Volume 1
INTERLÚDIO - A RAZÃO DOS BIGODES
«URBUS», A PRINCIPAL CIDADE DO SEGUNDO ANDAR DE Aincrad, foi esculpida diretamente no topo de uma montanha de trezentos metros de largura, com apenas o perímetro externo permanecendo de pé. Assim que passei pelo portão sul, uma notificação com a mensagem REFÚGIO SEGURO apareceu, e o som de uma música lenta de fundo da cidade começou a tocar.
Diferente da música das cidades do primeiro andar, carregada de cordas, essa era tocada por um oboé melancólico. O estilo das roupas usadas pelos NPCs circulando era sutilmente diferente, reforçando a sensação de ter chegado a um novo andar.
Cerca de dez metros após o portão, olhei ao redor e não encontrei um único cursor verde de jogador — como deveria ser. Eu havia acabado de derrotar «Illfang the Lord Kobold», boss do primeiro andar, há apenas quarenta minutos. Todos os outros membros do grupo de ataque que participaram da luta voltaram para o primeiro andar em vez de seguir pela escada em espiral até o segundo.
Isso significava que havia apenas um jogador solitário em todo este vasto andar: Kirito, ex-beta tester, beater. Era uma sensação luxuosa, mas não duraria muito. Duas horas após a morte do boss do andar, o portão de teletransporte no centro da cidade principal do andar («Urbus», neste caso) ativará automaticamente, ligando-se ao portão do andar abaixo. Assim que isso acontecesse, uma enxurrada de jogadores excitados atravessaria o portal.
Por outro lado, isso significava que, se eu quisesse, poderia monopolizar este andar por mais uma hora e vinte minutos. Com esse tempo, eu poderia completar duas ou três missões de "massacre" para matar um certo número de mobs sem ter que disputar com outros jogadores.
Era uma ideia tentadora para um aventureiro solo realmente egoísta, mas eu não tinha coragem de segurar os centenas, senão milhares de jogadores abaixo que esperavam pelo portão ansiosamente.
Percorri a rua principal de «Urbus» diretamente para o norte, subindo uma ampla escadaria até o centro da cidade, que apresentava um grande portão no meio. Não era exatamente um portão, mas sim um arco de pedra sem porta ou cerca conectada a ele. Só era possível ver que o espaço sob o arco estava levemente ondulado ao se aproximar da estrutura. Era como uma película muito fina de água suspensa no ar.
Somente após examinar o perímetro em busca de uma rota de fuga conveniente, alcancei o véu transparente e ondulante. Meu dedo, coberto por couro preto, tocou a superfície da água.
No instante seguinte, minha visão brilhou em um azul intenso. A luz pulsou em círculos concêntricos até preencher o arco de quatro metros e meio. Quando todo o espaço estava cheio, o teletransporte foi concluído e a cidade foi "aberta". O mesmo fenômeno estava acontecendo ao mesmo tempo no primeiro andar. Os jogadores abaixo estariam se preparando para atravessar o portal recém-terminado, agora que perceberam que não precisariam esperar as duas horas completas.
Mas eu não esperei para testemunhar todo o espetáculo. Virei e corri em direção a um edifício semelhante a uma igreja no lado leste da praça, arrebentando a porta e subindo as escadas internas. Eventualmente, cheguei a uma pequena sala no terceiro andar e me encostei à parede ao lado de uma janela para poder ver a clareira.
No momento exato, o interior do portão brilhou, e os músicos NPC instalados no canto da praça começaram a tocar a alegre e festiva — Fanfare de Abertura. Um segundo depois, inúmeros jogadores saíram pela luz azul em um emaranhado de cores.
Alguns pararam no meio da clareira e olharam ao redor. Alguns seguravam mapas de pergaminho comprados de vendedores de informações e saíram correndo. Alguns ergueram os punhos no ar e gritaram:
— Chegamos ao segundo andar!
Uma abertura de cidade semelhante havia ocorrido nove vezes no beta do SAO, e em cada caso, os membros do ataque que haviam derrotado o boss do andar anterior alinhavam-se de frente para o novo portão de teletransporte, absorvendo os aplausos e felicitações daqueles que subiam para ver o novo ambiente.
Mas, neste caso, eu era a única pessoa que havia permanecido para abrir a cidade, e havia saído correndo. Não haveria nenhum grande evento de celebração. Talvez aqueles que olhavam curiosamente ao redor da praça estivessem me procurando, mas eu não podia me apresentar.
