Volume 1
Capítulo 3: Quando a Chuva Cessa
APÓS AS AULAS acabarem no dia seguinte, fiquei esperando Anzu na entrada do Túnel Urashima, tendo ido direto para lá depois da escola. Já havia passado cerca de vinte minutos do horário que tínhamos combinado para nos encontrar, mas ela ainda não tinha aparecido.
Ter que esperar alguém sob o sol escaldante do meio do verão, sem meios de contatá-la, era uma forma de tortura que eu não desejaria nem ao meu pior inimigo. Se soubesse que isso ia acontecer, teria sugerido que fôssemos juntos da escola até lá.
Finalmente, após quase trinta minutos de espera, Anzu desceu saltitante pela escada de madeira, sem pressa alguma. Tinha que admitir, ela parecia bastante graciosa, mesmo com o grande pedaço de gaze ainda preso ao rosto.
"Oi. Esperou muito?"
Ela perguntou.
"Sim. Na verdade, quase meia hora," resmunguei.
"Nossa, que chato," ela disse sem um pingo de remorso. "De qualquer forma, olha só isso."
(Sol: Anzu Chad slk)
Ela alcançou sua bolsa e tirou um rolo de corda de nylon, ainda no plástico.
"Demorei uma eternidade para encontrar uma loja que vendesse essa coisa. Nunca percebi o quão inconveniente é viver no meio do nada."
"Por que exatamente precisamos disso?"
"Hehe…"
Anzu riu maliciosamente.
"Vamos fazer um pequeno experimento."
Depois que Anzu terminou de explicar sua ideia de "experimento" para mim, repassei mentalmente os passos para ter certeza de que tinha entendido tudo. Um de nós ia caminhar dentro do túnel a uma velocidade (relativamente) constante enquanto segurava a ponta solta da corda de nylon, enquanto a outra pessoa ficaria do lado de fora segurando o carretel, girando-o gradualmente para dar mais folga enquanto garantia que permanecesse esticado.
Enquanto o fluxo de tempo permanecesse normal, a corda de nylon continuaria desenrolando aproximadamente na mesma velocidade. Assim que o caminhante do túnel cruzasse a fronteira onde o tempo começava a distorcer, a pessoa do lado de fora deveria notar imediatamente a corda sendo puxada muito mais rápido.
Então, naquele exato momento, a pessoa com o carretel deveria agarrar a corda e puxá-la com força para impedir que o caminhante do túnel continuasse a puxar, informando assim que eles tinham cruzado o ponto de corte e podiam sair.
Com esse método, teoricamente seria possível encontrar a fronteira onde o fluxo de tempo começava a distorcer sem ter que entrar e sair do túnel várias vezes. Não só fiquei impressionado com o quão inteligente foi essa ideia de Anzu, mas também me mostrou o quão séria ela estava em desvendar os mistérios do Túnel Urashima, o que sinceramente me surpreendeu. Afinal, este era um espaço inexplicável e distorcido pelo tempo — quase como uma "câmara hiperbólica anti-tempo", para usar o exemplo de Shohei.
Se não tomássemos cuidado, havia uma grande chance de vários anos se passarem enquanto investigamos lá dentro, e ainda não havia garantia de que realmente tinha o poder de conceder desejos.
Este não era um desafio para ser levado levianamente, e eu tinha que me perguntar se Anzu ainda não havia compreendido totalmente as repercussões potenciais.
"Então você está realmente pronta para se comprometer com isso, né?"
Eu perguntei.
"Sim. Por que eu não estaria?"
Respondeu Anzu.
"Estamos falando de um lugar onde as semanas passam em minutos. Se você pudesse simplesmente entrar e sair e ter seu desejo concedido, seria uma coisa, mas não temos ideia de quão profundo esse túnel vai. Posso te dizer por experiência própria que também faz algumas coisas bem loucas para mexer com sua cabeça."
"Claro, entendo que é perigoso. Mas se você não estiver disposto a correr riscos, acabará patinando a vida toda."
"Sim, em certas coisas, talvez. Ainda há uma linha entre destemor e imprudência."
"O que você está querendo dizer? Quer que eu vá embora para que você possa explorar o túnel sozinho? É isso?"
"Não, não é isso que estou dizendo. Estou tentando entender o quanto você está levando isso a sério… A maioria das pessoas estaria tremendo de medo diante da perspectiva, sabe."
Anzu revirou os olhos tão intensamente que achei que poderiam desaparecer na parte de trás da cabeça.
"Sorte que eu não sou como a maioria das pessoas, então."
"…Isso é realmente algo para se orgulhar?"
"Claro que é. Eu odeio pessoas normais. São inúteis."
Não pude deixar de rir disso.
"Caramba. Essa é uma visão bem severa."
"É verdade, porém. Não há valor em ser comum. A lei da escassez se aplica a muito mais do que apenas economia. Experiências raras e transformadoras valem exponencialmente mais do que o dia a dia comum. Eu preferiria viver uma vida curta e satisfatória do que uma longa e entediante."
"Hmm… Concordo com você aí, mas sinto que é um pouco injusto dizer que todas as coisas comuns são sem valor. Às vezes, há conforto na familiaridade. E às vezes as coisas comuns são mais populares do que as incomuns por um motivo."
"Tipo o quê?"
"Tipo, uh… salmão, talvez? Sei que a maioria das pessoas tende a pensar no salmão como sendo a opção 'baunilha' quando se trata de frutos do mar, mas para mim, tem um gosto muito melhor do que qualquer outro peixe mais caro e mais sofisticado por aí. Você poderia me levar ao supermercado agora e oferecer para comprar qualquer coisa que eu quisesse, e com certeza não me pegaria escolhendo enguia ou qualquer outra coisa. Eu escolheria salmão mesmo em ocasiões especiais."
(N/R: A expressão baunilha que Tono diz se refere a expressão vanilla, que significa algo ser a opção comum sem características marcantes ou especiais )
"Acho a enguia muito melhor do que o salmão, pessoalmente."
"Oh. Bem, justo o suficiente, acho," eu disse.
Caramba, você acabou de acabar totalmente com a conversa. Não que não fosse uma discussão completamente estúpida para começar…
"Mas sabe? Para uma pessoa comum, você é bem interessante, Tono-kun. Gosto disso em você," disse Anzu, sorrindo de orelha a orelha.
De repente, senti borboletas no estômago.
Ainda parecia que eu não tinha ideia de quem era essa garota por dentro. Na escola, ela era a pessoa mais anti social possível, se afastando deliberadamente das outras pessoas.
E agora, demonstra um lado um pouco infantil e travesso, como evidenciado pelo fato de ter me seguido secretamente até o túnel desde a escola no dia anterior. Então, em ocasiões muito raras, ela poderia mostrar um lado mais feminino, dizendo coisas fofas como essa que poderiam ser facilmente interpretadas como flertes. Me perguntei qual dos três era a verdadeira Anzu.
Talvez nenhum deles fosse.
"Vamos lá. Estamos perdendo tempo," disse ela. "É melhor começarmos logo."
"C-Certo. Desculpa."
Parecia que ela meio que fugiu da pergunta, mas enfim. Por enquanto, tínhamos um experimento para realizar.
1
Foi rapidamente decidido que eu seria o que entraria no túnel com a ponta da corda de nylon. Anzu esperaria do lado de fora com o carretel, e assim que sentisse um puxão forte na corda, saberia que era hora de eu voltar.
"Sabe… Isso me lembra um pouco de jogar telefone sem fio," murmurei para mim mesmo enquanto caminhava pelo corredor escuro.
Lá atrás, Karen e eu havíamos feito um desses telefones improvisados com duas latas de metal e um pedaço de corda, depois brincamos o dia todo com ele — subindo as escadas e deixando uma ponta cair pela janela do segundo andar para a outra pessoa no quintal, para que pudéssemos compartilhar informações totalmente sem sentido.
Como você pode imaginar, isso ficou velho muito rápido, e nunca brincamos com isso novamente depois daquele dia — mas ainda assim foi divertido o suficiente para que eu me lembrasse com carinho até hoje.
"Espero que eu te encontre aqui, Karen…"
Eu estreitei os olhos e olhei para frente. Eu podia ver a luz fraca das tochas nas paredes se aproximando. Eu estava chegando perto do torii, que ainda me parecia o local mais razoável para a fronteira de distorção do tempo. Me preparando, continuei em frente no mesmo ritmo e passei por baixo do primeiro portão—
A corda de nylon se esticou atrás de mim. Anzu oficialmente me deu o sinal, então me virei e voltei em direção à saída.
Quando cheguei lá fora, a encontrei de pé com as mãos nos quadris, parecendo muito orgulhosa de si mesma.
"Bem, olá, Tono-kun. Você ficará feliz em saber que estava no túnel por quase vinte minutos."
"Espera, sério? Mas voltei imediatamente assim que senti o sinal…"
"Sim, o que significa que você deve ter cruzado a fronteira naquele momento. Então me diz — até onde você chegou?! Foi logo após o primeiro torii, como pensamos?!"
Sobrecarregado pelo súbito bombardeio de perguntas, tudo que pude fazer foi concordar.
"Sim! Funcionou mesmo!"
Anzu soltou um pequeno guincho de alegria. Eu não pude deixar de me encantar com seu repentino surto de alegria pura e infantil.
Agora que sabíamos onde estava a fronteira, poderíamos facilmente medir exatamente quanto tempo de distorção ocorria lá dentro. Estava prestes a sugerir que fôssemos fazer isso imediatamente, na verdade, mas então percebi que já passava das cinco e provavelmente estaria escuro lá fora quando terminássemos.
"Por que não retomamos isso amanhã? Já está ficando tarde," observei, mas Anzu balançou a cabeça.
"Não, eu realmente gostaria de descobrir isso hoje, se pudermos," ela disse. "A menos que haja alguma razão para você precisar ir para casa logo?"
Pensei sobre isso.
Normalmente, precisava estar em casa para poder preparar o jantar antes que meu pai voltasse do trabalho, mas ele vinha saindo do escritório muito tarde ultimamente, então imaginei que poderia ficar um pouco mais.
"Nah, tranquilo. Vamos fazer isso."
"Isso mesmo que gosto de ouvir," disse Anzu com um aceno enfático.
Parecia mesmo que ela estava morrendo de vontade de saber exatamente como funcionava.
"Tudo bem," eu disse. "Desta vez, vou tentar entrar lá e contar até três antes de voltar imediatamente."
"Parece bom para mim. Vou esperar aqui mesmo."
"Er, na verdade, eu provavelmente consigo fazer essa parte sozinho se você quiser. Tudo que realmente tenho que fazer é conferir a hora antes e depois de entrar. Eu poderia facilmente tê contar na escola amanhã."
"Eu sei. Mas somos uma equipe, lembra? E agora que finalmente descobrimos onde está a fronteira, definitivamente não gostaria de perder a grande revelação. Então vou ficar bem aqui."
"…Tem certeza? Bem, se você insiste. Não é como se eu pudesse te dizer não. Tudo que eu estava tentando dizer era que se eu demorar muito, você pode ir embora sem mim."
Com isso, voltei para o túnel. Desta vez, assim que passei pelo primeiro portão, comecei um cronômetro no meu celular — contei um, dois, três — e pulei de volta para o outro lado. Já conseguia perceber que estava um pouco mais escuro no túnel do que tinha sido na ida, o que me dizia tudo o que precisava saber sobre como estava escuro lá fora. Se o sol tivesse se posto, então eu tinha que ter estado lá dentro por pelo menos uma hora desta vez. Anzu provavelmente já tinha ido embora há muito tempo também.
"Caramba… Realmente parece um piscar de olhos…"
Murmurei quietamente para mim mesmo. Mesmo que tecnicamente fosse a terceira vez que eu experimentava o efeito de distorção do tempo do túnel, ainda não tinha me acostumado. Para ser justo, como alguém poderia se acostumar com um fenômeno sobrenatural tão bizarro?
De repente, dominado por um grande sentimento de inquietação, acelerei o passo e comecei a andar mais rápido, querendo nada mais do que sair do torii sinistro sobre meu ombro. Quando cheguei lá fora, minha previsão foi confirmada: o véu da noite começará a se estender sobre o horizonte. Surpreendentemente, minha outra previsão se revelou completamente errada.
"Uau! Você ainda está aqui?"
Eu ofeguei, olhando para Anzu, que estava sentada no chão no escuro com a cabeça enterrada entre os joelhos.
"…Eu não disse que ia esperar por você?" Ela retrucou enquanto erguia abruptamente a cabeça. Sua voz estava tingida com uma mistura de irritação e alívio.
Com certeza, a maneira como enfatizei a palavra "ainda" provavelmente parecia um pouco rude, especialmente considerando o quanto deve ter sido angustiante ter que esperar por mim no escuro por Deus sabe quanto tempo.
Imediatamente me vi desejando ter escolhido minhas palavras com mais cuidado, e ofereci um pedido de desculpas envergonhado. Anzu não o reconheceu; em vez disso, seus olhos se abriram como se ela tivesse tido uma epifania repentina.
"Chega de falar sobre isso!"
Exclamou ela.
"Que horas são?!"
"Ah, droga! Boa pergunta."
Eu tinha completamente esquecido de verificar a hora quando saí. Anzu se levantou rapidamente e conferiu o relógio, sem se dar ao trabalho de limpar a sujeira da saia. Obviamente curioso, eu me inclinei para olhar também. Parecia que exatamente duas horas tinham se passado desde que entrei no túnel. Duas horas inteiras, desaparecidas em meros três segundos.
O que significava...
"Eu acho que um segundo no túnel equivale a cerca de quarenta minutos do lado de fora..."
Anzu sussurrou, chegando à mesma conclusão. Então ela rapidamente vasculhou sua mochila, tirou uma caneta e um caderno, abriu em uma página em branco e começou a fazer alguns cálculos.
Fiquei impressionado com a rapidez com que ela fez todas as contas mentalmente — eu sabia que ela era inteligente, mas não necessariamente tão inteligente assim.
