demais.
◇
Esfregando o sono dos olhos, entrei na sala de estar.
— Bom dia, irmão querido! — Kaju disse assim que entrei. Um avental estava pendurado no pescoço dela. Ela puxou uma cadeira para mim, sorrindo. — O café da manhã está pronto!
— Bom dia — falei. — Mamãe e papai já saíram para o trabalho?
— Querido irmão, são nove horas. Eles já saíram faz tempo.
O tempo passou voando ontem enquanto eu trabalhava no meu jornal, e por isso, provavelmente comecei o dia mais tarde do que imaginei.
Kaju riu e colocou um prato de panquecas na minha frente.
— Estou tentando algo novo hoje de manhã. Espero que tenha ficado bom. — ela colocou algo com cheiro doce nas panquecas. — Misturei farinha de arroz, e essa compota de pêssego branco aqui. Coma o quanto quiser. — Um pouco da compota escorreu para o dedo dela, que logo lambeu. — É doce com um toque ácido. Você vai gostar! Ah, e fiz limonada também. Come logo!
Levemente polvilhadas com açúcar de confeiteiro e até decoradas com uma folha de hortelã, essas panquecas pareciam saídas de um restaurante chique.
— Obrigado. Está ótimo. — Peguei a faca e o garfo e ia começar a comer quando percebi o prato intocado ao meu lado. — Você não comeu ainda? — perguntei.
— Ah, que boba! — Kaju se deu um tapinha na cabeça com um sorriso bobo. — Eu fiquei tão concentrada na cozinha que acabei esquecendo.
Que fofura, pensei. Preparando um banquete e esquecendo do próprio prato.
Eu me preparei para empurrar o prato dela para a cadeira à minha frente, mas ela se sentou ao meu lado antes que eu pudesse.
— Vamos comer, meu querido irmão?
— Claro.
Minha faca deslizou pela pilha fofa de panquecas e assim começou mais um café da manhã pacífico.
Kaju levantou uma sobrancelha para mim.
— Você foi à escola dois dias seguidos. As coisas têm andado corridas?
— O clube tem me deixado um pouco ocupado. Não sei se "corrido" é a palavra certa.
Eu não tinha muito para comparar. Na maioria das vezes, não estava fazendo nada demais.
— Estou tão feliz por você — disse Kaju. — Aquela sua nova amiga é a garota que visitou a gente recentemente, não é? Yanami, o nome dela.
Eu resmunguei e enfiei um pedaço de panqueca na boca. Eu tinha contado para ela que fiz uma nova amiga, só não disse quem era.
Parte por timidez, parte por prudência.
— Você devia convidá-la para vir aqui na próxima vez — insistiu ela. — Ainda não terminamos a entrevista.
Idealmente, seria melhor que continuasse assim. Engoli um pouco de limonada.
— Não é nada de mais. A gente nem se encontra tanto assim.
— Não no começo, claro. Maaas... — Kaju se aproximou de mim, os olhos brilhando. — Ela é muito bonita! Eu sei que ela será a próxima a carregar os segredos culinários da família Nukumizu! Eu só sei! Vamos começar com sopa de missô, depois passar para os fundamentos mais refinados da culinária japonesa, ocidental e chinesa, e então nós...
Lá estava ela de novo. Você tinha que saber quando colocar o pé no freio com essa garota.
— Relaxa — eu disse. — A gente não é assim. Nem perto disso.
— Mas meu amado irmão, é só uma questão de tempo. Qualquer menina do sexo feminino vai achar difícil não se apaixonar por você depois de te conhecer de verdade. Precisamos estar preparados! — ela deu um grito e se inclinou para frente. — A menos que tenha alguém do clube de literatura que tenha conquistado seu coração. A garota de pele bronzeada seria adorável, e eu até retiraria minhas dúvidas sobre a menorzinha, já que poderíamos compartilhar o guarda-roupa, assim nos tornaríamos grandes amigas. Nossa, seria tão simples! Enfim, me conta. Me conta! Qual delas é?
Levantei as mãos entre mim e ela.
— Devagar, Kaju. Vamos contar até seis juntos. Preparada? Um, dois, três...
— Quatro, cinco, seis... — Ela colocou a mão no peito e respirou fundo, recuperando a compostura. Eu dei uma palmadinha na cabeça dela, elogiando o trabalho bem feito. Ela fez um barulhinho e esfregou a cabeça na minha mão.
