Sword Art Online Progressive Japonesa

Tradução: slag

Revisão: Shisuii


Volume 6

CÂNONE DA REGRA DE OURO (FIM) - SEXTO ANDAR DE AINCRAD, JANEIRO DE 2023 (PARTE 13)

13

PASSAMOS PELO CÂNION SECO COM O MÍNIMO de combates e cruzamos o deserto sem nos deixarmos tentar por nenhum fruto de cacto que surgisse de repente, chegando finalmente à margem do Lago «Talpha» antes que anoitecesse. Eram mais de cinco e meia da tarde, e o lago azul-marinho brilhava e cintilava com a luz do sol poente flamejante. «Myia» parou à beira d’água, levantou sua máscara de gás e exclamou maravilhada.

— Uau... Eu nunca vi tanta água na minha vida. Isso é o oceano...?

Asuna estava atrás de «Myia» — parecia gostar dessa posição — e segurou os ombros dela enquanto dizia.

— Este é «Talpha»... É um lago, «Myia». Um oceano é muito, muito maior... centenas e milhares de vezes maior que isso.

— Milhares de vezes...? Maior que todo este andar do castelo...?

— Sim, é isso mesmo... O verdadeiro oceano é algo que só dá para ver lá embaixo, na terra, muito abaixo de Aincrad, eu acho...

Enquanto conversavam, abri a garrafa que «Kizmel» me deu, levantei o pé atrás de mim, em vez de na frente dessa vez, e cuidadosamente pinguei algumas gotas nas solas das minhas botas. Depois que o buff foi ativado, aproximei-me das meninas e fiz o mesmo processo. O nível do frasco estava bem mais baixo do que da primeira vez em que o vi sendo usado, mas parecia que ainda tínhamos algumas doses sobrando.

Guardei o pequeno frasco de volta no inventário e cuidadosamente entrei na água. Depois de alguns passos, senti a familiar resistência sob as solas, e a superfície do lago começou a se comportar como uma camada de borracha.

Atrás de mim, Asuna e «Myia» seguiam lentamente, de mãos dadas. Tivemos que explicar a ameaça da estrela-do-mar gigante «Ophiometus» que espreitava nas profundezas do lago, então havia definitivamente um elemento de medo nos passos incertos de «Myia». Mas, por ser tão pequena e leve, imaginei que ela corria menos risco de romper a superfície ao pisar com mais força. Asuna e eu tínhamos mais ou menos a mesma altura, e eu não sabia qual de nós tinha o equipamento mais pesado, mas esse tipo de coisa era difícil de perguntar a alguém.

O tema das perguntas pessoais me lembrou que eu ainda não tinha perguntado a ela sobre o mistério da habilidade com lança de duas mãos. Esta parecia uma boa oportunidade para conversar, já que não havia nada mais a fazer além de caminhar, mas a lembrança de Asuna avançando com aquela lança era tão chocante e vívida que eu estava achando difícil abordar o assunto. Prometi silenciosamente a mim mesmo "Da próxima vez" e me concentrei nas sensações sob meus pés.

Ao ir para a quarta área em busca da chave escondida, fomos quase diretamente para o sul, mas ir para a quinta área significava cortar o lago em direção ao sudeste. A margem distante estava envolta em névoa e difícil de ver, então mantive o mapa aberto enquanto andávamos. Não era muito mais de um quilômetro, mas sermos forçados a andar sorrateiramente e devagar fazia com que levasse tempo. A luz avermelhada do pôr do sol na base do andar acima de nós desapareceu com uma rapidez surpreendente, e logo o crepúsculo azul-escuro se seguiu.

De repente, os ventos que sopravam sobre o lago ficaram mais frios, e encolhi os ombros. O frio que subia dos meus pés começou a fazer cócegas no fundo do meu nariz. Então, um outro calafrio, algo completamente diferente do frio, invadiu meu corpo.

Ah, não. Preciso espirrar.

Parei, cobrindo a boca na tentativa de fazer a coceira passar, mas só ficava mais forte. Meus pulmões se encheram sozinhos enquanto eu sugava bocadas de ar. Não consegui resistir. Não dava para segurar.

—Atchim!

Cobrir a boca abafou um pouco o som, mas não consegui evitar que meu corpo se sacudisse. Meu peso pressionando a água quebrou a tensão superficial aumentada, e meu pé direito afundou ruidosamente na superfície do lago. Naturalmente, tentei forçar o pé esquerdo para baixo com mais força para me levantar, mas ele também afundou. Mas antes que eu tivesse certeza de que iria cair completamente na água, senti meus braços sendo segurados dos dois lados. Olhei para cima e vi Asuna com minha mão direita e «Myia» com a esquerda, as duas tentando me manter de pé.

— Devagar! Puxe seus pés devagar! — ordenou Asuna. Relaxei os músculos o melhor que pude, equilibrando o peso entre o pé esquerdo e as mãos, então cuidadosamente tirei o pé direito da água, descansando-o de volta na superfície e exalando.

— Obrigado, você me salvou...

Mas antes que eu pudesse agradecê-la completamente, Asuna estendeu a mão.

— Shh! Está ouvindo isso...?

Fechei a boca e concentrei minha atenção — em algo que parecia um som profundo de borbulhas subindo do centro do lago. Olhei, aterrorizado com o que encontraria, e vi grandes bolhas subindo e estourando aqui e ali sobre a água.

— O quê...? Só por causa disso...? — murmurei.

Tudo o que fiz foi romper a superfície por um segundo!

Mas as bolhas não pararam. A água não era translúcida com o sol poente brilhando sobre ela, mas eu podia sentir algo incomensuravelmente enorme subindo do fundo do lago.

Eventualmente, a cerca de trinta metros de distância, três cursores apareceram na superfície, alinhados. O nome exibido em todos eles era TENTÁCULO DE OPHIOMETUS. A cor deles era um vermelho escuro, embora não tão profundo quanto o de «Kysarah». Estavam localizados aproximadamente no centro de nossa rota, e se decidíssemos voltar ou avançar, não haveria como escapar na velocidade de caminhada sobre a água.

Eu estava quase desesperado a ponto de sugerir deixar que os tentáculos nos agarrassem para que nos arrastassem até a boca da estrela-do-mar, onde talvez tivéssemos uma última chance de contra-ataque — quando Asuna gritou.

— Kirito, «Myia», vamos correr!

— Mas se corrermos, o efeito das Gotas de Villi não vai quebrar...? — Eu disse confuso.

— Diminua o tamanho dos passos e coloque o pé esquerdo no chão antes que o direito comece a afundar! Com o buff das gotas, você deve conseguir!

Parecia algo que um ninja faria, mas antes que eu pudesse reclamar, ela me empurrava para frente. Tive que esticar o pé direito antes de perder o equilíbrio, e, embora parecesse que eu ia afundar de novo, me assegurei de não tentar voltar, mas dei rapidamente um passo com o pé esquerdo antes que a resistência se rompesse completamente. Depois o pé direito, depois o esquerdo, direito, esquerdo... Meus primeiros passos foram desajeitados, mas assim que peguei o jeito de passos rápidos em alta velocidade, logo percebi que estava correndo sobre a água.

— Uau... isso realmente funciona — murmurei, caminhando rapidamente. Logo, «Myia» passou por mim pelo lado esquerdo. Ela quase parecia estar se divertindo, fazendo pequenos sons secos de "spak-spak-spak-spak" enquanto seguia, provavelmente porque ela tinha melhor resistência por ser mais leve. À minha direita, Asuna acompanhava com uma corrida suave e fluida. Parecia bem treinada nisso de alguma forma — e então me lembrei de algo que ela havia dito ontem: — Se a estrela-do-mar aparecer, tenho um ás na manga.

Provavelmente, ela estava se referindo a essa técnica de corrida, mas a única razão pela qual eu consegui executar isso, mesmo que por pouco, logo na primeira tentativa, era graças à proteção das Gotas de Villi. Eu conseguia me imaginar afundando antes do terceiro passo sem esse reforço. O mesmo se aplicava a Asuna, então como ela desenvolveu essa técnica quase ninja?

Esses pensamentos ocupavam apenas um décimo da minha mente. Seis partes iam para o controle das minhas pernas, e as três restantes se concentravam nos sons aquáticos atrás de nós. Não podia parar para averiguar a natureza do barulho de respingos, mas era fácil imaginar aqueles tentáculos da estrela-do-mar rompendo a superfície e nos perseguindo. Tive a impressão de que estavam se aproximando, mas não tínhamos outra alternativa a não ser continuar correndo o mais rápido possível.

