Volume 9

Capítulo 30: Sétimo Andar de Aincrad

Enquanto navegávamos lentamente rumo ao sul, sobre um lago envolto pela névoa da noite ou a névoa da manhã, uma silhueta imensa foi surgindo gradualmente à frente. Era o Castelo Yofel, a fortaleza dos Elfos Negros no Quarto Andar. Não havia local para atracar no lado norte, então passamos pelo oeste e contornamos até nos aproximarmos pelo sul. 

Coberto por um telhado de ardósia e com altas torres em cada canto, o castelo de cinco andares era ao mesmo tempo elegante e imponente — sua arquitetura era uma verdadeira exibição das sensíveis e refinadas preferências estéticas dos Elfos Negros.

Embora o castelo estivesse sobre um ilhéu natural, a parte frontal havia sido nivelada com blocos de granito, de onde um majestoso cais se estendia sobre o lago. Atracadas de cada lado havia duas gôndolas, ligeiramente maiores do que a «Liberator», seus cascos negros refletindo a tênue luz das lanternas postadas na extremidade do cais, tremeluzindo suavemente sobre a água.

Parecia algo saído de uma pintura. Mas, quando estivéramos ali da última vez, havia oito dessas gôndolas negras. Metade delas havia sido afundada na batalha contra os Elfos da Floresta. Mesmo que ressurgissem magicamente no dia seguinte, ninguém — nem mesmo eu — reclamaria. Num mundo onde tais coisas são possíveis, nem mesmo chaves secretas duplicadas seriam motivo de preocupação.

Guiado pelas lanternas azul-pálidas, aproximei lentamente o barco. O céu a leste, à nossa direita, já parecia levemente tingido de luz, embora ainda não afetasse a visibilidade. Se não fôssemos autorizados a entrar no castelo, as coisas poderiam se complicar. Nesse caso, pensei que bastaria me entregar como prisioneiro fugitivo e deixar que me jogassem na masmorra.

Com esse pensamento em mente, manobrei a «Liberator» para o lado direito do cais. Guardas podiam ser vistos no portão principal do castelo e no topo de cada uma das quatro torres, mas, por ora, nenhum alarme havia sido soado.

Foi então que, ao passarmos pelas duas gôndolas negras atracadas e eu começar a virar a embarcação—

— Graças aos céus!!

Asuna gritou de repente, me forçando a frear — de novo.

— O-O que foi?

— Ali — olha!

Inclinando-se sobre o lado de bombordo, ela apontou para a base do cais. Através da névoa da manhã, avistei uma forma esbranquiçada e vaga.

Remando suavemente até lá, a sombra logo tomou forma completa. Pintada em branco brilhante e verde-esmeralda, uma única gôndola estava atracada ali. Bem menor do que a «Liberator», mas tão elegante quanto uma joia esculpida — era nosso navio: a querida «Tilnel».

Dessa vez, virei a «Liberator» para bombordo e parei a poucos metros do cais.

— Bom trabalho, Kirito!

— Excelente navegação!

Asuna e «Kizmel» me elogiaram antes de saltarem para o cais e correrem em direção à «Tilnel». Queria acompanhá-las, mas antes precisava assegurar nossa embarcação.

Amarrar a corda de atracação ao poste significava que ninguém além do proprietário, Kibaou, poderia desamarrá-la. A verdadeira questão era o que aconteceria depois de lançar a âncora. Se o navio permanecesse em seu estado atual de "destravado", tudo bem. Mas, se ficasse imóvel por mais sete ou dez dias, isso atrasaria seu retorno ao local de origem.

...Bom, ninguém vai descobrir mesmo.

Repetindo essa desculpa mentalmente, lancei a âncora no lago e rapidamente me teleportei até o cais para me juntar a Asuna e «Kizmel».

Elas estavam ao lado do poste de atracação onde a «Tilnel» estava amarrada, encarando em silêncio o casco branco imaculado. Fiquei ao lado de «Kizmel», admirando nossa preciosa embarcação. Sua pintura reluzente não mostrava nenhum arranhão — algo esperado, já que a durabilidade é preservada quando atracada, mas ainda assim reconfortante de ver.

— Numa situação como essa, talvez soe estranho dizer... mas fico realmente feliz por ver este navio novamente.

«Kizmel» murmurou de repente. Pensando bem, o motivo de termos chegado ao Castelo Yofel foi o fato de que o portão de teleporte escondido no labirinto do Sétimo Andar havia sido conectado ao Quarto Andar. Em outras palavras, se os Elfos Caídos não tivessem roubado a chave secreta, nunca teríamos nos reencontrado com a «Tilnel». Não era exatamente o momento para relaxar, mas manter-se tenso o tempo todo só embotaria nossos reflexos quando realmente precisássemos deles.

— Tire um cochilo no castelo. Depois, você e a Asuna deveriam sair para velejar à tarde — sugeri.

«Kizmel» me lançou um olhar — por um instante, como se quisesse dizer algo — então sorriu.

— Obrigada, faremos isso... se conseguirmos acordar a tempo.

As duas velejando juntas na «Tilnel» teria sido uma cena belíssima. Infelizmente, não apenas eu não estaria a bordo — nem mesmo poderia assistir do cais. Estava começando a entender o que significava ser um "cidadão da noite"... embora talvez esse pensamento fosse sentimental demais para alguém como eu.

Nesse momento, um som metálico suave ecoou da direção do castelo. Todos nos viramos para lá.

Forçando a vista através da penumbra, percebi que não era o enorme portão principal arqueado que se abrira, mas sim uma porta lateral à sua direita — uma entrada de folha única. Uma figura esguia emergiu, carregando uma lanterna na mão esquerda. Mas a luz lançada por ela dificultava distinguir qualquer detalhe — mesmo com minha visão aprimorada, mal conseguia enxergar a silhueta.

Os sentinelas totalmente armados de cada lado do portão principal voltaram-se para a figura com um ruído metálico alto, saudando-a no estilo formal dos Elfos Negros. A figura lhes dirigiu algumas palavras breves, e então começou a caminhar sozinha em nossa direção.