Agora que isso estava resolvido, continuei comendo com a outra mão. Enquanto mastigava o próximo pedaço, meu celular acendeu ao lado do prato. Uma notificação.
Uma olhada rápida me fez parar por um segundo.
Yana: VOCÊ ESTÁ ACORDADO? QUER SAIR PARA ALGUM LUGAR?
O que será que Yanami queria comigo?
Kaju aproveitou a oportunidade para sair de fininho e se jogar no meu colo.
— É a Yanami? Ela está te chamando para sair!
— Pelo visto, sim.
— Isso é ótimo! — ela sorriu de orelha a orelha. — Isso é praticamente um encontro!
— A gente não é assim — insisti. — Ela provavelmente só quer conversar sobre alguma coisa.
Suspirei. O que fazer?
Um convite logo de manhã, no dia seguinte à reunião de classe.
Meu Yanami Sense estava ativo.
Kaju observou enquanto eu digitava: OCUPADO.
Ela olhou para mim.
— Tem certeza?
— Tenho certeza. Ela vai encontrar outra pessoa.
Então, como um relógio, meu celular tocou. O nome "Yanami" apareceu bem no meio da tela. Ela não aceitou um não como resposta.
Kaju apertou minha mão em volta do celular, sorrindo.
— Vai, Irmão querido. Amigos não deixam amigos esperando.
Um curso de ação que teria sido mais fácil se ela não estivesse sentada no meu colo.
◇
Às três horas em ponto. O café perto da prefeitura. Enquanto esperava Yanami chegar, passei o tempo observando as pessoas. O lugar tinha um clima rústico e, segundo a internet, os hotcakes (bem diferentes das panquecas) eram imperdíveis. Era uma surpresa eu nunca ter vindo aqui antes, já que era tão perto de casa.
— Seu café gelado, senhor.
— Ah, obrigado — eu disse.
Observei o copo extra de água colocado na minha frente. A condensação escorrendo sobre ele refletia o suor metafórico que descia pelas minhas costas.
Eu estava em um café com uma garota — ok, ainda não, mas logo logo — durante as férias de verão.
Esquecendo as divagações de Kaju, não conseguia tirar a ideia de um encontro da cabeça. Se os mangás e light novels que eu li fossem verdadeiros, você aparentemente podia sair com alguém sem, tecnicamente, ser um casal.
Então, o que isso significava?
A campainha da porta tilintou enquanto eu mexia nas xícaras de leite e creme que haviam vindo com o meu café. Levantei a cabeça. Era Yanami.
Ela usava uma blusa azul marinho e uma saia plissada cinza que ficava logo acima dos joelhos. Eu a tinha visto de roupa casual na viagem do mês passado, mas isso era diferente. Era como se ela estivesse se arrumado para mostrar.
De repente, fiquei bem consciente da minha postura.
Será que isso era um encontro?
Yanami olhou ao redor, me encontrou e caminhou até a minha mesa.
— E-Ei — eu sorri o melhor que pude. — Então, o que te fez querer sair por aí?
Ela se jogou na cadeira sem dizer nada e tomou o copo de água de uma vez, colocando-o de volta na mesa com um pouco de força demais.
— Queime isso — ela rosnou. — Queime tudo.
Fiquei me perguntando o que teria acontecido para ela ficar tão irritada.
— O que aconteceu na reunião de classe?
Ela estremeceu com as palavras reunião de classe.
— Eu não deveria me surpreender — ela disse. — Na verdade, não estou surpresa. Só pensei que estava preparada. Mas, na verdade, ao ver de perto... não é a mesma coisa. Isso desafia toda lógica.
Definitivamente não era um encontro. Pelo menos agora eu poderia parar de ficar nervoso.
Me recostei na cadeira.
— Eles estavam, tipo, todos flertando ou algo assim? — perguntei.
— Ah, isso tanto faz. Já superei isso no primeiro mês. Eles poderiam ficar o dia inteiro jogando o jogo de "eu te amo mais" na minha frente que eu não sentiria nada, nem enjoo, nesse ponto. — ela largou o cotovelo na mesa, com a bochecha descansando na mão, enquanto navegava preguiçosamente pelo cardápio. — Não que demonstração de afeto pública seja o estilo deles, de qualquer forma.
— Bem, isso é bom.
