Volume 7
RAPSÓDIA DO CALOR CARMESIM - SÉTIMO ANDAR DE AINCRAD, JANEIRO DE 2023 (PARTE 6)
6
TENTANDO EVITAR A ATENÇÃO DA ALS E DA DKB, nos esgueiramos pela multidão e saímos da arena, onde finalmente pudemos soltar um suspiro de alívio. Talvez eles já tivessem nos notado há algum tempo, mas estivessem ocupados demais para se importarem conosco. Dei uma olhada nas probabilidades para a segunda luta, que estavam em 2,07 e 2,75. Se apostassem tudo na opção com maior valor e ganhassem novamente, teriam pelo menos seis mil e seiscentas fichas.
Mas por que estavam tão confiantes de que apostar no lykaon, que tinha uma cotação mais alta — indicando menos chances de vitória — seria uma jogada certeira? Será que estavam apenas em busca de um pagamento maior, ou tinham algum tipo de informação privilegiada sobre suas reais chances de vencer? Eu não conseguia deixar de me perguntar.
Acelerei o passo para alcançar Argo na escada que levava ao salão do primeiro andar e murmurei baixinho.
— Você acha que é possível que Lin-Kiba tenha aceitado a mesma missão que você?
— Hã? Ah… porque os dois apostaram no Rusty Lykaon — disse a negociadora de informações, entendendo minha linha de raciocínio imediatamente. Ela ponderou por um momento antes de responder: — Hmm, não posso descartar completamente essa possibilidade, mas duvido. Essa missão não estava no beta, e foi bem difícil encontrar o ponto de partida… Acho difícil acreditar que a ALS ou a DKB tenham descoberto logo ao chegar em «Volupta».
Ela respirou fundo antes de continuar.
— Para começar, a única luta em que a missão te diz que houve trapaça foi a que acabamos de assistir. Isso não explica como eles ganharam todas as apostas durante o dia, né?
— Ah… Verdade…
Essa explicação fazia sentido, mas ainda não esclarecia como a ALS e a DKB conseguiram tantas fichas. Os monstros da arena estavam aparecendo pela primeira vez no jogo, então eles não podiam basear suas apostas em experiência ou conhecimento prévio sobre suas habilidades. Será que Lind e Kibaou tinham apenas muita sorte? Se eles realmente vencessem dez apostas arriscadas seguidas e conseguissem a «Sword of Volupta», eu teria que reavaliar seriamente minha estratégia de jogo.
Meu humor começou a azedar, e precisei respirar fundo para me recompor. Desde que pisei nesta cidade, parecia que eu estava inquieto. Talvez eu ainda tivesse um pouco do entusiasmo pelo jogo de apostas, herdado das experiências ruins que tive no beta, mas eu não era mais um jogador solo sem obrigações com ninguém. Fui eu quem convidou Asuna para jogar comigo no primeiro andar. Eu tinha a responsabilidade de ser seu parceiro até que ela estivesse pronta para seguir adiante.
Com esses pensamentos em mente, lancei um olhar para a minha direita, onde a espadachim em questão encarava o tapete vermelho, imersa em seus próprios pensamentos. Infelizmente, minha habilidade de comunicação interpessoal estava em um nível muito baixo para eu conseguir adivinhar o que ela estava pensando. Ela provavelmente me diria se eu perguntasse, mas até mesmo essa pergunta parecia um grande obstáculo para um garoto da oitava série.
Subimos os últimos degraus até o salão do térreo e contornamos a estátua da deusa a caminho da outra extremidade, onde a escadaria para o segundo andar nos aguardava, guardada por um NPC vestido de preto e uma corda de veludo vermelho.
Com suas sandálias batendo no chão, Argo se aproximou do segurança corpulento, que provavelmente era tão perigoso quanto os guardas da cidade, e ergueu uma plaqueta metálica cinza que havia tirado de algum lugar.
— Meus dois acompanhantes e eu podemos passar? — perguntou ela.
O homem, em silêncio, desatrelou a corda de um dos postes e a puxou para trás, fazendo uma reverência carrancuda. Argo passou direto por ele, e Asuna e eu a seguimos.
Continuamos subindo mais escadas, ouvindo a corda se prendendo de volta atrás de nós. No segundo andar, Argo ignorou a sala de jogos dos apostadores VIP e cruzou o tapete vermelho em direção à próxima escadaria.
O salão do terceiro andar também era octogonal, como os outros, mas suas luzes eram baixas e o tapete era negro, parecendo absorver tudo o que tocava. Supostamente, havia um quarto andar, mas não vi nenhuma escada. No centro da sala, havia uma estátua que parecia representar um sacerdote com cabeça de peixe.