Depois de passar uma, duas, três faixas de névoa sobre o lago, a praia da margem oposta, tingida de laranja pelo pôr do sol, surgiu à vista. Parecia estar a uns cem metros da parte de terra que avançava mais para dentro do lago.

— Nrraaaaah! — rugi, arrastando-me pelo topo da água o mais perto possível da zona vermelha. Normalmente, eu corria com passadas longas e saltitantes, então esse tipo de corrida era terrivelmente estranho para mim, mas se eu desse passos mais longos que isso, não conseguiria retirá-los da água a tempo com segurança.

Aposto que Argo seria boa nesse tipo de coisa. Talvez eu deva aumentar um pouco meu AGI também, pensei enquanto cruzava a distância restante e chegava à margem dois segundos atrás de «Myia». Mantive meu ritmo acelerado, mesmo depois que senti areia sob as botas, e continuei enquanto diminuía o passo.

Só parei de vez quando o chão passou de areia de praia a grama, ofegante. Quando me virei, havia três cursores vermelhos flutuando a uns dez metros em terra firme, além da margem da água. Retorcendo-se como cobras sob os cursores, viam-se tentáculos cinza-escuros. Suas extremidades eram extremamente afiadas, mas se alargavam para cerca de um terço de metro onde voltavam para dentro da água. Quão largos eram na base, e a extensão total do corpo, eram assustadores demais para considerar, e eu não tinha interesse em descobrir.

Os tentáculos acenaram pelo ar vazio por dez segundos, frustrados, antes de desistirem e deslizarem de volta para a água. Os cursores desapareceram para dentro do corpo do lago, e só então soltei a respiração que estava segurando.

Ao meu lado, «Myia» e Asuna encaravam a água em silêncio. A praia ficava voltada para o oeste, então o sol brilhava através da abertura no lado oposto do andar, tingindo de vermelho a superfície do lago. Era uma vista bela, mesmo considerando que uma gigantesca estrela-do-mar monstruosa estava escondida logo abaixo.

Enquanto observava o pôr do sol de 4 de janeiro, senti uma poderosa exaustão.

Afinal, eu havia começado às duas da manhã, explorado a borda externa do Castelo Galey, ganhado a habilidade de «Awakening» enquanto era provocado pelo bife de «Bouhroum», ido para «Stachion» pela manhã, encontrado «Myia», sido atacado por elfos caídos, retornado ao castelo à tarde, começado a cochilar mas fui acordado por uma grande invasão dos Caídos, lutei contra eles, saí para resgatar os reféns de «Qusack», perdi nossas chaves sagradas e chaves de ferro para «Kysarah», me separei de «Kizmel» com mal tempo para refletir sobre isso, cruzei o Lago «Talpha», fugi de uma gigante estrela-do-mar, e aqui estávamos. 

Esse talvez fosse o recorde de tudo o que eu já tinha vivido em um único dia desde o lançamento oficial do jogo.

Minhas energias estavam praticamente esgotadas, e eu estava mais do que pronto para comer até me fartar em uma pousada um pouco mais luxuosa que o habitual e cair na cama, mas isso não estava nos planos. Se a mãe de «Myia», «Theano», estava a caminho da torre do labirinto, nossa única chance de alcançá-la era enquanto ela se movia pelo mapa. Se ela entrasse na dungeon dentro da torre, seria muito difícil encontrá-la.

— Preparadas para mais um pouco? — perguntei às duas garotas. Asuna e «Myia» se viraram para mim.

— Claro. Estou totalmente pronta — disse Asuna.

— Estou bem também — disse «Myia», ainda com sua máscara de gás. — Posso continuar.

Isso descartava qualquer possibilidade de eu pedir uma pausa.

— Então, vamos para a cidade mais próxima. Esta área basicamente é uma reta pela estrada, então é por onde «Theano» e o grupo da linha de frente vão passar.

Quando virei as costas para o lago, deparei-me com um novo mar: um de areia.

As cinco áreas distintas do sexto andar, separadas por altas formações rochosas, eram cada uma bem diferentes. A primeira (nordeste), que continha a cidade principal do andar, apresentava florestas e campos. A segunda (noroeste), onde ficava o Castelo Galey, era um deserto rochoso e árido. A terceira (sudoeste), que pulamos, era um pântano. A quarta (sul), com a dungeon que guardava a chave sagrada dos elfos, tinha tema de cavernas, e a quinta (sudeste), onde estávamos agora, era um deserto.

Era um tema clássico de terreno de RPG, mas, ao enfrentar um deserto real em uma apresentação de VRMMO, fiquei impressionado com a escala esmagadora dele. Enormes dunas de areia se estendiam até onde a vista alcançava, e não havia marcos para definir a distância. Havia até miragens de calor que serviam como armadilhas visuais, parecendo um oásis, mas desaparecendo antes que você pudesse alcançá-lo. Além disso, a longa distância era obscurecida pelo efeito de vento e poeira, o que significava que nem conseguiríamos ver a torre do labirinto até estarmos a cem metros dela.

E o pior de tudo, a prática janela do mapa na minha tela estava sofrendo o mesmo efeito que a «Forest of Wavering Mists» do terceiro andar, com seções esmaecidas ao acaso. A única coisa em que poderíamos confiar era na estreita estrada de tijolos vermelhos que cruzava o deserto, visível apenas em alguns trechos.

Até a grama escassa onde estávamos desaparecia a uns dez ou quinze metros, sendo substituída por areia de textura diferente daquela à beira do lago. Uma trilha solitária, parecendo prestes a se desfazer ao vento, se estendia à frente.

— E seguimos por esse caminho? — perguntou Asuna. Assenti.

— Isso mesmo, deve nos levar ao ponto de descanso final deste andar, o vilarejo de «Murutsuki».

— Tem algum mini boss por lá?

— Se você vier da quarta área, há um mini boss do tipo planta carnívora antes de «Murutsuki», mas, vindo da nossa direção, deve estar tudo limpo.

— Estou ouvindo muitos "deves" — ela observou secamente, arrancando uma risadinha de «Myia».

— Kirito, você já esteve neste deserto antes?

— Sim — disse automaticamente, antes de reconsiderar e me restringir a uma resposta mínima, para evitar começar a contar sobre o teste beta para «Myia». — Só uma vez antes, há muito tempo. Eu... devo lembrar onde o vilarejo estava, ao menos.

— Então vamos e deixamos um rastro de migalhas, caso nos percamos — sugeriu Asuna, talvez como uma piada, até eu perceber que não era. Me fez pensar se «Theano» lhe contava contos de fadas assim.

— Hmm. Bem, acho que, num deserto, o vento levaria as migalhas. Contanto que não percamos de vista a estrada de tijolos, devemos ficar bem. E, se nós perdermos, podemos sempre voltar aqui.

— Então vou garantir que estejamos sempre no caminho! — «Myia» disse, começando a andar e nos forçando a acompanhá-la. Minha parceira se inclinou para mim e sussurrou.

— Parece que você é surpreendentemente hábil em lidar com meninas pequenas.

— O quê...? Nada disso! É o mesmo com garotas da minha idade e também com mulheres mais velhas.

— Ahã — respondeu a espadachim, se afastando com uma expressão que poderia ser de exasperação ou, talvez, pena.

Depois de apenas cinco minutos caminhando pelo deserto, o Lago «Talpha» havia sumido de vista atrás das enormes dunas de areia. Tudo o que eu via ao olhar sobre o ombro era o céu em um tom roxo desbotado e o sol avermelhado, e, à nossa frente e aos lados, tudo estava envolto em uma névoa arenosa, com até as pilastras do perímetro externo ocultas de vista. Conseguia distinguir o teto rochoso acima de nós, mas os detalhes estavam embaçados.

Até mesmo nossa confiável estrada de tijolos estava coberta por areia ou em ruínas em partes. De vez em quando, mobs do deserto como lagartos e cobras atacavam das areias próximas. Se houvesse um ponto positivo, ao menos este lugar não tinha a "bênção do verde", como a área desértica, então não deveria haver perigo de ataque dos elfos caídos... exceto por aqueles malditos galhos que eles tinham. Por outro lado, após «Kysarah» tomar nossas chaves de ferro, talvez não precisássemos nos preocupar com eles nos incomodando mais.

Ainda assim, mantive minha guarda enquanto caminhávamos. Depois de uns trinta minutos com «Myia» liderando, chegamos a «Murutsuki», bem quando os últimos raios de luz sumiam atrás de nós.