— Não é relevante. Eu não me importo com isso. O que me incomoda é a maneira como eles comem, como jogam o lixo um do outro fora, como carregam as coisas um para o outro. É como se compartilhassem um cérebro. — Yanami balançou a cabeça, cansada. — Eles conversam sem precisar usar palavras. Compartilham cartão de pontos. Têm o mesmo toque de celular. Coordenam pequenos acessórios. Quando é hora de se separar, vão embora juntos como se estivessem indo para o mesmo lugar. Como se fosse a coisa mais natural do mundo. — ela pegou meu copo de água e tomou tudo de uma vez, batendo o copo na mesa com um pouco de força. — É como se eles tivessem passado direto pela fase de lua de mel e já estivessem casados! Como assim?! Até onde eles vão em um maldito mês?!
Eu diria que eles chegaram bem perto do limite do que se pode fazer nesse período, pessoalmente.
Enquanto Yanami recuperava o fôlego, pedi mais água.
— Ah, e um copo novo, por favor.
— O quê? Eu tô com alguma doença ou algo assim? — Yanami resmungou.
Era uma questão minha. Eu não comia ou bebia depois que alguém já havia colocado a boca.
— Vai pedir algo? — perguntei.
— É, claro, ignore-me — ela resmungou. — Vou querer um... refrigerante de creme.
— Uau. Nenhum hotcake?
Eu meio que tinha assumido que ela escolheu esse lugar especificamente para se entupir daquilo.
Yanami esperou o garçom sair.
— Nukumizu — disse ela, com cara séria. — Deixa eu te contar um segredo. Somen. São. Carboidratos.
Verdade.
— Eles podem ser frios e com cara de macarrão, mas não se deixe enganar como eu fui. Você olha para eles e pensa que são só uns fiozinhos de glúten, né? Tipo, não deve ser tão ruim. Como alguém pode engordar com aquelas coisinhas?
— Então, basicamente, você comeu demais de somen e...
— Não! — ela gritou. — O que você tá prestes a falar, não! Eu não comi demais!
— Você sabe que refrigerante de creme tem carboidrato, né? Tipo, bastante, na verdade.
— Bebidas não contam. Sorvete também não, na verdade, de acordo com algumas pessoas.
Eu imaginei que algumas pessoas significavam só Yanami.
Nosso garçom voltou com o refrigerante de creme dela. Era o típico verde melão com uma bola de sorvete de baunilha por cima. Yanami apontou o celular para ele.
— Então você é do tipo que tira fotos, né? — perguntei.
— É para o Instagram. Caramba, sou boa com fotos.
Não era aquela rede social onde as pessoas postam fotos?
Minha única impressão de lá vinha da quantidade de comida que as pessoas desperdiçavam pedindo coisas chiques só para ganhar curtidas e depois não terminavam. Isso foi um grande escândalo por um tempo, mas sinceramente duvido que isso incomodasse Yanami.
Ela tocou um pouco no celular e depois me mostrou.
— Olha, viu? É melhor eu estar nas suas curtidas depois.
— Eu não tenho conta. E não é a minha mão ali no cantinho?
Ao lado do refrigerante colorido e borbulhante, estava eu. Não era o tipo de colaboração que as pessoas provavelmente queriam.
— Hm. Você tem razão — disse Yanami. — Caramba, seus dedos são ossudos. Você anda comendo o suficiente?
— Bastante, e você devia tirar outra foto dessa.
— Já era. Já postei. — ela continuou mexendo no celular enquanto ia comendo o sorvete. Então, uma ideia apareceu em sua expressão. — Acabei de fazer uma indireta.
— Você fez o quê?
Yanami deu um sorriso maroto, cruzou as pernas e jogou o cabelo para trás, tudo em um único movimento.
— Ah, meu doce e ingênuo amigo. Vou pescar.
— Ainda tô confuso.
— Tem uma parte do Instagram onde a galera gosta de jogar umas dicas — indireta, se você quiser — de que estão passando tempo com o sexo oposto. Às vezes é para se gabar sutilmente de um namorado ou fazer as pessoas acharem que você está comprometido.
— Oh. Já ouvi falar de pessoas famosas sendo criticadas por coisas assim.
Aliás, muitas das minhas dubladoras favoritas, por acaso, tinham irmãos. E, curiosamente, quase sempre da mesma idade.
— Mas, quero dizer, você é só uma garota.
— Olha só, meus amigos estão adorando.
Ela me estendeu o celular de novo.
— Eles estão todos loucos querendo saber quem você é. Olha eles surtando. Caramba, sou um gênio.
— Só uma pergunta sobre tudo isso — falei. — Por quê?
Yanami me deu um olhar morto.
— Pense se você realmente quer que eu te responda.
— Certo. Desculpa.