— Por que um peixe? — perguntei, olhando para a estátua. Asuna inclinou a cabeça.
— Já ouvi dizer que o chapéu que os bispos católicos usam é inspirado na cabeça de um peixe… mas isso não parece ter relação.
— É uma cara bem assustadora.
— E não se parece exatamente com os ictioides do quarto andar.
Enquanto conversávamos, Argo se aproximou de um balcão imponente no fundo do salão e mostrou sua plaqueta metálica ao NPC que estava lá. Então, virou-se para nós e fez um gesto com a mão para nos chamar.
Apressamos o passo, e Argo começou a caminhar por um corredor que levava ainda mais para dentro do prédio. A música instrumental dedilhada, que supostamente era tocada no segundo andar, já estava completamente fora de alcance. O silêncio no corredor era ensurdecedor. No final, viramos à esquerda, depois à direita, e seguimos mais um pouco antes de parar diante de uma porta.
— Sala dezessete… É aqui — murmurou Argo, batendo duas vezes na pesada porta escura com firmeza. Alguns momentos depois, uma voz fraca vinda de dentro perguntou.
— Quem é?
— Argo. E meus companheiros... quer dizer, meus assistentes.
Após outra pausa, ouviu-se o clique delicado de uma fechadura se destrancando. A porta se abriu lentamente, revelando um interior ainda mais escuro do que o corredor.
Isso me fez questionar se deveríamos voltar a equipar nossas armas — ou pelo menos nossas espadas —, mas achei melhor não fazer nada quando percebi que Argo não demonstrava a menor preocupação ao entrar. Tecnicamente, eu ainda tinha minha espada curta presa à cintura, então, se algo acontecesse, pelo menos conseguiria me virar até Asuna vestir seu equipamento completo de batalha.
O cômodo por trás da porta era tão extravagante que fazia a suíte de platina da Pousada Ambermoon parecer insignificante em comparação. A única iluminação vinha de algumas lâmpadas, mas uma quantidade considerável de luz prateada entrava por uma enorme janela no lado sul do quarto. Em frente a ela, havia um sofá grande o suficiente para acomodar cinco pessoas ao mesmo tempo.
Apenas uma pessoa estava sentada nele.
Eu conseguia distinguir sua silhueta, mas era bem pequena. Ao me concentrar, um cursor amarelo de NPC apareceu. O nome abaixo da barra de HP era «NIRRNIR», mas eu não tinha certeza de como pronunciá-lo. Acima de sua cabeça, um símbolo de ? flutuava, indicando uma missão em andamento.
Nurnur...? Neenir...? Near-nire...? Tentei mentalmente algumas pronúncias diferentes, mas fui interrompido por uma voz feminina à minha esquerda.
— Eu vou pegar o que está na sua cintura.
— Fwee?! — soltei um guincho, saltando para trás instintivamente e esbarrando em Asuna à minha direita.
— Ei! Cuidado — ela resmungou, mas me segurou de qualquer forma. Murmurei um pedido rápido de desculpas e olhei na direção da voz.
Ao lado da porta, havia uma empregada vestida com um traje preto e um avental branco... ou pelo menos foi o que pensei à primeira vista. Na verdade, ela usava uma couraça escura e reluzente, e sua saia era decorada com fileiras de placas metálicas em formato de ponta de flecha. Além disso, usava luvas, botas e carregava um florete preso à cintura esquerda — mas, ao invés de uma lâmina, a arma era completamente voltada para estocadas. Um estoc, então.
Nos animes e jogos japoneses, empregadas guerreiras eram praticamente uma tradição, mas eu não me lembrava de ter visto alguém assim em Aincrad antes. O cursor dela também era amarelo, como o da pessoa no sofá. Seu nome era Kio, fácil de pronunciar: Ki-o.
Eu estava distraidamente encarando a empregada quando ela, com os cabelos cuidadosamente repartidos e olhos afiados, me lançou um olhar feroz e ordenou.
— Sua espada.
— Ah…! Aqui.
Eu estava preocupado em perder minha arma, mas me consolei lembrando que também possuía a habilidade de «Martial Arts». Com isso em mente, soltei a bainha da espada curta do cinto e a entreguei. A empregada a pegou rapidamente e a puxou pela metade para inspecionar a lâmina.
— Aço comum.
Eu quase soltei um comentário do tipo "Desculpe por não ser oricalco puro", mas achei melhor não arriscar, pois sabia que ela não entenderia. A empregada então colocou a espada curta em um suporte próximo e recuou.