Quando sua caneta finalmente parou, olhei para a página e examinei seu trabalho. Era uma lista de diferentes períodos hipotéticos de tempo no túnel, seguidos por seus equivalentes em tempo real.
1 segundo = 40 minutos
1 minuto = 40 horas
1 hora = 100 dias
1 dia = 6,5 anos
Assim diziam seus cálculos.
Anzu virou-se para me olhar, seus olhos arregalados e cintilantes de excitação.
"Seis anos e meio em um dia! Você está brincando?! Isso é loucura! Você literalmente poderia usar este lugar como uma cápsula de sono frio e pular para o futuro distante!"
Ela parecia ter esquecido completamente as duas últimas horas de tédio instantaneamente.
"S-Sim, é bem louco, com certeza. Ao mesmo tempo..."
Enquanto Anzu estava entusiasmada como se tivéssemos tropeçado na descoberta do século, uma nuvem escura de dúvida crescia cada vez mais em meu peito. Seis anos e meio em um dia — duas décadas em três. Você realmente poderia usá-lo para uma viagem no tempo genuína, sem dúvida alguma. No entanto, isso também significaria deixar tudo no "passado" para trás.
Todos os nossos colegas de classe continuariam a se formar e arranjar empregos sem nós, e todas as pessoas que conhecíamos continuariam envelhecendo enquanto nós permanecíamos os mesmos. O Kozaki High talvez nem existisse mais quando saíssemos, quanto mais minha humilde casa.
Essas eram as mudanças com as quais Anzu teria que lidar para que seu desejo fosse concedido pelo Túnel de Urashima, e eu me perguntava se ela estava realmente preparada. Ou, inferno, na remota chance de que o túnel pudesse conceder seu desejo, já que ainda não tínhamos nenhuma prova de que realmente possuía essa habilidade.
Além disso, poderia haver todos os tipos de outros perigos associados ao uso do túnel, à espera de idiotas ingênuos como nós. Talvez uma vez que você entrasse além de uma certa distância, não houvesse como voltar. Concedido, esses eram todos os riscos que eu estava disposto a correr se significasse ao menos a menor chance de ver minha irmãzinha novamente, mas no caso de Anzu, eu não tinha ideia do que ela estava procurando. Nenhuma noção de onde estavam suas motivações.
Dei uma olhada rápida para ela. Seu rosto ainda estava corado e extasiado pelas emocionantes implicações de nossa nova descoberta. Mesmo diante de tais possíveis consequências graves, ela não estava recuando nem um pouco. Ela ainda estava claramente cem por cento determinada a conquistar o Túnel de Urashima, mesmo que obviamente soubesse que era uma má ideia mergulhar sem fazer nossas devidas diligências primeiro.
Ei, Hanashiro. Por que você está tão determinada com isso? O que você espera ganhar aqui?
Eu estava prestes a dizer as palavras, mas as engoli no último segundo. A última coisa que eu queria era estragar a diversão dela quando ela claramente estava se divertindo muito. Além disso, haveria muitas outras oportunidades para eu perguntar sobre suas motivações e objetivos finais.
Uma coisa que eu poderia dizer com certeza, porém, era que deveríamos esperar até outro dia para começar a investigação propriamente dita — tanto para fazer os preparativos necessários quanto para dar a Anzu algum tempo para voltar ao normal emocionalmente e começar a pensar racionalmente novamente.
Mas para esta noite, uma pequena celebração em honra a um experimento bem-sucedido certamente não ia machucar ninguém.
2
Dois dias depois de termos acertado a proporção precisa de tempo do Túnel de Urashima, eu estava sentado em frente a Shohei fazendo conversa fiada enquanto comíamos nossos almoços quando, de repente, avistei Anzu pelo canto do olho. Ela emitia uma aura fria e inacessível enquanto comia seu sanduíche sozinha — e quase me fez pensar que o lado mais franco dela que eu tinha visto alguns dias antes tinha sido nada mais do que um produto da minha imaginação.
A enorme marca em seu rosto agora tinha sumido, felizmente, assim como o pedaço de gaze.
"Você está olhando para a garota nova de novo, cara", resmungou Shohei.
"Hum?"
Eu disse, terminando o gole atual do meu café com leite enlatado e tirando o canudo dos meus lábios.
"Qual o problema com isso? Você tem uma queda por ela? Um pouco possessivo, não acha?"
"Ah, cala a boca. Vou te dar uma surra."
"Heh. Relaxa, cara. Só estou zoando com você."
"Mas sério, cara — se você está tão curioso sobre ela, deveria falar algo com ela. Você nunca vai ser amigo dela ficando só observando à distância como um esquisitão."
"Sim, eu sei."
Eu não tinha contado a ninguém sobre minha nova relação de trabalho com Anzu — principalmente porque imaginei que só atrairia atenção indesejada para nós dois.
Só podia presumir que ela estava evitando falar comigo na escola pelo mesmo motivo.
"Não é como se eu realmente quisesse ser amigo dela ou algo assim", continuei. "Acho o comportamento dela meio interessante, só isso. Você nunca sabe o que ela vai fazer a seguir."
"Hrm... Bem, ela é um pouco enigmática, eu te dou isso. Pô, ouvi dizer que alguém a viu escalando a cerca para entrar nos trilhos do trem outro dia. Quem faz esse tipo de coisa?"
"... Sim, boa pergunta."
Então ela foi vista, huh...? Esperaria que ela fosse mais cautelosa que isso.
"Ah, é verdade! Isso me lembra!" Shohei exclamou. "Também ouvi um boato sobre o namorado babaca da Kawasaki. Estão dizendo que ele largou de vez a escola."
"Espera, o quê? Sério?"
"Sim. Algo sobre ter que assumir o negócio pesqueiro da família, aparentemente. Mas se você me perguntar, eu acho que ele ficou com vergonha demais para voltar para a escola depois de ser espancado por uma garota."
"Heh. Bem, bom para ele. Espero que isso o ajude a construir um pouco de caráter."
"Pode crer", disse Shohei, abarrotando suas bochechas com um enorme onigiri.
Falando nisso, Koharu também não tinha voltado para a escola desde aquele dia. Me perguntava se ela também acabaria largando.
3
Finalmente, as aulas acabaram por hoje. Enquanto fechava meu livro didático e o enfiava na minha mochila, um anúncio ecoou pelo intercomunicador.
[Kaoru Tono da Turma 2-A, por favor, se dirija à sala dos professores. Repito: Kaoru Tono….]
Era a voz da Sra. H.
"Ui, irmão. O que você aprontou dessa vez?"
Shohei provocou.
"Sei lá."
Dei de ombros.
Era verdade — genuinamente não fazia ideia.
Terminei de guardar minhas coisas e saí da sala de aula, então fiz contato visual com Anzu enquanto passava por ela no corredor. Ela me deu um aceno silencioso, depois virou-se e desceu as escadas... mas eu não tinha certeza se isso significava "Eu vou te esperar lá fora" ou "Vamos cancelar por hoje".
Teria sido legal se ela usasse palavras, mas, enfim, eu não estava com vontade de correr atrás dela para perguntar, então fui direto para a sala dos professores, virando à esquerda na próxima esquina. Quando cheguei à porta no final do corredor, ao abri-la silenciosamente anunciando minha chegada, então me enrolei entre as cabines até a mesa da Sra. H.
"Um, Sra. Hamamoto? A senhora me chamou?", perguntei, e ela se virou para me olhar.
Em seguida, deixando de lado a prova de quem quer que fosse que ela estava corrigindo, ela girou na cadeira e me deu um grande sorriso amigável.
"Ah, aqui está você, Tono-kun. Desculpe chamá-lo assim de repente."
"Está tudo bem. Do que a senhora precisa?"
"Bem, na verdade é sobre a Kawasaki-chan."
"Ah? O que tem ela?"
"Bem, como você deve ter notado, ela não apareceu na escola nos últimos dias. Ela ligou dizendo que não estava se sentindo bem, mas estou começando a ficar um pouco preocupada com ela. Estava pensando que se ela não voltar logo, talvez fosse preciso fazer uma visitinha."
"Certo..."
Eu disse.
O que isso tem a ver comigo, exatamente?
"E é aí que você entra, Tono-kun. Você poderia ser um querido e entregar o dever de casa de inglês de verão da Kawasaki-chan?"
"Tá brincando? Eu?"
"Sim, você. Já pedi a alguns de seus amigos se eles estariam dispostos a fazer isso, mas aparentemente estão todos ocupados."
Imaginei que ela estivesse se referindo às garotas da turma da Koharu.
Provavelmente aquela garota Haneda e a outra, Sado. Se eu tivesse que adivinhar, elas teriam ignorado a Sra. H por preguiça ou despeito. Daí porque ela tinha recorrido a me pedir.
"Vocês dois estudaram na mesma escola primária, não é?", perguntou a Sra. H. "Então imagino que você provavelmente saiba onde ela mora."
"Bem, eu sei, sim..."
"Então posso contar com você para cuidar disso?"
Ela me colocou em uma situação difícil. Eu e Anzu estávamos planejando nos encontrar e explorar mais o Túnel de Urashima. Embora mesmo se não estivéssemos, eu realmente não estava a fim de fazer trabalho braçal pela garota que sempre me fez fazer o trabalho braçal dela.
"Desculpe, mas tenho uns planos esta tarde..."
"Ah, é? Que tipo de planos?"
"Ia sair para dar um rolê com um amigo por um tempo."
"É mesmo? E fazer o quê, exatamente?"
Perguntou à Sra. H, e eu meio que fiquei ali perplexo, me perguntando por que minha professora precisaria saber disso.
Então ela sorriu e soltou a bomba: "Não mais uma reencenação de Stand By Me, espero?"
"... Desculpe? Pode repetir?"
"A escola recebeu um relato de testemunha ocular outro dia de alguém que viu 'aquele garoto Tono' andando ilegalmente ao longo dos trilhos do trem. Você não saberia nada sobre isso, saberia?"
Ah, droga. Alguém viu aquilo? E pensar que eu estava julgando a Hanashiro pelo exato mesmo motivo...
"Er, sim, sobre isso... A questão é que eu perdi o trem e não podia esperar por outro, então decidi pegar um atalho para casa, e, ah..."
"Então realmente era você", ela suspirou, decepcionada. "Ah, Tono-kun. Sabe, normalmente deveríamos ligar para um pai ou responsável quando recebemos relatos como esse..."
Meu Deus.
Se meu pai descobrisse sobre isso, eu realmente estaria em apuros.
Sem ver outra saída, entrei em pânico e comecei a implorar.
"E-Eu sinto muito mesmo! Prometo que não vai acontecer de novo! Por favor, só não ligue para minha casa..."
"Você não me deixou terminar."
Fiquei quieto e ouvi o que a Sra. H tinha a dizer.
Aparentemente, a pessoa que ligou pediu para a escola me deixar apenas com um aviso simples, já que sabiam que minha família tinha "passado por tempos difíceis" nos últimos anos, e era intenção da Sra. H respeitar o desejo deles. Não estava certo se deveria ficar grato pela boa vontade desse estranho. Eu frequentemente me irritava com o quão rápido as coisas se espalhavam em nossa comunidade rural fechada, já que isso significava que todos conheciam todos os pequenos segredos desagradáveis da minha família.
"De qualquer forma, por favor, nada de andar pelos trilhos do trem, ok? Você literalmente pode ser atropelado e morrer — e mesmo que não morra, você pode levar uma multa bem salgada por forçar o trem a parar."
"Sim, senhora... Não vai acontecer de novo."
"Bom. Bem, acho que estou disposta a deixar passar, só desta vez...", começou a Sra. H, antes de terminar de forma ominosa em uma pausa excruciante. "...Por outro lado, você tem tido muitas faltas e chegadas atrasadas recentemente, então talvez uma ligação para casa seja realmente necessária. Isso é, a menos que você esteja disposto a me provar que está comprometido em fazer melhor daqui para frente."
"E como posso fazer isso?"
"Oh, eu não sei... Talvez se oferecendo para dar uma mão e verificar outro aluno que não tem aparecido ultimamente? Talvez levar o dever de casa para eles enquanto estiver nisso?"
Então era uma ameaça velada, certo. Faça o que ela pede, ou ela ligará para meu pai.
"...Tudo bem, ok. Vou entregar o dever de casa da Kawasaki."
"Você vai? Ah, que maravilha! Aqui está!", ela disse, me entregando um livro de inglês grampeado.
Coloquei-o em um protetor de plástico e o coloquei na minha mochila. Enquanto saía da sala dos professores, fiz uma nota mental de que precisaríamos encontrar outra rota para o túnel daqui para frente, mesmo que exigisse um grande desvio. Andar pelos trilhos do trem novamente seria muito arriscado.
4
Precisava avisar Anzu que fui convocado para a entrega do dever de casa, além de que fomos vistos andando pelos trilhos. Presumivelmente, ela sabia que eu tinha sido chamado para a sala dos professores, mas não tinha certeza de onde poderia encontrá-la.
Decidi verificar a sala de aula para começar, mas ela não estava lá. Então imaginei que ela poderia estar esperando na entrada principal, mas ela também não estava lá. Supus que era possível que ela tivesse ido para casa ou para o Túnel de Urashima sozinha, mas...
Ah.
Nessas horas, eu realmente desejava que tivéssemos os contatos um do outro. Vasculhar todos os cantos da escola não me levaria a lugar algum, então troquei meus sapatos de interior e saí do prédio, olhando o pátio enquanto saía do campus. Logo que passei pelo portão principal, ouvi uma voz me chamar por trás.
"Tono-kun."
"Uau! Nossa, você me assustou..."
Certamente, era Anzu.
Ela estava esperando ao lado da entrada principal do campus com os braços cruzados e as costas contra a parede.
"Demorou", ela disse irritada enquanto se afastava da parede.
"Desculpe, eu estava tentando te encontrar. Eu teria te ligado, mas..."
"Ah, certo. Eu nunca te dei meu número, né?"