— Você deveria. Ah, a Kasumi! Faz séculos que não a vejo.
Ela sorriu e ficou rolando o celular por um tempo antes de de repente congelar.
— Aconteceu alguma coisa?
— Você sabe, desde a reunião da turma, um monte de caras que eu conhecia do ensino fundamental começaram a me procurar. Tipo, muitos. Todos ao mesmo tempo.
— Ok...?
— Eu tô falando sério. Minhas mensagens estão literalmente explodindo. Caramba, sou tão popular que dá até medo.
— Fico feliz por você.
Eu não conseguia pensar em mais nada para dizer, então fui tomando meu café gelado (agora sem gelo). Yanami continuava se deliciando com o sorvete derretendo lentamente, de vez em quando lançando olhares para mim, como se ainda não tivesse terminado de falar.
— Então você está, tipo, procurando um namorado? — perguntei relutante, tentando agradá-la.
Yanami fingiu pensar sobre isso, girando a colher entre os dedos.
— Não, acho que não. Não estou procurando esse tipo de coisa agora.
— Continue.
— As garotas vão começar a tentar me apresentar para os amigos, os caras vão me chamar para sair praticamente vinte e quatro horas por dia, e é como se eu literalmente só… Espera.
— O quê?
— Os caras que estão me chamando agora. Acabei de perceber uma coisa. Cara, até o Tanaka tá aqui.
Ela continuou rolando a tela, franzindo a testa e fazendo caretas, até que sua mandíbula caiu. Ela levantou os olhos para mim.
— Essas pessoas acham que eu sou fácil?! Eles só estão tentando me usar como um estepe, não é?!
— Essa é uma interpretação bem provável, sim.
Mais cedo ou mais tarde, ela teria que perceber. Se ao menos pudesse ter vivido na ignorância feliz por um pouco mais de tempo… Acrescentei um pouco de creme ao meu café em uma solidariedade sombria.
— Mas olha, provavelmente tem pelo menos um ou dois aí que realmente se importam com você como pessoa.
— Eu realmente não sei se você está tentando me animar de verdade, mas quero que saiba que não está funcionando — ela disse sem emoção. — Enfim, tanto faz. Acho que estou simplesmente de boa com os caras por agora.
Eu me perguntei o que isso me fazia. Yanami mexeu irritada na soda com a colher.
— Acabou meu sorvete…
— Que pena.
Enquanto meus olhos se perdiam pela janela, algo os atraiu. Uma garota com o uniforme Tsuwabuki, completa com aquelas quatro fitas idiossincráticas, passou pulando. Um clipe de limão adornava seu cabelo curto, sua pele era de um tom marrom dourado.
— Ei, é a Yakishio —eu disse.
— Lemon? — Yanami olhou, usando a colher para levar poças de soda à boca.
— O que ela tá fazendo com o uniforme?
Yanami se assustou.
— Nukumizu! Baixa! — Ela pegou minha cabeça e bateu contra a mesa.
— Ai! — Eu gritei. — Que diabos você tá fazendo?!
— Fica agachado! Ela vai ver a gente!
— Por que a gente se importaria se a Yakishio—
Foi então que percebi que ela não estava sozinha. Ayano Mitsuki caminhava ao lado dela — seu crush. Yakishio estava tão visivelmente encantada, pulando ao lado dele.
— O que eles estão fazendo juntos? — eu murmurei. Não tinha sido após o boato de que Ayano estava namorando?
Yanami se escondeu atrás do copo de soda até eles passarem, depois virou o pescoço para observá-los saírem. Quando já estavam fora de vista, ela lentamente se endireitou.
— Tô com uma sensação ruim sobre isso, Nukumizu — ela disse. — Nenhum cara com namorada vai sair com outra garota nas férias de verão, ainda mais nesse momento. Eu sinto traição no ar.
— Ah, eles são amigos de longa data. Seria traição se, por exemplo, você e o Hakamada saíssem sozinhos?
— Sim. Cem por cento.
— Bom, você me pegou aí.
Foi o que aconteceu. Eles escolheram o caminho deles, e, como observadores de fora, nossa única escolha era deixar que o seguissem.
Yanami virou a soda, tomou tudo de uma vez, limpou a boca com o lenço e bateu o copo na mesa pela terceira vez.
— Acelera e termina! Temos que ir!
— Ir para onde?
— Atrás deles! — ela disse impaciente.
Yanami levantou-se. Curiosidade impulsiva brilhava em seus olhos.