— Por favor, não ofenda «Nirrnir»-sama — disse ela. Sua pronúncia do nome soava como Neer-nur. Fui esperto o bastante para não dizer em voz alta o quão peculiar e interessante achei esse nome.
Com a permissão da empregada guerreira Kio, Argo avançou para dentro do quarto. Asuna e eu a seguimos.
Cruzamos o tapete absurdamente macio em direção ao imponente sofá, até que finalmente conseguimos ver Lady «Nirrnir». Agora fazia sentido o porquê de sua silhueta parecer tão pequena entre as almofadas — ela não devia ter mais do que doze anos.
Ela usava um vestido preto feito de um tecido fino e com múltiplas camadas, talvez tule ou organza. Sua pele era tão pálida, e seus longos cabelos loiros eram tão finos e brilhantes, que, por um momento, pensei que ela fosse apenas uma boneca.
Sua cabeça se moveu, revelando traços belos, juvenis e enigmáticos à luz do luar. Seus lábios avermelhados se abriram para emitir uma voz suave e aguda, com um leve resquício de ceceio.
— Bem-vinda de volta, Argo. Você encontrou seus assistentes?
— Sim, já os conheço há um tempinho. Digam olá à Nirr-san — respondeu Argo, com a mesma atitude descontraída de sempre, o que não facilitava em nada saber como devíamos agir ali.
Asuna deu um passo à frente e a cumprimentou de um jeito que eu só tinha visto em filmes. Ela segurou a barra do vestido, recuou a perna direita e flexionou o joelho esquerdo.
— É uma honra conhecê-la, «Nirrnir»-san. Meu nome é Asuna.
Ela endireitou a postura e deu um passo para trás. Agora era minha vez, mas como eu não usava saia, não podia imitar Asuna.
Meu cérebro começou a superaquecer, tentando desesperadamente lembrar como nobres estrangeiros agiam nos filmes. Como Asuna, recuei a perna direita e a cruzei com a esquerda, coloquei a mão direita abaixo do peito e estendi a esquerda para o lado, então fiz uma reverência.
— Muito prazer. Sou Kirito.
Eu não fazia ideia se isso estava certo, mas a garota acenou generosamente com a cabeça e perguntou.
— Asuna e Kirito… Está correto?
Era uma verificação de pronúncia, algo que praticamente todo NPC controlado por IA fazia. Sua entonação estava perfeita, então confirmamos com um sim.
— Entendo. Boa noite. Gostariam de se sentar?
Ela não apontou para um espaço vazio no enorme sofá, mas sim para um sofá de três lugares de frente para ela. Sentei-me primeiro, seguido por Argo e Asuna, e Kio rapidamente começou a dispor xícaras de chá sobre a mesa de mármore. Quando foi que ela preparou isso? Assim que terminou, deslizou para fora de vista, segurando a bandeja, e ficou posicionada a uma distância igual dos sofás. Ela estava perto o suficiente para, caso eu tentasse algo contra sua mestra, pudesse me perfurar com aquele estoc.
É claro que eu não tinha a menor intenção de testar essa hipótese. Agradeci pelo chá e tomei um gole. Era chá puro, sem açúcar ou leite, mas havia um aroma de uva moscatel — e um leve toque de doçura. À minha direita, Asuna exclamou que estava delicioso, o que me confirmou que se tratava de um chá muito fino.
Assim que colocamos nossas xícaras de volta sobre a mesa, «Nirrnir» endireitou-se um pouco de sua postura relaxada e perguntou.
— Já que voltaram, isso significa que descobriram a trapaça envolvendo aquele cachorrinho, Argo?
— Acho que sim. Vá em frente e explique o que encontrou, Kii-boy.
Isso me pegou de surpresa.
— O quê?! — protestei, mas sabia que não podia recusar. Em vez disso, tirei cuidadosamente o lenço dobrado do bolso da calça. Levantei-me, pretendendo me inclinar para entregar o lenço a «Nirrnir», quando Kio se aproximou pela direita e estendeu a mão.
— Ah. Obrigado.
Coloquei o lenço na palma dela. Kio o abriu e observou a mancha vermelha no centro, franzindo a testa. Em seguida, caminhou até a parte de trás do sofá ornamentado, ajoelhou-se ao lado direito de sua mestra e lhe entregou o tecido.
«Nirrnir» pegou o lenço da mão dela com uma expressão desconfiada.
— O que isso significa, Kirito? — perguntou.
— Essa mancha foi deixada quando o Rusty Lykaon, o vencedor da luta, atingiu a lateral da jaula.