Não era um lugar grande, mas havia uma fonte de oásis no centro da cidade, com palmeiras e cicas espalhando suas folhas longas e estreitas ao redor da água límpida e cristalina. As construções eram feitas de pedra na cor da areia, com a mesma textura áspera do Castelo Galey, mas sem nenhuma ornamentação.

A curta rua principal era iluminada por fogueiras simples, e uma música triste e solitária soava de algum lugar.

— Esse tipo de instrumento com som árabe... — murmurei para minha parceira. — Lembro de querer procurar o nome dele durante o beta.

Asuna inclinou a cabeça brevemente.

— Tenho quase certeza de que é... um alaúde.

— Oh... bem — respondi, impressionado com seu conhecimento. Baixei ainda mais a voz. — Se eu não esquecer até terminarmos esse jogo, vou ter que procurar isso quando voltarmos.

— Já que está aqui, por que não tenta praticar com ele?

— Eu, ah, não acho que a habilidade de «Musical Instrument» vá ser muito útil aqui... — disse, balançando a cabeça. Na verdade, parecia o momento perfeito para mencionar a habilidade de lança de duas mãos, mas antes que eu pudesse tocar no assunto, «Myia» se virou à nossa frente e nos chamou.

— Tem... um cavalo muito estranho ali!

Ela apontava para uma das palmeiras no lado norte da fonte, onde uma grande criatura de quatro patas com pelo marrom desgrenhado estava amarrada. Reconheci o dorso distinto e o pescoço curvo do mundo real — de fotos e vídeos, se não de experiência própria.

— Isso não é um cavalo, «Myia». É um camelo — disse Asuna, se aproximando da menina e apontando para as costas do animal. — Vê aquelas grandes corcovas nas costas? Se tiver uma, chama-se dromedário. Se tiver duas, é um camelo.

— Mas esse camelo tem mais do que isso.

— Hã?

Asuna e eu olhamos mais de perto e vimos que o camelo tinha, de fato, três corcovas nas costas. Não era uma surpresa para mim, pois já havia visto isso no beta. Mas Asuna só pausou e, um pouco sem jeito, disse.

— Isso se chama... um camelo de três corcovas...

— Frmphs! — foi o som que escapou da minha garganta. Asuna me lançou um olhar fulminante, então saiu caminhando com «Myia» para olhar mais de perto.

Após uma análise mais detalhada, embora o centro de «Murutsuki» fosse menor que o pátio do Castelo Galey, os dois locais tinham um layout semelhante. No centro estava a nascente natural, com cerca de vinte e cinco metros de diâmetro, rodeada por palmeiras. Ao longo da borda externa da praça em formato de anel havia lojas, pousadas e restaurantes.

«Theano» certamente passaria por essa praça a caminho da torre do labirinto, então, contanto que escolhêssemos um assento em um terraço aberto no lado norte, onde o caminho recomeçava, não a perderíamos de vista.

O NPC que tocava oud estava no lado sul da nascente, fora do meu campo de visão, mas a distância proporcionava um volume perfeito para uma música de fundo durante o jantar.

Enquanto ponderava o que comer, olhei para a fileira de edifícios. Os restaurantes que consegui ver — na verdade, mais pareciam barracas de comida sofisticadas — eram apenas dois. Um servia carne assada ao estilo de kebab, enquanto o outro oferecia uma sopa semelhante a um curry. Eram poucos os restaurantes que serviam curry no jogo, então, no beta, mais de alguns jogadores faziam a jornada desde «Stachion» até a distante «Murutsuki». Porém, achei a experiência um tanto decepcionante. Para começar, não havia arroz no cardápio. O curry ao estilo árabe com o pão achatado tradicional de Aincrad era bom, mas, como adolescente em crescimento, eu só queria uma grande porção de curry sobre uma montanha de arroz branco fumegante. Então, naquela noite, optei pelos kebabs.

— Ei, vou pedir comida agora — chamei as observadoras de camelos.

— Certo — disseram elas, acenando. Isso significava que eu estava encarregado do pedido. Virei-me, determinado a colocar todos os pratos de carne na mesa. Sem espaço para desperdiçar com saladas insignificantes ou legumes cozidos no vapor.

Dei cerca de três passos, segurando o estômago vazio, quando um jogador baixo cruzou a área aberta vindo do sul e correu até o balcão da barraca de kebab. Assim que vi o cursor verde, me apressei para me posicionar ao lado dele.

— Ei, amigo, vou querer um shish kebab e um Adana kebab!

— Ei, senhor, eu quero três sanduíches de döner, três kebabs de urfa e… — gritei, disputando espaço — até que reconheci o som único da voz do outro cliente. O tom agudo, a voz aflautada e a entonação nasal ascendente…

— A-Argo?!

— Ora, é você, Kiizinho — disse Argo, a Rata, com as bochechas pintadas de bigode se abrindo em um sorriso ao me ver. — Ah, você já está em «Murutsuki», hm? Foi rápido.

— V-Você tá me falando de rapidez?! Achei que ia levar cinco horas para atravessar a caverna da quarta área…

O cozinheiro barbudo gritou — Comida pronta! — e recebemos nossos pratos rapidamente. Argo conseguia carregar seus dois espetos nas mãos, mas eu tinha três sanduíches redondos de carne grelhada e três espetos no balcão, então precisei de alguma destreza para carregá-los todos cuidadosamente.

— E-Ei… você quer sentar naquela mesa ali? — sugeri, olhando para um dos espaços ao ar livre na frente do estabelecimento. Mas a comerciante de informações franziu o cenho e balançou a cabeça.

— Não acho que temos tempo.

— Hã…? Por quê?

— Porque, se eu estou aqui, isso significa…

Por fim, percebi a implicação dela. Se Argo acabara de chegar a «Murutsuki» durante sua perseguição a «Theano», isso significava…

— Ugh… então a «Theano» — aquele NPC com o cubo dourado — já passou por esta vila…?!

— Eu verifiquei com o NPC guia na entrada, e ele disse que uma mulher passou por aqui sozinha há cerca de trinta minutos.

— Trinta minutos — repeti, puxando um mapa mental da quinta área.

«Murutsuki» ficava no centro da área em forma de leque. A torre do labirinto, no canto nordeste, estava a cerca de um quilômetro de distância. Mas o caminho sinuoso tornava a jornada mais que o dobro dessa distância. Se andássemos rápido, levaria menos de duas horas — e menos ainda correndo. Devíamos presumir que «Murutsuki» tinha uma boa vantagem sobre nós.

— Onde estão a ALS e a DKB?

— Eles devem estar a caminho, mas disseram que iam parar em «Goskai» para reabastecer primeiro… Aposto que estão a cerca de trinta minutos atrás.

— Hrmm…

De algum modo, tive que pensar através do cheiro delicioso dos kebabs de döner que eu segurava no braço esquerdo e o cheiro ainda mais tentador dos kebabs de urfa no braço direito.

O motivo das ações de «Theano» ainda era incerto. Mas, se ela estava indo para a torre do labirinto, era bem possível que seu destino final fosse a sala do boss. Se Asuna, «Myia», Argo e eu perseguíssemos «Theano» e tivéssemos que enfrentar o boss sozinhos, seria quase impossível vencer. Todos nós morreríamos. A decisão correta era esperar o grande grupo chegar em «Murutsuki».

…Mas.

Agora, a missão "Maldição de «Stachion»" estava completamente fora do rumo original. «Theano» provavelmente estava agindo por contra própria. Ela acabaria escolhendo alguma ação que, no fim, custaria sua vida. Isso significaria a perda dos dois pais para «Myia», que confiava em nós o suficiente para nos acompanhar.

Em não mais do que três segundos, tomei minha decisão. Afastei Argo da barraca de kebab. Na extremidade norte da área do oásis, as duas garotas acariciavam o camelo de três corcovas. Eu chamei.

— Ei! Vamos partir em breve!

Asuna não gostou muito da ideia de comer enquanto andávamos — ou melhor, trotávamos — mas isso durou só até ela ouvir o que Argo tinha para contar. Assim que soube que «Theano» ainda estava à nossa frente, eliminou a comida das mãos o mais rápido — e graciosamente — possível.

— Você disse que ela passou pela vila trinta minutos antes de nós, mas e o mini boss de campo? — perguntou ela à negociadora de informações. — «Theano» pode ser durona, mas é um monstro que não dá para derrotar sozinha, com certeza.

— É verdade… mas olha isso — disse Argo, que já tinha acabado seus dois kebabs tão rápido quanto eu. Ela abriu a janela de inventário e tirou um objeto de aparência estranha. Era uma coisa marrom-esverdeada com cerca de vinte centímetros em todas as direções.