Dado o respeito demonstrado pelos guardas, me perguntei — seria o mestre do castelo, o Visconde «Yofilis» em pessoa? Mas, um momento depois, notei que a figura era pelo menos dois tamanhos menor, tanto em altura quanto em largura dos ombros. 

Enquanto eu mantinha o olhar fixo nela, um cursor apareceu sobre sua cabeça.

Sua cor era amarela, indicando um NPC. Abaixo da barra de HP, o nome exibido era:

«SETORAN»; O HERDEIRO DE YOFEL

«Setoran» — provavelmente a pronúncia correta. Yofel, claro, era o nome do castelo. Infelizmente, meu dicionário interno não lembrava o significado da palavra herdeiro.

— Uhh…

Gemia eu, apenas para ouvir Asuna — que de algum modo surgira ao meu lado — sussurrar.

— Herdeiro significa o sucessor ou filho legítimo.

— Muito obrigado.

Assenti com gratidão, voltando meu olhar para o cursor amarelo. Então, aquela frase significava.

«Setoran», Herdeiro do Castelo Yofel.

...Herdeiro?

Franzi as sobrancelhas, e a figura à frente falou — quase ao mesmo tempo.

— Presumo que sejam «Kizmel»-dono, Asuna-dono e Kirito-dono.

A voz era serena e clara — mais adequada a um garoto do que a um homem. A figura abaixou a lanterna que segurava na mão esquerda, permitindo que a luz da lua, antes bloqueada, finalmente iluminasse seu rosto.

Como eu imaginava, ele parecia ter mais ou menos a mesma idade que eu. Com cabelos encaracolados e traços suaves e juvenis, por um instante cheguei a confundi-lo com uma garota. Mas os contornos do corpo, vestido com uma camisa de algodão simples e calças pretas, sugeriam que era de fato um garoto — ou, ao menos, provavelmente. Por outro lado, com os Elfos Negros, não se podia julgar a idade apenas pela aparência.

No mundo real, os elfos retratados em jogos, animes e mangás geralmente seguem um de dois tipos: ou crescem lentamente desde a infância, ou amadurecem no mesmo ritmo dos humanos até a idade adulta. Certa vez, tentei perguntar à «Kizmel» quantos anos ela tinha, esperando descobrir qual tipo os elfos de SAO seguiam. Mas ela me repreendeu gentilmente, dizendo. 

— Entre os Elfos, é considerado rude perguntar a idade de alguém diretamente.

Portanto, se esse garoto fosse do tipo de crescimento lento, era bem possível que fosse muito mais velho do que eu.

Ainda assim, diferente de «Nirrnir» — a Lady da Noite, que irradiava uma aura de idade e autoridade condizente com seus anos reais —, esse garoto não carregava nenhuma grandiosidade. Na verdade, parecia apenas um adolescente comum. Sem saber ao certo como me dirigir a alguém que tinha minha aparência, mas talvez não minha idade, hesitei. Foi então que «Kizmel» deu um passo à frente e saudou com firmeza.

— «Kizmel», Cavaleira da Ordem de Lyusula, guarda real. Estes dois são espadachins humanos e aliados — Kirito e Asuna. Viemos ao Castelo Yofel em busca de abrigo para a noite, como parte de nossa missão.

O garoto respondeu levando o punho direito ao peito esquerdo, endireitando-se em um gesto formal.

— Sou «Setoran Jii Yofilis», filho único de Lorde «Yofilis», senhor do Castelo Yofel. Estava me preparando para meus exercícios matinais quando notei seu barco cruzando o lago. Peço perdão pela ousadia em vir perguntar suas intenções pessoalmente.

Exercícios matinais — ele devia estar se referindo ao treino com espada. Lancei um olhar para sua cintura esquerda, onde pendia um florete esguio. Então, esse garoto tinha o hábito de treinar antes do nascer do sol, e ao notar um barco se aproximando do castelo, veio investigar sozinho. Mesmo sabendo que poderíamos ser elfos da floresta disfarçados ou até Elfos Caídos, ele veio sem armadura, portando apenas um florete de treino.

Seria apenas um garoto imprudente e arrogante por trás daquela aparência gentil? Ou teria mesmo habilidade suficiente para justificar tanta ousadia? Não consegui conter a curiosidade e, finalmente, abri a boca.

— Hm… Eu sou Kirito. Como devo… me referir a você?

— «Setoran» está ótimo, Kirito-dono — respondeu ele com um sorriso radiante.

Pelo menos, eu já tinha aprendido o suficiente nesse mundo para não sair chamando alguém pelo nome sem o devido cuidado.

— Ah… «Setoran»-sama…?

— Só «Setoran», por favor.

— Hã… então, «Setoran»-dono…

— «Setoran» está perfeitamente bom.

— Certo.

Sentindo-me encurralado, lancei um olhar para Asuna e «Kizmel». Asuna claramente tentava não rir, e embora «Kizmel» mantivesse sua expressão serena de sempre, eu sabia — depois de tudo que passamos juntos — que ela também estava se divertindo com a cena.

— Então… vou chamá-lo de «Setoran». Mas pode me chamar de Kirito também?

— Claro!

O rosto de «Setoran» se iluminou ao estender a mão direita. Eu sabia que os elfos estavam familiarizados com o costume do aperto de mãos, mas ainda assim me surpreendi com a naturalidade com que ele o ofereceu a um humano — uma raça com quem haviam tido tão pouco contato. Talvez fosse apenas a inocência da juventude.

Enquanto pensava nisso, tirei minha luva de couro e retribuí o gesto com cuidado, tentando não apertar demais.

E imediatamente, tive que rever minha impressão sobre ele. Sua palma era calejada e firme, com a pele endurecida na base dos dedos. A mão de alguém que treinava intensamente, todos os dias. Não importa o quanto nós, jogadores, balancemos nossas espadas — nunca desenvolvemos calos nem ganhamos músculos. Da mesma forma, por mais que comamos em excesso ou passemos fome, nosso peso nunca muda nem um grama. Pela primeira vez desde que fiquei preso neste castelo flutuante, senti uma pontada de vergonha ao perceber o quão macia era minha própria pele ao soltar a mão dele.