— Então isso não é… sangue do cachorro? Não tem cheiro de sangue — afirmou «Nirrnir» com convicção, apesar de não ter se inclinado para cheirá-lo. Assenti.
— Isso mesmo. Acredito que seja um corante extraído de alguma planta.
— Um corante…?
Os grandes olhos de boneca da «Nirrnir» se estreitaram. Eu havia pensado que suas íris eram pretas, mas, sob o ângulo da luz da lua, percebi que eram de um vermelho profundo.
— Quer dizer que a pelagem do cachorro foi tingida dessa cor?
— Exatamente — confirmei, e então expliquei o truque com a voz mais clara possível. — Rusty Lykaons aparecem no lado oeste deste andar, no Campo dos Ossos. Mas não há motivo para tingir um de uma cor que já é a dele… o que significa que o tatuzinho — digo, o Bouncy Slater — não estava, na verdade, lutando contra um Rusty Lykaon, mas sim contra uma espécie mais avançada, com uma pelagem de cor diferente.
……
«Nirrnir» não disse nada após minha explicação. Comecei a me preocupar que poderia ter cometido algum erro, mas então a garota se moveu, devolvendo o lenço a Kio. Sua mão esquerda permaneceu estendida, esperando por algo.
Kio rapidamente guardou o lenço em seu bolso de avental e então pegou uma garrafa de vinho de uma mesa lateral próxima. Serviu cerca de dois dedos de um líquido escuro em uma taça.
«Nirrnir» permitiu que Kio colocasse o copo em sua mão estendida e, em um único gole, esvaziou o conteúdo, que presumi ser vinho tinto. Essa garota está bebendo álcool! Você vai se meter em encrenca! pensei, mas então percebi que provavelmente não havia leis contra consumo de bebidas alcoólicas por menores de idade em Aincrad. Para minha surpresa, «Nirrnir» ergueu o copo vazio, parecendo prestes a jogá-lo no chão.
Mas então se conteve, abaixou a mão lentamente e entregou o copo a Kio. Ela soltou um longo suspiro, fez uma pausa e ergueu o olhar para nós.
Suas sobrancelhas finas estavam arqueadas de maneira intensa, e de repente, qualquer resquício de juventude em sua beleza desapareceu. Ela não poderia ser mais do que um ano mais velha que «Myia», a garota do sexto andar, mas a força de sua presença era diferente de qualquer outra garota que eu já tinha encontrado.
— Aquele velho desgraçado do Korloy se superou dessa vez.
Sua voz estava carregada de fúria, mas o nome desconhecido me fez perguntar.
— Quem é Korloy?
— Explique para eles, Kio — ordenou ela, fazendo um gesto com a mão. Kio colocou o copo de vinho sobre a mesa, voltou para sua posição habitual e olhou para mim.
— Vocês sabiam que o cassino é administrado pela família Nachtoy, da qual Lady «Nirrnir» é a matriarca, e pelos Korloy, que são parentes?
Eu nunca tinha ouvido falar de nenhum desses nomes, nem mesmo no beta. Olhei para a direita e vi Argo e Asuna balançando a cabeça. Me virei para Kio e disse.
— Peço desculpas, eu… não sabia disso.
— Isso não me surpreende, já que vocês são aventureiros recém-chegados a esta cidade. Tanto os Nachtoy quanto os Korloy são descendentes do herói «Falhari». Vocês certamente conhecem esse nome.
O nome me parecia familiar, mas eu não conseguia me lembrar de onde. Felizmente, não precisei revirar minhas memórias, pois Asuna veio em meu socorro.
— Esse foi o homem que derrotou Zariegha, o dragão d'água, e fundou «Volupta».
— Correto. «Falhari» tomou como esposa a garota que seria sacrificada a Zariegha, e juntos tiveram filhos gêmeos. Mas os meninos eram inimigos mortais e, quando cresceram, lutaram pelo direito de herdar o legado de «Falhari». Já idoso, «Falhari» proibiu os filhos de se enfrentarem com espadas. Em vez disso, ordenou que domassem monstros para lutarem em seu lugar. Por seu decreto, aquele que vencesse três das cinco batalhas se tornaria o próximo governante de «Volupta».
— Ah-hã…
Isso pode ter sido uma solução mais pacífica do que uma luta até a morte entre irmãos, mas devia ser péssimo para os monstros, pensei. «Nirrnir» praticamente leu minha mente.
— Vocês aventureiros já mataram incontáveis monstros também, é claro.
— Certo. Você está certa — respondi sem jeito. «Nirrnir» soltou um breve suspiro e fez um gesto para Kio continuar.
