Volume 9
Capítulo 32: Sétimo Andar de Aincrad
9 de janeiro, 20h00.
Asuna e eu estávamos seguindo diretamente para o sul, cruzando o Lago Yofel a bordo do «Tilnel» — algo que não fazíamos há muito tempo.
Tínhamos dito aos sentinelas que guardavam o portão principal do castelo que só sairíamos um pouco para apreciar a vista noturna.
Os vigias postados em cada uma das quatro torres com certeza estavam observando nosso barco, mas desde que não fizéssemos nada suspeito e seguíssemos em linha reta, eles não soariam o alarme.
O limite da área de instância privada era definido a cerca de 100 metros da margem do Lago Yofel, que por si só tinha um raio de quase um quilômetro. Dentro dessa linha, cada jogador ou grupo tinha sua própria instância do mapa. Mesmo que outro grupo se aproximasse agora do Castelo Yofel em uma gôndola, eles chegariam a uma versão diferente — um "Castelo Yofel em mundo paralelo" — separado de onde estávamos eu, Asuna e «Kizmel».
Não era possível ver a linha de limite a partir do castelo, mas, à medida que os jogadores se aproximavam, uma névoa densa surgia de repente, sinalizando sua presença.
A questão era: aquela névoa era apenas um efeito visual, ou era feita de partículas reais? Mesmo com todos os sistemas avançados de Sword Art Online, eu achava difícil acreditar que o jogo renderizava bilhões de minúsculas gotas d’água como objetos. Em outras palavras, minha melhor aposta era que tudo aquilo era só um efeito visual — sem distinção real entre névoa "falsa" e "real".
Esperando estar certo, continuei remando, parando a cerca de 500 metros do castelo.
— Certo… vamos tirar todo o metal aqui.
Ao dizer isso, Asuna, sentada no centro da gôndola, olhou para si mesma.
— Tudo mesmo?
— Bom… é, tudo mesmo.
Respondi enquanto examinava rapidamente o equipamento dela. O que havia de metálico visível se limitava a uma leve couraça e um cinto de couro com proteção metálica nos quadris. Sua capa vermelha com capuz, a túnica rosa-acinzentada por baixo e a saia plissada marrom-escura eram todas de tecido ou couro. Se ela tirasse a couraça, o cinto, os brincos e os anéis dos dedos indicadores, já estaríamos livres de metal. Ah, e claro, sua «Chivalric Rapier +7», pendurada na lateral esquerda.
Mobs aquáticos além dos kelpies podiam aparecer, então precisávamos estar prontos para reequipar as armas rapidamente, se necessário. Enquanto pensava nisso, comecei a revisar meu próprio equipamento — mas então—
— Ei, Kirito…
— Hm?
— Essa saia… tem algo duro costurado no tecido. Será que é metal?
Pegando-me desprevenido, olhei fixamente para a saia de couro da Asuna. Foi aí que me lembrei: o nome completo do item era Saia de Couro Reforçada. Finas placas de metal eram costuradas entre o couro externo e o tecido interno para combinar flexibilidade com defesa. Essa era a ideia do item, pelo menos.
— É, isso é metal.
Respondi, examinando a roupa dela com mais atenção. Com a visão noturna ativada, comecei a perceber brilhos metálicos que havia ignorado antes.
— Ah — é, aquele fecho da capa parece de prata. Suas botas têm tachas metálicas… e os botões da túnica parecem ser de latão.
— Isso é praticamente tudo!
Ela me lançou um olhar fulminante, e eu me apressei em completar.
— N-Não, acho que as meias 7/8 estão seguras provavelme—
Antes que eu pudesse terminar a frase, seu olhar afiado me cortou. Pigarreei e sugeri uma solução.
— Que tal vestir algo como uma túnica longa por cima, e aí tirar o equipamento metálico por baixo?
……
Silenciosamente, Asuna abriu seu menu de armazenamento e começou a rolar pela lista de equipamentos. Após alguns toques, pareceu encontrar o que procurava.
A capa vermelha com capuz desapareceu, substituída por um vestido branco esvoaçante. Era sem mangas, com dobras soltas no peito e nas costas — lembrava um quíton da Grécia Antiga.
— Quando você conseguiu essa roupa? — Perguntei, enquanto ela ainda mexia no menu.
— Fiz no sétimo andar — pra usar depois do banho.
— Entendi… parece bem fresca e confortável.