Mas aí cometi um erro — bastou dar um passo para trás e olhar seu rosto para perceber minha falha. «Setoran» me olhava curioso, os olhos fixos. Não era a maciez da mão que o surpreendera — era, provavelmente, o quão fria ela estava.

Deveria explicar agora, antes que ele notasse minha pele pálida ou as presas afiadas? Mas «Setoran», para seu crédito, logo apagou a expressão de surpresa, sorriu novamente e se voltou para Asuna e «Kizmel». Apertou a mão de ambas e depois fez uma reverência educada.

— Receber os heróis da Batalha do Lago Yofel é a maior honra que minha família poderia ter. Por favor, sigam-me.

Apontando para o castelo com a mão direita, «Setoran» ergueu a lanterna novamente e começou a caminhar.

Enquanto o seguíamos, uma nova dúvida surgiu em minha mente. A "Batalha do Lago Yofel" à qual ele se referia devia ser o confronto com os elfos da floresta no lago, cerca de duas semanas atrás. Nem parecia que já fazia tanto tempo — mas, considerando a guerra élfica que já durava séculos, duas semanas eram apenas um piscar de olhos. Ainda assim, a segurança do castelo parecia incrivelmente frouxa, considerando que o conflito havia ocorrido tão recentemente.

E mais uma coisa — durante a batalha no lago, não me lembro de ter visto «Setoran» em momento algum. Alguém tão ousado e aparentemente habilidoso teria mesmo ficado escondido em uma zona segura o tempo todo? Ou será que seu pai, o visconde «Yofilis», havia lhe ordenado manter-se longe da linha de frente a qualquer custo…?

Os mistérios só aumentavam — mas ao menos agora sabíamos duas coisas com certeza: a notícia de nossa fuga ainda não havia chegado ao Castelo Yofel, e o lago compartilhava seu nome com o castelo. Estávamos prontos para apresentar nosso salvo-conduto — «Sigilo de Lyusula» —, mas os dois guardas no portão sequer nos questionaram.

«Setoran» nos conduziu até a ala leste do castelo, no quarto andar — onde nos foi entregue o melhor quarto de hóspedes disponível. Era exatamente a mesma suíte luxuosa em que havíamos ficado da outra vez, com uma sala de estar e dois quartos com camas de solteiro.

— Sintam-se à vontade. Fiquem livres para usar qualquer uma das instalações do castelo — disse «Setoran», fazendo uma reverência antes de se retirar.

Assim que ele saiu, Asuna correu para o quarto da direita — ainda completamente armada. Sem entender a pressa, fui atrás, só para encontrá-la começando a fechar as venezianas da janela. Percebendo sua intenção, rapidamente fui fazer o mesmo no lado oposto.

Sendo uma fortaleza dos Elfos Negros, as venezianas do Castelo Yofel eram feitas de grossas tábuas reforçadas com metal. Os trilhos deslizantes não tinham frestas, e o lado interno possuía trancas robustas. Eram pouco depois das 5 da manhã — o sol nasceria em cerca de uma hora —, mas nem um fio de luz atravessaria aquelas barreiras.

— Ufa…

Asuna finalmente suspirou após se certificar de que todas as janelas e cortinas estavam fechadas e que não havia nenhuma abertura restante.

— Este quarto deve estar seguro. Mas foi por pouco… Amanhã, aconteça o que acontecer, precisamos estar de volta até às três da manhã, no máximo.

«Kizmel», parada à porta, assentiu com uma expressão séria. 

— Se fosse necessário, eu estava preparada para envolvê-los completamente no «Green Leaves» junto com meu próprio manto — mas ainda assim não há garantia de que bloqueariam totalmente a luz do sol. Como Asuna disse, devemos priorizar estar em ambiente fechado com bastante antecedência. E também preparar medidas de emergência.

O tom das duas era como o de irmãs mais velhas preocupadas, repreendendo gentilmente um irmão mais novo descuidado — mas não havia dúvida de que estavam realmente preocupadas comigo. Então apenas respondi.

— Entendido!

E então me virei para «Kizmel» e acrescentei.

— Mas se algo assim realmente existisse, Nirr já não teria encontrado?

— Bem… isso é verdade. Porém, não posso afirmar com certeza…

Ela fez uma breve pausa, os olhos se estreitando levemente, como se olhasse para algo distante.

— Acho que comentei algo disso na propriedade da Lady «Nirrnir», mas quando eu era bem pequena, tive um vislumbre do Senhor da Noite no castelo real, no nono andar. Lembro de ter ficado impressionada com sua pele, mais branca que a neve, e com os cabelos que brilhavam como prata derretida. Meu pai, que estava ao meu lado, explicou que aquela pessoa era o Senhor da Noite — alguém que havia vivido ainda mais tempo que os próprios elfos. Fiquei um pouco assustada e me escondi atrás dele. Mas agora que penso bem… sinto que esse encontro não aconteceu à noite, mas durante o dia.

— Hã…?

Asuna soltou um som baixo e lançou um olhar para as cortinas bem fechadas, antes de perguntar.

— Era uma parte do castelo onde a luz do sol não alcançava…?

— Espero que possa ver com seus próprios olhos um dia, Asuna, mas o castelo real é extremamente aberto em sua arquitetura. As únicas áreas onde a luz do sol é completamente bloqueada são os aposentos pessoais da família real.

— Ah, é ver-

Quase concordei com a cabeça antes de me conter. Durante o beta teste, eu havia visitado o castelo real, e lembrava bem dos amplos espaços abertos, banhados por luz natural filtrada — até mesmo a sala do trono, onde conheci a rainha, era inundada de luz. Mas isso não era algo que eu podia comentar agora.

«Kizmel», sem perceber que eu estava a ponto de deixar escapar alguma coisa, continuou sua história.