Minutos antes, após derrotarmos o boss, fiz uma proclamação aos quarenta e poucos membros do ataque de que eu, Kirito, não era apenas um beta-test, mas um beater que havia ascendido mais do que qualquer um dos outros mil, acumulando mais informações sobre o jogo do que qualquer outra pessoa.
Não era por desejo de interpretar o vilão. Fiz isso para evitar que a ira dos novos jogadores do varejo se concentrasse nos ex-beta tester, mas o resultado final foi que, em breve, todos os jogadores de alto nível do jogo conheceriam minha infâmia. Aparecer em público não provocaria aplausos, mas vaias feias. Eu não tinha força de vontade para suportar esse tipo de hostilidade aberta.
Então, decidi me esconder no terceiro andar desta capela até que a excitação na praça diminuísse. No entanto…
— Huh?
Percebi algo estranho na praça. Uma jogadora que atravessou o portão correu desenfreada diretamente para o extremo oeste da praça. Ela poderia estar correndo para encontrar uma loja de armas ou um NPC que dá missões, mas o verdadeiro problema eram os dois homens que apareceram depois dela. Eles pararam brevemente e procuraram pela jogadora que se afastava, então correram atrás dela. Eles claramente estavam perseguindo a mulher.
O refúgio seguro da cidade estava sob o código anti-crime, então normalmente eu não prestaria atenção a algo assim, mas era diferente quando a pessoa sendo perseguida era alguém que eu conhecia. Aqueles cachos castanhos e a armadura de couro simples pertenciam a ninguém menos que Argo, a Rata.
Muitas pessoas a odiavam e seu lema era — vender qualquer informação por um preço — mas algo estava errado se eles estavam correndo àquela velocidade. Pensei na situação por um momento, então coloquei um pé no peitoril da janela e saltei para o telhado abaixo.
Corri pelos telhados e saltei para o próximo telhado, fazendo bom uso do meu alto status de agilidade antes que alguém pudesse me notar, e continuei pelos telhados na direção da perseguição. Essa façanha só era possível graças à altura uniforme dos edifícios em «Urbus».
Acenei com a mão para abrir o menu enquanto corria atrás deles, clicando no botão de Pesquisa na aba de habilidades. Quando um sub-menu apareceu, selecionei «Tracking» e digitei o nome Argo no campo. Um conjunto de pegadas verdes de repente brilhou no caminho abaixo de mim.
«Tracking» era um efeito modificador na habilidade de «Searching», uma vez que seu nível de proficiência fosse suficientemente alto. Foi projetado para aumentar a eficiência na caça de mobs, mas também podia ser usado para rastrear um jogador na sua lista de amigos. Meu nível ainda era bastante baixo, então eu só conseguia ver pegadas de até um minuto atrás. Corri ao lado do rastro, tentando acompanhar antes que desaparecessem.
Se Argo, com sua incrível agilidade, não conseguia despistar os dois homens, eles eram um problema sério. Eu não os reconhecia da incursão ao boss, mas eles tinham que estar entre os jogadores de nível mais alto. Além disso, a perseguição estava seguindo diretamente pela rota oeste e através do portão da cidade esculpido no perímetro externo da montanha de topo plano onde «Urbus» estava situada.
As planícies a oeste da cidade eram uma zona perigosa, populada por grandes mobs bovinos. A situação estava ficando bastante sombria agora. Mordi o lábio e corri para a savana virtual.
O deserto além das planícies era tão mortal que, mesmo no meu nível, era arriscado demais ir lá sozinho. Felizmente, as pegadas na grama estavam ficando mais brilhantes, o que significava que o ritmo de Argo estava diminuindo e eu estava me aproximando. Eventualmente, cheguei a um pequeno cânion entre duas colinas rochosas e ouvi uma voz familiar.
— Já te disse cem vezes! Eu não venderia essa informação, não importa o preço!
A inflexão nasal era, sem dúvida, de Argo, mas estava mais feroz e irritada do que eu jamais ouvira antes. Em seguida, uma voz masculina igualmente furiosa respondeu.
— Você não pretende monopolizar a informação, mas também não a revelará. Só podemos presumir que você busca inflar seu valor para vendê-la!
A maneira de falar dele era estranhamente arcaica. Diminui a velocidade e comecei a escalar a face da rocha ao lado do cânion. Mesmo o terreno mais proibitivo no SAO podia ser escalado com persistência e esperteza. Era uma ambição secreta minha tentar escalar um dia os enormes pilares que separavam os andares de Aincrad na esperança de evitar os labirintos por completo. Mas minha escalada clandestina neste caso não foi por querer um bom desafio, mas para garantir minha própria segurança.