Enquanto conversávamos de forma casual, o equipamento dela foi desaparecendo sob o vestido, peça por peça. A armadura, a túnica, a saia, as botas, os acessórios — tudo sumiu. Isso devia ter removido qualquer vestígio de metal.
Agora completamente trocada, Asuna me lançou um olhar de canto.
— E você? Está usando bem mais metal do que eu.
— Vou usar isso aqui pra me cobrir e tirar meu equipamento por baixo.
Peguei o pano dobrado que estava no banco ao meu lado. Era um item mágico chamado Manto de Luz de Argyro, que concedia ocultação poderosa a qualquer coisa que cobrisse.
Só funcionava quando cercado por água, então eu quase nunca tinha usado — mas estar em um barco preenchia todos os requisitos.
— Entendi… Atchim!
Asuna espirrou de forma adorável, e eu rapidamente coloquei o pano de volta. Eu ainda estava com o equipamento completo, então mal sentia o frio — mas já passava das 20h no meio do inverno. Mesmo que não estivesse tão congelante quanto janeiro em Kawagoe, Saitama, a temperatura devia estar abaixo dos 10°C — e ela estava só com um vestido sem mangas. Só porque Asuna falava com sotaque de Tóquio — ou conhecia bem aquele parque temático que fica em "Tóquio-mas-na-verdade-é-Chiba" — não significava que ela era da região de Kanto como eu.
— Desculpa — vamos continuar logo com isso.
Com isso, comecei a remar novamente. «Tilnel» deslizava sobre o lago, seguindo o reflexo da luz da lua na água. Quando a silhueta escura da floresta surgiu adiante, a névoa começou a subir silenciosamente ao nosso redor. Aquilo era definitivamente o efeito de limite.
Provavelmente não teríamos problemas mesmo se saíssemos da área de instância, mas eu preferia completar a missão ainda dentro dela. À medida que a névoa ficava mais espessa, a ponto de esconder até mesmo o ornamento na proa do barco, parei de remar e levantei o remo.
— Joga a âncora.
Sussurrei, e Asuna se agachou, indo até a proa. Ela levantou cuidadosamente a âncora com as duas mãos e a desceu na água. O som suave da corrente soou, depois silenciou.
Voltando, Asuna olhou para a frente do barco e murmurou.
— Ei… mesmo que a gente tire todo o metal de nós mesmos, «Tilnel» ainda tem a âncora, o aríete e várias outras partes metálicas, né? Se os kelpies realmente odeiam o cheiro de metal, será que eles só se aproximam se estivermos longe do barco…?
— É, eu também estava pensando nisso…
Parei, tentando organizar tudo o que já sabia até agora.
— Para ser mais preciso — eu disse —, os kelpies não odeiam instintivamente o cheiro de metal. Acho que eles usam isso pra julgar se algo é perigoso ou não. Quando «Kizmel» e «Tilnel» viram o kelpie na margem da ilha, o Castelo Yofel estava logo atrás deles, exalando cheiro de metal.
— Ah… é verdade — respondeu Asuna. — Então, os kelpies conseguem distinguir entre o cheiro de metal do ambiente e o tipo de metal que pessoas ou elfos estão usando…?
Os olhos dela se arregalaram de curiosidade. Hesitei por um instante, sem saber exatamente como responder. Na teoria, aquele era um mundo de jogo. O kelpie não estava literalmente sentindo cheiro de nada — era só o sistema verificando os dados do equipamento do jogador. Esse pensamento cruzou minha mente, mas deixei de lado e ofereci uma outra explicação.
— Os kelpies conseguem andar sobre a água, né? Deve ser algum tipo de habilidade mágica, como isso.
— É… no fim das contas, eles são meio que fadas — murmurou ela, concordando, e estremeceu levemente. Tecnicamente, você não podia pegar um resfriado nesse mundo, mas ainda existia o conceito de dano por frio.
— Certo — falei. — Hora de começar.
Asuna assentiu com a cabeça e voltou a se posicionar na proa do barco, ficando de pé com firmeza.
Ajoelhei-me na popa e desdobrei o Manto de Luz de Argyro, jogando-o sobre mim. Um ícone se acendeu ao lado da minha barra de HP, indicando um estado de ocultação. No canto inferior da minha visão, apareceu uma nova estatística: Nível de Furtividade – 100%. Um número raro, mas combinando minha habilidade pessoal de furtividade com um item mágico, era totalmente possível.