"Não. Mas é, estava pensando que deveríamos fazer isso. Deixa as coisas muito mais convenientes, pelo menos."
"Sim, claro!"
Anzu exclamou, parecendo surpreendentemente extasiada enquanto tirava o celular do bolso. Rapidamente digitamos os contatos um do outro em nossas agendas.
"Isso é tão emocionante!", ela gritou. "Nunca troquei números com alguém antes!"
"Nossa, sério?"
"E você, Tono-kun?!"
"Sim, é bem novo para mim também. Você é apenas meu segundo contato."
(O primeiro tinha sido o Shohei, para registro.)
"...Segundo, huh. Bom, caramba, você é especial", ela resmungou.
Sua expressão passou de radiante para impassível em zero segundos — foi uma mudança de humor bastante dramática. Ela fechou a agenda e guardou o celular no bolso.
"Então ouvi dizer que você foi chamado para a sala dos professores. O que foi aquilo tudo?"
"Oh, sim. Acho que alguém me viu caminhando ao longo dos trilhos do trem outro dia, então meio que levei uma bronca por isso. Nada demais."
"Hmm. Bem, justo o suficiente."
"Por falar nisso, ouvi dizer que alguém te viu fazendo a mesma coisa que eu, então realmente precisamos parar de usar os trilhos do trem daqui para frente. Não é que seja tão grave assim. Eu diria que saí ileso, relativamente."
"Relativamente?"
"Oh, sim... Então, hum..." Comecei, coçando a bochecha com um dedo. "Na verdade, fui incumbido de fazer um favor para a Sra. H. Tenho que passar na casa da Kawasaki e entregar algumas tarefas para ela."
"Kawasaki..."
Anzu repetiu, sua expressão escurecendo como se dissesse "Como você se atreve a mencionar esse nome na minha presença." E, bem... depois do que Koharu havia feito com ela, eu não podia exatamente culpá-la por se sentir assim.
"Sim, então acho que teremos que cancelar a investigação de hoje. Desculpe."
"...Tudo bem."
"Melhor eu ir. Te vejo amanhã," disse, começando a caminhar em direção ao ponto de ônibus próximo.
Então algo puxou a alça da minha mochila, então me virei. Anzu estava me encarando diretamente nos olhos.
"O-Oi, o que foi?"
Perguntei.
"Eu também vou."
"Hã?"
De onde diabos veio essa mudança de ideia? Eu estava totalmente convencido de que Anzu odiava Koharu... Ou talvez ela quisesse ir junto precisamente porque tinha que tratar daquele assunto? Era uma questão de vingança?
"Uhhh, você tem certeza disso? Estamos falando da casa da Kawasaki."
"Sim, ouvi você pela primeira vez."
"Você não acha que vai ficar estranho ou hostil ou algo assim?"
"Oh, pode ser. Não ficaria surpresa."
Então por que diabos você quer vir?
Eu queria perguntar.
Antes que eu pudesse reunir coragem para perguntar, Anzu soltou um bufar impaciente.
"No entanto, agora que a investigação foi cancelada, não tenho nada para fazer esta tarde. Então pensei em acompanhar para passar o tempo, só isso. A menos que você não queira que eu vá?"
"Tudo bem, eu acho... Mas só vamos entregar algumas tarefas e sair. Então é melhor eu não te pegar brigando."
"Nossa, me desculpe. Eu nunca faria isso."
"Ou levantando as mãos."
"Eu nunca faria."
5
Com isso, descemos do campus e pegamos o ônibus. O plano era viajar por seis paradas, onde desceríamos a uma curta distância da residência de Koharu. Saímos um pouco tarde da escola, então havia realmente poucos outros alunos da Kozaki High no ônibus, e certamente nenhum que fosse do segundo ano como nós.
Sentamos na parte de trás do veículo, e eu olhava preguiçosamente pela janela e observava a paisagem passar enquanto o motorista partia.
Quando passamos pela sombra de uma colina próxima, pude ver o rosto de Anzu refletido no vidro. Ela estava sentada diretamente ao meu lado, com o nariz enfiado em seu livro desde o momento em que nos instalamos.
Curioso sobre que tipo de livro poderia ser, tentei examinar a capa através do reflexo, mas tudo o que consegui realmente distinguir foi o verso de um gato ilustrado sentado sobre as patas traseiras. Imaginei que fosse um daqueles tipos de histórias "como seria a vida sob a perspectiva deste animal". Tudo o que eu sabia era que ela vinha lendo este livro há um tempo, pois era o mesmo que ela estava lendo antes de socar Koharu no rosto.
"Então você odeia completamente a Kawasaki, é isso?"
Perguntei aleatoriamente, virando minha cabeça para longe da janela.
"Sim. Odeio ela profundamente," Anzu disse sem hesitação, sem tirar os olhos do livro.
"Então por que você está indo para a casa dela?"
"Porque eu quero ir onde você for."
Ela disse como se fosse a coisa mais óbvia do mundo, e meu rosto ficou vermelho instantaneamente. Fácil, Kaoru. Não interprete mal. Vocês estão apenas trabalhando juntos. Nada mais que isso.
Limpei minha garganta e fiz o possível para manter a calma.
"Sabe, você realmente não deveria dizer coisas assim tão levianamente," eu a avisei.
"Por quê?"
"Ah, porque qualquer pessoa que não seja eu provavelmente entenderia errado e teria seu pobre coração partido? Apenas um palpite."
"Bom, eu não diria isso sobre ninguém além de você."
"...Tenho certeza de que você está me dando crédito demais aqui. Sou apenas um estudante do ensino médio comum e chato."
Foi isso que finalmente fez Anzu desviar os olhos de seu livro e olhar diretamente nos meus.
"Isso não é verdade. Você não é chato nem comum, Tono-kun. Se me perguntar, você é tão anormal."
"...Devo levar isso como um elogio?"
"Obviamente."
"Bem, se você diz, eu suponho," eu disse com um encolher de ombros, então descansei meu cotovelo na beirada da janela mais uma vez.
Pouco depois, o motorista do ônibus anunciou pelo alto-falante que estávamos nos aproximando da parada mais próxima da casa de Koharu, então apertei o botão para solicitar nossa parada.
À medida que o ônibus parava no ponto, entreguei ao motorista trezentos ienes, então desci as escadas e fui para a calçada. Quase imediatamente, senti o cheiro pungente da terra molhada. Lancei um olhar para o alto cumulus branco avançando lentamente pelo céu ocidental.
"Parece que vamos levar uma chuva."
"Acha mesmo?" disse Anzu. "Mas está tão bom lá fora agora."
"Não, tenho quase certeza. Vamos logo e terminemos com isso."
Rapidamente nos dirigimos para a casa de Koharu. Um pouco mais adiante na rua, nos deparamos com um prédio de apartamentos compacto com uma loja de okonomiyaki no primeiro andar. A família de Koharu morava no andar superior deste prédio. Subimos as escadas e logo chegamos à porta com a placa com o nome KAWASAKI abaixo da passagem externa coberta.
Quando toquei a campainha, um alto ding-dong ecoou de dentro do prédio, seguido pelo som de passos apressados sobre o piso de madeira.
"Quem éééé?" Chamou o ocupante, abrindo a porta da frente.
Era Koharu.
Ela estava claramente em modo "fique em casa", julgando pela sua camiseta e calça de moletom folgada, além dos óculos de armação grossa no nariz. Eu a conhecia desde o ensino fundamental, mas esta era a primeira vez que a via usando óculos. Rapidamente deduzi que ela devia usar lentes de contato na escola. Ela pareceu um pouco atordoada com a nossa presença, mas rapidamente voltou ao seu olhar indignado habitual.
"...O que vocês querem?"
Exigiu Koharu.
"A Sra. H precisava de alguém para entregar suas tarefas de verão."
"E vocês se voluntariaram?"
"Não exatamente. Mas ei, estamos aqui agora."
"...Ótimo."
Havia o leve indício de tristeza nos olhos de Koharu. Talvez ela tenha percebido que provavelmente todos os seus amigos habituais haviam virado o nariz para a tarefa, e agora estava bastante desanimada com o quão rapidamente seus ditos amigos a abandonaram. Ou talvez eu estivesse projetando.
De volta aos negócios. Estendi o livro de exercícios, e ela o pegou sem dizer uma palavra. No entanto, enquanto me preparava para me despedir e encerrar essa interação tensa, ouvi um som estranho se aproximando por trás de mim, quase como o chiado do estático da TV. Virei-me, e, certamente, a chuva veio.
Ótimo.
Foi uma súbita chuva torrencial como eu nunca tinha visto. Enquanto eu estava lá me perguntando o que diabos deveríamos fazer agora, uma voz de mulher chamou de dentro do apartamento.
"Koharu, está chovendo muito lá fora! Por que você não convida seus amigos para entrar?"
"O quê?! De jeito nenhum!"
Koharu gritou de volta, girando rapidamente.
"Eles não são meus amigos, mãe!"
Houve um barulho alto de passos enquanto a mulher saiu apressada para a entrada. Ela usava um avental simples e tinha os cabelos longos amarrados atrás. Parecia ser a mãe de Koharu.
"Koharu! Como você pode ser tão rude depois que eles vieram até aqui?! Eu te ensinei melhor que isso!"
"Mas, mãe!"
"Desculpem vocês dois."
A mãe de Koharu sorriu, empurrando-a para o lado.
"Ela pode ser um pouco rabugenta às vezes. Não levem para o lado pessoal. Fiquem à vontade para entrar!"
Anzu e eu nos olhamos, encolhemos os ombros e então entramos conforme instruído. Koharu, apesar de claramente estar bastante irritada com essa reviravolta dos acontecimentos, nos conduziu até seu quarto sem mais objeções. Quando chegamos lá, ela nos indicou com o queixo para nos sentarmos, então ambos obedecemos e nos acomodamos no carpete.
Além do quarto da minha irmãzinha, nunca estive no quarto de uma garota antes. Havia uma fragrância vagamente doce que nunca senti em nenhum dos quartos dos meus amigos homens. No entanto, o quarto em si era muito mais austero do que eu esperaria de uma garota tão selvagem quanto Koharu: apenas uma simples escrivaninha, uma cômoda cor creme e um armário.
Caramba, se não fosse pela estante cheia de revistas de moda, poderia-se ser perdoado por não perceber que este era um quarto de adolescente.
"Ei. Pare de olhar ao redor como um bisbilhoteiro", Koharu retrucou.
"D-Desculpe", eu disse, imediatamente baixando os olhos para o chão.
"Assim que a chuva parar, vocês estão fora daqui. Entenderam?"
Concordei profundamente, e a conversa prontamente morreu.
Anzu simplesmente ficou lá, quieta como uma estátua de porcelana, enquanto Koharu mexia inquieta com o celular na cadeira. O único som que perfurava o silêncio era o pitter-patter das gotas de chuva na janela. A ansiedade era sufocante. Eventualmente, não aguentei mais, então tentei iniciar uma conversa novamente com Koharu.
"Então você usa óculos quando está em casa, né?"
"Sim, e? Está querendo dizer que pareço idiota?"
"Não, de jeito nenhum."
"Que bom. Agora cale a boca."
"Sim, senhora."
Tentativa de interação: falhou. Mais uma vez, amaldiçoei minha falta de habilidades sociais. Parecia que eu não tinha escolha senão ficar quieto e esperar a chuva parar, então abaixei a cabeça em derrota — então, Koharu mesma quebrou o silêncio para dirigir-se a Anzu pela primeira vez.
"O que diabos você está fazendo aqui, afinal? Tono até que dá para entender, mas você?"
"Estou aqui apenas porque ele está aqui", respondeu Anzu, de maneira factual.
"Desculpa, o quê? Vocês são namorado e namorada ou algo assim?"
"Por favor. Tono-kun e eu somos almas gêmeas. Não tente equiparar nosso relacionamento a um raso e superficial como o seu."
(Shisuii: Puxem a camisa 11 para essa muié que ela não é qualquer uma| Sol: Shii camisa 11 e pra ponta que dá assistência, não é para uma atacante camisa 9 que nem a Anzu.)
"Um, nojento? Literalmente não tenho ideia do que isso significa, e não tenho certeza se quero... Espera. O que você quer dizer com 'como o meu'?"
"Você não está namorando aquele delinquente juvenil que tentou me atacar?"
Com isso, Koharu se calou.
"...Não estamos namorando", respondeu com uma voz pequena e tímida.
"Espera, vocês não estão?"
Eu disse, genuinamente um pouco chocado.
Concedido, Shohei tinha mencionado antes que os rumores eram infundados, mas eles ainda pareciam mais plausíveis para mim do que a alternativa.
"Ele decidiu por conta própria começar a agir como se estivéssemos. Então, acho que algum gênio viu isso e assumiu que era mútuo, embora claramente eu não estivesse interessada no cara de jeito nenhum."
"Huh. Não brinca... Espera, mas então por que você nunca negou quando todos os rumores começaram a circular?"
"Por que se incomodar? As pessoas vão tirar suas próprias conclusões de qualquer maneira", disse Koharu, mexendo desconfortavelmente como se algo estivesse preso em seus dentes.
Eu pude perceber que ela estava sendo evasiva, mas foi Anzu quem realmente a confrontou com isso.
"Oh, entendi agora. Então você não gostava dele, mas também não queria negar completamente a possibilidade de vocês dois estarem namorando. Em outras palavras, você queria continuar usando a reputação dele como um fator de intimidação, não é? Como a filha de um chefe do crime usando o nome do papai para afastar qualquer idiota de pequena monta que pudesse tentar mexer com ela."
Ugh.
Eu suponho que seja uma analogia adequada, mas será que realmente precisávamos chegar a esse ponto?
"O quê... Não, não é nada disso!"
Koharu latiu em negação, seu rosto ficando vermelho.
Anzu continuou.