— Tinha um monte desses espalhados pelo chão quando cheguei na caverna do mini boss de campo.

— O que é isso…? — perguntei. Argo me jogou o objeto sem aviso. Eu o peguei, alarmado, e fiquei ainda mais surpreso quando o examinei de perto. Parecia feito de madeira balsa, com um padrão fibroso fino na superfície.

— Espera, isso é… o corpo da planta carnívora?

— Provavelmente. Quando ela entrou na luta contra o mini boss centopeia na quarta área, aquela mulher, «Theano», quebrou a armadura do bicho em cubos do mesmo tamanho. Era só a armadura, não o que tinha por baixo, mas a defesa caiu tanto que os FRs acabaram com ele fácil com um ataque total. A centopeia — se chamava «Basalt Morpha» — não tinha placas normais de armadura, e sim uma rocha resistente pra caramba. Talvez aquele cubo que «Theano» tinha consiga quebrar qualquer tipo de mineral ou planta…?

Fiel à sua fama, a dedução de Argo parecia muito precisa. Na minha mente, visualizei a distante «Stachion», a cidade principal do andar. Cada edifício naquele lugar era construído com blocos de pedra ou madeira. Até agora, eu só presumia que o cubo dourado, símbolo do Lorde da cidade, era simplesmente o padrão para a construção dos blocos.

Na verdade, era assim que era explicado no beta. Mas talvez não fosse o caso. Talvez, como Argo sugeriu, o cubo tivesse o poder de transformar todos os minerais e plantas em blocos e fosse responsável por centenas de milhares, senão milhões, de blocos em «Stachion»…

— Ei, Asuna, quantos blocos você acha que tem no total formando toda «Stachion»? — perguntei, interrompendo meu processo de pensamento. A espadachim franziu a testa e respondeu.

— Isso é algo que precisamos saber agora?

— Eu… eu acho que sim.

— Bom… para calcular com exatidão, a cidade tem cerca de 610 metros de norte a sul e 305 metros de leste a oeste. Então, divide vinte e quatro mil por oito para chegar a três mil, e multiplica por mil e quinhentos para um total de quatro milhões e meio.

— Hã… obrigado…

Asuna então cutucou meu braço, e Argo bufou de irritação do outro lado. À frente, «Myia» se virou agilmente enquanto corria com um sanduíche pela metade e um espeto nas mãos.

— Kirito, esse é apenas o número de pedras formando o chão. Mas os prédios se erguem acima do chão, então…

— Ah, certo. Hm…

Asuna entendeu o ponto mais rápido.

— Olha, por que não estimamos que seja três vezes o total da base? Assim, seriam cerca de treze milhões e meio de blocos.

— Opa, valeu mesmo — agradeci, mas Asuna parecia ainda insatisfeita.

— E para que você precisa desse número? — ela pressionou.

— Ah… eu só estava pensando, e se os blocos de madeira e pedra que compõem «Stachion» não fossem cortados individualmente com serras e formões, mas fossem extraídos das montanhas e florestas próximas com o poder daquele cubo dourado…?

— Ah, entendi… Bem, acabei de ver um monte de blocos deixados pelo boss planta carnívora, então sua ideia maluca parece bem plausível — Argo sorriu. Mas, tão rápido quanto, ficou pensativa.

Já havíamos deixado «Murutsuki» para trás e estávamos de volta à trilha do deserto. O sol já havia se posto por completo, e embora as nuvens de poeira do deserto bloqueassem a luz da lua, havia, felizmente, uma luz ambiental azul-pálida que iluminava as encostas das dunas. Nesse ritmo, poderíamos ter alugado camelos em «Murutsuki» e curtido uma travessia noturna pelo deserto… se tivéssemos tempo, e se eu soubesse exatamente onde me sentar em um camelo de três corcovas.

No ar frio da noite, a voz de Argo soou mais séria do que antes.

— Sabe… se isso for verdade, talvez tenhamos um problema nas mãos.

— O que quer dizer?

— Se ela pode quebrar qualquer tipo de pedra e madeira, não poderia ela simplesmente atravessar todas as paredes da dungeon? Seguir direto até o boss, ignorar todas as armadilhas e truques. O pessoal da ALS e da DKB provavelmente pensa que foi o poder de «Theano» que destruiu a armadura da centopeia. Mas se descobrirem que foi o cubo que fez isso, vão querer colocar as mãos nele.

— Ah… faz sentido…

Um pouco de imaginação mostrava que os usos do cubo dourado iam muito além de atalhos nas dungeons. Aincrad estava cheio de mobs feitos de plantas, como entes e nepentes, e de mobs feitos de pedra, como golens e gárgulas, que teoricamente poderiam ser dissolvidos em blocos num instante. Se você ganhasse pontos de experiência por isso? Poderia subir de nível a uma velocidade incrível. A bandeira de guilda no meu inventário não chegava nem perto desse cubo em termos de potencial de quebrar o equilíbrio do jogo.

Se a linha de missões "Maldição de «Stachion»" prosseguisse normalmente, «Cylon» teria sobrevivido e se regenerado, o cubo seria enterrado de novo no túmulo de «Pithagrus», e o jogador nunca saberia seu verdadeiro poder, muito menos teria posse dele. Mas na noite em que Morte e o empunhador de adagas mataram «Cylon», a missão começou a mudar drasticamente. Eu tinha a sensação de que poderíamos apreender o cubo se «Theano» fosse morta também…

— Acho que Argo está certa — disse «Myia», que tinha terminado sua comida e colocado a máscara de gás de volta. Argo, que a via como uma simples NPC de missão, piscou surpresa.

A garota continuou de forma muito natural.

— Minha mãe me disse uma vez que «Stachion» é uma cidade "construída de magia e maldição". Ela não me explicou o que isso significava quando perguntei… mas talvez fosse porque sabia que o cubo dourado tinha um poder terrível dentro dele.

— V-Você quer dizer que «Theano» está indo para o Pilar dos Céus para fazer algo com o poder do cubo? — provoquei.

— Ainda não sabemos disso — respondeu Asuna. — Talvez ela só esteja tentando fazer algo com o cubo… Mas, por enquanto, só precisamos alcançá-la.

— Isso mesmo — concordou Argo, olhando para frente. Como sempre, o caminho estreito serpenteava pelas dunas de areia, mas eu conseguia perceber que uma estrutura enorme se aproximava na escuridão azul-escura, em algum lugar à frente.

— Vamos apressar o passo — disse Asuna, e aumentamos nossa velocidade mais uma vez.

Valia a pena o esforço de não sair do caminho de tijolos, pois só encontramos mobs quatro vezes no total, mas não avistamos «Theano» enquanto atravessávamos o deserto.

Se ela não estivesse agindo de acordo com um roteiro, os mobs também deveriam atacá-la, e lagartos e cobras não eram árvores ou pedras, então o cubo não poderia desconstruí-los. Além disso, está sendo a última área do sexto andar, todos os mobs eram difíceis. Se ela fosse capaz de derrotá-los sozinha, «Theano» estaria no nível de «Kizmel» — no mínimo, bem mais forte do que «Cylon», que Morte matou facilmente.

Com «Myia» presente, tudo o que eu podia fazer era rezar para que, independentemente de como as coisas se desenrolassem, não precisássemos lutar contra «Theano».

Havia uma duna especialmente grande à frente, que corremos para subir, com Asuna e «Myia» chegando ao topo alguns segundos antes de mim. Lá, elas pararam e olharam para cima.

Quando cheguei ao topo, vi também: a apenas cem metros de distância, uma estrutura imensa erguia-se mais escura do que a noite. Era a torre labirinto do sexto andar. Quatro dias após começarmos este andar em primeiro de janeiro, finalmente a alcançamos.

O plano normal, priorizando a segurança, seria contar com a ajuda completa do grupo da linha de frente para mapear o interior da torre, levando um dia ou dois para descobrir a câmara do boss, mais um dia para explorar e criar estratégias contra o boss, e mais um dia para a batalha em si. Mas, neste caso (como em outros anteriores), não podíamos nos acomodar e levar o nosso tempo. Assim como no quinto andar, onde precisávamos completar a torre e vencer o boss em um único dia, este era um caso em que precisaríamos avançar rapidamente, dispensando o mapeamento cuidadoso.

— Não alcançamos «Theano», afinal, e a ALS e a DKB não nos alcançaram… — murmurei, olhando por cima do ombro do alto da duna.

