Volume 7
RAPSÓDIA DO CALOR CARMESIM - SÉTIMO ANDAR DE AINCRAD, JANEIRO DE 2023 (PARTE 7)
7
DESCEMOS AS ESCADAS ATÉ O PRIMEIRO ANDAR e estávamos saindo do cassino quando me lembrei de algo, então chamei Asuna e Argo.
— Ah, esperem. Posso dar uma olhada no que aconteceu com as apostas da ALS e da DKB?
As duas garotas me lançaram olhares frios antes mesmo de eu terminar de falar, então rapidamente balancei a cabeça para tranquilizá-las.
— Não, não, não é porque estou com ciúmes. Só estou dizendo: e se houver algum motivo estranho para eles estarem ganhando tanto?
— Bem... Acho que não posso descartar essa possibilidade. Mas não acho que tenham chegado à luta final ainda — apontou Argo. Dei uma olhada no relógio. A conversa no quarto da «Nirrnir» parecia ter durado uma eternidade, mas ainda eram apenas dez e dez da noite.
Se minha memória estivesse correta, as lutas da programação noturna aconteciam às nove, nove e vinte, nove e quarenta, dez e dez e meia. Isso significava que a quarta luta provavelmente havia acabado de terminar. Se ambas as guildas ainda estivessem em uma sequência de vitórias, estariam em um verdadeiro frenesi naquele momento.
— Só vou dar uma olhada! — afirmei, descendo apressado as escadas do porão. No instante em que passei pelas portas da Arena de batalha, a empolgação dos apostadores me envolveu.
Se eles não tivessem perdido na segunda ou terceira luta, a DKB e a ALS ainda estariam sentadas às suas mesas de jantar. Me esgueirei entre os NPCs espalhados pelo salão em busca de um local com uma visão clara dos bares, quando...
— Hã? Kirito?
Me contraí, parando em pânico.
À minha direita, uma mulher usava uma camisa larga de mangas curtas e uma calça folgada que ia até a canela. Seu cabelo alaranjado estava cortado de forma impecável sobre suas sobrancelhas grossas e, abaixo delas, seus olhos e nariz tinham um ar fofo e juvenil. Parecia que eu já tinha visto aquele rosto antes...
— Quem mesmo? — perguntei, sem jeito. A garota ergueu o olhar, visivelmente aborrecida, e apontou para cima de sua própria cabeça. Junto ao seu cursor de cor flutuava o nome LITEN.
— Ah! Ohhh, Liten! — gritei, no exato momento em que Asuna me alcançou e me deu um tapa nas costas.
— Você esqueceu como ela era? Isso é muito rude, Kirito!
— Eu não esqueci quem ela era. Só que... ela não está usando sua armadura de placa habitual.
— Isso é só um jeito diferente de dizer que você esqueceu como ela era — apontou Argo, prestativa.
— Mas eu quase nunca vi o rosto dela de verdade!
— Então você devia ter olhado para o cursor.
— Se eu olhar para o cursor, vai ficar óbvio que não me lembro do nome dela — retruquei.
O bico de Liten rapidamente se transformou em uma risada.
— Ah-ha-ha-ha... Vocês não mudaram nada.
Liten era conhecida como a garota da armadura de placa da ALS. Não apenas era uma das poucas mulheres no grupo da linha de frente, como também era uma tank essencial, com defesa física de alto nível. Tínhamos uma boa relação desde que ela nos ajudou durante o incidente do atalho da ALS no quinto andar, mas, como um adolescente desajeitado, eu nunca me sentia totalmente à vontade perto dela.
Isso porque Liten tinha um parceiro: Shivata, um ex-membro do atletismo da DKB. Eu simplesmente não sabia como agir perto de uma "garota com namorado" — até que ponto eu podia ser amigável?
Então, escolhi manter uma distância de cerca de um metro e fui cuidadoso para não parecer muito casual ao falar com ela.
— Hmm... Para onde você estava indo agora, Liten? A quinta luta está prestes a começar, não está?
— Ah, isso… — ela disse, olhando para trás, em direção ao buffet. — Fiquei muito nervosa e suada, então preferi não assistir à quinta luta pessoalmente.
— Não! Que desperdício! — exclamei.
Asuna me empurrou para o lado.
— Eu entendo como você se sente. Também não gosto desse tipo de tensão estranha.