— Meu pai era um guarda real, e seu antigo comandante havia se tornado instrutor de esgrima na escola preparatória depois de se aposentar. Naquele dia, fui ao castelo para cumprimentar meu futuro instrutor, pois havia sido aceita na academia. Eu devia ter uns seis anos, sete no máximo… Duvido muito que meu pai tivesse levado uma criança tão pequena ao castelo no meio da noite. Então realmente acredito que vi o Senhor da Noite durante o dia — ou, no máximo, no início da noite.

— O quê!?

Asuna exclamou de novo, dessa vez com um sorriso curioso.

— Espera aí, tem uma escola preparatória dentro do castelo real!?

— B-Bem, os terrenos são adjacentes, mas tecnicamente não fica dentro do castelo.

— Ainda assim, que incrível! Dava pra ver o castelo da janela da sala de aula?

— Sim… mas para uma criança, era só um prédio grande. Eu me acostumei com isso em menos de um ano.

Asuna pareceu um pouco desapontada com a resposta de «Kizmel», mas logo voltou a sorrir.

— Haha, faz sentido. A minha escola também tinha uma catedral imensa. Quando comecei a estudar lá, achava um pouco intimidadora…

Ela parou de repente no meio da frase, lançou um olhar rápido para mim e então se apressou em mudar de assunto.

— M-Mas essa é uma história pra outra hora. Enfim… se «Kizmel» viu o Senhor da Noite durante o dia, quando o sol ainda não havia se posto totalmente… isso não significa que ele desenvolveu algum tipo de resistência à luz solar?

— É apenas uma suposição, claro… mas se a pessoa que vi era realmente uma convidada de Sua Majestade, a Rainha… Bem, lembram-se do que Lady «Nirrnir» disse? Que, se alguém soubesse como devolver um cidadão da noite à forma humana, seria a Rainha dos Elfos da Floresta ou a nossa própria rainha. Se isso for verdade, não seria surpreendente se uma delas também soubesse uma forma de conceder resistência à luz do sol.

— Você tem razão.

Assenti com a cabeça. Isso era informação da fase beta, mas a Rainha dos Elfos Negros era conhecida como uma alquimista incomparável. Um de seus elixires únicos teve um papel fundamental no capítulo final de uma grande missão de campanha. Se esse elemento da lore tivesse sido mantido na versão final do jogo, então, como «Kizmel» sugeriu, não seria estranho se ela fosse capaz de criar uma poção que desse resistência à luz solar aos cidadãos da noite  — ou até que os revertesse à forma humana.

Infelizmente, da forma como as coisas estavam, não tínhamos como chegar ao nono andar. Mesmo se conseguíssemos, não poderíamos nos aproximar do castelo real sem antes recuperar as chaves roubadas. Afinal, nós três éramos claramente foragidos.

— Bem, estarei bem enquanto for cuidadoso. Por ora, vamos tornar a recuperação das chaves nossa maior prioridade. Podemos nos preocupar com o sol depois.

Quando disse isso a «Kizmel», seu rosto expressava cerca de quarenta por cento de preocupação e sessenta por cento de culpa.

— Sinto muito. Minha falta de força expôs todos vocês a perigos desnecessários…

— Nós já falamos sobre isso!

Asuna avançou e segurou firmemente as mãos de «Kizmel».

— Estamos fazendo isso porque queremos. Só isso. Mais importante — vamos tomar um banho! Não deu pra ir depois de brincarmos na praia, e eu tô morrendo de vontade desde então…

— A-Ah, sim. Deverá estar tranquilo a essa hora.

Ouvindo a conversa das duas, hesitei por uns dois segundos. Neste mundo, mesmo se você mergulhar no oceano com roupas e tudo, seu traje seca instantaneamente ao voltar à terra firme, e você não sente nem sal, nem grude. Tecnicamente, o desconforto de que Asuna falava era apenas uma ilusão — mas há coisas em SAO que não se resolvem só com lógica. Como a tensão que eu ainda sentia no pescoço e nos ombros.

— Eu vou também.

No instante em que falei isso, Asuna — que já caminhava em direção à porta do corredor — virou-se para mim com uma expressão estranha. «Kizmel», por outro lado, apenas me deu um sorriso caloroso e assentiu.

— Sim, venha. Ainda temos tempo antes do nascer do sol.

Demorei um minuto inteiro para entender por que Asuna tinha feito aquela cara estranha.

A grande banheira do Castelo Yofel ficava no terceiro andar da ala oeste. Além de um arco decorado com entalhes botânicos, o carpete vermelho do corredor dava lugar a ladrilhos de mármore, e o som suave de água corrente ecoava à distância.

O vestiário era decorado com vasos de plantas ornamentais e cadeiras de vime com descanso para os pés, além de uma mesa redonda com água gelada e frutas frescas. Na extremidade oposta havia outro arco, que levava à área do banho… embora só houvesse um deles.

— Ah…

Finalmente me lembrei — aquele banho não era dividido entre seções masculinas e femininas. Lancei um olhar de soslaio para minha parceira. No exato mesmo instante, Asuna também me olhou de lado, e instintivamente comecei a me justificar.

— E-E-Então… eu nem cheguei a usar o banho do cassino…

— Eu não disse nada.

— Enquanto vocês duas relaxavam no banho, eu estava investigando os estábulos de monstros…

— Eu não disse nada.

Enquanto sussurrávamos esse vai-e-volta, «Kizmel» — que já havia retirado cerca de 80% do seu equipamento — se virou com uma expressão confusa.

— O que foi? Se não se apressarem e tirarem as roupas, não vai sobrar tempo.

— C-Certo, entendi.

Ainda sendo tratado como um irmão mais novo por «Kizmel», desviei o olhar rapidamente e murmurei para Asuna num tom ainda mais baixo.

— E-Ei… será que a gente vai usar trajes de banho de novo…?

— Argh, esquece os trajes — entra logo, Kirito-kun!

Aparentemente no limite da paciência, Asuna me deu a ordem. Respondi com um rígido.

— S-Sim, senhora!

E fui direto para a parede à esquerda.