"Como não é? Se você não estivesse tentando usar a reputação dele a seu favor, você não teria ameaçado contar para seus 'amigos' o quanto eu estava te irritando, com medo de que eles me atacassem no caminho de volta para casa. Claro, talvez não fosse ele especificamente de quem você estava falando naquela ocasião, mas ainda é usar táticas de intimidação para evitar se sujar, então eu diria que meu ponto continua válido."
Koharu mordeu o lábio inferior e começou a tremer. Oh Deus. Ela vai chorar.
Então Anzu desferiu o golpe final: "Sério. Como é frágil o seu ego? Você se esforça tanto para manter sua persona de garota durona, mas é só para encobrir o fato de que você não tem amigos de verdade?"
Foi o suficiente. A represa se rompeu, e grandes e feias lágrimas escorreram pelas bochechas de Koharu.
"V-Você não precisa ser tão cruel..."
Ela soluçou, fungando algumas vezes antes de começar a chorar convulsivamente.
Embaraçado, eu sabia que tinha que fazer algo.
"Vamos lá, Hanashiro! Isso foi longe demais. Você precisa pedir desculpas."
"Taanto faz..."
"Não, não me venha com essa. Peça desculpas de verdade para ela."
Anzu revirou os olhos, mas virou-se para encarar Koharu mesmo assim.
"Desculpa. Eu não estava tentando fazer você chorar... mesmo que eu tenha dito isso sabendo muito bem que iria te atingir onde mais dói."
"Uma desculpa sincera..."
Repreendi.
No entanto, Anzu não mostrou sinais de remorso, e as lágrimas de Koharu não mostraram sinais de cessar. Enquanto eu estava lá todo nervoso entre as duas, a porta do armário de repente se abriu, e pularam dois menininhos, não mais que da idade da escola primária. Eles eram, presumivelmente, os irmãozinhos de Koharu.
"Ei! Pare de atormentá-la!"
Um deles gritou enquanto ambos corriam na direção de Anzu e começavam a agitar freneticamente os braços para ela. Num raro momento de desconforto, Anzu cobriu o rosto em uma tentativa frenética de bloquear os socos enquanto implorava para que parassem.
Enquanto isso, Koharu ainda estava ocupada chorando compulsivamente. Era uma completa confusão, e eu não tinha ideia do que fazer.
Foi então que a porta se abriu, e entrou a mãe de Koharu com uma bandeja de chá gelado.
"Aha! Achei vocês, seus pestinhas!"
Ela disse, puxando os dois meninos para longe e batendo na cabeça de cada um deles. Agora os três irmãos Kawasaki estavam chorando alto, e eu estava extremamente pronto para ir para casa.
"Desculpe por aquele pequeno incidente", disse a mãe de Koharu depois de nos convocar, eu e Anzu, para o corredor para uma conversinha. Ela ria constrangida com as mãos firmemente apoiadas nos quadris.
"De qualquer forma, algo me diz que minha filha começou isso, mas se vocês pudessem tentar não deixar as coisas se escalarem daqui para frente, eu ficaria muito agradecida. Ela realmente é uma garota doce por dentro, sabia?"
Tudo o que pude fazer foi balançar a cabeça envergonhado. Mesmo Anzu, apesar de toda sua falta de remorso, agora estava timidamente encolhida como um animalzinho repreendido.
"Vocês não imaginam como ela correu para fora do quarto assim que ouviu a campainha tocar mais cedo. Não sei o que aconteceu com os amigos dela na escola, mas acho que ela deve estar bem solitária agora. Obviamente, não posso fazer vocês fazerem as pazes e serem amigos dela, mas pelo menos tentem se dar bem, tá?"
"Sim, senhora", respondi, então olhei para Anzu, que simplesmente assentiu.
"Ótimo. Bem, ainda está chovendo muito lá fora, então fiquem à vontade para ficar mais um pouco e relaxar, se quiserem."
Com isso, a mãe de Koharu se retirou do corredor para o outro cômodo.
"Se quiserem", ela diz...
Depois do que acabou de acontecer, seria bastante vergonhoso desistir e ir para casa agora. Então abrimos a porta do quarto de Koharu mais uma vez, onde encontramos os três irmãos envolvidos em algum tipo de jogo de cartas na cama dela. Assim que Koharu nos viu entrar, porém, ela recolheu todas as cartas e entregou-as aos seus irmãos.
"Ok, de volta para o seu quarto agora", ela disse, e eles obedeceram.
"Se eles te incomodarem de novo, mana, é só nos avisar!" disse um dos meninos.
"Yeah! A gente faz eles pagarem na próxima vez!"
Disse o outro.
Os dois meninos mostraram a língua para nós enquanto saíam do quarto, levando consigo sua adorável dinâmica de irmãos.
Agora sozinhos novamente no quarto com Koharu, nós apenas ficamos lá desconfortavelmente por um tempo até que ela sugeriu que nos sentássemos e nós obedecemos.
"Então, o que a Mam... O que minha mãe disse para vocês?"
"Não muito", eu disse, fazendo uma nota mental divertida do fato de que aparentemente ela chamava sua mãe de 'Mamãe' na maior parte do tempo. "Apenas nos disse para relaxarmos."
"Ela pediu para vocês serem amigos de verdade, não foi?"
Tudo o que pude fazer foi sorrir timidamente. Koharu pegou a almofada de pufe ao seu lado e prontamente enterrou o rosto nela.
"Ah, ela é tão constrangedora... Isso é péssimo... Só me mata agora."
Obviamente, eu sabia que ela não estava literalmente dizendo que queria morrer, mas ainda assim era terrível ouvi-la tão mortificada. Ainda assim, eu não tinha experiência suficiente lidando com mulheres para saber como sair dessa.
"Você tem uma mentalidade fraca", Anzu interveio impiedosamente.
Caramba, cara.
Não é que eu tivesse ideias melhores sobre o que dizer, mas eu sabia que isso com certeza não iria remediar a situação. Tentei mediar mais uma vez.
"Vamos lá, Hanashiro. Você foi quem exagerou... Pelo menos finja que quer se redimir, droga."
"Qual é o sentido de fingir? Eu não vou voltar atrás no que disse."
"Eu sei, mas mesmo assim..."
"Você é muito mole, Tono-kun."
"Não, você é irracionalmente dura."
Enquanto continuávamos discutindo um com o outro, Koharu de repente levantou a cabeça de trás da almofada.
"Ei... Como você consegue parecer tão invencível o tempo todo, afinal?"
Ela perguntou para Anzu com uma vozinha mansa, como um pupilo buscando orientação de seu mestre. O que poderia estar exatamente acontecendo, agora que eu pensava sobre isso.
Virei-me e dei a Anzu o olhar mais severo que consegui reunir, exigindo que ela respondesse a isso de boa fé — ou então.
Anzu aparentemente captou a mensagem, porque ela relaxou os ombros um pouco e começou a explicar a contragosto.
"Não é como se houvesse um método secreto para isso. No entanto..."
"No entanto?"
"Se eu tivesse que resumir, diria que tudo se resume a não ter medo de dar uma surra nas pessoas."
Bem. Isso com certeza não era o tipo de coisa que você esperaria sair da boca de uma adolescente.
"Você tem que estabelecer limites rígidos para o que vai tolerar internamente. Tipo, se alguém faz isso, aquilo ou aquilo outro comigo, vou dar um soco na cara deles. Depois de fazer isso, fica mais fácil analisar situações e a si mesmo de uma perspectiva superior. Ajuda a manter a cabeça fria e evitar deixar suas emoções controlarem."
"O que você quer dizer com 'perspectiva superior'...?"
Perguntou Koharu, inclinando a cabeça.
"Sim, desculpa. Não é a melhor metáfora. Mas você conhece aqueles jogos antigos, onde você está olhando para o seu personagem de cima, e você pode ver a vida e a magia deles e tudo isso ali do lado? É meio assim, onde você tenta ver suas emoções como valores quantitativos e age de acordo com a gravidade geral da situação, em vez de reagir impulsivamente. Assim como você só usaria uma poção quando estivesse com menos da metade da vida, você tem que decidir ativamente dar um soco em alguém depois que eles cruzarem uma certa linha. Ah, e você sempre quer ser o primeiro a atacar, se possível. Porque na maioria das vezes, tudo o que é necessário é um bom, forte soco para deixar as pessoas muito acordadas para responder. Além disso, se você sabe que seu oponente é muito mais forte do que você, não tenha medo de se armar adequadamente ou recorrer a táticas desleais. O que quer que seja necessário para fazer o trabalho."
(Sol: Anotado.)
Foi uma explicação surpreendentemente detalhada, embora bastante perturbadora. Quantas brigas de punho Anzu já tinha se metido em sua vida?
"...Isso é loucura. Eu nunca poderia fazer isso", disse Koharu, emburrada.
Eu também não poderia, para ser justo.
"Não estou dizendo que você deveria sair por aí procurando brigas só para ganhar confiança. Mas você tem que aprender a enfrentar seus problemas de frente, ou você será um blefador por toda a vida. Nada vai mudar a menos que você faça."
Koharu estremeceu visivelmente. Seu rosto estava começando a ficar pálido.
"Por onde eu começo?"
"Não me pergunte. Isso é problema seu."
Parecia que Koharu estava prestes a começar a chorar de novo, então eu cutuquei Anzu com meu cotovelo. Ela coçou a cabeça como se estivesse cansada de ter que atuar como terapeuta, mas retomou seu pequeno discurso de incentivo mesmo assim.
"Bem, meu ponto aqui não é que a violência possa resolver todos os seus problemas, para constar. Novamente, trata-se de estabelecer seus próprios limites e segui-los. Permanecer fiel às suas convicções e não deixar ninguém pressioná-lo a fazer o contrário. Faça isso o tempo suficiente, e não só aumentará sua autoestima, mas você também será uma pessoa muito mais legal em geral. Não há nada mais descolado do que insegurança. Foi essa mesma insegurança que fez você se esconder atrás da reputação daquele valentão temperamental e deixar todo mundo na escola pensar que vocês dois estavam namorando. Não é mesmo?"
"Sim... é..."
"Bem, aí está. Meu conselho para você seria começar a viver de acordo com suas próprias regras, por uma vez. Eu não me importo com quais são essas regras. Apenas estabeleça expectativas para si mesmo e as cumpra. Provavelmente será difícil no começo, mas isso ajudará você a chegar muito mais perto da pessoa que você realmente quer ser, então tenho certeza de que você será muito mais feliz no final."
"A pessoa que eu... quero ser...?"
"Certo. Porque, no fim do dia, não há uma maneira certa de viver nossas vidas. Tudo o que podemos fazer é escolher o caminho que mais nos convém e correr por ele o mais rápido que pudermos para ver até onde podemos chegar no pouco tempo que temos", disse Anzu, seguido por um suspiro conclusivo enquanto ela se virava para olhar pela janela. "Ah, olha só. A chuva finalmente parou."
6
Desde que concordamos em ficar apenas até o tempo melhorar, Anzu e eu achamos que era hora de partir. Nos despedimos, saímos pela porta da frente e imediatamente tivemos que semicerrar os olhos pelo brilho intenso do sol poente.
No entanto, mal tínhamos descido as escadas no final do corredor externo quando uma voz nos chamou de trás. Virando, vi que Koharu tinha vindo correndo atrás de nós de chinelo. Ela desceu as escadas antes de parar abruptamente na frente de Anzu, começando a brincar nervosamente com os polegares à altura do umbigo.
"...E agora?"
Anzu perguntou com dúvida.
"Ah, é, hm... Então, tipo, toda aquela coisa que você disse agora? Vou ser honesta: você acertou em cheio. Tipo, isso foi tão incrivelmente preciso que ou você é uma psíquica ou eu sou ainda mais pateticamente transparente do que pensei... Eu... queria pedir desculpas, acho. Por ter sido tão horrível com você até agora. Me desculpe."
Koharu abaixou a cabeça, e minha mandíbula caiu por sua vez. Eu nunca tinha visto essa garota pedir desculpas a um professor quando se metia em encrenca, então vê-la se humilhar assim foi quase surreal demais para acreditar. Aquelas coisas que Anzu disse lá atrás devem ter realmente provocado algum tipo de mudança dentro de Koharu.
Anzu pareceu bastante surpresa com isso também. Houve uma boa e longa pausa antes de ela realmente responder ao pedido de desculpas.
"...Tudo bem. Não estou presa nisso."
"Bom, se você diz... Ah, e Tono?"
"Sim?"
Respondi.
"Eu te devo isso."
Koharu colocou a mão no bolso e tirou três notas de três mil ienes, então praticamente as empurrou para a minha mão.
"Espera, para que é isso? Eu nunca te emprestei tanto dinheiro..."
"É para te pagar por tudo o que extorqui de você. Não me lembro do valor exato, então me desculpe se não for suficiente."
"Não, tudo bem. Não se preocupe com isso."
"Não está tudo bem. Estou tentando fazer uma ruptura limpa aqui, então apenas aceite, tudo bem?"
Uma ruptura limpa, huh?
Acho que não posso realmente dizer não nesse caso, pensei.
"Tudo bem. Se você insiste."
Guardei as notas no bolso, então nos despedimos de Koharu novamente antes de deixar o prédio de apartamentos para trás. Caminhamos em silêncio ao longo da calçada molhada pela chuva, inalando o cheiro de precipitação fresca que subia do asfalto. Inúmeras poças se formaram na estrada, a maior e mais transparente das quais refletia a luz cegante do sol poente.
Logo chegamos ao ponto de ônibus. Verifiquei o horário e vi que o próximo ônibus não chegaria por mais vinte minutos. Infelizmente para nós, o banco próximo estava completamente encharcado pela chuva, então não tivemos escolha senão esperar lado a lado no acostamento da estrada.
Estava quieto ao redor. Ao longe, uma única cigarra noturna cantava sua música.
"Bom, estou feliz que conseguimos ajudá-la a se reerguer", eu disse, falando palavras para preencher o silêncio.
Ainda esperava pelo menos um "hm-hum" de Anzu, mas nenhuma resposta veio. Curioso, olhei para ela.