— Exatamente. As batalhas contra os bosses dos andares são melhores. Pelo menos lá, estou fazendo alguma coisa.
— Onde você ia esperar pelos resultados, Liten?
— Não sei, acho que ia só dar uma volta pelo primeiro andar...
— Então por que não vem conosco tomar um chá?
— Oh, isso soa maravilhoso! Mas os lugares ao redor do cassino são tão caros...
— Os balcões de bar no salão do cassino, no primeiro andar, têm preços normais.
— Então vamos lá.
A conversa foi tão rápida e eficiente que parecia até roteirizada. As duas mulheres começaram a caminhar em direção à saída. Troquei um olhar com Argo e então as segui. Isso foi inesperado, mas ouvir a história diretamente da Liten seria uma grande oportunidade.
Subimos as escadas até a sala de jogos. Os balcões do bar ficavam nos lados esquerdo e direito do pilar central, então escolhemos o da esquerda, que estava menos movimentado. Lá, era possível pagar com col, em vez de fichas, então Argo e eu pedimos cerveja, enquanto Asuna e Liten pediram sangria — que era vinho tinto com frutas e especiarias, aparentemente.
Nossas bebidas foram servidas em três segundos, então fizemos um brinde rápido. O ambiente dentro do cassino era fresco, mas ainda assim, a cerveja tinha um efeito refrescante que revigorava todo o meu corpo. Eu preferiria que estivesse quase congelada, mas gelo era um luxo em Aincrad. Quase perguntei a Argo sobre pegar outro Broto de Árvore de Neve, mas ele tinha um gosto meio mentolado, que entraria em conflito com a cerveja.
Bebi metade da caneca de uma só vez e soltei um suspiro de satisfação, assim como Argo. No primeiro andar, eu achava essa bebida apenas um líquido amargo e azedo, mas, em algum momento, perdi a resistência ao sabor e passei a pedi-la sempre que estava disponível. Eu certamente sentiria vontade de tomar cerveja quando voltasse ao mundo real.
Asuna e Liten beberam suas sangrias de um só gole, fazendo um barulho audível. O vinho tinto com pedaços de fruta boiando normalmente teria pelo menos 10% de teor alcoólico, mas, neste mundo virtual, era possível beber um barril inteiro sem sofrer qualquer tipo de intoxicação alcoólica.
Já eram 10h20, dez minutos antes do início da quinta e última luta. Esperava que conseguíssemos descobrir o que queríamos saber até lá.
Achei que a melhor forma de começar seria perguntando a Liten, que estava sentada à direita de Asuna, o que ela achava de «Volupta» até agora. Mas Argo, que estava à direita de Asuna, foi mais rápida e perguntou primeiro.
— Ei, Li-chan, o que está acontecendo com Kibaou e Lind para ficarem tão viciados nas batalhas de monstros? Nenhum dos dois é do tipo que gastaria todo o dinheiro em apostas.
Por que você está perguntando isso logo de cara?! pensei, em pânico, mas Liten não demonstrou qualquer suspeita com a pergunta.
— É verdade, concordo. Mas eles não estão apostando de forma irresponsável, sem um plano.
— Como assim?
— A DKB veio para a cidade principal ontem, assim como nós. Ou melhor, hoje, à uma da manhã. Pegamos quartos na estalagem e nos reunimos às sete, tomamos café da manhã e fomos para a praça, onde há dois portões de saída da cidade. Foi quando um NPC veio falar conosco.
— Um NPC...? Isso fazia parte de algum evento...? — perguntou Argo. Asuna e eu também ficamos confusos. Presumivelmente, Liten estava se referindo ao local onde ficavam as estátuas do homem com o cajado e do homem com o cálice, mas nenhum NPC veio falar conosco lá.
— Talvez tenha sido um evento por ordem de chegada. Era um homem de aparência simples que nos perguntou se queríamos comprar um guia de truques para o coliseu de monstros de «Volupta».
— Guia de truques?! — exclamei, sem acreditar no que estava ouvindo. — Isso parece golpe…
— Eu também pensei isso, e acho que todos os outros também pensaram — Liten disse, fazendo uma careta. Então, virou-se para Argo e continuou. — O guia custava apenas cem col. Era só isso pelo nome de todos os monstros que participariam dos eventos diurno e noturno de hoje, incluindo suas características e até mesmo as chances de vitória. Além disso, vinha com um mapa de «Volupta», um guia sobre os monstros no caminho e até um manual da cidade...