— Vai lá você — eu disse. — Não tô interessado.
— O quê?
Eu adicionei leite ao meu café. Esperar até que estivesse pela metade fez ele ficar algo como um café au lait. Yanami me olhou, sem expressão, enquanto eu dava um gole lento e apreciativo. Ela bateu o recibo na mesa.
— Eu posso simplesmente não pagar isso, sabia?
— Cara.
Motivado em parte pelo medo, em sua maior parte pela irritação, eu acabei com o resto do meu café de uma vez. Levantei-me, mas não sem um suspiro que eu sabia que ela ouviria.
◇
Yanami e eu observamos a rua ao sairmos do café. Nem Yakishio nem Ayano estavam em lugar algum.
— Acho que eles foram embora — eu disse. Acenei para Yanami. — É isso então. Até mais.
— Sério?! — Ela me agarrou pelo braço antes que eu fosse longe. — A gente nem tentou procurar por eles!
— Você os vê em algum lugar? E não somos detetives. Você realmente espera que a gente consiga segui-los como se fosse um filme? Na vida real, chamam isso de perseguição, e as pessoas chamam a polícia...
Eu parei de falar, não por falta de confiança, mas mais pela incredulidade.
Porque lá, na esquina do café de onde acabávamos de sair, estava uma stalker de carteirinha. Ela tinha cabelo longo, dividido ao meio na testa. Era baixa, provavelmente uma garota. Usava óculos de sol e máscara facial. Quatro fitas alinhavam sua blusa. Uma estudante Tsuwabuki.
Olhou para um lado, olhou para o outro, e ela saiu de seu esconderijo em direção a nós. Parou para enfiar algo que parecia chocolate por debaixo da máscara e deu uma mordida.
Por que ela me parecia tão familiar?
— Você está certo — Yanami murmurou. — Eu chamaria isso de stalker.
— Eu encerro meu caso.
A garota chegou perto, tirou um dispositivo estranho, antiquado, tipo celular, com uma antena, e segurou ele sobre a cabeça.
— Você conhece ela? — Yanami me perguntou.
— Mesmo que eu conhecesse, não mais. Vamos sair daqui antes que ela nos envolva em algo.
— Ela tá te encarando.
— Por favor, que seja mentira.
Contra meu melhor julgamento, virei devagar para conferir. Claro que ela estava olhando diretamente para mim.
Ela se aproximou saltitando.
— Oi, Nukumizu — ela disse, puxando os óculos de sol e a máscara para o lado. — Você se lembra de mim?
Grandes olhos e redondos me encaravam.
—Ah, sim — disse. — Acho que eu lembro.
Por mais lamentável que fosse, a identidade da perseguidora era ninguém menos que a namorada de Ayano Mitsuki, Asagumo Chihaya. Ela era bem pequena, mas surpreendentemente bem proporcionada, com um rosto particularmente pequeno. Tinha a aparência e a postura de uma bailarina.
— Você é a Asagumo — continuei. — Acho que nos conhecemos na escola de reforço, mas nunca realmente conversamos.
— Eu também não lembro de termos falado — disse ela. — É um prazer te reencontrar.
Ela colocou de volta os óculos escuros e a máscara, e abaixou a cabeça. O sol brilhava em sua testa através da separação de sua franja.
— Certo, hum, igualmente.
— A propósito, vocês viram o Mitsuki ou a Yakishio por aqui?
— Na verdade... — Yanami começou a falar.
Eu lhe lancei um olhar e balançei a cabeça.
— N-Não. Não podemos dizer que sim.
— Entendi. Eu poderia jurar que eles estariam aqui — Asagumo ficou na ponta dos pés e levantou o dispositivo. — O sinal aqui está péssimo. Vou ter que ser mais criativa.
Yanami observava o dispositivo com antena acima dela.
— Bem, é melhor a gente ir — eu disse. — Certo, Yanami?
— Ei, ah, qual é o seu nome? Asagumo? — ela interrompeu. — O que você quer dizer com sinal? O que é esse troço?
— Yanami! — sibilei.
— O que? Eu tô curiosa.
Asagumo estreitou os olhos para nós.
— Vocês viram o Mitsuki, não viram?
Ela tirou um bastão preto, do tamanho da palma da mão. Uma luz vermelha brilhava em uma das extremidades.
— O que é isso? — perguntei.
— Um dispositivo importante. Viu a luz vermelha?
Vi, mas não fazia a menor diferença. O significado da luz vermelha ainda me era desconhecida.
Asagumo balançou a cabeça.