Abri meu menu e comecei a desequipar todas as armas e armaduras. Mantive apenas as roupas de baixo — já confirmadas como livres de metal. Agora, tudo o que restava era esperar pelo kelpie.
Deixei uma pequena abertura no manto para espiar. Asuna permanecia perfeitamente imóvel sobre a gôndola que balançava suavemente. Seu equilíbrio era impressionante.
A luz fria da lua banhava o vestido branco e a pele pálida dela com um tom azul claro. O barco e a névoa ao redor assumiam o mesmo tom, como se tudo fosse parte de uma pintura feita com pouquíssimas cores. Fiquei tão envolvido pela cena que apertei o pano com mais força para manter o foco.
De repente, lembrei de um documentário que tinha visto com minha irmã. Mostrava fotógrafos da vida selvagem esperando por animais raros em tendas camufladas. Naquele programa, levava meses até conseguir a foto perfeita — mas aquilo era o mundo real. Em um jogo, uma vez que você cumpre as condições para o surgimento de um mob raro, ele geralmente aparece bem rápido.
Cerca de cinco minutos se passaram em silêncio total… e então aconteceu. A névoa densa ao redor da gôndola se abriu repentinamente. Um túnel estreito, de apenas três metros de largura, se abriu bem à frente de Asuna — na diagonal, à minha esquerda. Ecos de passos suaves na água romperam o silêncio. Uma forma pálida se aproximava pela outra extremidade.
Se aquilo era um kelpie, era bem maior do que eu imaginava. Achei que seria do tamanho de um pônei, mas aquilo parecia mais com um camelo — ou até maior. Levantei levemente a mão direita, pronto para equipar a espada se fosse necessário. A criatura avançava lentamente, passo a passo.
A primeira coisa que consegui ver claramente foi a perna dianteira direita. Como «Kizmel» havia descrito, não havia cascos — e sim pés palmados com garras afiadas, como os de um ornitorrinco. Cada passo causava ondulações suaves na superfície do lago, acompanhadas por um leve splish.
Splish… splish…
E então, sua forma completa emergiu da névoa.
Mesmo sob a luz da lua, era possível distinguir claramente seu corpo azul-esverdeado. A pele parecia lisa como veludo, com padrões sutis de escamas cintilando na superfície. A crina era longa e semelhante a uma barbatana, ondulando como a cauda de um peixe-dourado — exatamente como «Kizmel» havia descrito.
Quando me dei conta, a criatura já estava a menos de cinco metros de Asuna.
Mesmo sendo raro, ainda era um monstro do andar 4. No nível dela, um golpe direto sem armadura não causaria tanto dano assim. Ainda assim, minha respiração ficou mais curta de tensão. Quando o cavalo azul deu mais um passo à frente, um cursor colorido finalmente apareceu acima de sua crina.
O nome dizia: Morvarc’h, o Kelpie do Lago
É UM BOSS?! Gritei internamente e abri meu menu — mas, naquele momento, Asuna levantou levemente a mão esquerda, sinalizando para eu esperar.
Foi aí que percebi também. O cursor do boss era vermelho — mas não de um vermelho profundo e ameaçador. Era mais como um tom coral — um indicativo de que seus status gerais estavam um pouco abaixo dos meus. O visconde de «Yofilis» havia dito: "Ele já não é páreo para você", mas talvez aquilo valesse apenas em combate em terra firme ou a bordo de um navio.
Decidi esperar mais um pouco. Ainda não sabia como se pronunciava o nome daquela criatura, mas enquanto ela não demonstrasse hostilidade clara, manteria minha posição.
Sob o manto, relaxei um pouco a mão direita.
O kelpie, que vinha andando em um ritmo constante de um passo a cada dois segundos, parou a menos de dois metros de Asuna. Esticou o pescoço à frente, abrindo e fechando as narinas várias vezes. Estava checando por metal escondido — farejando perigo sob o vestido.
O movimento era surpreendentemente parecido com o de um cavalo, mas o olho que eu conseguia ver daquele ângulo não tinha íris nem pupila. Sob os cílios parecidos com barbatanas, o globo ocular inteiro brilhava com uma luz azul-pálida. Claramente, não era deste mundo. Por outro lado, SAO estava cheio de mobs espirituais ou fantasmas.