Nas prateleiras embutidas estavam os cestos de vime para roupas, mas como eu podia usar As artes humanas — ou seja, o armazenamento de itens — não precisava deles. Escondido atrás de uma planta em vaso, abri minha janela de inventário e desequipei rapidamente a armadura metálica, a roupa de tecido e a roupa de baixo, nessa ordem. Depois corri passando por «Kizmel» e entrei no banho.

No fundo da sala, forrada com calcário branco, havia uma imensa banheira feita de basalto negro. Água quente fluía como uma cascata de um bico dourado. Assim como «Kizmel» havia previsto, não havia mais ninguém ali. Aproveitando isso, atravessei o chão correndo e mergulhei direto no centro da banheira. Um grande jato de água quente espirrou para todos os lados, e vapor espesso subiu, cobrindo o cômodo com uma névoa branca.

Pelo menos por um tempo, só conseguiríamos ver os contornos uns dos outros. Fui para um canto da banheira, submergindo até o pescoço. A água, um pouco mais quente do que eu esperava, começou a aliviar lentamente a rigidez no meu corpo causada pela longa jornada.

— Mergulhar de repente em água quente assim não faz bem, sabia? — disse «Kizmel», meio divertida, seguida pelo som de água sendo despejada.

Esse mundo não deveria ter riscos do mundo real, como choque térmico — ou pelo menos, era o que eu pensava. Mas, como ele possuía status negativos como paralisia, talvez também houvesse um para falência cardíaca? Mesmo assim, morte instantânea por água quente ou fria seria cruel demais, mesmo para um jogo de morte onde vidas reais estavam em jogo.

Tentei lembrar se alguém havia morrido ao mergulhar num banho durante a fase beta, mas o conforto avassalador me fez perder o foco. Apoiei as costas e a cabeça no basalto liso, estiquei braços e pernas, e soltei um longo e involuntário.

— Uaaahhh…

Mas o relaxamento não durou muito. Dois sons de respingos vieram logo depois, e pude distinguir vagamente Asuna e «Kizmel» entrando na banheira. Mesmo com o vapor bloqueando a visão, talvez por causa da visão aprimorada, percebi claramente que nenhuma das duas estava usando traje de banho.

Desviei o olhar rapidamente e pensei: Bom, é claro… trajes de banho definitivamente reduziram esse tipo de prazer em pelo menos trinta por cento… A banheira tinha quase oito metros de largura, então se elas ficassem do outro lado, eu não veria nada.

Ou assim eu pensava.

Por algum motivo, o som da água se aproximou. Antes que eu pudesse avisar, Asuna atravessou uma nuvem espessa de vapor e me avistou, submergindo até o pescoço imediatamente.

— O quê-!? O que você tá fazendo aí!

— Q-Quem veio pra cá foi você!

— Claro! Esse lugar tem a melhor vista de todo o banho!

Ela tinha razão. Eu estava sentado no canto mais à direita da banheira longa, onde duas janelas grandes, uma voltada ao sul e outra ao oeste, se encontravam em ângulo reto. Em um dia claro, dava para ver todo o Lago Yofel, a floresta à margem e até a torre do labirinto surgindo além das montanhas.

— Mas agora tá tudo escuro. Não tem nada pra ver…

Sem me virar para ela, murmurei minha réplica. Asuna virou-se para o sul, insistindo.

— Não é verdade!

Segui seu olhar, mas como esperado, as janelas estavam embaçadas e não dava para ver nada além da escuridão.

Mesmo assim, Asuna teimosamente limpou uma parte do vidro com a mão, criando uma área transparente para espiar. Fiz o mesmo, e com minha visão aprimorada, consegui distinguir vagamente o reflexo do luar no lago.

Enquanto apertávamos os olhos e encarávamos o horizonte, a voz gentil de «Kizmel» ecoou do outro lado da banheira.

— Asuna, Kirito. Sei que ainda são jovens, então é compreensível, mas se pretendem continuar se aventurando, é melhor se acostumarem a compartilhar banhos. Nem sempre terão o luxo de ficar em lugares como o Castelo Yofel, o Castelo Galey ou a propriedade da Lady «Nirrnir»

— Ah, olha, ali!

Asuna de repente gritou e apontou para a janela.

Segui seu dedo — e também soltei um "Ah" surpreso. Ao sudoeste do Castelo Yofel, em um pequeno trecho da floresta à beira do lago, uma luz laranja tremeluzia. Julgando pelo movimento errático, provavelmente era uma fogueira.

— Deve ser o «Lavik»-san…

Murmurou Asuna. Assenti em silêncio. Aquela área não era longe de onde ele havia desembarcado do barco. Provavelmente estava acampando ali, à espera da noite.

Tragam o Visconde «Yofilis» aqui sozinho, né… e não mencionam que sou eu

Enquanto eu repetia o pedido de «Lavik», Asuna abaixou a mão da janela e suspirou.

— Ugh… Não tem como pedir ao Visconde que vá até lá sem dar uma justificativa…

— Improvável — concordou «Kizmel» com um aceno.

— Faz menos de duas semanas desde o ataque dos elfos da floresta. Embora ninguém questione sua contribuição naquela batalha, ainda é possível que você encontre um inimigo por coincidência. Sua Excelência, o Visconde «Yofilis», não é apenas um espadachim muito mais habilidoso que eu, como também é o senhor responsável por estas terras. Ele jamais se colocaria em perigo de forma imprudente. E…

Ela olhou por cima do ombro em direção ao lago escuro antes de continuar.

— Mesmo que ele aceitasse, levá-lo até a margem do lago sem que ninguém no castelo percebesse seria extremamente difícil. Se lançarmos um barco do cais, os sentinelas certamente verão.

— É… verdade…

Asuna murmurou, virando de costas para a janela e se encostando na borda da banheira. Enquanto meu cérebro se esforçava para encontrar uma forma de resolver o pedido de «Lavik», acabei olhando para ela — apenas para receber um olhar de reprovação em troca. 

— Ei, o que você acha que está olhando tão descaradamente...?

— Hã...? Ah, não, eu não estava olhando! Com todo esse vapor e os reflexos, só consigo ver você dos ombros para cima!

— Você estava olhando!