Ela continuou olhando para a frente. Seu perfil parecia quase brilhar nos raios de sol recuando. Então vi seus lábios cerrados se abrirem lentamente para pronunciar algumas palavras pontiagudas:
"Você tem uma queda por Kawasaki?"
Fiquei tão surpreso com isso que não consegui responder por um momento.
"Quem, eu? De jeito nenhum — você está brincando? Ela é tipo um predador alfa; nem estamos no mesmo nível da cadeia alimentar. Se ela é uma orca, então eu sou uma pequena água-viva."
"Hm-hum," ela resmungou com dúvida.
"De onde vem isso?"
"Bem, você parece estar muito preocupado com ela."
"Eu estou?"
Estava prestes a esclarecer que realmente não estava, mas então as palavras ficaram presas na minha garganta quando lembrei de Shohei dizendo quase exatamente a mesma coisa. A conversa sobre síndrome de Estocolmo. Talvez realmente parecesse que eu tinha uma coisa por Koharu de uma perspectiva externa.
Esse não era o caso de forma alguma, para deixar claro. Claro, ela tinha um rosto bonito, mas sua personalidade era horrível. Ela era mandona, ameaçadora, sem mencionar teimosa e egoísta, além de ser uma chorona por dentro...
Espera. Peraí.
"Oh. Sim, hm... Acho que sei por que pode ser."
"Conte-me."
"Porque ela meio que me lembra minha irmã mais nova, de certa forma."
"Você quer dizer pelo rosto dela, ou o quê?"
"Não, pela personalidade. Karen podia ser bem teimosa na maior parte do tempo também. Não de uma maneira egoísta — ela fingia crises e começava a chorar e coisas do tipo, mas era apenas uma fachada que ela usava para impedir meus pais de brigar ou algo assim. Ela era bem calculista."
Karen era uma criança super esperta. Ela percebeu desde cedo que, para muitas famílias, eram os filhos que mantinham o casamento unido. Sempre que nossa mãe e nosso pai começavam uma pequena disputa doméstica, ela percebia instantaneamente e começava a implorar para que eles nos levassem ao parque de diversões ou ao aquário ou qualquer coisa na tentativa de aliviar a tensão e fazê-los começar a se entender. Eu sabia que não tinha sido só eu imaginando coisas; ela definitivamente tinha sido teimosa de propósito.
"Não tenho certeza se entendi," disse Anzu.
"Sim, desculpe. Sou ruim em explicar essas coisas. Mas acredite em mim, definitivamente não tenho sentimentos mais profundos por Kawasaki ou algo do tipo," eu disse conclusivamente, encerrando a conversa antes que pudesse sair ainda mais dos trilhos.
Então fiz uma pergunta minha em retratação: "Além disso, você parece estar bem preocupada com ela também, sabe. Com todo esse conselho de vida genuíno que deu a ela."
"Isso é só porque... a mãe dela pediu para nos darmos bem com ela."
"Tenho certeza de que ela quis dizer 'vocês, crianças, se comportem bem agora', não 'literalmente façam minha filha ver os erros dela e virar uma nova página'..."
"Sim, bem. Alguns de nós são muito dedicados, Tono-kun."
Não havia realmente nada que eu pudesse dizer sobre isso — especialmente porque a prova estava no pudim.
Anzu parecia ter tido um impacto genuinamente positivo em Koharu... Pelo menos por enquanto. Se isso realmente duraria era outra questão.
Com isso, a conversa morreu, e ficamos em silêncio pelo resto do tempo até o ônibus chegar. Não era um silêncio desagradável de forma alguma. Às vezes, apenas estar sozinho com alguém é bom, mesmo que não haja nada a dizer.
7
No próximo instante, eu estava no aquário, cercado por um mundo de azul etéreo. As luzes circulares no túnel subaquático estavam fracas, e havia poucas pessoas por perto. Através do vidro grosso do teto, observei enquanto um enorme tubarão-baleia flutuava lentamente sobre minha cabeça. Ao meu lado, um cardume de sardinhas passava, tão densamente agrupadas que quase pareciam um peixe ainda maior que o anterior.
Eu sabia que não deveria estar ali — se não fosse por outra razão além do fato de que minha irmã morta estava agachada na frente do vidro ao meu lado.
Então, as engrenagens começaram a girar em minha mente, e percebi que havia apenas uma explicação real para esse fenômeno bizarro. Eu estava tendo um sonho, um sonho do dia em que todos nós quatro tínhamos feito uma viagem ao aquário como família, apenas algumas semanas antes de Karen falecer.
"É tão bonito", sussurrou Karen, pressionando ambas as mãos contra o vidro.
No entanto, a expressão em seu rosto contava uma história diferente; ela parecia meio letárgica. Eu presumi que suas pernas estavam cansadas, julgando pela maneira como ela ficava mudando o peso de um tornozelo para outro.
Querendo compartilhar este sonho lúcido com ela o máximo que pudesse, tracei minhas memórias de volta ao passado e tentei responder com exatamente as mesmas palavras que eu tinha dito naquela época.
"Você quer ir para casa logo?"
"Mmm, não", disse Karen, seu rabo de cavalo balançando de um lado para o outro enquanto balançava a cabeça. "Mamãe e papai ainda precisam de tempo para se reconciliar. Vamos ficar um pouco mais."
Nossa mãe e nosso pai estavam um pouco distantes, nos observando enquanto conversavam sobre sei lá o quê. Eu os ouvia rir de vez em quando, o que me levava a crer que as coisas estavam melhorando.
"Bem, se seus pés doerem, eu posso te dar um cavalinho", ofereci.
"Melhor ideia! Me deixe subir nos seus ombros!", disse Karen, aumentando a aposta.
"O quê? Aqui?"
"Vamos lá, por favoooor?"
Karen começou a puxar o canto da minha camisa, esticando o tecido enquanto o sacudia de um lado para o outro. A contragosto, ajoelhei e deixei ela subir nos meus ombros, então segurei seus tornozelos firmes enquanto eu me levantava, e ela começou a rir com alegria. Ela apoiou as mãos na minha cabeça, então juntou um grande punhado do meu cabelo e o amarrou com um elástico em um pequeno coque.
Esta era minha "manche de controle", que Karen podia puxar para onde quisesse me mover. Basicamente era apenas uma forma mais avançada de brincar de cavalinho, mas nos divertíamos com isso.
"Para frente, Irmão Robô!"
Ela dizia, e eu começava a marchar para frente fazendo sons de hidráulica com a boca para cada passo (ela realmente gostava quando eu fazia isso). Então, quando eu inevitavelmente me cansava, eu dizia "Solicitando reabastecimento", e ela descia para me dar um descanso.
Quando ela me mandava disparar meus lasers, eu chutava qualquer pequeno objeto que estivesse em nosso caminho (não era o raio laser mais convincente, mas nós nos virávamos).
"Você está se divertindo, Kaoru?"
"Claro que sim," eu respondi.
Se Karen queria que eu a levasse a algum lugar, então eu também queria ir lá. O sorriso dela era mais do que recompensa suficiente.
"É mesmo? Que bom," Karen tirou as mãos do manche de controle e passou suavemente os dedos pelo meu cabelo. "Fico feliz que tenhamos vindo, então."
8
Fui despertado pelo som do meu despertador tocando, e abri os olhos para a visão familiar do teto do meu quarto. Partículas de poeira dançavam nos poucos raios de sol da manhã que conseguiram vazar pelas cortinas. Eu me sentei na cama e desliguei o alarme, ainda atordoado com a lucidez daquele sonho.
Se me recordo corretamente, tínhamos ido ver o show de golfinhos logo depois disso. Karen e eu estávamos sentados na primeira fila (também conhecida como "zona de respingos") e, portanto, estávamos encharcados no final do show — mas ainda rindo muito, devo dizer.
Os golfinhos tinham sido criaturas tão malucas e brincalhonas que não conseguimos nos conter. Essa estava longe de ser a única memória agradável que eu tinha desses tempos também — quando Karen estava conosco, praticamente todos os dias eram cheios de maravilhas.
Se ao menos ela estivesse viva, talvez as coisas continuassem assim até hoje.
Saí da cama e segui para o corredor. Depois de me certificar de que meu pai não estava espiando na cozinha, saí pela porta lateral para o quintal, que tinha caído em completo abandono depois que minha mãe desapareceu de nossas vidas. Eu me agachei abaixo da janela do banheiro e estendi a mão para o espaço sob a casa; rapidamente encontrei o que procurava e puxei para fora.
Era uma grande lata retangular que originalmente continha bolachas de arroz ou algo assim, mas que Karen e eu tínhamos utilizado como um esconderijo secreto para guardar todos os nossos maiores tesouros — um trevo de quatro folhas, algumas bolas de vidro de garrafas de ramune — esse tipo de coisa. Agora também guardava algumas das coisas que Karen mais valorizava em sua vida, como seu pente favorito e um bicho de pelúcia, além de algumas das minhas fotos favoritas dela. Era uma espécie de cápsula do tempo em homenagem à sua memória.
Ao abrir a tampa, no entanto, a primeira coisa que chamou minha atenção foram suas antigas sandálias vermelhas. Com aquela que eu havia encontrado recentemente no Túnel de Urashima, elas eram novamente um par completo. Apenas olhar para elas assim tranquilizava meu coração; me dava esperança de que Karen pudesse realmente estar por aí, em algum lugar deste mundo.
Não se preocupe, Karen. Eu vou te encontrar. Apenas espere um pouco mais.
Com essa promessa silenciosa, quase como uma oração, fechei a tampa e coloquei a caixa do tesouro de volta embaixo da casa, onde sempre esteve, desde que éramos crianças. O esconderijo secreto que Karen e eu havíamos decidido juntos.
Eu adoraria tirar a caixa do alcance dos elementos e levá-la para o meu quarto ou algo assim, mas eu sabia que meu pai provavelmente a jogaria fora se a encontrasse, então a deixei lá para estar segura.
A lembrança dele perdendo o controle e se livrando de tudo do quarto da Karen depois que minha mãe partiu ainda estava fresca em minha mente. Era a principal razão pela qual eu tinha tão poucos objetos que a lembrassem. É claro que eu ressentia meu pai por isso, mas sabia que descontar minha raiva nele não nos faria bem algum. Se algo acontecesse, só iria fragmentar ainda mais nosso relacionamento.
Levantei-me, verifiquei a hora no meu celular. 7 horas da manhã. Voltei para o meu quarto para me arrumar para a escola.
9
Estávamos nos aproximando do meio de julho, e o calor do meio do verão só estava ficando mais brutal. Enquanto eu atravessava o portão principal em direção ao campus, algumas meninas corriam, segurando suas mochilas como guarda-chuvas improvisados para se protegerem do sol. Troquei meus sapatos de rua pelos de sala de aula e segui pelo corredor até a Sala de Aula 2-A.
Antes de chegar à minha carteira, notei que havia mais uma garota nova na turma. Ela tinha cabelos pretos curtos e óculos de armação grossa, e parecia uma garota comum — no entanto, por algum motivo, eu não conseguia me livrar da sensação de que já a tinha visto em algum lugar antes.
Então, me ocorreu: era a Koharu. Ela tinha tingido o cabelo de volta para sua cor natural, e sua saia agora ia até os joelhos. Foi uma mudança completa e total em relação à sua estética de menina má anterior.
"Ah, Koharu? O que aconteceu com você? Por favor, me diga que esse não é o seu novo visual", disse uma das garotas de sua antiga turma, zombando dela sem perder tempo.
Koharu deu uma resposta simples e evasiva, nem confirmando nem negando, e tentou desconversar. Ver ela sorrindo timidamente e tropeçando em suas palavras foi uma mudança tão drástica de sua postura arrogante habitual que eu realmente não teria acreditado se não tivesse o contexto dos eventos do dia anterior.
"Rapaz, você acha que ela perdeu uma aposta ou algo assim?"
Shohei cochichou no meu ouvido. Nem percebi que ele tinha chegado à minha carteira.
"Acho que é mais como se ela decidisse dar uma guinada na vida."
(N/T: Guinada: Mudança radical de comportamento, de atitude, de situação etc.)
"Uma narcisista como ela dando uma guinada na vida? Nunca pensei que veria esse dia."
"É, bem. Ela passou por muita coisa ultimamente."
"Eu diria, especialmente depois que a garota nova a humilhou. Falando nisso, para onde vocês foram depois da escola ontem, afinal?"
"C-Como você sabe disso?"
Hesitei, totalmente pego de surpresa.
"Uau, então vocês realmente saíram juntos, né? Um dos caras do clube de caligrafia mencionou que viu ela sentada ao lado de um cara no ônibus ontem. Ela é meio que o assunto da escola agora, sabe. De qualquer forma, pedi para ele descrever o cara com quem ela estava para mim, e soou muito como você, então imaginei que abriria com uma pergunta um tanto sugestiva para ver se você cairia na isca."
Ah. Bem. Parecia que eu tinha caído direto na armadilha dele.
"E então? O que está rolando entre vocês dois?"
Shohei perguntou, com a voz cheia de intriga.
"Nada tão escandaloso quanto você está esperando", eu disse, revirando os olhos. "Não estamos namorando nem nada. Droga, nem somos tecnicamente amigos ainda."
"Então para onde diabos vocês estavam indo no ônibus juntos, huh? Da última vez que verifiquei, você pega o trem para casa, camarada."
"Nós só precisávamos ir até a casa do Kawasaki para entregar a lição de casa de verão dela."
"Vocês dois precisaram? Como diabos isso aconteceu?"
"É uma longa história, cara. Levaria anos para eu resumir. Então, por respeito ao seu tempo e ao meu, vamos deixar pra lá, certo...?"
"Não precisa ser grosso, cara", Shohei resmungou. Claramente ele percebeu que eu estava apenas com preguiça de explicar. "Mas ei, não posso dizer que estou muito surpreso. Vocês têm muito em comum, afinal."
"O quê? Ah, claro. Só o que exatamente nós dois temos em comum?"