Eu já tinha pensado nisso antes, mas Asuna não se dava muito bem com inimigos do tipo astral. Os kelpies, ao que parecia, estavam no meio do caminho entre seres vivos e espectros. Comecei a me preocupar — mas ela não recuou. Os olhos dela estavam fixos na criatura mágica.
Eventualmente, o kelpie pareceu satisfeito de que ela não estava armada. Deu mais dois passos para a frente, então girou 90 graus para a direita.
Entrei em pânico, achando que ele tinha me notado — mas não era isso. Ele simplesmente se moveu ao lado do «Tilnel», dobrou as pernas e deitou-se ao lado da lateral de bombordo do barco.
Então soltou um relincho suave e baixo.
— Frrrrrr…
Até eu consegui entender: ele estava dizendo "Suba — monte em mim".
Se eu não tivesse ouvido o aviso do visconde sobre as lendas envolvendo kelpies — "Se julgarem alguém inofensivo, convidam para montar, depois arrastam o tolo para o fundo do lago" — talvez eu mesmo tivesse cedido à curiosidade.
Nesse momento, Asuna fechou levemente a mão esquerda em punho — o sinal combinado para iniciar a missão.
Certo — vamos nessa!
Arranquei o manto e me levantei sobre um joelho, só para perceber—
Espera… como é que se doma um kelpie, afinal?!
Quando «Nirrnir» domesticou aquela aranha no labirinto do andar 7, ela não recitou um feitiço nem tocou na criatura — só olhou para ela. A aranha, que estava pendurada no teto, simplesmente rastejou até ela, e pronto.
Eu devia ter perguntado como aquilo funcionava. Agora era tarde. O kelpie me notou e relinchou — alto e agudo.
— Brrrrrr!
Levantou-se, pronto para fugir ou atacar — eu não sabia qual dos dois. Tinha apenas alguns segundos para agir. Em pânico, estendi a mão direita, imaginando algum tipo de "raio de domesticação" — mas nada aconteceu. Ao que parece, não era necessário.
Os olhos azuis brilhantes do kelpie encontraram os meus diretamente — e, naquele instante, minha tela mudou. Uma nova barra de status apareceu no mesmo local onde "Nível de Furtividade" tinha estado momentos antes — só que essa era avermelhada e levemente brilhante.
Instintivamente, entendi o que aquilo significava: Domesticação em andamento. Aparentemente, o poder especial de domar — concedido apenas aos descendentes dos habitantes da noite — se ativava simplesmente ao fazer contato visual com o alvo.
Agora, pensando bem… e se o mob não tiver olhos…?
…É, melhor não pensar nisso agora.
O kelpie congelou em uma posição inclinada para frente, no meio do movimento de se levantar. Permaneci em uma postura semelhante, fazendo o possível para manter o contato visual. No canto inferior da minha visão, a barra de domesticação subia lentamente — mas eu não podia me dar ao luxo de observá-la. Se desviasse o olhar, mesmo que por um instante, a tentativa provavelmente falharia, e duvidava que teria outra chance tão limpa de encarar o rosto do kelpie.
O estranho brilho avermelhado se intensificou, ofuscando quase tudo — minha barra de HP, o relógio, todo o resto da interface ficou praticamente invisível. Muito tempo depois, Asuna me diria, com uma risada sonhadora: — Naquele momento, Kirito-kun… seus olhos estavam brilhando tão vermelhos que, por um segundo, achei que, se continuasse encarando, eu mesma poderia ser domada.
Claro, isso não aconteceu. O sistema de SAO não permitia efeitos mentais como charme ou hipnose em jogadores. Ainda assim, pelo canto do olho, vi Asuna dar meio passo para trás.
Se esse movimento foi o que quebrou a resistência do kelpie, ou se foi pura coincidência, não posso dizer — mas a barra, que tinha estagnado em cerca de setenta por cento, disparou de repente até o fim. Cem por cento.
A coloração vermelha sumiu da minha visão, e o indicador de domesticação desapareceu.
— Blrrrnn — o kelpie bufou brevemente. Não havia mais sinal de agressividade. Se algo, o som carregava um tom de resignação relutante, como "Tá bom, fazer o quê…" Ou talvez eu só estivesse imaginando. Levantei-me devagar, olhei para Asuna à minha direita, depois de volta para o kelpie — e novamente para Asuna.
— Então… isso significa que eu dominei ele com sucesso? — Perguntei em voz baixa. Ela continuou de costas e respondeu sem se virar.