— Após a morte de «Falhari», o Fundador, os gêmeos seguiram seu decreto e organizaram uma série de cinco batalhas usando monstros domesticados.
— Espere, e-ei, peraí — interrompi justo quando ela começava a explicação. Kio me lançou um olhar nada amigável. Encolhi os ombros, sentindo culpa, e perguntei.
— Você fala domesticados como se fosse algo fácil… Isso é mesmo possível?
— Não para pessoas comuns como você ou eu — afirmou a empregada. Então acrescentou, orgulhosa — Mas o herói «Falhari» conhecia a arte secreta de controlar monstros. Os gêmeos herdaram esse poder e o usaram para domá-los.
— Arte secreta…? — repeti, atônito. O mais discretamente possível, murmurei no ouvido de Argo.
— SAO tem alguma habilidade de domar monstros?
— Não está na lista de habilidades disponíveis. Se existir, deve ser uma Habilidade Extra…
— Ah, droga — murmurei, engolindo seco.
As duas Habilidades Extras que eu possuía — «Martial Arts» e «Meditation» — só puderam ser adquiridas ao completar missões de teste oferecidas por NPCs. Será que essa missão também seguia esse formato? Se a concluíssemos, poderíamos obter a habilidade de Domestication que ninguém sabia existir em SAO…?
— Posso continuar? — Kio perguntou, arqueando uma sobrancelha. Me recompus rapidamente.
— Ah! Sim, por favor, continue.
— Após a morte de «Falhari», o Fundador, os gêmeos seguiram seu decreto e organizaram uma série de cinco batalhas usando monstros domesticados — repetiu Kio, palavra por palavra, exatamente como antes de eu interrompê-la. — Mas nenhum deles confiava totalmente nos monstros que haviam preparado. Então, para testar suas habilidades antes do duelo oficial, concordaram em fazer uma prova preliminar. Construíram uma cerca de madeira ao redor de um espaço vazio em frente à mansão, deixando duas saídas. O plano era soltar os monstros por uma das saídas para que lutassem dentro do cercado. No entanto, o teste acabou atraindo uma grande multidão de aldeões curiosos. Os monstros simplesmente saltaram por cima da cerca ou eram tão fortes que a destruíram enquanto lutavam. Isso causou um grande alvoroço.
Bom, não é de se admirar, considerando que era apenas uma cerca de madeira, pensei. Mas essa não era o fim da história de Kio.
— No entanto, não houve mortes nem feridos entre os moradores, e a multidão pareceu realmente gostar da exibição. Na época, «Volupta» era apenas uma pequena vila baseada na pesca e na agricultura, e não havia muito entretenimento em «Lectio», a leste, ou em «Pramio», a oeste. Na semana seguinte, realizaram um segundo teste com cercas reforçadas, atraindo multidões não apenas de «Volupta», mas também de «Lectio» e «Pramio». Montaram barracas, fizeram apostas e transformaram o evento em um verdadeiro festival.
— Acho que já sei onde isso vai dar — sussurrou Argo. Eu também. Kio já não estava mais nos encarando, mas estava perdida em sua história do passado, gesticulando com as mãos para enfatizar suas descrições.
— Os gêmeos perceberam essa reação e tiveram uma ideia. E se, em vez de correr para a disputa melhor de cinco para decidir a questão, eles repetissem essas lutas de teste indefinidamente? Assim, poderiam atrair visitantes para «Volupta» toda semana, ansiosos para gastar seu dinheiro. Essa suposição se mostrou correta, e quando transformaram oficialmente os testes em batalhas de coliseu, os visitantes começaram a chegar em massa das outras duas cidades. A disputa pela herança foi deixada de lado, pois os gêmeos assumiram o controle das apostas, adicionando entretenimento antes das lutas e outros jogos de azar. Logo, reformaram a mansão da família, que se tornou o Grande Cassino de Volupta que você vê hoje. Os gêmeos envelheceram e faleceram, deixando a operação para seus filhos, depois netos, até que a última vontade de «Falhari», o Fundador, não passasse de uma história… — Kio se calou, e «Nirrnir» acrescentou.
— Como vocês viram no porão, as lutas de teste já não têm mais qualquer conexão com seu propósito original. Elas são realizadas dia e noite aqui.
……
Pelo tom seco e direto da jovem, era impossível dizer o que ela pensava sobre o decreto do fundador, que agora não passava de uma casca vazia. Eu nem sequer sabia quantas gerações a separavam de «Falhari», o herói.