Depois de cerca de quatro metros e meio, alcancei um espaço estreito e plano que dava vista para o cânion. Avancei de joelhos e mãos. As vozes gritantes estavam quase diretamente abaixo de mim.
— Não é uma questão de preço! Estou dizendo que não quero vender algo se tudo que isso me traz é ódio em troca!
O segundo homem respondeu: — Que disputa teríamos com você? Como dissemos, pagaremos o preço pedido e seremos gratos pelo seu serviço! Apenas nos venda a informação sobre a missão especial deste andar que concede a Habilidade Extra!
…O quê? Agora eu prendi completamente a respiração. Habilidades Extras eram habilidades ocultas que não podiam ser escolhidas sem cumprir condições especiais. Apenas uma havia sido descoberta no beta: a habilidade de «Meditation», na qual assumir uma pose de concentração aumentava a taxa de recuperação de HP e diminuía o tempo de inflição de efeitos negativos.
Devido ao seu uso complicado e aparência nada legal, poucos se deram ao trabalho de conquistá-la. Eu suspeitava que a habilidade de katana usada pelo The lord Kobold e pelos mobs samurai no décimo andar pudesse ser uma Habilidade Extra também, mas os meios para desbloqueá-la ainda eram um mistério.
De qualquer forma, Argo e os dois aspirantes a atores claramente não estavam falando sobre Meditação. O NPC que ensinava essa habilidade estava no sexto andar. Não, isso era sobre alguma missão oculta no segundo andar que nem eu sabia (e quase nenhum dos ex-beta tester sabia) que desbloqueava uma Habilidade Extra, e os dois homens estranhos estavam pressionando Argo por essa informação.
As vozes dos homens ficaram mais altas.
— Não vamos recuar — não hoje, entendeu?
— Essa Habilidade Extra é necessária para completarmos nossos personagens, entendeu?
— Você simplesmente não entende! Não vou vendê-la a ninguém, entendeu — quero dizer, não vou vendê-la, ponto final!
A tensão no ar tornou-se elétrica, crepitando tangivelmente. Pulei de pé na saliência rochosa e saltei os quatro metros e meio até o chão abaixo, pousando perfeitamente entre Argo e os homens. Eu não tinha pontos de agilidade suficientes para saltar essa distância sem danos, então tive que tensionar meus joelhos para amortecer o impacto.
— Quem está aí?!
— Um intruso de uma província inimiga?!
Um único olhar para suas roupas enviou um poderoso choque através da minha memória. Eles vestiam armaduras de tecido em cinza escuro, com cotas de malha leves por cima. Notei pequenas cimitarras penduradas em suas costas e bandanas cinza escuras com máscaras de pirata combinando com a armadura.
Tomadas como um todo, essas roupas poderiam ser interpretadas como uma tentativa criativa de recriar um clássico traje de ninja. Não pude deixar de sentir que já havia visto pessoas vestidas nesse estilo durante o beta também.
— Oh! Vocês são, hum, vocês são... vamos ver, os F, Fu... Comida? Não, Fugue — não, isso também não...
— É Fuma!
— Nós somos Kotaro e Isuke da Força Ninja Fuma!!
— Certo! Era isso!
Estalei os dedos, satisfeito por minha memória ter sido corrigida. Esses dois eram membros de uma guilda ninja temida por sua incrível velocidade durante o beta. Quanto ao motivo pelo qual eles eram temidos — como Argo, eles elevaram sua agilidade ao máximo, formando uma parede de velocidade impressionante na linha de frente, e depois fugiam quando a batalha se tornava muito perigosa. Quando os mobs os perseguiam, geralmente acabavam direcionando-se a um grupo diferente quando os ninjas escapavam, o que lhes rendeu uma reputação muito ruim.
Eu não percebi que eles continuaram aderindo ao caminho do shinobi mesmo depois que SAO se tornou um jogo de morte, mas eu não tinha problema com sua escolha — por enquanto. Mas perseguir uma jogadora, cercá-la e exigir seus segredos comerciais era cruzar uma linha.
Certifiquei-me de que Argo estava segura atrás de mim e passei um dedo ao longo do punho da minha «Anneal Blade» +6.
— Como espião do shogun, não posso ignorar os atos malignos dos Fuma.