"Bem, para começar, você nunca se abre para outras pessoas de jeito nenhum. E pelo que consigo perceber, ela é do mesmo jeito. Parece que vocês dois estão meio que na mesma sintonia em querer ter o mínimo possível a ver com outras pessoas."
"…Você é meu terapeuta agora?"
"Não, só gosto de observar as pessoas e tentar analisar a psicologia por trás de seus comportamentos. É meio que um hobby meu."
"Primeira vez que ouço você falar disso."
Antes que pudéssemos terminar nossa conversa, o sinal de advertência para o primeiro período tocou, então Shohei me piscou um sinal de paz e voltou para o próprio lugar.
10
Logo foi hora do almoço. Normalmente, Koharu teria almoçado com sua turma sentada ao redor de sua carteira, mas hoje, ela se levantou com sua marmita na mão assim que a aula acabou. Eu a observei curiosamente, imaginando para onde ela poderia estar indo. Para minha surpresa, ela marchou diretamente até a carteira de Anzu e segurou timidamente sua marmita na frente dela.
"…Ei, hm. Importa se eu almoçar aqui hoje?"
Murmúrios se espalharam por toda a sala de aula. Mesmo Anzu, que estava prestes a abrir seu saco de sanduíche, parecia um pouco perplexa com o pedido.
"Faça o que quiser, suponho", disse Anzu.
Com permissão concedida, Koharu voltou e arrastou a cadeira de sua própria carteira até a de Anzu, depois retirou a tampa de sua marmita e a colocou sobre a mesa. Foi uma visão bizarra de se ver: essas duas ex-inimigas, que estavam se enfrentando dias atrás, agora estavam compartilhando silenciosamente uma refeição juntas como iguais.
No entanto, a paz e o silêncio não durariam muito, já que aquela garota Haneda, que antes fora uma devota membro da turma de Koharu, logo se aproximou de onde as duas estavam sentadas com um grande sorriso no rosto.
"Hum, Koharu, querida? Por que diabos você está almoçando com ela?"
Eu pude perceber pelo tom dela que ela não estava chateada por Koharu escolher comer com alguém que não fosse elas; ela claramente estava apenas procurando mais munição para ridicularizar sua abelha-rainha desonrada. Koharu olhou para o chão, visivelmente desconfortável.
"Porque…"
Ela começou, murmurando muito baixo para eu conseguir ouvir o resto.
"Desculpe, o que foi isso? Poderia falar um pouco mais alto, talvez?"
Perguntou à garota.
"Porque eu quero aprender a ser como ela um dia!"
A sala inteira ficou completamente em silêncio.
Estava tão quieto que daria para ouvir um alfinete cair. A garota Haneda ficou ali parada, de boca aberta, e Anzu parecia igualmente surpresa. Carambolas, nem eu teria previsto uma mudança tão drástica de coração.
( Sol: Carambolas é muito forte kkkk )
Eu havia assumido que ela estava almoçando com Anzu porque sentia que seria arriscado demais tentar se encaixar com seu antigo grupo de amigos e ela estava desesperada. Embora talvez essa fosse a verdadeira razão e Koharu simplesmente tivesse inventado essa resposta porque não conseguiu pensar em uma desculpa melhor na hora.
No entanto, assim que a antiga amiga de Koharu percebeu que ela não estava brincando, ela começou a gargalhar.
"Ha ha ha ha! Desculpe, o quê?! Você não pode estar falando sério, certo?!"
Risos e deboches surgiram enquanto nossos outros colegas começaram a murmurar entre si.
"Heh. Parece que alguém percebeu que não é tão importante afinal."
"Acho que a atuação de pessoa proativa dela era tudo só para chamar atenção, né?"
"Aquele soco na cara não desconfigurou totalmente o cérebro dela ou algo assim?"
Era como uma apedrejamento público, embora com palavras em vez de pedras. Ainda assim, Koharu fez o possível para aguentar, embora seu rosto estivesse vermelho e todo o seu corpo tremesse.
"Isso é hilário", continuou a garota Haneda. "Como você planeja fazer isso de novo? Vai ser só uma perdedora patética e anti social a partir de agora?"
"Não é da sua conta… Me deixa em paz."
"Ah, não seja assim! Claro que é da minha conta! Somos amigas, não somos?"
Haneda disse, provocando Koharu enquanto a agarrava pelos ombros e a sacudia para lá e para cá.
Para uma suposta "amiga", ela estava sendo bastante cruel. Koharu não revidou; apenas ficou ali sentada, recusando-se a fazer contato visual.
"Ei, vamos lá! Diz alguma coisa, logo!"
Insistiu a garota, desta vez quase empurrando Koharu para fora da cadeira. Ao puxar os braços para trás, uma de suas mãos ficou presa no jogo americano que Koharu havia colocado embaixo de sua marmita, e o conjunto todo foi violentamente arrastado pela superfície da mesa.
Antes que Koharu pudesse reagir, seu almoço foi lançado pelo ar pelo impulso. Mesmo a garota que a estava intimidando não tinha a intenção de ir tão longe, se sua expressão horrorizada servia de alguma coisa. Mas em vez de se desculpar, Haneda decidiu se fazer de vítima e simplesmente torceu o nariz.
"Não foi intencional, para registro. É culpa sua por não responder à minha pergunta. Não é mesmo?"
Haneda se virou para buscar a aprovação do resto da ex-turma de Koharu onde estavam sentados. Todos assentiram e ofereceram algumas palavras de apoio. Nenhum deles ficou ao lado de Koharu.
(Slag: Como pode existir gente burra desse jeito? Até parece que não presenciaram o soco na cara da Koharu por causa da mesma coisa que está acontecendo agora.)
Koharu abriu a boca para dizer algo, mas então parou e se abaixou para começar a limpar seu almoço do chão. Vê-la curvada ali, derrotada, com lágrimas de resignação nos olhos, realmente doeu de assistir, e rapidamente coloquei minha comida de lado para me levantar e oferecer ajuda. Antes que eu pudesse, houve o alto rangido de alguém puxando bruscamente sua cadeira para fora debaixo da mesa.
"Kawasaki."
Era Anzu.
Ela se levantou de sua cadeira, totalmente sem expressão, e foi até ao lado de Koharu. Ela era a última pessoa que eu esperaria que interviesse, mas no momento em que ela se levantou, a garota Haneda começou a tremer nas botas.
"Você disse um minuto atrás que queria ser mais como eu, certo?"
Anzu perguntou a Koharu, que simplesmente assentiu algumas vezes, estupefata.
"Então assista e aprenda. Vou te mostrar exatamente o que fazer quando alguém ultrapassa seus limites."
Anzu se virou lentamente para encarar a agressora de Koharu, então cerrou os punhos e os ergueu na altura dos olhos como um boxeador. Todos na sala de aula perceberam que ela estava mais do que pronta para socar essa garota, cujo rosto instantaneamente empalideceu.
"Ei, e-espera um minuto! Eu não estou procurando briga com você! Fique longe de mim, sua aberração!"
Haneda agitou freneticamente as mãos de um lado para o outro para indicar que não queria problemas. Ela virou as costas e bateu em retirada rapidamente até sua própria carteira.
"Humph. Muito barulho por nada", Anzu debochou, então tirou um lenço do bolso e começou a ajudar silenciosamente a limpar a comida do chão.
Embora Koharu parecesse totalmente perdida quanto ao motivo de Anzu estar de repente sendo tão gentil com ela, ela pelo menos se lembrou de expressar sua gratidão com um pequeno "Obrigada..."
Soltei um suspiro pesado.
Por um momento, eu não estava certo de como aquilo ia acabar. Fiquei feliz por termos conseguido evitar outra briga. Dito isso, eu não podia acreditar em quanto Koharu tinha crescido da noite para o dia; parecia que ela realmente aspirava a ser como Anzu um dia, o que provavelmente era por isso que ela havia feito tanto esforço para manter a calma, não importa o quanto Haneda tentasse provocá-la.
Eu tinha que respeitar o nível de determinação que deve ter sido necessário para decidir se reconstruir como pessoa do zero.
Koharu acabara de ganhar muitos pontos comigo.
11
Já haviam se passado várias horas desde aquele tumulto no almoço, e eu estava abrindo caminho por entre a densa vegetação em um trilho de terra pouco usado à noite, com apenas minha lanterna de bolso para iluminar o caminho. Essas trilhas de montanha eram surpreendentemente barulhentas à noite — talvez até mais do que as cigarras da tarde.
Uma infinidade de insetos diferentes competiam para serem ouvidos uns sobre os outros, e o constante canto dos bacuraus ecoava por toda a floresta.
"Ah, que droga...", resmunguei.
Eu tinha me certificado de cobrir meu corpo da cabeça aos pés com repelente de insetos antes de sair de casa, mas já havia recebido pelo menos três picadas de mosquito. Foi um erro crítico da minha parte não usar mangas compridas.
Eu adoraria caminhar ao longo dos trilhos do trem novamente, onde não havia aquela irritante vegetação para se preocupar, mas infelizmente não pude arriscar mais depois de receber aquele aviso da Srta. H outro dia. Então, trilhas não marcadas e picadas de insetos era o que tinha.
Eventualmente, depois de uma batalha longa e difícil com a Mãe Natureza, finalmente cheguei à escadaria de madeira que levava ao Túnel Urashima. Ao descer, percebi uma luz branca vindo bem na frente do túnel. Imaginando que devia ser Anzu, aumentei o passo — e com certeza, era ela.
Ela estava agachada, segurando firme sua lanterna com ambas as mãos enquanto a usava para iluminar o chão diretamente à sua frente. Parecia não ter me notado ainda.
"Ei, parece que você me venceu aqui desta vez," chamei enquanto alcançava o fundo das escadas.
Ela se levantou como se tivesse visto um fantasma e apontou sua lanterna para mim. Felizmente, consegui proteger os olhos antes de ficar cego.
"Você está atrasado!"
Ela gritou.
Verifiquei meu celular. Eram 20h.
"Não estou na hora certa?"
"Você deveria estar cinco minutos adiantado! Todo mundo sabe disso!"
"Oh, certo. Diz a garota que estava mais de trinta minutos atrasada da última vez."
"De jeito nenhum é a mesma coisa! Aquilo foi durante o dia! Você não pode deixar uma jovem inocente sozinha aqui fora à noite! E se eu tivesse sido devorada por um animal selvagem, e encontrassem meus ossos limpos na manhã seguinte e nem conseguissem me identificar?!"
"Tenho quase certeza de que isso nunca vai acontecer. Esta não é a savana africana, que eu saiba. Além disso, se você realmente não quisesse vir aqui à noite, por que não fizemos isso amanhã de manhã?"
"Já te disse! Porque quero investigar o máximo possível neste fim de semana!"
Certo.
Hoje era sexta-feira, 12 de julho. Tínhamos folga no sábado, e segunda-feira era o dia da fundação da escola, então também teríamos folga. Em outras palavras, estávamos olhando para um fim de semana de três dias — o que era altamente valioso para nós, considerando que nosso maior obstáculo quando se tratava de avançar mais fundo no Túnel Urashima era simplesmente o tempo.
Mesmo a investigação mais breve e básica de suas profundezas custaria uma quantidade exorbitante de tempo, então ter três dias seguidos que pudéssemos nos dar ao luxo de perder era um recurso raro e valioso. Começar hoje à noite, em vez de amanhã de manhã, nos dava mais doze horas para usar, então Anzu definitivamente tinha um ponto.
Mesmo com esse tempo extra, no entanto, só poderíamos ficar dentro do túnel por um total de dois minutos. Eu até consegui permissão do meu pai para passar o fim de semana na casa de um amigo, tudo por dois míseros minutos.
"Não temos tempo para ficar parados aqui conversando também. Você ainda lembra de tudo que conversamos na nossa reunião preparatória, certo? Então vamos logo."
Anzu me puxou pela mão e me arrastou com ela enquanto dávamos nossos primeiros passos na boca aberta do Túnel Urashima.
A corrente de ar morno dentro do túnel fazia cócegas na parte de trás do meu pescoço. Você pensaria que estaria agradável e fresco lá dentro tão tarde da noite, mas algo sobre o corredor escuro e sua umidade sufocante dificultava a respiração.
Eu queria terminar isso o mais rápido possível para podermos voltar ao ar fresco lá fora. Nosso objetivo principal para o dia era tentar descobrir o quão longo poderia ser o Túnel Urashima. O plano era correr o mais rápido possível, o mais longe possível, assim que passássemos da fronteira, e então voltar correndo.
"Basicamente," começou Anzu, "se só podemos ficar no túnel por um total de dois minutos, isso significa que deveríamos ser capazes de percorrer cerca de trezentos metros se estivermos correndo a toda velocidade. Dada nossa elevação atual e a circunferência do monte que o túnel atravessa diretamente, não deveria haver nem trezentos metros de subterrâneo para atravessarmos. Assumindo que tudo corra bem, deveríamos ser capazes de sair do outro lado."
"Ah, boa análise. Estou impressionado!"
"Com o quê?"
"Não sei. Você parece saber do que está falando."
"Ah, qualé," ela riu. "Então você só gosta do som da minha voz, é isso. Entendi."
Poxa... Ela provavelmente acha que sou muito burro, né?
"Estive fazendo algumas pesquisas independentes na biblioteca outro dia", continuou ela. "Tentei encontrar qualquer pista possível sobre o Túnel Urashima, mas não encontrei nada de valor na web ou em nenhum dos livros sobre lendas urbanas que verifiquei. Então tudo que podemos fazer é explorar por nós mesmos e investigar com base em nossas próprias experiências."
"Puxa, Hanashiro. Você está realmente se esforçando nisso... Ah, mas poderia soltar minha mão agora? Você está apertando muito forte."
Anzu parou abruptamente e instantaneamente soltou o aperto mortal em minha mão, que ela mantivera desde que me arrastou para dentro do túnel. Se fosse apenas um segurar de mãos agradável e terno, talvez eu não tivesse dito nada (mesmo que estivesse perdendo a cabeça por dentro), mas ela estava cravando as unhas fundo em minha pele, então não tive escolha a não ser apontar.