— Vamos levar isso para outro lugar, pode ser?
◇
De fato, levamos para outro lugar. Quanto a isso, eu concordei. O problema foi o lugar para onde outro lugar nos levou.
— Precisávamos mesmo escolher o meu quarto? Estávamos literalmente na frente de um café.
Ninguém se importou. Yanami não parava de andar de um lado para o outro, analisando cada pequena coisa que eu possuía.
— A gente acabou de sair daquele café — ela disse. — Uau, esse pôster é feito de tecido?
— Yanami, é deselegante ficar encarando o quarto de um rapaz. Você deveria fingir que não vê nada — entrou Asagumo, com uma ajuda que ninguém pediu. Ela se sentou ereta em uma almofada no chão, anotando coisas que só ela entendia em um caderno.
Yanami cutucou meu tesouro — meu tapete B2 de Masou Senki Shinonome.
— É ruim se eu não fizer isso?
— Quer dizer, não exatamente — eu disse. — Não estou com vergonha nem nada.
— Yanami, você está se aproximando de uma linha muito perigosa — Asagumo interveio. — Otakus são muito exigentes sobre como suas parafernálias são apreciadas, e eles ficam extremamente ofendidos se você não fizer isso com o devido respeito. Além disso, se uma garota que eu conhecesse entrasse no meu quarto e não tirasse os olhos das mulheres de roupa íntima na minha parede, pessoalmente, eu me enterraria numa cova e morreria.
— Tecnicamente, não é roupa íntima. É, hum, equipamento de batalha — eu corrigi, provavelmente em vão. Precisávamos sair desse assunto.
Yanami discordou.
— Elas lutam com isso? Não é armadura, tipo, deveria cobrir as coisas?
— E-Elas, ah… emitem mana… da pele delas — gaguejei. — Para o, hum… Sigma Drive.
— Hm. Isso tem a ver com o motivo de elas estarem deitadas juntas na cama?
Eu fechei os olhos e joguei a cabeça para trás. Jesus Cristo, me mate. A porta fez um clique.
— Quando os Cinco Iluminados se reúnem, seus Sigma Drives se harmonizam como um só, liberando assim o Pashupatastra, a arma definitiva. Por favor, não interpretem o abraço delas ou a maneira de se vestirem como algo além de puramente estratégico.
— Kaju. Eu não li até essa parte ainda...
Quando ela terminou de soltar os mega spoilers, minha irmã entrou no quarto.
— Trouxe alguns refrescos, meu amado irmão.
— Obrigado. Deixe-os na mesa — eu disse.
Kaju distribuiu chá gelado para todos, sorrindo calorosamente.
— Fiquem à vontade — ela abaixou a cabeça para Yanami, que havia corrido para lá no momento em que ouviu refrescos. — Yanami — ela disse. — Peço desculpas pela falha na nossa hospitalidade na sua última visita.
— Ah. Não, tudo bem — Yanami respondeu, visivelmente desapontada pela falta de lanches.
Asagumo fez uma reverência educada para Kaju.
— Me desculpe por invadir. Prometo que não vou ficar muito tempo.
— Por favor, fique à vontade — Kaju insistiu. — Acho que perdi o seu nome.
— Asagumo. O Kazuhiko e eu estudamos na mesma escola.
O rosto de Kaju, com sorriso e tudo, ficou rígido como gelo.
— Kazuhiko?
— Uau, você ficou branquinha — eu disse. — Tá tudo bem?
— Querido irmão. Posso perguntar qual é a natureza do seu relacionamento com nossa ilustre convidada?
— O que ela disse. A gente estuda na mesma escola. Ela tem namorado.
— Escandaloso — minha irmã murmurou baixinho.
— Eu ouvi isso — eu retruquei. — Para de ser mal-educada e volta para o seu quarto. Os adultos têm coisas para conversar.
— Como desejar, querido irmão.
Com surpreendente pouca resistência, ela foi embora. Asagumo piscou seus grandes olhos redondos.
— Achei que deveria usar o seu primeiro nome já que ela também é uma Nukumizu. Fui insensível?
Um pouquinho, mas esse era um assunto para quando chegássemos lá.
— Caramba, tô surpresa que você soubesse o primeiro nome dele. Eu definitivamente não sabia — disse Yanami, tomando seu chá com toda a ignorância abençoada do mundo. Eu realmente não deveria estar tão surpreso.
— Eu tenho uma memória fotográfica — disse Asagumo. — Na verdade, eu poderia recitar tudo que está na sua estante.