Segundo as lendas dos elfos negros que «Kizmel» nos ensinou, Aincrad, o castelo flutuante, havia sido esculpido do solo abaixo há muito tempo, com todas as suas cidades e vilas, e banido para o céu distante, onde nenhuma magia poderia alcançá-lo. Não era claro há quanto tempo esse “passado distante” havia ocorrido, mas certamente era bem mais que um ou dois séculos.
«Kizmel» também disse: "Apenas Sua Majestade Real conhece todas as lendas sobre a Grande Separação e as seis chaves sagradas. Tudo o que nos é contado é que esse castelo flutuante foi criado há muito tempo." Mas se soubéssemos há quantos anos «Falhari», o herói, viveu, pelo menos poderíamos estabelecer um intervalo mínimo para esse “passado distante.”
Criei coragem para perguntar a «Nirrnir» sobre o assunto. Mas um segundo antes que eu pudesse falar, Asuna disse.
— Se os gêmeos herdaram o poder do herói Falhari, isso significa que, como parte dessa linhagem, você também pode domar monstros, «Falhari»-san?
— Isso mesmo — ela respondeu. Kio acrescentou. — Para ser mais precisa, apenas Lady «Falhari», chefe da família Nachtoy, e mais uma pessoa… o chefe da família Korloy, «Bardun». Apenas eles podem usar o poder da contratação.
— Isso significa que metade dos monstros que lutam todos os dias na Arena de Batalha lá embaixo… foram domados pessoalmente por você, «Nirrnir»-san?
— Sim — ela respondeu, de forma igualmente breve. No entanto, talvez porque Asuna fosse 50% mais educada do que eu, ela também acrescentou. — No entanto, eu não percorro florestas, montanhas e cavernas. Apenas domo as criaturas que são capturadas e trazidas até mim. Eu gostaria de sair para procurá-las. Mas Kio e os guardas não me deixam.
— Claro que não! — Kio interveio. — Sua vida está em perigo por causa dos Korloys, «Nirrnir»-sama. Aventurar-se na selva seria o mesmo que implorar para ser atacada.
— A essa altura, eu preferiria um ataque direto a todas essas tentativas de envenenamento e truques sujos.
Não pude evitar comentar sobre essa conversa um tanto macabra.
— Hum, sua vida está em perigo…? Pensei que os Nachtoys e os Korloys administrassem o Grande Cassino juntos. Se a pessoa que fornece metade dos monstros para a arena desaparecer, isso não seria ruim para os negócios dos Korloys também?
— Infelizmente, «Bardun Korloy» envelheceu demais para entender uma lógica tão óbvia como a sua. A velhice é uma maldição terrível — disse «Nirrnir», algo curioso para uma criança dizer, e então afundou-se nas almofadas. Ela ergueu as pernas cruzadas no ar, balançando-as levemente, e disse em um sussurro quase inaudível.
— No passado… «Bardun» cuidava de mim. Mas à medida que o fim de sua vida se aproximava, ele se tornou obcecado em prolongá-la. Agora, «Bardun» está fixado em acumular todo o ouro que puder para comprar meros instantes de vida, e perdeu a noção de todo o resto. É por isso que ele recorre a esses truques baratos na arena. Os 10% de cada aposta que são recolhidos como taxa do cassino vão inteiramente para o vencedor da luta.
— Comprar… vida? De quem?
Nenhuma poção de cura que se podia comprar em uma loja, nem mesmo os cristais de cura ultrarraros encontrados neste andar, eram capazes de prolongar a vida. Daí minha pergunta, mas «Nirrnir» apenas balançou a cabeça, fazendo suas ondas douradas de cabelo balançarem suavemente.
— Você não precisa saber disso. Por agora... devo agradecer por desvendar o truque colocado no Lykaon. Kio?
A empregada fez uma reverência e caminhou até nós. Quando Argo se levantou, ela colocou um pequeno saco de couro na mão da Rata.
— Valeu! — Argo disse, pegando o saco. O ponto de interrogação flutuante sobre a cabeça de Nirrnir desapareceu com um som sutil. A missão que estávamos compartilhando havia sido concluída. Nosso trabalho havia terminado, mas, em termos de narrativa, achei que o desfecho foi bem insatisfatório.
No exato momento seguinte, um ponto de exclamação apareceu sobre a cabeça da garota reclinada, sinalizando uma nova missão. Antes mesmo de guardar o saco, Argo prontamente perguntou.
— Tem mais algum trabalho para nós, Nirr-san?
— Bem... suponho que sim. Mas este vai dar bastante trabalho.
— Sem problema. Kirito e Asuna fazem a parte pesada — Argo a tranquilizou. «Nirrnir» deu uma risadinha e se sentou — então, ficou séria de repente.