Asuna lançou o dedo médio da mão direita para fora da água como se fosse um estilingue. Seja por sua agilidade refinada ou talvez por alguma habilidade com água, o jato disparado em alta velocidade me acertou em cheio entre os olhos.

— Gwah!

Soltei um grito exagerado. Mas então, uma certa cena me veio à mente, e me virei novamente para Asuna.

Desviei o olhar antes que ela pudesse lançar outro ataque e soltei de supetão.

— Ei, você se lembra? O Lorde «Yofilis» correu sobre a água durante a luta contra o boss do quarto andar, lembra? 

— Lembro, sim. E daí?

— Se bem me lembro, as botas dele tinham algum tipo de espírito da água... uhm, Vi... Vi...

Enquanto eu me enrolava tentando lembrar o nome, «Kizmel» veio em meu socorro.

— Villi?

— Isso! É esse! As botas dele foram tecidas com pelos de Villi, e esse efeito mágico permitia que ela andasse sobre a água!

— Eu lembro também... — respondeu Asuna, e «Kizmel» assentiu do outro lado.

— De fato.

— Então, se ela usar aqueles sapatos, e a gente usar a Gotas de Villi que a «Kizmel» nos deu, talvez consigamos atravessar o lago até o outro lado sem alertar os sentinelas, certo?

Eu tinha certeza de que era uma ideia perfeita — mas «Kizmel» respondeu com certa relutância.

— É possível, sim... Mas eu não disse que a Gota é um item extremamente raro?

— V-Você comentou isso...

— E vocês só têm mais algumas gotas, não é? Eu preferiria que as guardassem para uma situação de vida ou morte.

Não tive escolha a não ser concordar.

— É... faz sentido.

Devia restar umas seis ou sete gotas no frasco. Se usássemos uma em cada sapato, o frasco ficaria completamente vazio.

— Hmm... Então como a gente pode chegar até a outra margem...?

Enquanto refletia, senti o olhar de Asuna sobre mim.

— Quero dizer, já era uma ideia meio arriscada desde o começo. Não podemos simplesmente pedir ao Visconde que vá sozinho se encontrar com o «Lavik»?

— Bom, não é impossível, mas...

Afundei ainda mais na água, até só o meu nariz ficar pra fora, olhando para o teto. As placas pálidas de calcário, iguais às do chão, ainda estavam impecáveis apesar dos anos. No mundo real, o rejunte já estaria preto de mofo.

Em algum lugar acima daquele teto, no quinto andar da torre principal, estavam os aposentos e o escritório do Visconde. «Kizmel», como cavaleira do castelo, podia circular livremente, e Asuna e eu tínhamos os anéis  que a Lorde «Yofilis» nos deu, então conseguir uma audiência não seria problema.

Mas imaginar a gente simplesmente entrando no escritório dele e dizendo: "Com licença, tem um condenado fugitivo chamado Lavik esperando do outro lado do lago — poderia ir até lá sozinho pra encontrá-lo?"... Não tinha a menor chance de ele aceitar. Além disso—

— Asuna?

— O quê?

— Você não quer saber que tipo de passado o «Lavik» e o Visconde compartilham?

Senti uma hesitação momentânea. Então, a voz dela surgiu borbulhando por baixo da água.

— É claro que quero. Mas se não temos como atravessar sem um barco, então não resta outra opção a não ser pedir que ele vá sozinho.

— Talvez... exista um jeito — murmurou «Kizmel».

Instintivamente me virei para ela — e ainda capturei um vislumbre de Asuna, embora felizmente nenhum outro jato de água tenha vindo na minha direção. Ela também olhava para «Kizmel» agora.

— Espera, como assim? Que jeito?

Asuna se inclinou, curiosa, e «Kizmel» respondeu com uma pergunta inesperada.

— Vocês conhecem uma criatura chamada kelpie? Um espírito... ou talvez uma besta mágica?

— Kelpie? Uhm... Já ouvi esse nome, pelo menos...

Asuna respondeu primeiro, e um momento depois a lembrança também me veio. Um kelpie era um cavalo carnívoro que vivia em rios — dependendo da lenda, podia ter nadadeiras, escamas ou uma parte inferior parecida com a de um peixe. Bem parecido com o boss do quarto andar, «The Hippocampus». Mas eu não tinha certeza de qual era a diferença entre eles.

Ainda não tínhamos encontrado nenhum kelpie em Aincrad — mas talvez só não tivéssemos passado por seu habitat. Por outro lado, se «Kizmel» conhecia o nome, então talvez...

— Você já viu um kelpie de verdade? — Asuna fez a pergunta que eu queria fazer.

«Kizmel» brincou um pouco com a superfície da água antes de responder com um leve aceno.

— Sim... Acredito que sim. Aqui mesmo, no Castelo Yofel.

— O quê? Quando?

— Foi no ano em que «Tilnel» e eu nos formamos na Academia de Oficiais... há quase três anos. É tradição que os alunos destinados ao serviço militar façam uma viagem de uma semana durante o recesso de primavera, pouco antes da formatura. Um tipo de recompensa pelos doze anos de estudo e treinamento desde a infância.

Pensei comigo mesmo que até os estudantes aqui aparentemente fazem viagens de formatura — mas, é claro, não disse isso em voz alta. Asuna provavelmente teve um pensamento semelhante, mas ficou em silêncio, apenas ouvindo.

— Os jovens recebem permissão para usar a Árvore Sagrada pela primeira vez nessa idade. A maioria escolhe algum lugar no nono andar, mas «Tilnel» disse que queria ir ao quarto. Ela sempre adorou brincar na água desde pequena. Toda vez que via os barcos turísticos nos lagos ou canais da capital, fazia birra dizendo que queria andar neles... Ah, já contei essa história antes?

«Kizmel» inclinou levemente a cabeça, e Asuna e eu assentimos em silêncio. Ela sorriu, com o olhar se perdendo à distância.