"C-Certo, desculpa. Acho que seria meio bobo ficarmos de mãos dadas o tempo todo."
"Se você quiser ficar de mãos dadas, eu não me importo. Só não assim..."
"Tudo bem. Esquece. Vamos lá," Anzu me instigou a continuar.
Comecei a andar novamente, mas logo algo me puxou para trás mais uma vez. Anzu estava agarrando a parte de trás da minha camisa com ambas as mãos e ficando a meros centímetros atrás de mim — a ponto de, a cada pequeno passo que eu dava, os dedos de seus sapatos esbarrarem nos calcanhares dos meus.
Este devia ser o modo mais ineficiente de andar na história da humanidade.
"Hanashiro, você tem medo do escuro ou algo assim?"
Perguntei enquanto íamos desajeitadamente em frente. Ela não respondeu imediatamente. Parece que eu estava certo. Eu tinha uma intuição baseada em como ela estava agindo de forma estranhamente perturbada desde o momento em que nos encontramos esta noite.
"Sim, e daí? Tem algum problema com isso?"
Ela admitiu finalmente, embora de forma bastante defensiva e com um pouco de veneno em seu tom.
"Não, eu não te julgaria por isso. Estava apenas curioso, só isso. Embora você parecesse bem com isso nas últimas vezes que entramos aqui.", eu lembrei, pensando na primeira vez que ela me seguiu até aqui e na vez seguinte.
Não notei ela ficar assustada em nenhum desses momentos.
"Bem, sim. Isso foi durante o dia. Ainda estava claro lá fora, então não era totalmente impossível ver aqui dentro. Essa é a única razão pela qual eu conseguia manter a calma. Agora que é noite, porém, tudo muda. Está escuro lá fora, está escuro aqui dentro. Tipo, e se ambas as nossas lanternas falhassem? Acho que teria um ataque de pânico."
"Nossa, é realmente tão aterrorizante assim para você?"
"Sim, idiota. Se não, você é o estranho por estar totalmente tranquilo. Como você não se sente sufocado quando a escuridão se fecha sobre você? Engolindo tudo ao seu redor, a pressão aumentando lentamente enquanto dissolve seu mundo passo a passo...?"
Enquanto ela continuava a murmurar com medo, de repente me senti moralmente responsável por fazer algo. Afinal, eu era o tonto que disse a ela para soltar minha mão porque estava doendo um pouco, enquanto do ponto de vista dela, ela estava enfrentando um de seus maiores medos e apenas procurando qualquer coisa para se agarrar para se sentir mais segura.
Como eu não fiz essa conexão antes? Eu era uma desculpa patética para um homem, quanto mais para um amigo.
Respirei fundo e silenciosamente, então estendi minha mão de volta e a coloquei firmemente sobre a de Anzu, segurando-a com força. Ela ficou tensa e trêmula de medo por um momento, mas logo segurou a minha de volta. Tudo isso não poderia ter durado mais que três segundos, e nenhum de nós disse uma única palavra — mas as emoções — não ditas transmitidas entre nós naquele momento eram mais profundas e íntimas do que qualquer coisa que eu e ela tivéssemos compartilhado antes.
Não demorou muito para eu começar a me sentir extremamente constrangido e envergonhado pelo que havia feito, no entanto. Eu fiz uma tentativa desesperada de retomar nossa conversa anterior para que pudéssemos ambos parar de nos demorar sobre isso.
"Tenho que admitir, estou um pouco surpreso; eu estava começando a pensar que você não tinha medo de nada, para ser honesto. Algum evento traumático inspirou seu medo do escuro ou algo assim?"
"Sim. Quando eu estava na escola primária, entrei em uma briga com um dos meus colegas, e eles me empurraram dentro de um armário e trancaram lá dentro. Tenho medo de espaços escuros e claustrofóbicos desde então."
"O-Oh. Entendi."
De alguma forma, eu já havia tornado as coisas desconfortáveis novamente. Não sabia por que pensei que traumas passados poderiam ser um tópico de conversa descontraído, mas isso definitivamente foi mais pesado do que eu esperava.
"Só pra constar, eu não estava sendo intimidada nem nada do tipo. Foi apenas um caso raro de eu arrumar uma briga e perder, na verdade. Eventualmente, descobri como abrir o armário por dentro, depois fui e dei uma surra no garoto que me trancou lá com uma vassoura, então acabei rindo por último."
"Haha. Isso sim parece mais com a Hanashiro que eu conheço."
"Tem alguma coisa que você tem medo, Tono-kun?"
"Claro que sim. Provavelmente não conseguiria listar todas de cabeça, mas tem um monte de coisas que me assustam."
"Certo, então qual é o seu maior medo número um?"
"Número um? Hum, deixa eu pensar…"
Era uma pergunta difícil.
Obviamente, eu poderia listar várias coisas que me aterrorizavam, mas tentar classificá-las em ordem era a parte realmente difícil. Ser comido por um tubarão, ser atacado por um urso, terremotos, contrair uma doença fatal... Basicamente, tudo o que uma pessoa média temeria, eu também tinha medo.
Suponho que o principal elo entre essas coisas era que todas se relacionavam com um medo geral de morrer, ou o conceito de morte em si. Isso também era um medo primal e instintivo embutido em todos os seres vivos, então não parecia realmente único para mim especificamente.
O que eu, Kaoru Tono, temia mais do que qualquer outra coisa? Seria algo relacionado à morte?
A morte de um ente querido, provavelmente.
"Sim, sei lá. Nada realmente está me vindo à mente, desculpa."
"Sério? Hum."
Anzu parecia ligeiramente contrariada com essa resposta entediante, mas eu realmente não queria escurecer o clima ao entrar em território ainda mais pesado. Ainda assim, eu tinha certeza de que a resposta que eu havia chegado era a certa, mesmo que eu não fosse dizê-la em voz alta.
"Ei, olha só."
Apontei à frente ao avistar uma luz vindo mais fundo dentro do túnel, presumivelmente das tochas na parede. Estávamos nos aproximando rapidamente do torii. Anzu e eu corremos o restante do caminho em um trote rápido.
Uma vez que chegamos ao primeiro torii, desliguei minha lanterna e a coloquei de volta no bolso — não precisaríamos dela a partir deste ponto.
Agora que tínhamos uma fonte de luz confiável novamente, Anzu soltou lentamente o aperto na minha camisa também.
"Tudo bem," eu disse, engolindo um bocado de saliva. "Agora vem a parte difícil."
Tínhamos um limite de tempo de apenas dois minutos. Uma vez que passássemos pelo primeiro torii, correríamos o mais longe que pudéssemos em um minuto, e depois passaríamos o minuto restante voltando. Configurei a função de cronômetro do meu celular para garantir que não perdêssemos a noção do tempo.
"Ok, estamos prontos. Me avisa quando."
"Pronta quando você estiver," disse Anzu.
Sua expressão era séria, mas havia um leve vacilo em sua voz. Ainda assim, ela não parecia estar com medo — o brilho desafiador — que vi em seus olhos enquanto encarava diretamente a garganta do túnel era de uma curiosidade destemida e aspiração determinada. Claramente, não havia motivo para se preocupar com ela.
"Legal. Quando eu disser, então," eu declarei, colocando uma perna para fora e me inclinando para uma posição de largada.
Minhas mãos cerradas estavam úmidas de suor.
"Na marca, prepare-se... Vai!"
Apertei o botão Iniciar no cronômetro, e ambos começamos a correr, comigo, liderando. Os torii passavam rapidamente um após o outro enquanto eu corria pelo corredor, a cerca de oitenta por cento de um sprint completo.
Dado que Anzu havia facilmente superado todas as meninas da equipe de corrida, eu tinha certeza de que ela não teria problemas para me acompanhar, não importa o quão rápido eu fosse. Quando comecei a respirar mais forte, olhei para o meu celular e vi que só dez segundos haviam passado. Ainda não havia sinal de saída à vista. Olhei rapidamente para trás para ver como Anzu estava se saindo. Parecia que ela estava se saindo bem, então aumentei o ritmo um pouco.
O cronômetro atingiu vinte segundos, depois trinta. Lá fora, já seria tarde da tarde do dia seguinte. Até agora, não houve nenhuma mudança de cenário no túnel — apenas tochas e torii — até onde os olhos podiam ver.
De repente, uma pergunta familiar voltou à minha mente. O que Anzu estava tentando ganhar do Túnel Urashima, afinal? Ela e eu conversamos bastante nos últimos dias, mas ainda assim eu não tinha ideia do desejo que ela queria que o túnel realizasse para ela.
Não estava constantemente roendo meu cérebro, entende, e também não achava que fosse necessariamente da minha conta, mas sentia que seria uma boa ideia estarmos na mesma página quanto a isso — especialmente se houvesse algum risco de isso atrapalhar a investigação no futuro.
Decidi fazer questão de perguntar a ela assim que saíssemos do túnel.
Estávamos quase chegando ao final do primeiro minuto, e minhas pernas estavam oficialmente me matando. Justo quando eu estava olhando para baixo para verificar o tempo, porém, ouvi um som alto de folhas agitadas vindo à frente. Tragando meu olhar de volta para cima, vi dezenas — talvez até centenas — de folhas de papel branco comum todas flutuando no chão, como um redemoinho de confetes gigantes que apareceu absolutamente do nada.
"Uau!"
Uma das inúmeras folhas veio voando na minha direção como um panfleto em um furacão e me acertou em cheio na testa, cobrindo completamente meus olhos para que eu não pudesse ver nada. Entrei em pânico impotente por um momento antes de tentar alcançar e retirar a folha do meu rosto, mas perdi o equilíbrio e caí no chão.
"Ai!"
Eu gritei.
"Tono-kun?!"
Gritou Anzu.
Finalmente, o papel flutuou suavemente do meu rosto — bem a tempo de eu ver meu celular deslizar pelo chão rochoso do túnel.
A inércia do impacto fez com que eu perdesse o controle e o enviasse deslizando como um ferro de cachear por quase três metros de distância.
Não! Precisamos desse temporizador!
Eu me arrastei de mãos e joelhos e corri para pegá-lo. Felizmente, além de uma pequena rachadura na tela, o telefone parecia estar principalmente intacto.
Ufa, graças a Deus... Espera, esqueça isso! Precisamos ir!
"Foi mal! Vamos, não podemos perder mais tempo… Hanashiro?"
Eu estava convencido de que a encontraria ou já muito à minha frente ou ao meu lado, pronta para me ajudar a levantar — mas ela não estava em nenhum desses dois lugares.
Ela estava parada, imóvel, bem onde eu tinha caído, olhando incrédula para uma das folhas de papel caídas, que agora segurava nas mãos. O resto delas estava em uma pilha espalhada aos pés de Anzu. Devia haver pelo menos cem folhas.
"Hanashiro?"
Chamei novamente, mas não houve resposta.
Se o jeito como seus ombros estavam se movendo fosse algum indício, ela estava à beira de uma hiperventilação — embora certamente não apenas devido ao cansaço do sprint de um minuto (ela estava em muito melhor forma do que eu, afinal de contas).
Algo definitivamente não estava certo aqui. Me levantei e corri até ela.
"O que houve? Você está bem?"
Perguntei.
"Mas… Mas isso é…"
Ela murmurou para si mesma, atordoada, a voz tremendo.
Não estava certo se ela tinha me ouvido. Curioso, olhei por cima do ombro dela para a folha de papel. Havia caracteres toscos desenhados nele, separados em paineis distintos como em uma história em quadrinhos… Parecia quase o mangá desenhado à mão de alguma criança aleatória.
O que diabos isso estava fazendo aqui no túnel…? Era um mistério, com certeza, mas não tínhamos tempo para ficar parados contemplando. Olhei para o meu celular novamente: já havíamos passado do primeiro minuto. Um suor frio escorreu pela minha testa.
"Hanashiro, precisamos voltar."
Ainda sem resposta. Ela não virou a cabeça para me olhar. Na verdade, ela caiu de joelhos e começou a catar freneticamente todas as outras folhas de papel no chão.
"Hanashiro, pare!"
Gritei, ainda sem sucesso.
"O que diabos você está fazendo?! Não temos tempo para isso!"
"Vá em frente sem mim!"
"O quê?! Você está louca?! Não vou te deixar aqui!"
"Bem, eu também não vou deixar isso aqui!"
Ela rosna para mim. Sua voz era selvagem e angustiada, como um animal sedento de sangue com a pata presa em uma armadilha. A pura desesperança na maneira como ela lutava para reunir todas elas deixava claro que essa não era a Anzu que eu conhecia. Percebi muito rapidamente que nada do que eu dissesse a convenceria, e por um momento considerei tentar fisicamente arrastá-la para fora comigo. Mas isso teria levado tempo demais.
"Ah, droga, tudo bem!"
Rosnei.
Eu me ajoelhei e comecei a ajudar; parecia ser a melhor opção possível. Assim que as páginas foram reunidas, ambos nos levantamos e corremos o mais rápido que pudemos de volta pelo caminho que viemos. Não podíamos perder um segundo sequer. Conferindo o tempo — apenas corremos até estarmos em segurança do outro lado do torii e de volta ao lugar onde o tempo fluía naturalmente.
"Ufa… Estou exausto, cara…"
Tive que lutar incrivelmente para resistir ao desejo de me deixar cair no chão naquele momento, mas de alguma forma consegui me segurar e esperar até estarmos completamente do lado de fora. Conforme nos aproximávamos da saída, o interior do túnel ficava cada vez mais claro, e fomos saudados por um crescente gradual do coral local de cigarras. No momento em que saímos da sombra do túnel e pisamos na grama ressecada, fomos agredidos pelo brutal sol do meio-dia.
Olhei para o meu telefone: eram 13h do dia 16 de julho.