— Parece um guia bastante acolhedor. Esse cara vai me tirar do negócio. Eu imaginava que houvesse outro jogador por aí que conhecia tudo sobre o cassino. Mas, em vez disso, é um NPC! — lamentou Argo.
— Alguns de nós achamos suspeito custar tão pouco, mas Kiba disse que valia a pena tentar pelo preço de uma refeição cara... Compramos a folha de dicas e descemos a Tailwind Road. O mapa estava preciso, assim como as informações sobre os monstros; chegamos a «Volupta» rapidinho. Então decidimos testar a batalha de monstros. Convertamos mil col em dez fichas e apostamos tudo no monstro que a folha de dicas marcava com dois círculos como melhor chance. E ganhamos. Depois, transformamos dez mil col em cem fichas para a próxima aposta e vencemos de novo...
Liten fez uma pausa para tomar mais um gole de sangria. Argo estava refletindo e decidiu expor o que lhe passava pela cabeça.
— Ou seja, Kibaou e seus amigos continuaram apostando nos monstros com as melhores chances da folha de dicas e ganharam alto. Que sorte a deles.
— Suponho que esse NPC saiba a quem vender a folha de dicas para evitar jogadores gananciosos demais — provocou Asuna. Sorri para ela e retruquei.
— Isso significaria que você foi incluída nessa avaliação.
……
Achei que ela me daria uma das suas tradicionais cotoveladas, mas, em vez disso, apenas sorriu para mim.
— Como prova da minha generosidade, vou te dar isso.
Então, ela pegou um grande pedaço de fruta cítrica do copo de sangria e o jogou na minha caneca de cerveja.
— Ei, pra que isso?!
— Talvez melhore o gosto da sua bebida.
— Nem pensar…
Levei a caneca aos lábios, imaginando lançar um ataque de névoa venenosa na cara da Asuna se o gosto fosse ruim — o que significaria minha morte instantânea. Em vez disso, balancei o líquido para sentir o sabor.
— Hã. Não é ruim.
— Viu? Tenho quase certeza de que existe um coquetel chamado Bitter Orange, que é cerveja com suco de laranja.
— Você inventou essas palavras agora mesmo — acusei.
Do outro lado da mesa, Liten riu.
— Ah-ha-ha-ha. Vocês realmente formam uma boa dupla.
— Oh, eu n-não diria isso —retrucou Asuna, tossindo e mudando de assunto. — Enfim… Imagino que tanto a ALS quanto a DKB tenham sido abordadas por esse homem da folha de dicas.
— Ah, sim. Quando o vi mais cedo, Shiba me disse que sim — mencionou ela, soltando casualmente o apelido do namorado. Asuna ficou momentaneamente surpresa, perdendo o fio da conversa, mas logo se recuperou.
— Hum… Quantas fichas vocês ganharam na última aposta?
— Acho que foi pouco mais de cinquenta mil?
Isso era um pouco menos do que eu esperava, mas provavelmente porque a folha de dicas nem sempre recomendava o monstro com as maiores chances de vitória.
— Ou seja, se apostarem no monstro que paga o dobro na última luta, vão alcançar cem mil fichas — disse Asuna. Liten assentiu.
— Isso mesmo... mas o grupo está discutindo sobre em qual apostar. Na quinta luta, a folha marcou um círculo no monstro com mais chances e um triângulo no que tem menos. Mas a taxa de pagamento para o triângulo é o dobro, enquanto para o círculo é apenas uma vez e meia...
— E vocês sempre apostaram no que tinha o melhor símbolo?
— Sim, sim. Alguns membros queriam arriscar no símbolo com menor chance até cerca da terceira luta do dia, mas como todos os resultados saíram exatamente como a folha de dicas previa, agora eles seguem estritamente o que está escrito.
— Isso não parece… conveniente demais? — intervim. O jogador apostador dentro de mim poderia estar irritado, mas meus sentidos de gamer me diziam que havia algo suspeito nisso. — É possível que uma folha de dicas que custa cem col seja cem por cento precisa em suas previsões…? Considerando como os eventos de jogo costumam funcionar, pode muito bem ser que a última luta seja a armadilha, e o monstro oposto vença, fazendo vocês perderem tudo o que acumularam.
— Oh, Schinken disse a mesma coisa — comentou Liten. Demorei um momento para perceber que ela estava se referindo a Schinkenspeck. Segundo Asuna, esse era um tipo de presunto feito na Áustria — o que não explicava por que ele teria escolhido esse nome para um personagem.