— Por ser esse tipo de criança, desde que ouviu — ou talvez leu — que havia um castelo cercado por lagos no quarto andar, sonhava em ir até lá. Os reinos do nono andar são quase todos seguros, mas os outros andares ainda têm monstros. Ao usar a Árvore Sagrada, as pessoas que vão para o mesmo destino viajam juntas, acompanhadas por um grupo de cavaleiros para proteção. Para ser honesta, eu estava de olho no Castelo Galey, no sexto andar... mas «Tilnel» insistiu tanto no quarto que acabei cedendo.

A voz de «Kizmel» foi se apagando, perdida nas lembranças. Asuna e eu aguardamos em silêncio respeitoso, sem pressioná-la para continuar.

A irmã gêmea de «Kizmel», «Tilnel», já havia falecido quando Asuna e eu começamos a missão da campanha da Guerra dos Elfos. Nunca falamos com ela — sequer vimos seu rosto. Mas, por algum motivo, eu quase conseguia imaginá-la, agarrada carinhosamente a «Kizmel». De alguma forma, seu sorriso me lembrava o da Asuna.

— A Árvore Sagrada nos transportou — «Tilnel», os outros formandos, os cavaleiros e eu — até o Lago Yofel sem incidentes — continuou «Kizmel», ainda olhando à frente.

— Era primavera, e a margem do lago estava coberta de flores — uma paisagem de tirar o fôlego. «Tilnel» ficou ali parada por um bom tempo, como se quisesse gravar aquela cena na memória... Depois disso, atravessamos o lago de gôndola, visitamos o castelo, tomamos banho, jantamos e passamos a noite em um quarto de soldados para duas pessoas. Foi a primeira vez que ela viu um beliche. O colchão era meio duro, mas estávamos cansadas e logo adormecemos. Ao amanhecer, «Tilnel» me acordou. Eu ainda estava com sono, mas ela insistia em ver o lago de novo, então me levantei a contragosto, joguei uma capa por cima da camisola e saímos discretamente do castelo. A névoa da manhã era tão densa que não víamos nem nossas mãos estendidas. Como o píer era perigoso, caminhamos ao longo da muralha e acabamos chegando a uma pequena praia atrás do castelo.

Ela fez uma pausa, depois continuou num sussurro.

— Então, mesmo sem haver vento, a névoa se abriu para os lados. O lago parecia um espelho... e sobre ele estava um cavalo azul-escuro. Sua crina e cauda eram translúcidas como nadadeiras, sua pele brilhava com escamas suaves, e em vez de cascos, tinha garras membranosas. Lutamos contra muitos monstros durante o treinamento — alguns parecidos com cavalos, bois ou cervos — mas nunca vi nada igual antes ou depois. «Tilnel» e eu ficamos tão atônitas que nem conseguimos falar. O cavalo azul nos observou em silêncio, depois se virou lentamente e começou a caminhar para o fundo do lago. A cada passo, círculos perfeitos se espalhavam sobre a água... até que ele desapareceu sob a superfície, sem fazer barulho. Investigamos a área mais tarde naquele dia — não havia pedras escondidas nem árvores submersas. Aquele cavalo andava sobre a água.

— Era... um kelpie? — perguntou Asuna, em voz baixa.

— Acredito que sim — respondeu «Kizmel», dando de ombros. — Mas não posso ter certeza. Nenhum dos soldados ou criados do castelo, mesmo os que moravam lá há décadas, jamais viu tal criatura. Na manhã seguinte, e de novo no dia em que voltamos à capital, visitamos a mesma praia — mas o cavalo azul nunca mais apareceu. Depois que voltamos, «Tilnel» se enterrou nos livros da biblioteca e acabou encontrando uma antiga lenda sobre um kelpie no Lago Yofel. Prometemos voltar um dia para procurá-lo novamente... mas nunca tivemos a chance.

Asuna estendeu a mão gentilmente e segurou a de «Kizmel», que ainda repousava sobre a superfície da água. Eu quis me juntar a elas, mas não tive coragem de passar o braço em volta do corpo da Asuna.

Em vez disso, flutuei um pouco e falei, ainda dentro da água quente.

— Ei, e se a gente fosse até aquela praia agora? Está quase amanhecendo — talvez o kelpie apareça.

As chances eram baixas, mas se víssemos aquele cavalo azul, mesmo de longe, poderíamos confirmar se era mesmo um kelpie. Afinal, tanto Asuna quanto eu conseguíamos ver nomes de cursores. Se aparecesse "Kelpie" — ou qualquer que fosse a grafia correta, Asuna saberia — teríamos nossa resposta. Achei que finalmente tive uma ideia decente, mas a resposta de «Kizmel» foi seca.

— Não.

— Espera... por quê?

— Esqueceu? Está quase amanhecendo.

Ah — olhei para o sul e vi que o céu a leste já estava clareando do azul-escuro para o violeta. Logo, a borda começaria a brilhar em vermelho. Faltavam talvez vinte — ou até quinze — minutos para o sol brilhar sobre o Castelo Yofel.

— Ai, não! Eu tinha esquecido completamente!

Asuna se levantou na banheira com um grande splash — e imediatamente escorregou de volta para a água.

— Kirito, vai se vestir primeiro!

Isso significava que elas teriam uma bela vista da minha parte de trás... mas não podia muito bem pedir para trocarmos de lugar. Mergulhei debaixo d’água, cruzei rapidamente a banheira e saltei para fora com um movimento ágil. Quase esperava escorregar no chão molhado — mas as lajotas de calcário mantinham boa tração mesmo encharcadas, e cheguei ao vestiário sem problemas.

Eu secaria quase instantaneamente mesmo sem fazer nada, mas como havia toalhas ali, usei uma para me enxugar. Enquanto fazia isso, ouvi dois pares de passos vindo do banho. Me escondi atrás de um vaso grande com planta e prendi a respiração. Minha habilidade de ocultação foi ativada automaticamente.

Se eu me virasse agora, seria simplesmente assustador. Então, é claro, não me virei. Abri meu menu e equipei rapidamente uma camisa, calça e uma roupa casual. Por hábito, acessei meu inventário para verificar se todo o meu equipamento ainda estava lá. 