— A torre é uma coisa, mas não sei se gosto da ideia de irmos para a câmara do boss com um grupo tão pequeno — disse Asuna, seu tom preocupado. — Vamos apenas torcer para que esse não seja o destino de «Theano».

— Sim… mas geralmente não há muito mais a fazer em um labirinto…

— Então só temos que alcançá-la antes da câmara do boss — disse Argo. Virei-me para trás, e ela jogou garrafas finas e longas tanto para Asuna quanto para mim. Peguei a minha, abri a tampa e levei aos lábios. Um sabor refrescante de limão com um toque de carbonatação refrescou minha língua. 

Não parecia ser uma poção, mas tinha um gosto ótimo depois de uma corrida pelo deserto seco e empoeirado. «Myia» também estava bebendo, segurando a garrafa com as duas mãos.

Revigorados pelos presentes de Argo, descemos a última duna de areia em direção à torre. O layout da torre do sexto andar não era circular ou quadrado, mas pentagonal. Era tão grande, no entanto, que era difícil perceber apenas olhando para cima; lembro-me de só perceber isso no beta quando entrei para mapeá-la. Na época, houve um debate entre os betas sobre se o formato de cinco lados significava algo, mas nunca chegamos a um consenso satisfatório.

As paredes de pedra escuras da torre, vistas de perto, eram realmente atravessadas por linhas a cada vinte centímetros, como os prédios em «Stachion». As enormes portas na entrada do térreo estavam bem fechadas, e não parecia haver mais ninguém por perto. Estávamos apenas supondo que «Theano» viria até aqui, então sempre havia a possibilidade de que estivéssemos completamente enganados, mas eu precisava confiar em meu instinto dessa vez.

— Vamos abrir — avisei, colocando as mãos nas portas de bronze e empurrando com força. Elas roncavam pesadamente enquanto se abriam para os lados, e uma rajada de ar frio saiu da estrutura, passando por mim.

Assim que as portas estavam completamente abertas, chamei as outras três para dentro da torre. Como nas outras torres, não estava completamente escuro; luzes azul-pálidas no alto lançavam um brilho fraco o suficiente para enxergar. Se o layout fosse o mesmo do beta, haveria um grande salão triangular além da entrada, com uma porta em cada parede lateral…

— Ah, olhe lá em cima! — disse «Myia», que aparentemente tinha uma visão melhor do que os três jogadores que a acompanhavam. Ela estava apontando para frente e para a esquerda. Quando vi, suspirei surpreso.

A porta de metal estava no lugar que eu lembrava, mas agora havia um enorme buraco na parede de pedra logo à direita dela. Não estava rachado ou arrombado; parecia que a coesão dos blocos que formavam a torre havia se perdido, fazendo-os desmoronar.

Aproximei-me do buraco, levantei um dos blocos de pedra e disse.

— Então… «Theano» usou o cubo dourado para derrubar a parede… Suponho.

— Mas por que ela não passou pela porta…? — perguntou Asuna. — Está trancada?

Lancei um olhar para o interior da sala e comentei.

— Está vendo aqueles pilares de pedra que crescem a partir do chão? A ideia é resolver os enigmas neles e, em seguida, derrotar os mobs que aparecem…pelo que me lembro — disse, tentando ao máximo não parecer suspeito ao fornecer essa informação na presença de «Myia».  

A espadachim pareceu satisfeita e assentiu.

— Ah, então ela simplesmente pulou essa etapa. Nesse caso, se seguirmos o caminho que ela tomou, também não teremos que resolver os enigmas…  

— Provavelmente não. Mas ainda vamos enfrentar mobs comuns e chatos — respondi, jogando o bloco de pedra de lado. E então, como se fosse atraído pelo som da pedra — provavelmente —, ouvimos um rugido sibilante vindo de além do buraco.  

— Aqui vem eles!  

Saquei minha espada e pedi às outras três que recuassem. Asuna e «Myia» empunharam suas espadas, e Argo preparou as garras que estavam presas nas costas de suas mãos.  

Segundos depois, uma criatura humanoide emergiu do buraco com uma cabeça reptiliana larga e fina, parecida com a de uma cobra, um torso longo e esguio e membros humanos. Era um ofídio, um dos homens-serpente que apareciam por toda a torre. Era semelhante aos reptóides e ictióides que já havíamos enfrentado, mas, com seus braços longos e lança, possuía um alcance temível, além de presas venenosas, se alguém se aproximasse demais. E não era apenas um deles — logo surgiu o segundo…e depois o terceiro.  

Percebi que deveríamos ter ativado o buff «Meditation» antes de entrar na torre, mas agora era tarde demais. Felizmente, as presas dos ofídios causavam envenenamento por dano, e não paralisante, então podíamos lidar com os efeitos.  

— Eles vão envenenar se morderem! Não avancem; miram nos braços para fazê-los largar as lanças! Argo, faça equipe com a «Myia»! — comandei.  

Elas reagiram rapidamente. Sem «Kizmel», o maior nível no nosso grupo pertencia, na verdade, a «Myia», mas ela era uma criança e tinha um alcance muito curto. Argo tinha o mesmo problema — não pelo tamanho, mas devido à sua arma — então pensei que seria melhor elas trabalharem juntas para criar confusão.  

Dos três ofídios, dois carregavam lanças, e o terceiro empunhava uma glaive. Baseado na ornamentação da armadura, julguei que o portador da glaive era o líder e investi contra ele.  

— Shrrrrl! — sibilou a criatura, vibrando a língua e atacando com a glaive. Desviei para o lado, dei um golpe raso no braço que segurava a lança e recuei. Asuna, Argo e «Myia» focaram em seus respectivos alvos, espalhando-se pela sala espaçosa.  

Isso me lembra… acho que Asuna não está mais usando aquela lança...?  

Aproveitando meu breve momento de distração, o líder cobra usou a habilidade de espada «Agile Onslaught». Era um golpe simples, uma única estocada, mas sendo a habilidade de espada mais rápida de todas no jogo, era bastante difícil de lidar. Se você não desviasse no exato momento em que visse o efeito de luz, não conseguiria escapar a tempo.  

Em vez disso, permaneci firme. Eu havia ordenado aos outros que focassem em desarmar, mas acumular dano nos braços escamosos dos homens-serpente levaria tempo. Precisávamos alcançar «Theano»; não podíamos parar e prolongar a primeira luta na torre.  

Concentrei-me intensamente na ponta brilhante e escarlate da lança, preparando uma habilidade «Vertical» com precisão de mira, ângulo e tempo, como se estivesse passando um fio por uma agulha. Eu queria que o corpo da espada pressionasse contra a lança ao descer; se o ângulo fosse muito fraco, eu não conseguiria desviar a habilidade, e se fosse muito profundo, bloquearia o ataque, mas também empurraria minha espada para trás. Somente ao raspar a lança no ângulo ideal eu mudaria o ângulo do ataque e ainda atingiria meu alvo — a técnica de Counter-Stop.  

A glaive do ofídio cortou o lado esquerdo do meu peito ao passar por mim, e meu «Vertical» esmagou a mão que segurava a lança. Escamas triangulares voaram pelo ar, e o braço da serpente se desprendeu e despedaçou.  

— Jyashhh! — o homem-serpente rosnou, tentando contra-atacar com a outra mão. Mas, segurando a glaive com apenas um braço, a arma ficou muito mais lenta. Ele mal tinha recuado a lança para ganhar impulso quando me recuperei do delay da habilidade. Avancei ainda mais, entrando no alcance das presas venenosas.  

O ofídio curvou a cabeça para trás, preparando-se para morder, como se estivesse esperando por isso. Mas eu havia feito de propósito. Quando a cabeça de cobra avançou, dei a ela uma habilidade «Sharp Nail» em três partes.  

A grande cabeça dentada do ofídio era tanto sua maior arma quanto sua fraqueza. Os três cortes inclinados atingiram todo o focinho do homem-serpente. Ele recuou bruscamente, congelou no lugar e então explodiu em pedaços. Atravessando as partículas em expansão, guardei minha comemoração para depois e corri para o lado do ofídio que Asuna estava enfrentando.

Concluímos nossa luta contra os três poderosos ofídios em pouco mais de dois minutos, certificamo-nos de aplicar o buff «Meditation» desta vez, então saltamos pelo buraco na parede. Asuna me pediu para virar de costas enquanto fazíamos isso, e Argo, sempre a negociante, ofereceu-se para comprar a informação sobre a habilidade. Respondi-lhe — Depois! — pois estávamos com pressa.  