— Eu preferiria que não. Enfim, você não tinha algo para nos contar? — perguntei.
— Claro — Asagumo ajeitou sua postura e baixou a voz respeitosamente. — Primeiro, quero agradecer pelo tempo de vocês. Quanto ao que eu estava fazendo quando nos encontramos, isso vai exigir uma explicação.
Certamente ela não estava se esgueirando por aí só por diversão. Procurei a palhinha com a boca e tomei um gole de chá.
— Vou colocar todas as minhas cartas na mesa — disse ela. — Acho que o Mitsuki pode estar me traindo. Tenho tentado encontrar provas e pegá-lo em no flagra.
Não era necessário ser um gênio para adivinhar com quem. Eu realmente não sabia o que dizer. Yakishio era a última pessoa que eu pensaria em estar envolvida em um caso extraconjugal.
Yanami falou por mim.
— O que te faz pensar isso? Tipo, se eles só estão saindo, então… — Ela olhou para mim. — Lemon talvez seja a única pessoa que eu conseguiria ver aceitando isso.
— Mesmo que estejam se encontrando em segredo?
— Tá, bem… — Yanami levantou a palma da mão para mim.
Eu entrei na conversa.
— Bem, eu não sou especialista em relacionamentos, muito menos nos românticos, mas e se ele simplesmente não estiver te contando porque não quer que você se preocupe?
— É, isso é bem possível — Yanami concordou, balançando a cabeça. — Ele tem razão.
De onde ela estava tirando essa experiência para confirmar minha teoria, só Deus sabia.
— Talvez — Asagumo admitiu. — Eu quero confiar nele, e pelo que sei sobre a Yakishio, eu quero acreditar que ela não é o tipo de pessoa que faria algo assim.
— Isso é bom. Muito bem da sua parte — Eu disse. — Bom, acho que já deu para encerrar, não?
— Mas é exatamente por isso que eu preciso ver com meus próprios olhos porque eles estão se encontrando pelas minhas costas — Ela continuou.
A situação se desenrolou novamente.
— Claro, eu entendo isso, mas descobrir quando e onde eles estão se encontrando não é algo que você faz no impulso.
Hoje foi uma coincidência. Se você morasse no mesmo bairro, talvez acontecesse, mas realisticamente falando, nunca seria algo que você toparia assim, de propósito.
— Hoje eu coletei todos os dados que preciso — Ela disse. — Agora é só organizar e eu triângulo onde exatamente eles estão indo.
— Dados? — Yanami repetiu. — Você tem dados?
— Tenho. Resumindo, já coletei e analisei uma boa parte deles — Asagumo procurou no bolso e tirou um saquinho. Ela abriu e começou a mastigar uma barra de Black Thunder com as duas mãos. Os olhos de Yanami estavam focados naquilo. — Quer um pouco? — Ela ofereceu.
— Sério? — Yanami pegou a barra para si mesma e acenou para mim. — Podemos confiar nela, Nukumizu.
Talvez ela fosse fácil.
— Eu posso pegar algo para você se estiver com fome — Eu disse.
— Não precisa — Asagumo recusou. — Só estou repondo os níveis de glicose. Afinal, é o que o cérebro usa para funcionar. — Ela tirou outra barra de Black Thunder — Você pode conseguir o mesmo efeito com pílulas, mas o impulso feminino de consumir guloseimas não é algo que eu, pessoalmente, consiga resistir.
— Então você gosta de açúcar. Entendi.
Ela me olhou.
— Não é algo tão simples, só para você saber. Glicose é a base de onde todos os neurotransmissores são derivados e, portanto, é a forma mais direta de estimular o sistema de recompensa do cérebro. Minhas ações são baseadas unicamente na lógica.
— Sim. Você está certa. Eu realmente entendi o que você quis dizer — Yanami concordou fervorosamente. Eu quase podia ver alguns neurônios atrás dos olhos dela tentando fazer uma faísca.
— Eu sabia que alguém entenderia. Aqui. Coma alguns sablés de codorna.
— Uau! Oba! — A mais básica das duas pegou a recompensa sem hesitar.
— Enfim — Eu disse. — Não gosto da ideia de bisbilhotar a Yakishio. Ela é nossa colega de clube, então se você está procurando apoio, não sou eu.
Asagumo baixou os olhos, triste.
— Certo. Acho que nenhum de vocês tem motivo para fazer isso. Não iriam ficar espionando no impulso.