Meus olhos pararam em algo no topo da lista, ordenada por data de aquisição: «Sword of Eventide +3». Era um artefato valioso do Castelo Yofel, presente do Visconde «Yofilis» como recompensa de missão. Usei-a como arma principal desde o início do quinto andar até as batalhas contra os monstros do sétimo andar. Suas estatísticas ainda eram de alto nível e ela tinha espaço para aprimoramentos, mas foi deixada de lado depois que consegui a lâmina amaldiçoada e superpoderosa «Dollful Nocturne».

Pensei que talvez fosse melhor dar à espada um uso mais digno do que deixá-la no armazenamento... e saí de trás da planta.

E foi então que—

— Aaaah!

Um grito ecoou, seguido de um ruído agudo cortando o ar. Levantei os olhos do menu — apenas para algo disparar direto na minha boca.

Mmgph!?

Soltei um grito e, por reflexo, mordi aquilo que estava na minha boca — uma textura diferente, seguida por um suco agridoce que explodiu de repente. Estava mastigando desesperadamente algo com a textura de mamão, mas com um gosto que misturava kiwi e lichia. Como não tinha como cuspir, mastiguei o mais rápido que pude... só para ser atingido por outro raio em seguida.

— Por que você está escondido aí?! Se não está no vestiário, eu vou achar que voltou pro quarto!

Olhei para o lado e vi Asuna mal cobrindo a frente do corpo com uma toalha branca, tateando às cegas em busca de mais uma fruta. Engoli o que tinha na boca o mais rápido que consegui e tentei me explicar.

— Eu-eu não estava me escondendo de propósito! Só queria ser educado e não acabar vendo vocês saindo do banho sem querer...

— Então só vira de costas por aqui mesmo! 

— Bom... isso é verdade.

Facilmente derrotado, me virei rapidamente, e atrás de mim, Asuna bufou enquanto «Kizmel» soltava um suspiro de exasperação.

*

 

Voltamos finalmente ao quarto de hóspedes no quarto andar da Ala Leste às 5h55 da manhã, exatamente cinco minutos antes do prazo final.

Claro, não é como se o amanhecer chegasse no andar pontualmente às 6h em ponto todo dia; depois de dois meses vivendo em Aincrad, eu apenas sentia mais ou menos quando o sol nascia. A hora exata em que a luz do sol alcança os campos depende da geografia de cada andar. Por exemplo, o quarto andar, com seu perímetro rochoso ao leste, deve ter um amanhecer um pouco mais tardio — embora eu não fosse confirmar isso tão cedo.

Depois que Asuna e eu entramos, «Kizmel» fechou firmemente a pesada porta atrás de nós e soltou um longo suspiro. As janelas da sala estavam com as venezianas e cortinas fechadas, mas como o lampião ainda estava aceso, o ambiente não estava totalmente escuro. Sob a luz tremeluzente, «Kizmel» me fitou nos olhos e falou com firmeza.

— Daqui até o pôr do sol — doze horas —, Kirito, você não pode sair do quarto à direita. Entendido?

Ouvir aquilo em voz alta me fez pensar: Isso é muito tempo!, mas esse era o preço pelos poderes concedidos aos cidadãos da Noite. Até que eu possa voltar a ser humano — se é que isso é possível —, não tenho escolha a não ser aceitar.

— Juro pela Árvore Sagrada que não sairei do quarto até o anoitecer.

Respondi com firmeza, e «Kizmel» assentiu com gravidade. Então, voltou-se para Asuna.

— Asuna, você vai ficar no mesmo quarto, certo? Bem, não precisa ficar lá dentro até o pôr do sol, mas tenha muito cuidado ao sair — certifique-se de que a janela da sala não esteja aberta...

— Uh... Eu não me importo em dividir o quarto com você, «Kizmel» — interrompeu Asuna, mas «Kizmel» balançou a cabeça rapidamente.

— É improvável, mas... se durante o dia alguém quebrar as venezianas ou a parede e a luz do sol entrar, Kirito ficará incapacitado pela dor de ter o corpo queimado. Nesse momento, alguém precisa movê-lo imediatamente para a sombra. Se você estiver descansando em outro quarto, pode ser tarde demais. ...Claro, eu mesma posso dormir com «Kizmel» — o que acha?

A pergunta de Kizmel era dirigida a mim, mas não consegui responder nem sim, nem não. Pisquei a cada 0,3 segundos, até que Asuna, após um longo suspiro, disse.

— Ummmmmm... Acho melhor eu dormir nesse quarto mesmo...

Ela apontou para a direita — exatamente o quarto onde eu deveria ficar até o pôr do sol. Ouvir isso dito com tanta naturalidade foi um pouco embaraçoso para um garoto do segundo ano do ensino fundamental, mas eu estaria no terceiro em abril, e não era a primeira vez que dormíamos no mesmo quarto ou tenda. Assenti, tentando parecer o mais calmo possível.

— Certo. Desculpa por isso, mas conto com você se algo acontecer.

Talvez minha pronúncia tenha saído um pouco estranha, mas espero que ela tenha entendido. Dei boa noite à «Kizmel» e entrei no quarto à direita. Lá dentro não havia lampião aceso, mas a luz da sala era suficiente — não precisei ativar visão noturna.

Me enfiei na cama mais afastada, puxei o cobertor até o nariz e fechei os olhos.

Segundos depois, ouvi a porta se fechar suavemente, passos leves e o som de roupas sendo ajeitadas na cama à direita.

Já estou quase no terceiro ano do fundamental, e ainda não consigo dormir numa situação dessas..., pensei, mas minha consciência começou a vacilar. A tensão desapareceu sem que eu percebesse, substituída por uma sensação de alívio suave brotando do fundo do peito.

Não era só porque as paredes de pedra grossas e as venezianas pesadas me protegiam. Saber que minha parceira — bem, tecnicamente ainda uma parceira provisória —, que vinha aventurando comigo desde o primeiro andar, estava ali ao meu lado... fazia todas as preocupações desaparecerem como bolhas.

Será que Asuna já tinha sentido isso, naquela vez em que se encostou em mim para dormir naquela sala segura da zona do labirinto do sétimo andar...?

E então, minha consciência se apagou.

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