— Vou explicar o que preciso. Amanhã à noite, os Korloys pretendem usar novamente aquele Lykaon cujo truque vocês descobriram.
— Hã? Mas ele perdeu muitos pontos de vida... digo, ele se machucou feio — apontei.
Os delicados ombros da garota subiram e desceram.
— Suponho que tratarão seus ferimentos, é claro. Esse Lykaon já apareceu por quatro dias consecutivos.
— Então ele está em uma sequência de quatro vitórias... Mas espere. Isso significa que você já sentia que havia algo errado com o Lykaon antes da luta de hoje?
—- Foi há três dias... Percebi isso durante sua segunda luta — «Nirrnir» respondeu.
— Nesse caso — eu disse, hesitante — por que não usou um monstro mais forte contra ele? O Bouncy Slater não é exatamente fraco, mas... você poderia ter escolhido um Verdian Javali de Pedra, ou uma Salamandra de fogo, ou...
Esses eram nomes de inimigos poderosos do sétimo andar, puxados da minha memória. Mas a garota fez uma cara azeda.
— Os Javali de Pedra são grandes demais para passar pela entrada da jaula, e se lutarmos com Salamandra de fogo, vai rolar um incêndio. Além disso, como você vai equilibrar as apostas em uma luta onde um dos lados tem uma vantagem esmagadora?
— Nesse caso... como vocês decidem os confrontos?
— Eu tenho uma lista com todos os monstros pequenos o suficiente para lutar com segurança na arena, junto com suas características.
Percebi Argo se mexendo ao ouvir sobre essa lista. Era natural que uma vendedora de informações cobiçasse aquele papel. Por favor, não tente roubá-lo, rezei, enquanto a jovem-san continuava sua explicação.
— Com base na força relativa, cada monstro é classificado em um dos doze rankings. Apenas monstros do mesmo ranking podem ser colocados em combate direto na arena. Tanto o Bouncy Slater quanto o Lykaon são monstros de sexto nível.
— Posso perguntar...?
— O primeiro nível é o mais fraco, e o décimo segundo é o mais forte. Ou seja, eles usaram um monstro que era pelo menos do sétimo nível para tomar o lugar de um Lykaon de sexto nível — ela disse, lendo minha mente mais uma vez. Os olhos vermelho-escuros de «Nirrnir» brilharam perigosamente.
— Por mais que os Nachtoys e os Korloys tenham se desentendido e brigado, sempre respeitamos a justiça do Grande Cassino. Mas agora «Bardun» cruzou a linha, tudo por um pequeno aumento no lucro. Ele precisa pagar por essa transgressão.
— Ei, peraí. Quando você disse que ia dar trabalho, não quis dizer... assassinato, né? — Argo perguntou, sem rodeios.
A garota fez uma careta.
— Não, eu não pediria isso a vocês. Se quisesse alguém morto, faria isso eu mesma — disse, sem hesitar. Mas, com aquelas mãos de boneca, ela mal conseguiria balançar uma adaga, muito menos uma espada.
Os status dos NPCs não podiam ser identificados à primeira vista, e «Myia» era forte demais para uma criança quando lutou ao nosso lado no andar anterior — mas ela havia sido treinada por sua mãe, «Theano». «Nirrnir», por outro lado, era uma verdadeira dama mimada. Saberíamos a verdade se a colocássemos no grupo e víssemos seu nível, mas isso provavelmente nunca aconteceria.
Em apenas dois segundos, «Nirrnir» voltou à sua expressão padrão.
— Quero que vocês recolham o fruto da árvore Narsos e pedras de Wurtz. Se misturarem partes iguais do suco espremido e das pedras e deixarem ferver em fogo baixo, isso se tornará um agente de branqueamento poderoso, que remove todos os corantes de um material.
— Remove corantes — repeti, sem entender de imediato. Então, percebi. — Então poderemos remover a coloração artificial da pelagem do Lykaon...?
— Na arena, bem antes da luta. Se a trapaça for exposta diante de mais de cem apostadores com dinheiro em jogo, nem o ardiloso «Bardun Korloy» conseguirá escapar dessa.
— Mas... nesse caso, isso não causaria um grande dano à reputação do cassino? Imagino que também possa prejudicar a família Nachtoy — apontei, cauteloso.
«Nirrnir» apenas suspirou.
— É inevitável. Me irrita que os monstros que trouxe tenham sido mortos por um de nível diferente, mas não posso ignorar uma trapaça em meu cassino. Teremos que emitir um pedido de desculpas público e devolver o dinheiro de todas as apostas feitas nas lutas em que o Lykaon participou.