— Schinken disse que a última luta pode ser uma armadilha… e que, se apostarmos no monstro marcado com o triângulo, que paga o dobro, teremos mais de cem mil fichas e poderemos comprar aquela espada de qualidades incríveis. Ikura e Wälder concordaram com Schinken… e foi nesse momento que saí, então não sei em quem eles apostaram no fim…
— Hum, quem é Wälder? — perguntei. Lembrava de Hokkai Ikura, mas esse outro nome era novo, então fiquei curioso. Liten suspirou e respirou fundo.
— Schwarzwälder Kirschtorte, oficialmente. Outro tanque da nossa guilda — e um membro de longa data também. Só recentemente Wälder pegou o jeito do papel e conseguiu subir para o primeiro time.
— Entendo...
Aspectos numéricos do jogo, como HP e proficiência em habilidades, sempre aumentariam se você continuasse trabalhando neles, mas a habilidade inata do jogador era outra questão. E, em um jogo de imersão total, esse tipo de habilidade era ainda mais importante do que nos RPGs clássicos. O tempo e o esforço que cada pessoa dedicava a uma única técnica de espada variavam de acordo com o indivíduo. Saber como agir em uma luta em grupo exigia ainda mais experiência — e ser capaz de lidar com um monstro à sua frente enquanto acompanhava o estado dos membros do seu grupo, da guilda e da batalha como um todo era algo que demandava conhecimento, experiência e talento natural.
Eu sempre fui um atacante solo focado em dano, então minha habilidade como jogador não era tão boa a ponto de eu poder falar com autoridade sobre batalhas em grupo. Eu era grato a jogadores como Wälder, que davam o seu melhor para se tornarem guerreiros de primeira classe, capazes de lutar entre os melhores. Seu nome era muito difícil de lembrar, mas isso era um problema menor no grande esquema das coisas.
Olhei para baixo e para a direita. O relógio marcava 10h25, apenas cinco minutos antes da quinta partida. A ALS e a DKB já teriam comprado seus ingressos. Em poucos momentos, eles alcançariam a glória ou mergulhariam no desespero.
Para ser totalmente honesto, eu queria ver isso em tempo real, mas havia algo de mórbido nisso. Havia outra questão importante que precisávamos perguntar a Liten.
— Obrigado, Liten. Agora estamos por dentro da grande disputa entre Lind e Kibaou. Espero o melhor para ambos. Mas tenho outra pergunta — disse eu. O rosto de Liten ficou sério, e ela assentiu.
— Você deve estar se referindo a Buxum.
Nós três concordamos com a cabeça. Buxum era um membro da gangue PK que havia se infiltrado na DKB. Como membro da ALS, Liten talvez nunca tivesse se encontrado com ele, mas na reunião entre as duas guildas na noite anterior, Lind certamente teria explicado tudo o que sabia.
Ela terminou o resto de sua sangria, respirou fundo e disse.
— A DKB tem uma filosofia mais voltada para qualidade em vez de quantidade, mas ainda está recrutando novos membros abertamente. Eles não saem caçando qualquer um que queira entrar, como nós, mas distribuem papéis nas grandes cidades dos andares inferiores e, de tempos em tempos, realizam avaliações de membros na «Town of Beginnings».
— Ah... entendi...
Nunca tinha ouvido alguém se referir aos panfletos como "papéis", em vez de folhetos ou flyers, mas isso não era importante agora.
— Avaliação? O que eles avaliam?
— Foi o que perguntei a Shiba. Ele disse que no primeiro teste avaliam nível, status e composição de habilidades, no segundo testam demonstrações de técnicas de espada, e no terceiro realizam um duelo contra um membro da guilda.
— Terceiro teste… — murmurei, sentindo a tensão no canto da boca.
— Será que alguém se candidata a isso? — perguntou Asuna, seu tom carregado de ceticismo. Mas Liten assentiu.
— Tem surgido cada vez mais jogadores medianos que querem entrar para o grupo da linha de frente. Ele disse que, a cada vez, aparecem de vinte a trinta candidatos. Uma grande parte disso se deve ao fato de que a DKB é a guilda que carrega o sonho de Diavel. Nunca tive a chance de conversar com eles, mas, aparentemente, ele é visto como um herói lendário pelos jogadores dos andares intermediários. Embora Kibaou também seja um bom líder.