Logo, encontramos mais e mais buracos feitos por «Theano» nas paredes, mas não parecia que estávamos mais próximos dela. Ela provavelmente estava lutando contra os ofídios sozinha — e o efeito do cubo dourado não deveria funcionar nos homens-serpente —, mas ela estava vencendo-os mais rápido do que nosso grupo de quatro.  

Lembrei-me de que os ofídios na torre levavam cerca de cinco minutos para reaparecer, então, se parássemos de ver mobs ao longo do caminho, poderíamos presumir que estávamos a cinco minutos de alcançar «Theano». No entanto, os ofídios, besouros e mobs mágicos continuavam aparecendo em força total. Após duas ou três batalhas, os outros membros do grupo pegaram o jeito de lutar nesta dungeon, e começamos a vencer nossas lutas em menos de um minuto, mas o fato de não estarmos parecendo nos aproximar era prova de que «Theano» era muito poderosa, com ou sem o cubo.

Entre ela e «Kysarah», que havia levado todas as nossas chaves, se íamos encontrar cada vez mais NPCs ultrafortes e pensantes (ou pelo menos aparentavam isso) no futuro, então, para o bem ou para o mal, eles desempenhariam um papel importante em nossa sobrevivência neste jogo mortal. Poderiam ser aliados poderosos ou inimigos aterrorizantes — embora isso não fosse nenhuma novidade.  

De qualquer forma, graças a «Theano» nos fornecendo um caminho mais curto, pulando todos os enigmas e armadilhas, subíamos a torre de cem metros com uma velocidade incrível. No quinto andar, o ponto médio da dungeon, deveria haver um sub-boss ofídio e alguns subordinados, mas, ao espiar a sala, tudo que vi foi uma dispersão de diversos itens de loot. Por um momento, fiquei apavorado com a possibilidade de alguns pertences de «Theano» estarem entre eles, mas a porta ao fundo estava completamente aberta, então presumi que ela tinha passado por ali em segurança.

— Nesse ritmo, ela pode acabar derrotando o boss do andar sozinha — murmurou Asuna, fitando a montanha de tesouros. Argo engoliu sua poção e comentou com um sorriso irônico.

— Nesse caso, talvez ela pudesse seguir subindo as escadas e desbloquear o próximo andar também… Mesmo eu não esperava algo assim. Como é que essa «Theano» é tão forte?

A própria filha de Theano respondeu.

— Minha mãe nunca pulava seu treino diário e, às vezes, saía da cidade sozinha no meio da noite e voltava cheia de hematomas pela manhã. Acho que ela lutava contra mobs na floresta ao sul.

— Mas… por que ela faria isso? — perguntou Asuna.

A menina com a máscara de gás balançou a cabeça.

— Perguntei muitas vezes, mas ela nunca me disse. Mas… agora, fico pensando se tudo aquilo não foi uma preparação para este dia.

Agora isso já é ridículo! Queria gritar. A missão "Maldição de «Stachion»" havia saído dos trilhos porque Morte matou «Cylon». Se não fosse por esse evento imprevisível, ela teria seguido como no beta: «Theano» nos resgataria da paralisia, invadiríamos a mansão e convenceríamos «Cylon», recuperaríamos o cubo dourado da dungeon do porão, acalmaríamos o fantasma vingativo de «Pithagrus» e finalizaríamos a missão.

«Theano» não era fraca quando lutei ao lado dela no beta, mas o nível e os atributos dela não estavam muito longe dos meus e, com certeza, não eram suficientes para atravessar a torre do labirinto sozinha assim. Se o que «Myia» disse era verdade, a versão oficial de «Theano» estava treinando e evoluindo por dez anos, muito antes de «Cylon» morrer, com um propósito diferente do que eu vi durante o beta.

— Bom, vamos pegar essas coisas e seguir em frente — disse Argo, trazendo-me de volta à realidade.

Olhei para os itens espalhados.

— Hã…? Vamos pegar isso?

— Bem, ou vai estragar ficando aqui, ou as outras guildas vão pegar quando chegarem.

— Acho que sim… mas foi «Theano» quem derrotou o sub-boss — disse, dividido entre a cortesia e o desejo.

«Myia» olhou para mim, intrigada.

— Minha mãe deixou essas coisas para trás porque simplesmente não conseguiu carregar, eu acho. Se você usar sua arte de Escrita Mística para coletá-las, tenho certeza de que ela ficaria grata.

— Ah, b-bom ponto… Vou fazer isso, então…

Abri minha janela prontamente e arremessei as armas, armaduras, materiais e outros itens diversos para o meu inventário. Argo rapidamente fez o mesmo, e até Asuna hesitou, mas acabou se juntando a nós.

Em menos de um minuto, já tínhamos pegado todo o loot, e nosso HP estava de volta ao máximo.

— Certo, vamos…

— Ir… — estava prestes a dizer, mas Asuna colocou seu dedo indicador contra meus lábios.

— Espere. Acabei de ouvir algo.

— Hã…?

Fechei a boca e concentrei-me em ouvir. Parecia que eu estava ouvindo gritos e barulhos metálicos ao longe. Mas vinham de baixo, não de cima.

— Parece que Lin-Kiba estão se aproximando… — sussurrou Argo. Ela escutou por mais dois segundos e acrescentou. — Mas ainda estão longe. Só estamos ouvindo os sons de combate por causa dos buracos enormes nas paredes. Vai demorar uns dez minutos ou mais para chegarem até aqui… O que acha? Devemos esperar?

— Não, vamos — respondi prontamente. — Alcançar «Theano» é uma prioridade maior do que reunir com o restante.

— Concordo — disse Asuna.

«Myia» abaixou a cabeça.

— Eu só… não sei o que dizer…

Coloquei minhas mãos nos ombros dela e a virei.

— Você pode descobrir isso depois que tudo estiver resolvido. Vamos, corra!

— Tá bom!

O grupo seguiu em direção à porta aberta. Na segunda metade do labirinto, o nível dos inimigos aleatórios aumentava visivelmente, mas, conferindo os loots do sub-boss enquanto corríamos, encontrei uma excelente espada (embora não tão boa quanto a «Sword of Eventide») e um conjunto de garras com +5 de agilidade, que dei para «Myia» e Argo, respectivamente. Continuamos subindo em mais ou menos o mesmo ritmo que tínhamos mantido na metade inferior da dungeon.

Antes que eu percebesse, já passava das oito da noite, mas, curiosamente, o cansaço esmagador que senti na margem do Lago «Talpha»não voltou. Eu tinha certeza de que, na próxima vez que acontecesse, não conseguiria me recuperar, mas, por ora, tudo o que podia fazer era continuar correndo. Asuna deveria estar tão cansada quanto eu, mas ela não reclamava nem um pouco.

— Ei — murmurou ela, atraindo um olhar de minha parte.

— Hmm…?

— Você notou que faz um tempo desde que algum inimigo apareceu?

— Ah, agora que mencionou…

Ela tinha razão. Os ofídeos e outros mobs que apareciam insistentemente até a câmara do sub-boss estavam quietos nos últimos cinco minutos. Não porque o padrão de surgimento deles havia mudado, mas porque alguém à nossa frente os estava derrotando, e eles ainda não haviam reaparecido. Estávamos a menos de cinco minutos de distância de «Theano».

Estávamos no oitavo andar da torre, e a sala do boss ficava no décimo. No ritmo em que estávamos, talvez ainda estivéssemos um pouco atrasados para alcançá-la antes que ela chegasse à sala do boss.

— Isso é arriscado… mas acho que devemos jogar a cautela ao vento e simplesmente correr — sugeri. Asuna concordou, e até Argo e «Myia» olharam para trás e assentiram.

Antes, estávamos monitorando cuidadosamente os rugidos ou movimentos dos mobs, ou a visão de cursores vermelhos no canto dos olhos, mas agora eu disparava à frente a toda velocidade. Costumava economizar minha velocidade máxima ao trabalhar com o grupo da linha de frente, mas eu tinha a menor agilidade dos quatro ali, e agora corria com tudo o que tinha. As texturas e juntas das paredes e do chão viraram um borrão, e o ar seco soprava no meu rosto.

Ao correr dentro de uma dungeon, sua capacidade de fazer curvas — seu controle de curva, se fosse um jogo de corrida — era crucial. Sem sapatos com excelente aderência ou alta proficiência na habilidade de «Race», você poderia falhar em girar o momento e acabar colidindo contra a parede oposta ao fazer uma curva. Por isso, desisti de fazer curvas normais e voltei a usar a técnica de Wall Run por alguns passos, como havia feito quando Asuna e eu corremos pelas escadas na pousada em «Stachion».