Tínhamos entrado no túnel na noite do dia 12, o que significava que havíamos estado lá dentro por mais de três dias e meio. Ainda assim, mesmo após sacrificar tanto tempo, ainda não tínhamos ideia de quão longe o túnel ia. Tudo o que havíamos obtido daquela experiência inteira era que tinha que ser mais longo do que trezentos metros.
Ou, bem, suponho que encontramos outra coisa.
Olhei para o monte de papeis em minha mão. Então pisquei, e no próximo momento, eles haviam desaparecido.
"O quê…"
Anzu os havia arrancado à velocidade da luz. Seja lá o que fossem esses papeis, ela claramente não queria que eu os visse, e como resultado, só consegui vislumbrar rapidamente o conteúdo deles.
"Ei, uh… Hanashiro?"
Perguntei enquanto ela virava as costas para mim.
"O que exatamente são esses?"
"…nada…"
"Desculpe? Não consigo te ouvir. Vire-se e fale um pouco mais alto, por que não?"
Anzu não se moveu.
"Alôô…"
Eu disse.
Ainda assim, sem resposta. Ficando impaciente, segurei-a pelos ombros e a virei eu mesmo. No entanto, quando vi seu rosto, congelei.
Os olhos de Anzu estavam lacrimejando. Ela estava chorando. Enquanto eu ficava ali sem palavras, ela esfregou os olhos com o pulso e rapidamente recuperou a compostura.
"Não é nada importante. Não se preocupe."
"Vamos lá, agora... Você não pode esperar que eu acredite nisso."
Certamente, se os papeis não fossem tão importantes, ela não teria estado rastejando no chão tentando coletá-los como um animal raivoso. Pelo que pude ver, os papeis em si não pareciam estar rasgados ou deteriorados de alguma forma, então não havia como alguma pessoa aleatória tê-los jogado dentro do túnel anos e anos atrás — especialmente considerando a maneira inexplicável como eles vieram voando do teto.
Minha suposição era de que eles eram mais uma das "descobertas impossíveis" do túnel, como a sandália de Karen e o nosso antigo periquito.
Mas por que um monte de folhas de papel? E porque Anzu estava chorando por causa delas?
"É isso que você estava desejando?"
Perguntei.
"Não", ela respondeu.
"Então o que é? Me diga diretamente, prometo que não vou julgar."
"Não vale a pena explicar."
"Você não pode ter certeza disso. Para tudo o que sabemos, isso poderia nos dar uma grande pista para resolver os mistérios do túnel."
"...Eu te prometo que não."
A voz de Anzu tremia ligeiramente. Claramente, havia alguma razão pela qual ela não queria me contar, de jeito nenhum. Eu me perguntava se ela cederia se eu dissesse que a relutância dela em ser franca poderia representar um grande obstáculo para a investigação... mas decidi deixar para lá.
Claro, talvez eu saber desse algo nos desse uma nova pista para seguir, mas se isso só viesse com o custo de criar uma divisão entre nós, não valeria a pena. Esse tipo de desconfiança também poderia obstruir a investigação, afinal de contas.
No entanto, havia uma pergunta que eu ainda queria fazer.
"Então o que você está buscando? Qual desejo você quer que o túnel conceda?"
"Eu..."
Anzu começou, mas então parou abruptamente — quase como se as palavras estivessem presas na garganta dela.
Dez bons segundos se passaram antes que ela finalmente conseguisse gaguejar o resto.
"...Não tenho certeza ainda, na verdade. Acho que pensei que descobriria no caminho."
"Espera aí, sério...? Você está arriscando anos da sua vida sem nem mesmo um objetivo concreto em mente?"
"Oh, tenho um objetivo em mente", ela retrucou. "Quero ser alguém. Alguém extraordinário."
"Uh... Certo? De que forma?"
"Pense bem — um espaço misterioso — onde o fluxo do tempo se torna frágil, mas com a promessa de conceder qualquer desejo? Que experiência mais extraordinária poderia haver do que se aventurar em um lugar que dobra as leis do universo?"
"Não tenho certeza se ter experiências extraordinárias faz de você uma pessoa extraordinária, porém."
"Aí é que você se engana. É exatamente o que torna as pessoas extraordinárias."
Agora minha cabeça começava a doer.
"Mas por que você está tão obcecada em ser 'extraordinária'?"
Eu exigi, levantando-me à medida que minha paciência se esgotava.
De repente, Anzu parecia perdida e confusa, como uma criança que se separou da mãe no supermercado. Na verdade, eu nunca a tinha visto parecer tão vulnerável antes. Então, depois de alguns momentos de hesitação, ela respondeu calmamente:
"Quando eu tinha treze anos, meu avô faleceu."
Uma brisa quente passou.
As folhas farfalharam acima. Um toque de arrependimento me percorreu como uma onda de adrenalina, e eu mordi suavemente o lado de dentro da minha bochecha.
"...Desculpe."
"Não precisa se desculpar."
"Imagino que vocês dois fossem bem próximos...?"
"Na verdade, não... Mal conhecia o cara. Nem consigo lembrar como ele era agora."
"Oh, uh... Entendi..."
"Ainda assim, me aterrorizou", ela explicou. "A maneira como ele morreu, e nada mudou. Como, chocantemente pouco foi diferente. Claro, algumas pessoas derramaram lágrimas por ele no funeral, mas posso garantir que nenhuma dessas pessoas ainda estava chorando uma semana depois. A morte vem para todos nós no final, é meio que só precisamos aceitar isso para lidar com a vida até eventualmente batermos as botas nós mesmos. Não é como se negar a condição humana impedisse o ceifador de nos levar, afinal. Então, uma vez que você se foi, qualquer vestígio de que você já esteve vivo lentamente desaparecerá e será engolido pelas areias do tempo. Com muito, muito poucas exceções, todas as pessoas vivas hoje serão completamente esquecidas mesmo em apenas duzentos anos a partir de agora. Foi isso que a morte do meu avô me fez perceber."
Seu tom gradualmente se tornou mais imperativo.
"É bastante angustiante, você não acha? O pensamento de morrer e não deixar nada para trás. O mundo não mudar um átomo pelo fato de você ter estado nele. Faz você se perguntar qual é o sentido de viver em primeiro lugar, sabe? Tipo, por que estamos aqui? Por que nos incomodamos em fazer todo o esforço para viver se só para sofrer e morrer e ser esquecido? É isso que torna o pensamento de ser ordinário tão aterrorizante para mim. É por isso que estou tão determinada a ser alguém. Alguém que será lembrado. Que deixará uma marca inesquecível neste mundo. Alguém extraordinário."
(Shisuii: Meu amigo, profundo ein)
Fiquei atordoado. Sem palavras. Anzu tinha passado de zero a uma crise existencial completa em questão de segundos. Isso não era algo que eu pudesse responder com um "É, entendo" ou "Não poderia ter dito melhor". Eu tinha que respeitar a sinceridade com que ela escolheu suas palavras e responder da mesma forma.
Pensei no que poderia dizer.
Pensei longa e profundamente, mas nada veio à mente.
Minha mente estava em branco. Não havia nada que eu conseguisse pensar que parecesse uma fração tão significativa quanto o que Anzu havia dito. Supus que isso fazia sentido; ela provavelmente passou meses ou anos desenvolvendo essa filosofia pessoal dela. Eu não podia esperar desenvolver uma refutação igualmente contundente em apenas alguns segundos... Ainda assim, não conseguia me convencer a reconhecer (e, portanto, tacitamente endossar) aquela visão de mundo. Então, eu vacilei, e disse a coisa mais estúpida imaginável.
"Rapaz, você realmente consegue falar muito quando está apaixonada por algo, não é?"
Será que eu era o homem mais idiota vivo? Bastante possível.
"...Nossa. Sério mesmo? Levou muita coragem para eu dizer isso, sabe."
Anzu me encarou com os olhos estreitos.
"Nunca contei isso a ninguém antes."
"Me desculpa," eu pedi em pânico. "Foi um pouco demais, e eu não sabia o que dizer, então meio que..."
"Tudo bem. Ainda foi bom desabafar. Pelo menos agora você entende de onde estou vindo? Quando digo que é por isso que quero explorar o Túnel de Urashima?"
Se eu fosse responder honestamente, eu diria que sim, entendia o ponto de vista dela. No entanto, eu não conseguia me identificar com isso de forma alguma. Eu não sentia o desejo de ser alguém especial ou famoso como ela.
A implicação não dita de sua pequena filosofia era que qualquer um que não tivesse ambições maiores era preguiçoso ou um fracasso, e o que havia de tão errado em ser mediano? Por que desperdiçar toda a vida lutando para deixar uma marca duradoura no mundo quando você não estaria por perto para ver de qualquer maneira?
Supondo que a liberdade de escolha existisse, se as pessoas estivessem contentes em viver vidas simples, por que deveriam aspirar a ser mais? Quem precisava dos picos e vales dramáticos entre se sentir artisticamente realizado em um momento e então ficar deprimido no outro noventa e nove por cento do tempo quando você estava em uma maré de criatividade?
A vida era curta demais, e se ser um dos "pobres mortais" significasse que você poderia manter um nível estável de felicidade ao longo do tempo, o que havia de errado nisso?
Dito isso, obviamente eu não tinha o direito de decidir se as razões de Anzu para querer explorar o Túnel de Urashima "passavam no teste". Independentemente de eu poder aceitar seus motivos, ela sem dúvida não tinha a intenção de desistir da investigação, mesmo que tivesse que fazer isso sem mim. Sua força de vontade e iniciativa eram claras como o dia. Para deixar claro, eu também não queria me separar dela, independentemente de nossos valores opostos. Então eu sabia exatamente o que precisava dizer.
"...Sim. Não tenho mais dúvidas de que você está completamente séria sobre isso."
"Você quer dizer?"
Anzu pressionou. Eu assenti decididamente, e seu rosto relaxou em um sorriso.
"Bom, então tá."
Parecia que tudo estava perdoado. Ainda assim, um vago sentimento de culpa me corroía. Eu tive que lutar muito para resistir à vontade de desviar o olhar dela.
12
Acabamos conseguindo comparecer apenas ao sexto período naquele dia. Obviamente, a Srta. H nos deu uma bronca quando finalmente chegamos ao campus. Honestamente, eu não tinha certeza do porquê de termos nos preocupado em aparecer. Soltei um bocejo alto e estrondoso no meio da aula, e a professora de matemática instantaneamente me lançou um olhar feio, então abaixei a cabeça em submissão.
Eram 14h em uma terça-feira à tarde, mas, quanto ao meu relógio biológico, ainda era alguma hora da madrugada de sexta-feira à noite; tentar ficar acordado e prestar atenção na aula era uma batalha árdua, para dizer o mínimo. Eu girava minha caneta na minha mão direita enquanto tentava lutar contra mais um bocejo.
Nenhum dos conteúdos da aula estava sendo registrado em meu cérebro. Tudo que conseguia pensar era no Túnel.
Dois aspectos-chave definiam a lenda do túnel: um, ele afetava o fluxo do tempo, e dois, podia conceder qualquer desejo àqueles que o adentrassem.
O primeiro confirmamos ser verdadeiro, mas o segundo ainda permanecia a ser visto, e isso estava começando a me deixar ansioso. Meu desejo certamente não era ser reunido com um animal de estimação morto, ou a sandália de minha irmã, e se Anzu estivesse certa, aquelas folhas de papel não eram o que ela realmente buscava. Isso levantava a questão: em que condições o túnel manifestava coisas assim? Ele pegava objetos significativos das memórias de uma pessoa e os projetava aleatoriamente?
Não, tinha que haver um método na loucura. No meu caso, era quase como se ele pegasse meu desejo real e me provocasse concedendo-me todas as coisas relacionadas, mas nunca o que eu realmente queria.
Fui subitamente lembrado do conto "A Pata do Macaco". Era uma história de terror curta que eu tinha sido designado para traduzir para minha aula de inglês do ensino fundamental. A premissa básica era que quem segurasse a pata titular teria três desejos concedidos, mas apenas de uma maneira indireta que explorasse brechas na formulação do desejo do solicitante.
Era essencialmente uma lâmpada de gênio, mas muito mais astuta. Por exemplo, um homem e uma mulher que a usaram para desejar uma grande soma de dinheiro receberiam a quantia, mas apenas como uma indenização depois que seu filho fosse morto em um acidente horrível em seu local de trabalho no dia seguinte. Então, quando desejavam trazer o filho de volta à vida, eles recebiam uma batida na porta da frente do filho deles mutilado e decomposto.
De certa forma, talvez os mecanismos de concessão de desejos do Túnel funcionassem de maneira semelhante à pata do macaco, embora sem o plot twist maligno. Pensando bem, talvez houvesse uma certa malevolência nisso. Ele esperou até eu estar prestes a voltar antes de fazer a sandália de Karen aparecer na minha frente, o que parecia um pouco perfeito demais.
Depois, a mesma coisa aconteceu com Kee, nosso periquito. Era quase como se o túnel estivesse convocando iscas para atrair sua presa (neste caso, eu) mais fundo lá dentro.
Pensando agora, de forma objetiva, realmente parecia que eu estava indo direto para algum tipo de armadilha. Mas se houvesse forças malignas em jogo por trás do Túnel, e se ele distorcesse meu desejo como a pata do macaco e trouxesse Karen de volta para mim, mas de uma forma estranha e perturbadora...?
Eu não queria considerar essa possibilidade.
Fazendo o possível para afastar esse pensamento perturbador da minha cabeça, olhei para cima no calendário escrito com giz no quadro-negro.
As férias de verão estavam se aproximando rapidamente.
Apoie a Novel Mania
Chega de anúncios irritantes, agora a Novel Mania será mantida exclusivamente pelos leitores, ou seja, sem anúncios ou assinaturas pagas. Para continuarmos online e sem interrupções, precisamos do seu apoio! Sua contribuição nos ajuda a manter a qualidade e incentivar a equipe a continuar trazendos mais conteúdos.
Novas traduções
Novels originais
Experiência sem anúncios