A menção de seu nome me fez lembrar de Diavel, o cavaleiro como eu o conhecia. Ele pereceu na batalha contra o boss do primeiro andar no dia 4 de dezembro, e hoje era 5 de janeiro. Era difícil acreditar que só havia passado um mês, mas esse era tempo suficiente para ele se tornar uma lenda entre os jogadores de nível intermediário, suponho.
A voz de Liten quebrou o breve silêncio.
— Buxum participou de uma avaliação no final de dezembro e duelou contra Hafner na terceira fase do teste. Foi quando decidiram deixá-lo entrar na guilda.
— Final de dezembro… — repeti, construindo uma linha do tempo mental do nosso progresso por Aincrad. O grupo de ataque improvisado formado por Asuna, Argo, Liten e eu derrotou o boss do quinto andar na noite de 31 de dezembro. No final do ano, ninguém tinha informações sobre a série de missões no sexto andar. Os beta testers eram outra história, mas mesmo no teste beta, o cubo dourado da missão "A Maldição de «Stachion»" não tinha poderes de paralisia.
Se Buxum entrou na DKB com a intenção de roubar o cubo dourado desde o início, a gangue PK liderada pelo homem do poncho preto deve ter conseguido essa informação por algum meio diferente do conhecimento dos beta testers.
— Buxum, Morte, o usuário de adagas com máscara preta e o homem do poncho preto — disse Asuna, contando nos dedos antes de fechá-los em punho. — Quantas pessoas será que fazem parte dessa gangue PK, no total?
— Estou tentando descobrir isso, mas nem consigo saber onde eles se reúnem… — comentou Argo com frustração.
— Não faça nada muito arriscado, Argo — disse Asuna a ela. — Eles são perigosos e espertos. Você não tem ideia de onde podem estar à espreita.
Ela estava certa. Suspeitávamos que o PKer que Asuna chamava de usuário de adagas com máscara preta pudesse, na verdade, ser um membro sênior da ALS chamado Joe, mas, infelizmente, ainda não tínhamos nenhuma prova concreta. Eu queria perguntar a Liten sobre Joe, mas, se ela percebesse que o suspeitávamos de jogo sujo e o confrontasse diretamente, havia a possibilidade de que ela se tornasse o próximo alvo.
— O que há de errado com eles? — Liten resmungou, segurando seu copo vazio com as duas mãos. — PKing na situação em que estamos. Interferir na nossa capacidade de vencer o jogo só está prolongando nossa libertação do SAO...
Eu não tinha uma resposta para ela. Asuna e eu estávamos atormentados pela mesma pergunta desde que descobrimos a existência deles. Simplesmente não havia lógica nas ações do poncho preto e seus amigos. Mas, de certa forma, esse era um dos maiores trunfos deles. A completa irracionalidade de arruinar intencionalmente um jogo mortal tornava muito mais difícil prever seus movimentos.
Tive que dar um gole na cerveja de sabor laranja para tentar tirar o amargor da boca. Do lado direito da mesa, ouvi Argo perguntar.
— Vocês sabem o que é o Teste de Bartle?
Nós três balançamos a cabeça. O termo era desconhecido.
— É algo que um pesquisador de jogos criou há muito tempo. Basicamente, a ideia é que você pode classificar todos os jogadores em um de quatro tipos.
— Quatro tipos? — Liten repetiu.
Argo levantou um dedo.
— O primeiro são os Conquistadores. Esse é o tipo de jogador que tenta alcançar objetivos estabelecidos dentro do jogo. Maximizar o nível, conseguir os melhores equipamentos, completar todas as missões, conquistar todos os troféus.
Eu nunca fui muito de pegar todos os troféus, pensei, mas não tive tempo de dizer isso em voz alta antes que ela levantasse o segundo dedo.
— O segundo são os Exploradores, aqueles que se empolgam explorando o desconhecido e descobrindo coisas por conta própria. Caminhando por cada parte do mapa, entrando em dungeons e enfrentando bosses que nunca viram antes, tentando escalar cada parede e subida teimosamente.
Ohhh, esse pode ser eu, pensei, mas de novo não tive tempo de falar.
— O terceiro são os Socializadores. São aqueles que jogam para interagir com outras pessoas. Adoram jogar cooperativamente, gerenciar guildas e simplesmente ficar parados no mapa conversando por horas.