— Não pergunta pra mim.
Justo. Assim que voltei a olhar para o kelpie, seu cursor de nome mudou de cor — como se tivesse esperado exatamente por aquele momento. Passou de um vermelho coral intenso para um amarelo calmo e suave.
Quando encontrei Rusty Lycaon — um monstro domesticado nos estábulos da família Korloy, no Grande Cassino — ele tinha o mesmo cursor amarelo. (Tecnicamente, era uma variante chamada Storm Lycaon.) Isso confirmava que a domesticação tinha funcionado.
Mas esse era um tipo boss, com direito até a artigo definido no nome. Se eu fizesse algo que o irritasse, será que o estado de domesticação seria cancelado na hora? Fiquei parado, rígido como uma tábua, sem ousar me mover. Então Asuna lançou um olhar rápido para mim e disse.
— Talvez tente alimentar ele?
— Ah… é, boa ideia.
Alimentar era um método clássico para aumentar a afinidade com monstros domesticados. Abri meu armazenamento e filtrei pelos itens de comida. Uma longa lista apareceu, cheia de coisas aleatórias que eu vinha acumulando.
O visconde havia mencionado que, embora os kelpies comam principalmente peixes, eles também atacam animais terrestres de vez em quando. Isso me deu uma ideia. Peguei um pedaço de Carne de Garra de Caranguejo Gigante.
O item se materializou acima da janela: uma garra de caranguejo enorme, com quase 60 centímetros de comprimento. A carapaça ainda estava presa à pinça, em um tom vermelho-escuro reluzente, mas a carne branca e espessa já havia sido retirada da casca, exibindo uma textura fibrosa sob a luz da lua.
Essa garra vinha de um Arongueijo, um mob da dungeon dos canais na região nordeste do quarto andar. Quando abre os braços, essa coisa passa dos quatro metros de largura. É difícil acreditar que seja da mesma espécie daqueles mini caranguejos de água doce que comemos no salão de refeições do Castelo Yofel — mas, no mundo dos jogos, é normal que insetos, plantas e monstros tenham proporções absurdas.
Segurei um dos lados da garra com a mão direita e a ergui. Depois de fechar a janela, estendi o pesado pedaço de carne na direção do kelpie.
— Uhm… aqui. Se quiser isso…
Eu sabia que não precisava agir de forma submissa com meu próprio monstro domesticado — mas não consegui evitar. Se «Nirrnir» visse aquilo, provavelmente daria risada ou balançaria a cabeça em descrença… Deixei o pensamento de lado e esperei pela reação do boss.
O kelpie piscou com desconfiança, inclinou-se para frente e cheirou a garra de caranguejo.
— Blrr…
Bufou como quem diz "Tá, vou experimentar", e então abriu a boca de repente. Todos os dentes eram afiados, de carnívoro — e quase puxei a mão de volta por reflexo, mas me contive. O kelpie cravou os dentes na carne — que tinha mais ou menos o tamanho de uma bola de rúgbi — e arrancou um quarto dela com uma força assustadora. Mastigou alto.
Em cinco segundos, engoliu a primeira mordida — e então mordeu de novo, e de novo, devorando o resto em ritmo frenético. Na quarta mordida, já tinha comido até a base da pinça. Com uma forte expiração pelo nariz, soltou um suspiro satisfeito.
Levantei a ponta restante da garra, só para confirmar.
— Uhm, e essa parte aqui—
— Blrrt!
— Imaginei. Você não vai comer isso.
Recolhi a mão rapidamente. Asuna soltou uma risadinha abafada, e eu pensei: e se você irrita o kelpie assim, hein?! — mas a criatura, ou melhor, o cavalo, parecia completamente indiferente.
Aliviado, olhei para o que restava da garra.
A ponta afilada tinha um brilho metálico escuro, e por dentro havia fileiras de serrilhas como uma lâmina de serra. Comer algo assim com certeza faria um buraco no estômago. Asuna uma vez me contou que "scuttle", como em Scuttle Crab, é um verbo que significa "afundar um navio fazendo buracos no casco". Aquela brutalidade fazia jus ao nome.
Talvez fosse um bom material para forjar uma arma mais tarde — então devolvi o que sobrou da garra ao inventário e voltei o olhar para o kelpie.