Asuna e Argo também dominaram esse estilo de curva, então usei a técnica de Wall Run na próxima curva à esquerda. Apenas quando voltei ao chão percebi o erro. Nós tínhamos «Myia», a NPC, conosco. Não havia como ela aprender esse tipo de manobra fora do convencional que desafiava a lógica comum.

Olhei por cima do ombro enquanto diminuía o ritmo — e percebi que minha preocupação era desnecessária. «Myia», que estava na frente de Asuna, correu agilmente cinco passos pela parede, como se a gravidade não significasse nada para ela, antes de voltar para o chão. Eu precisei olhar para frente e acelerar, com medo de que ela me ultrapassasse. Aparentemente, lutar com espadas não era a única coisa que «Theano» havia ensinado à sua filha.

Sabendo que não fazia sentido diminuir o ritmo agora, voltei ao sprint e usei a técnica de Wall Run na próxima curva. Obviamente, precisávamos parar e decidir a direção em cruzamentos em T e encruzilhadas, sempre escolhendo o caminho que não sugerisse a presença de mobs ou aqueles com tesouros espalhados pelo chão. Em um beco sem saída, encontramos mais um buraco na parede, através do qual havia uma escada à direita. Subimos a toda velocidade.

O décimo andar do labirinto era quase inteiramente ocupado pela câmara do boss, então o nono era o último andar funcional da dungeon. Normalmente, era um lugar extremamente perigoso, com mobs ferozes bloqueando o caminho, mas o trajeto de «Theano» não deixou nada além de tesouros — nem mesmo um único escaravelho perambulando. Não tínhamos tempo para parar e inspecionar os itens comuns dos mobs, mas Argo, com perspicácia, identificava apenas os objetos raros enquanto corríamos, agarrando-os com suas garras e jogando-os em sua janela. Nem eu conseguia imitar aquele tipo de destreza e oportunismo.

Depois de três minutos correndo por corredores e atravessando grandes buracos, ignorando todo o terreno e armadilhas do nono andar da masmorra, chegamos a uma passarela elevada com um design majestoso, que levava a um enorme lance de escadas. Essas nos conduziriam ao décimo andar, mas não havia ninguém na passarela ou nas escadas ainda.

Mordi o lábio. Parecia que «Theano» já devia ter entrado na câmara do boss…  

— Mãe…! — gritou «Myia», levantando sua máscara de gás e correndo à minha frente.  

— E-Ei! — exclamei, indo atrás dela, até notar algo. Havia passos suaves se aproximando à frente, embora a pessoa que os fazia estivesse invisível. Havia dois lances de escadas que se encontravam em um patamar no meio antes de virarem novamente. Alguém — não, definitivamente «Theano» — estava subindo as escadas após a curva, onde não podíamos vê-la. Ela estava a menos de trinta metros de distância, mas a câmara do boss ficava logo acima de nós.

«Myia» atravessou a passarela elevada com uma velocidade que nem Argo poderia igualar e subiu voando pelo lado esquerdo das escadas. Nesse ritmo, «Theano» e «Myia» poderiam entrar na câmara sozinhas e fazer a porta se fechar atrás delas. Não tive outra escolha senão sacar minha espada e descansá-la sobre o ombro.  

— Nwaaaah! — gritei, lançando-me do chão com a habilidade de espada «Sonic Leap», cruzando a outra metade da passarela até as escadas e intencionalmente errando o patamar. Perdi alguns pixels de HP, mas isso me permitiu rolar diretamente escadas acima até o patamar, onde alcancei «Myia».

O atraso da habilidade se dissipou enquanto eu rolava, então me impulsionei de volta para a parede em direção ao segundo lance de escadas, olhando para cima, onde uma figura corria pelos degraus à frente. Era uma mulher com cabelo loiro-dourado, uma rapieira na mão direita e um grande cubo na esquerda. O cursor amarelo acima de sua cabeça dizia «THEANO».  

—  «Theano»!!  

— Mãe!!  

Mas a mulher deu mais três ou quatro passos e parou apenas um degrau antes do décimo andar. Ela girou, seu rabo de cavalo e sua longa saia verde-escura rodopiando. Ela olhou para nós com olhos cinza-esverdeados da mesma tonalidade dos de «Myia».  

Não era minha primeira vez enfrentando «Theano», nem mesmo no lançamento oficial. Quando pegamos a missão com «Cylon» na mansão em «Stachion», a primeira pessoa que fomos procurar foi «Theano», a ex-serviçal. Mas ela estava vestida com um simples avental e parecia qualquer dona de casa NPC. Agora, estava com uma armadura de couro brilhante e refinada, segurando uma rapieira. Parecia uma espadachim veterana.

Sua beleza régia suavizou-se um pouco, e, com uma voz suave, mas clara, ela disse.

— «Myia»… Kirito. Eu esperava que vocês me seguissem, mas não pensei que conseguiriam me alcançar.  

— Mãe… — repetiu «Myia», incapaz de fazer qualquer coisa além de segurar o cabo de sua rapieira com as duas mãos.

Em vez disso, falei por nós dois, escolhendo minhas palavras com cuidado.

— «Theano», não sei o que você está tentando fazer. Mas, por favor, não avance sozinha. Fique aqui e converse conosco primeiro… com «Myia».

Nesse momento, Asuna e Argo nos alcançaram e pararam ao nosso lado. «Theano» olhou para nós quatro em sequência e falou novamente com sua filha.

— Você ficou tão forte, «Myia». Me desculpe por desaparecer sem dizer nada… Mas este é o meu papel. Enquanto este cubo existir, os quebra-cabeças amaldiçoados de «Stachion» nunca desaparecerão, e a sangrenta batalha pela herança continuará. Com «Cylon» morto, não há ninguém para conter a maldição… Ela precisa ser destruída.  

— Mas como…?! — perguntei desesperado. — O que você vai fazer com ele?!  

«Theano» respondeu me encarando diretamente.

— O cubo não pode ser destruído neste estado. Mas, se for devolvido ao lugar ao qual originalmente pertence, o poder que o protege desaparecerá.

— O lugar ao qual pertence…? — murmurou Asuna, inclinando-se alguns centímetros para frente. — É a câmara do boss… a sala onde reside o guardião do Pilar dos Céus?  

— Não exatamente, Asuna — respondeu «Theano», pronunciando perfeitamente o nome da espadachim que ela havia conhecido brevemente três dias antes. — O lugar ao qual pertence não é a sala, mas a própria criatura. Este cubo era originalmente parte do guardião. Há muito, muito tempo, Mestre «Pithagrus» o retirou e o trouxe de volta para «Stachion»… Bem, na época, era apenas uma pequena vila sem nome. Foi o poder do cubo que ajudou a cidade a crescer em sua forma magnífica de hoje, mas ele nunca deveria ter caído nas mãos humanas…  

«Theano» pausou, então olhou para o cubo dourado em sua mão esquerda.  

Então, isso é uma parte do corpo do boss? E o antigo lorde, «Pithagrus», separou-o do boss e usou seu poder para criar a cidade de «Stachion»…?

Eu lutava para digerir essa nova informação que nunca soube no beta.  

O boss do sexto andar no beta era um grande cubo com cada face dividida em seções de três por três, nas cores vermelho, azul, amarelo, verde, branco e preto — essencialmente um enorme cubo mágico com mãos e pés. Se você atingisse as bordas com suas armas, elas giravam noventa graus naquela direção. À medida que repetíamos isso e alinhávamos as cores, os pequenos cubos se soltavam, revelando um núcleo que podia ser danificado — mas eu não me lembrava de nenhum cubo dourado.

Por outro lado, não era nada raro que os bosses de andar fossem alterados entre o beta e o lançamento oficial. De fato, todos, do primeiro ao quinto andar, haviam sido atualizados de alguma forma, então o sexto andar poderia ser diferente também. A questão era: qual seria o efeito de devolver o cubo dourado que «Pithagrus» havia retirado? A primeira possibilidade que veio à minha mente era que ele recuperaria seu poder original, ou seja, ficaria superpoderoso. Precisávamos derrotar o boss e seguir para o sétimo andar, então isso era algo a evitar.  

— Escuta, «Theano» — disse a comerciante de informações, mantendo seu personagem. — Meu nome é Argo. Sou próxima do Kirito e da Asuna. Queria saber uma coisa. O que exatamente acontece se você devolver esse cubo ao corpo da criatura guardiã? Não acha que ela pode ficar superforte que nem mesmo você consiga derrotá-la, né?  

Será que ela vai entender o que significa próxima de?, pensei, desviando minha mente por um instante. Theano não parecia incomodada com isso.  