Dessa vez, Asuna falou antes que eu pudesse pensar em um comentário.
— Esse é exatamente o oposto do que quer que o Kirito seja.
Liten fez um som estranho, algo como "ffmrff". Sua cabeça estava inclinada para baixo, então só pude presumir que ela estava segurando o riso. Argo fez uma pausa rápida para dar um sorriso e continuou sua explicação.
— E o quarto grupo são os Assassinos. Aqueles que sentem prazer em matar outros jogadores.
Os sorrisos desapareceram dos rostos de Asuna e Liten. Elas congelaram, então eu perguntei a Argo.
— Quer dizer... a gangue PK é formada por esses Assassinos?
— Bem, não acho que seja tão simples assim. Eu mesma não levo o Teste de Bartle tão a sério... mas acho que, entre todos os jogadores presos no SAO, alguns têm uma resistência muito alta contra o PKing, enquanto outros têm uma resistência menor. Pessoas que podem simplesmente cruzar essa linha se a coisa certa for sussurrada em seus ouvidos...
A voz dela estava tão baixa que eu mal conseguia ouvi-la do outro lado da mesa. Argo esvaziou o resto de sua caneca, que ainda estava pela metade.
Assim como Asuna e Liten, eu não sabia o que dizer. Se você precisava ouvir os sussurros certos no seu ouvido, como Argo dizia... então como o sussurrador cruzou essa linha primeiro? A menos que fosse alguém que nunca teve resistência alguma para tirar a vida de outra pessoa desde o começo.
Está na horaaa.
As palavras se repetiram na minha mente sem que eu quisesse, e meu corpo se retesou. Asuna deve ter percebido meus arrepios, porque disse calmamente.
— Isso foi uma informação muito útil, Argo.
Então ela deu de ombros e sorriu de forma travessa.
— Mas acho que não me encaixo em nenhum desses tipos.
Eu concordava com isso. Quero dizer, dá para chamar a Asuna de gamer? Mas Argo apenas sorriu e soltou uma risada entre os dentes.
— Nesse caso, proponho uma quinta categoria para você, A-chan. Que tal... Progressistas?
— Progressistas? — Nós três dissemos juntos.
— Então... eu estou progredindo? Mas para onde?
— Para onde quer que você deva progredir — respondeu Argo, sem realmente responder à pergunta.
De algum lugar abaixo, ouviu-se o som distante de aplausos. Parecia que a quinta partida havia começado.
— Você vai voltar, Liten? — perguntou Asuna.
Liten pensou por um instante e então respondeu.
— Não... Se eles vencerem, virão até aqui para trocar as fichas pelo prêmio, então vou esperar por eles.
— Certo. Bom, acho que vamos seguir em frente então.
— Vocês não querem saber o resultado?
— Se o Kirito tiver que assistir eles pegando aquela espada de cem mil fichas, ele vai chorar de inveja — disse Asuna com um sorriso malicioso, arrancando risadas de Liten e Argo.
— Eu não choraria! — protestei. — No máximo, faria um pequeno escândalo.
— Isso já é patético o suficiente — Asuna revirou os olhos. Me levantei junto com ela, mas Argo permaneceu sentada com Liten.
— Vou esperar pra ver o resultado. Vocês dois podem voltar para a suíte primeiro.
— Ok, nos vemos mais tarde, então. Obrigada por conversar com a gente, Liten.
— O prazer foi meu. Foi divertido.
Asuna sorriu e acenou para elas, enquanto eu ergui a mão e a fechei uma vez ao sair do balcão. Os aplausos vindos do andar de baixo subiam como uma onda quebrando na praia. Parecia que a luta final estava sendo um verdadeiro espetáculo.
— Se você realmente quiser assistir, eu fico com você — disse Asuna, caminhando em direção à porta. Fiz uma careta.
— Não, estou bem. Depois do que a «Nirrnir» nos contou, acho que não conseguiria aproveitar a competição.
— É verdade. A propósito, Kirito, você acha que ela…?
Ela parou no meio da frase. Olhei para ela, mas Asuna apenas balançou a cabeça e disse.
— Não, deixa pra lá.
Quarenta minutos depois, quando Argo voltou para a Pousada Ambermoon, ficamos sabendo por ela que tanto a ALS quanto a DKB perderam suas apostas na última luta e, com isso, todas as mais de cinquenta mil fichas que haviam ganhado antes.