Agora eu realmente estava me perguntando se ela era mesmo uma criança. «Nirrnir» olhou de mim para Argo.
— Então, vocês aceitarão meu pedido?
— Hmmmm…
Era muito raro ver Argo indecisa. Ela olhou para a garota e sua empregada e disse.
— Você me pediu para descobrir o truque do lykaon porque não podia ter alguém da família Nachtoy vigiando a jaula, imagino. Mas você realmente precisa que a gente colete as pedras e frutas? Vocês devem ter caçadores experientes, e imagino que eles poderiam conseguir o que precisa…
— Claro, em termos de habilidade, nossos caçadores são mais do que capazes de fazer o trabalho — respondeu Kio. — Mas há dois problemas. Primeiro, as pedras wurtz podem ser encontradas no leito do rio a oeste de «Volupta», mas são escassas e pretas, então só podem ser vistas durante o dia. Se alguém da família Korloy visse os homens dos Nachtoy procurando por pedras wurtz…
— Vocês dariam a pista de que estão preparando o agente de descoloração.
— Exatamente. E o outro ingrediente, a fruta narsos, cresce na floresta no centro do sétimo andar, longe de «Volupta». O problema lá não são os Korloys, mas outra coisa. Há uma fortaleza de elfos negros na Floresta «Looserock».
Minha postura se endireitou no mesmo instante. Asuna provavelmente fez o mesmo. Kio lançou um olhar para mim, mas continuou sua explicação.
— Os Nachtoys e Korloys há muito tempo têm o costume de capturar monstros na floresta quando os elfos negros não estão observando. Neste momento, os elfos negros atacam assim que avistam um de nossos grupos de caça. Nem mesmo nossos caçadores mais experientes podem vencer os cavaleiros e arqueiros élficos na floresta.
Claro que não poderiam. Os elfos negros e os elfos da floresta sempre eram programados para serem vários níveis acima dos monstros típicos daquele andar, e aqui no sétimo, poderíamos encontrar algumas de suas classes de elite. Nem eu conseguiria vencê-los em um combate um contra um.
Felizmente, enquanto tivéssemos o «Sigil of Lyusula», os elfos negros não nos atacariam.
Kio, sempre perspicaz, fixou o olhar no anel em minha mão esquerda e acrescentou.
— Kirito, Asuna, parece que vocês têm um pacto de amizade com os elfos negros. Nesse caso, não creio que eles os atacarão apenas por coletarem algumas frutas na floresta. Embora eu não testasse o que acontece se cortarem árvores vivas ou quebrarem seus galhos.
— Ah… não, sem cortar ou quebrar nada.
— Isso é uma boa ideia. Agora, aceitarão este pedido?
A única que poderia responder era Argo. Após dois segundos de silêncio, ela murmurou.
— Bom, não seria certo parar agora — e se levantou. Asuna e eu a seguimos apressadamente.
— Certo, estamos dentro — disse Argo. No mesmo instante, o ! sobre a cabeça de «Nirrnir» se transformou em ?. Se não foi apenas impressão minha, ela parecia um pouco aliviada. A pequena matriarca disse.
— Fico feliz. Quero que vocês tragam vinte frutas narsos maduras e, hm, cinquenta pedras wurtz. A viagem de ida e volta até a Floresta «Looserock» leva três horas, e uma pessoa pode coletar essa quantidade de pedras wurtz em cinco horas. Considerando o tempo para espremer as frutas e ferver a mistura, vocês precisam trazer os materiais até a uma da tarde de amanhã para estarmos prontos para a luta na arena.
— Uma da tarde. Entendido. Vamos dar um jeito. Acho melhor dormirmos um pouco então.
— Gostaria de deixá-los ficar aqui no hotel, mas ainda não posso oferecer um presente desses — desculpou-se «Nirrnir», mas Argo apenas sorriu.
— Não posso pedir que quebre as regras do Grande Cassino, Nirr-san. De qualquer forma, estaremos de volta até o almoço de amanhã.
Fiz uma reverência rápida para «Nirrnir» e Kio, me perguntando se era sábio Argo fazer uma promessa dessas. Mas não dei nem dois passos em direção à porta antes que a empregada me chamasse de volta.
— Você esqueceu algo, Kirito.
Virei-me e vi Kio me entregando a espada curta que ela havia pegado de mim — com uma expressão claramente irritada. Peguei-a rapidamente e voltei a caminhar para a porta. Achei que «Nirrnir» pudesse ter soltado um risinho, mas provavelmente era só minha imaginação.