— Vocês, aventureiros, querem derrotar o guardião em batalha para avançar ao próximo andar, imagino… Não sei todos os detalhes, mas tenho certeza de que devolver o cubo fará com que o guardião se mova e ataque. Porém, isso não é algo ruim para vocês. Enquanto o cubo estiver fora do corpo do guardião, ele estará protegido por um poder invisível que o torna impossível de ferir. 

— O quêêêê?! — Argo e eu exclamamos em uníssono. Olhamos um para o outro, depois para «Theano», e novamente entre nós.

Se o que ela dizia era verdade, o cubo dourado era absolutamente necessário para derrotar o boss de andar. Mas onde isso já tinha sido indicado…? 

Mesmo assim, precisei me lembrar: a "rota correta" para o teste da "Maldição de «Stachion»" era apenas o que eu sabia do beta. A morte de «Cylon» certamente havia distorcido seu caminho, mas, se tudo tivesse ocorrido normalmente, poderia haver informações sobre o boss de andar no final — e uma dica de que o cubo seria essencial na batalha.  

— Então, quando o cubo for devolvido e o guardião se mover novamente, poderemos atacá-lo, e derrotá-lo destruirá o cubo? — perguntou Asuna.  

«Theano» nada disse, apenas assentiu firmemente.  

— Então, mãe! — gritou «Myia», quebrando seu longo silêncio. — Deixe-me ajudar você! Eu sei que o guardião é terrivelmente perigoso, e sei que você está preocupada comigo… Mas se você entrar na câmara sozinha e nunca voltar, eu não conseguirei sobreviver sozinha!

Eu não perdi o poderoso olhar de conflito e indecisão nas feições de «Theano». Aquilo não era apenas um evento pré definido de história — «Myia» e «Theano» tinham suas próprias personalidades independentes e estavam agindo de maneira perfeitamente fiel a elas.  

Segundos depois, «Theano» fechou os olhos com força, pensou por um momento e os abriu novamente. Ela colocou a rapiera na bainha em seu lado esquerdo e sorriu.  

— Tudo bem, «Myia». Você se tornou muito, muito mais forte do que eu jamais imaginei… Ensinei você a manejar a espada para que pudesse sobreviver sozinha, mesmo sem mim por perto, mas isso foi apenas uma ideia egoísta minha. Obrigada… Por favor, empreste-me sua força, «Myia».  

– Eu vou! – exclamou «Myia», abandonando o ar estranhamente adulto que sempre carregava e correndo pelos degraus para abraçar sua mãe. «Theano» acariciou a cabeça da filha e olhou para nós.  

– Kirito, Asuna, Argo, sou grata a vocês por protegerem minha filha.  

Foi sua filha quem nos protegeu, pensei, retribuindo o aceno dela. Nós três subimos os degraus e nos posicionamos na entrada do décimo andar ao lado de «Theano». Com o braço esquerdo envolvendo sua filha, «Theano» estendeu uma mão silenciosa em nossa direção, que apertamos um por um. Uma quinta barra de HP apareceu na minha visão. Hesitante, chequei o nível: 32.  

Hrrmm…? Pensei, dando um passo rápido para trás. Era um número alto, especialmente para mim, um espadachim recém-chegado ao nível 21. Mas não parecia tão alto a ponto de justificar que ela pudesse derrotar mobs sozinha muito mais rápido do que o grupo composto por mim, Asuna, Argo e «Myia», que era nível 23. Seu equipamento era bom, claro, mas nada mais sofisticado do que o que era vendido nas lojas.

Mas não havia nenhuma utilidade em questionar o poder de «Theano» agora. Se esperássemos alguns minutos, o grupo da linha de frente também chegaria até nós. Certamente «Theano» concordaria em lutar com o restante deles, sabendo que isso tornaria «Myia» mais segura.  

Pedi em voz baixa para Asuna explicar a situação a eles. Ela me lançou um olhar que dizia algo como "Sério? Que saco…" antes de se aproximar de «Theano». Suspirei e olhei ao redor.  

Um corredor com uma decoração ameaçadora se estendia por cerca de dez metros a partir de nossa posição, terminando em um enorme conjunto de portas duplas de bronze. Dei alguns passos para mais perto para examiná-las e vi um relevo decorativo modelado com base no exterior da torre — ou de «Stachion» em si — em uma grade de nove por nove quadrados. Além daquele ponto, aguardava o boss do sexto andar, com nome e forma ainda desconhecidos.  

Normalmente, seriam necessárias pelo menos três expedições para reconhecimento, mas, segundo a explicação de «Theano», não era possível atacar o boss até que o cubo dourado fosse devolvido, e provavelmente ele não poderia ser removido novamente depois disso. Pelo que parecia, com base nesse truque de ativação, as portas da câmara do boss permaneceriam fechadas até o final da luta.  

Mas, de qualquer forma, estávamos ali. Tinha sido uma sucessão de eventos inesperados, mas… aquilo não era um RPG de jogador único, era um VRMMO com oito mil jogadores presos lá dentro. Certamente haveria mais e mais surpresas nos aguardando, e teríamos que resolvê-las e superá-las enquanto avançávamos. Até aquele distante centésimo andar.  

Girei nos calcanhares com força e voltei para o lado dos meus companheiros.

 

✗✗✗

 

Quinze minutos depois, o restante do grupo de jogadores subiu as escadas de forma ruidosa — e foi recebido com um sorriso meio desajeitado meu. Com a ajuda de Asuna e Argo, dei uma explicação o mais clara possível para os céticos Lind e Kibaou sobre o motivo de estarmos ali.  

— Ah, então aquela NPC tava com vocês? — resmungou Kibaou, mas, ao lhes contarmos que o cubo dourado era um item necessário para derrotar o boss, não houve mais discussões entre as duas guildas.  

Após uma reunião e um período de descanso, começamos a organizar o grupo de ataque para a luta contra o boss. As equipes A, B e C ficaram com as três partes do grupo de ALS de Kibaou. As equipes D, E e F foram compostas pela DKB de Lind. A equipe G era formada por Asuna, Argo, «Myia», «Theano» e eu. Infelizmente, os membros da Bro Squad de Agil tinham baixa agilidade e não eram adequados para corridas longas, então não participaram da perseguição.  

Estávamos um pouco carentes de tanques, mas precisaríamos compensar isso com mobilidade, pensei enquanto me encostava na parede a certa distância do resto do grupo. Apenas para ter certeza, escaneei os rostos presentes da ALS e DKB. Havia alguns membros novos no grupo, mas, novamente, não vi Morte nem Joe.  

Isso era uma coisa boa, é claro, mas também significava que não havíamos resolvido a questão do que o homem do poncho preto e seus amigos estavam fazendo ao se aliarem aos elfos caídos. Será que era para obter os Espinhos de Shmargor, aquelas agulhas de arremesso paralisantes? Elas eram armas muito poderosas, mas será que realmente sequestrariam membros de «Qusack» e forçariam-nos a envenenar a árvore espiritual por algo tão trivial quanto conseguir uma boa arma?  

— Será que eles vão tentar algo diferente desta vez? – disse uma voz ao meu lado. Era Asuna, olhando fixamente para as escadas com uma expressão séria. Ela estava na mesma linha de pensamento que eu.  

— Hmm… Se tentarem, não acho que Morte e Joe sozinhos conseguiriam subir esta torre para fazer isso. Se têm algum plano em mente, será no sétimo andar, certo?  

— Eu… eu suponho – respondeu ela, mas a nota de inquietação ainda estava em seu semblante. Entre quase morrer junto com «Cylon» e o ataque ao Castelo Galey, a gangue de PKs nos deixou na defensiva durante todo este andar. Eu entendia por que ela não queria baixar a guarda, para que isso não acontecesse novamente.

Olhei ao redor, hesitei, e então reuni coragem para mover minha mão esquerda para o lado. Meus dedos buscaram a mão de Asuna e… não a seguraram completamente, mas pressionei as juntas de nossos dedos mínimos. Sua mão delicada se contraiu, mas ela não gritou comigo nem a afastou. Alguns segundos depois, a mão de Asuna se moveu em resposta, envolvendo a ponta do meu dedo com sua palma, em uma pressão desajeitadamente contida.

Eram nove da noite de 4 de janeiro de 2023.  

O grupo de ataque, com todos os preparativos concluídos, alinhou-se diante das portas duplas. Na frente, Kibaou latiu uma curta, mas vigorosa mensagem de encorajamento ao grupo e empurrou as portas para abri-las.

 


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