— Especialmente não no impulso — Isso me rendeu um olhar de Yanami, mas não o suficiente para ela parar de comer o biscoito.
— Eu não quero prejudicá-la. Sério — Asagumo disse. — Eu só quero saber o que eu sou para o Mitsuki. O que ela é para ele. Para poder decidir o que fazer.
— Decidir? — Eu repeti.
Ela assentiu firmemente.
— Eu sei bem que eles são velhos amigos. Que ela provavelmente acha que é só isso que eles são. E que ela gostaria que fosse mais — Eu engoli em seco. Não era novidade para mim, mas ouvir isso em voz alta, nesse contexto, me deixou tenso. — Eu me importo muito com o Mitsuki. A felicidade dele é tudo o que eu quero, mesmo que eu não seja necessariamente parte disso.
Yanami franziu as sobrancelhas.
— Agora espera aí, Asagumo. Você está dizendo que daria o seu namorado para a Lemon? Assim, de bandeja?
— Eu sempre me senti deslocada — disse Asagumo. — Que talvez eles sejam o melhor casal, e eu sou só a ladra que chegou e roubou o Mitsuki dela — seus lábios formaram um sorriso forçado. — Até isso é dar crédito demais a mim mesma. Eu sabia que não pertencia a eles, e mesmo assim me forcei a entrar.
Nem Yanami nem eu sabíamos o que dizer.
Um momento depois, um sorriso mais genuíno se espalhou pelo rosto dela.
— É por isso que eu quero saber como ele se sente. E se ele quiser ficar com a Yakishio — ela se endireitou o mais alto possível — eu estou preparada para me afastar.
Ficamos em silêncio. Asagumo tomou um pouco de chá.
— Eu estou muito envolvida — Ela continuou. — Não vou conseguir julgar a situação de forma imparcial. Foi por isso que eu queria a ajuda de vocês dois.
Eu simpatizava com ela. Eu realmente simpatizava. Mas…
— Sinto muito — eu disse. — Acho que você vai ter que fazer isso sozinha. Tratar minha colega de clube como uma suspeita não parece certo para mim.
Dessa vez, foi Asagumo que ficou em silêncio. Ela tirou outro lanche e, depois de comer devagar a coisa inteira, forçou um sorriso corajoso.
— Eu entendo. É um problema entre nós três. Desculpe por tentar fazer isso ser seu também.
— Ei, não se desculpe. Eu lamento não poder ajudar.
Até eu não estava completamente convencido com minha resposta. Algo dentro de mim me incomodava, como uma rachadura na minha certeza. Algo que eu não conseguia identificar.
Yanami terminou seu sablé e, depois de lamber os farelos dos dedos, disse calmamente.
— Eu acho que quero te ajudar.
Eu me virei rápido para encará-la.
— Yanami!
Ela sorriu pacificamente para mim.
— Não estou sendo impulsiva dessa vez, Nukumizu.
Ela se virou para Asagumo.
— Só uma coisa, para deixar claro. Eu sou amiga da Lemon, antes de qualquer coisa. Eu vou ouvir o lado dela sobre isso.
— Eu entendo — respondeu Asagumo. — Obrigada.
Eu fiquei revirando aquilo na minha cabeça enquanto elas trocavam informações de contato.
O que eu era, senão um forasteiro? Se Yakishio ficasse com Ayano, que bom para eles. Se Ayano ficasse com Asagumo, que bom para eles.
O algo continuava sendo um mistério. Yanami olhou para mim.
— Qual é o plano? — perguntou. De verdade. Sem zombaria ou provocações no tom.
O algo fez meus lábios se moverem sozinhos. Eles disseram.
— Ok. Eu vou ajudar.
— Muito obrigada a ambos — Asagumo fez uma reverência baixa.
— Ok, mas, antes de tudo, como você planeja emboscar eles? — perguntei. — Não podemos simplesmente seguir eles o dia inteiro.
Eu tinha plena autoridade (minha própria opinião) para afirmar que ela era péssima em seguir pessoas.
— Não se preocupe — disse Asagumo. — Posso assumir que você viu o Mitsuki na frente do café momentos antes da nossa reunião?
Yanami e eu trocamos olhares. Nós assentimos.
— Então eu vou adicionar isso às minhas informações.
Ela abriu seu caderno e começou a folhear as páginas. Depois de uma longa e minuciosa pesquisa, ela bateu o caderno fechado e olhou novamente.
— Eu consegui. Da próxima vez que eles se encontrarem, eu vou pegar eles.
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