Esperava que a carne de caranguejo tivesse aumentado um pouco o nível de afeição dele, mas o kelpie apenas balançou calmamente a longa cauda em forma de barbatana de um lado para o outro. Difícil dizer o humor da criatura. Ainda assim, a domesticação estava completa — e agora, Asuna e eu teríamos que cavalgar esse nobre kelpie até os fundos do Castelo Yofel.
— Ei, Kirito — Asuna se aproximou de mim, esfregando os braços nus para se aquecer, e sussurrou. — A gente… já pode colocar a armadura de volta?
— Ah… é…
No momento em que ela disse isso, percebi o quanto eu também estava com frio. Asuna estava usando apenas um vestido leve de peça única — e eu estava só com camisa e calças. Não era à toa que ela não tinha me olhado uma vez sequer esse tempo todo.
Se a teoria estivesse certa — de que os kelpies odiavam o metal apenas como forma de detectar ameaças — então não deveriam reagir às nossas armas e armaduras. Mesmo assim, era um pouco arriscado reequipar tudo de uma vez.
— Vou testar primeiro.
Depois de dizer isso para Asuna, abri meu menu, extraí um item e materializei um Anel de Ouro que havia pegado em algum lugar. Mesmo depois de o anel dourado aparecer acima da janela, o kelpie não teve qualquer reação. Coloquei-o no dedo — ainda nada.
— Parece seguro.
Trocamos um aceno e rapidamente reequipamos todo o nosso equipamento. O frio sumiu na hora, e nós dois soltamos suspiros de alívio sincronizados. Assistindo nossa respiração branca se dissipar no ar da noite, nos entreolhamos — e sorrimos.
De repente, senti um medo sutil — um medo que estava alojado no fundo do meu peito desde que me tornei um dos Cidadãos da Noite… não, desde que me transformei em um vampiro — começando a se dissipar.
Não era o medo de morrer queimado sob a luz do sol. Era o medo de que Asuna pudesse, um dia, me deixar… agora que eu não era mais humano, ao menos segundo o sistema. Claro, isso não era algo que eu conseguiria dizer em voz alta — não para ela.
Você sempre pensa demais, sabia? Repreendi a mim mesmo mentalmente, então falei em voz alta.
— Vamos voltar para o ponto de encontro. «Kizmel» já deve estar ficando preocupada.
— É… Você acha que dá pra deixar «Tilnel» aqui?
— Estamos dentro da área de instância. Desde que a âncora esteja lançada, vai ficar tudo certo. Ah, é mesmo — melhor guardar isso aqui.
Peguei o pano fino do manto de Argyro que estava jogado e o guardei. Depois de confirmar que não havia mais nada no barco e que a âncora estava firme, me virei de volta para o kelpie.
— Então, hã… como a gente vai chamar essa coisa?
Murmurei, olhando novamente para a barra de HP dele. O Kelpie do Lago era autoexplicativo, mas Morvarc’h… eu nem sabia como se pronunciava aquilo.
— Eu também não tenho muita certeza — disse Asuna —, mas talvez… Morvark? Algo assim?
— Oho… então que tal só "Mo"?
No momento em que fiz a sugestão, Asuna fez uma careta de protesto.
— Ehh? Isso faz parecer que é uma vaca ou sei lá.
— Ué, vai ver têm ancestrais em comum. Tá decidido — você agora é o Mo!
O kelpie — recém-nomeado Mo — respondeu com um relincho agudo.
— Blrrrn!
Não soou particularmente satisfeito, mas também não pareceu uma rejeição.
— Hã… Mo, gostaria que você deixasse eu e a Asuna montarmos nas suas costas…
— Hmph.
Com um bufar, o kelpie — ou melhor, Mo — abaixou-se novamente, aproximando as costas da borda da gôndola. Parecia disposto a nos deixar subir, mas—
— Pera… ele acabou de dizer "Hmph"? Disse, né?
……
Quando me virei para encarar Mo, que virou a cabeça propositalmente para o lado, Asuna puxou com força a gola do meu sobretudo, me fazendo recuar com um puxão seco.
Apoie a Novel Mania
Chega de anúncios irritantes, agora a Novel Mania será mantida exclusivamente pelos leitores, ou seja, sem anúncios ou assinaturas pagas. Para continuarmos online e sem interrupções, precisamos do seu apoio! Sua contribuição nos ajuda a manter a qualidade e incentivar a equipe a continuar trazendos mais conteúdos.
Novas traduções
Novels originais
Experiência sem anúncios