Instantaneamente, os olhos de Kotaro e Isuke brilharam sob seus capuzes ninja falsificados.
— Seu cachorro de Iga!!
— Huh?!
Parece que minha piada meia-boca tocou um nervo, e eles me confundiram com um membro de uma escola rival. Em um ritmo perfeito, eles alcançaram suas costas para remover as cimitarras que passavam por lâminas ninja.
Eles não iam sacar as armas contra mim, iam? Por outro lado, estávamos ao ar livre, onde o código anti-crime não tinha efeito. Se um jogador atacar outro jogador, danos serão causados. Ao mesmo tempo, o cursor do agressor se tornaria laranja, sinalizando-o como um criminoso e impedindo-o de entrar na cidade. Mesmo ninjas não poderiam enganar o deus que presidia este jogo.
Eu considerei brevemente resolver o argumento com a alegação absurda de que eu não era um ninja de Iga, mas um ninja de Koga como eles, quando a situação foi resolvida de uma maneira bastante inesperada.
Quando me infiltrei no cânion, escalei as paredes para ouvir sua conversa em vez de ficar parado perto da entrada. Fiz isso porque estávamos no deserto, não na cidade, e ficar parado em um lugar por muito tempo sempre levava a uma coisa acontecendo.
Dei um passo cuidadoso para trás e murmurei:
— Atrás de vocês.
— Não cairemos em seus truques!
— Não é truque. Olhe atrás de vocês.
Algo na minha voz convenceu os ninjas céticos. Kotaro e Isuke viraram a cabeça e abruptamente saltaram para trás. Bem diante de seus olhos, algo se juntou ao grupo. Não, algo.
Era um Boi Trêmulo, um mob gigante de gado único do segundo andar, com mais de dois metros de altura no ombro. Seu poder de ataque e resistência eram óbvios à primeira vista, mas o que os tornava tão perigosos era seu alcance de alvo extremamente longo, tanto em tempo quanto em distância. Eu havia escalado as rochas inacessíveis especificamente para evitar chamar a atenção dessas feras temíveis.
Brooooh!! — O boi rugiu.
— G-Gaaah!!
Os ninjas gritaram em uníssono. Com uma velocidade impressionante, dois borrões vestidos de cinza dispararam de volta para a cidade, longe do cânion, mas o boi mostrou uma agilidade surpreendente para seu tamanho. Em não mais que cinco segundos, os passos retumbantes e os gritos desapareceram no horizonte. Kotaro e Isuke provavelmente estariam em uma corrida até «Urbus».
A grande guerra ninja estava evitada por enquanto, suspirei de alívio e olhei para o meu corpo. Até uma hora atrás, eu estava vestindo um traje tedioso de calças de couro preto, camisa de algodão e um casaco de couro cinza escuro.
No entanto, com o «Coat of Midnight» único loot de «Illfang the lord Kobold», eu estava vestido de preto para combinar com meu cabelo e olhos. Parecia uma boa maneira de reforçar a persona de beater que eu havia desenvolvido, mas eu tinha que admitir que também me fazia parecer um pouco como um ninja. Comecei a pensar se deveria usar uma camisa de cor diferente para evitar rumores sobre — Kirito, o Ninja de Iga — a partir de agora.
Mais uma vez, fui tirado dos meus pensamentos por um evento muito inesperado.
Dois braços pequenos se estenderam e apertaram minha cintura por trás. Senti um calor suave nas minhas costas e ouvi um sussurro fraco.
— Isso foi um pouco demais, Kii-boy.
Pertencia a Argo, que estava em silêncio desde que eu saltei do meu poleiro. Mas parecia que o som de sua voz era diferente de alguma forma da Rata irritante e presunçosa que eu conhecia.
— Continue assim e você pode forçar a Big Sister a quebrar a primeira regra da negociante de informações.
... Big Sister? A primeira regra da negociante de informações?
Eram palavras intelectualmente muito curiosas, mas como um viciado em jogos do ensino médio com zero habilidades pessoais, eu não tinha ideia de como reagir à situação. Congelei, minha mente correndo, e eventualmente encontrei minha resposta.
— Você me deve uma, lembra? Não posso deixar que nada aconteça com você até que você explique a razão dos seus bigodes.
Argo, a Rata, tinha três grossas linhas de bigode preto desenhadas em cada bochecha com tinta facial. Eles eram a origem de seu apelido, mas ninguém sabia por que ela os pintava em primeiro lugar. Ela alegava que a resposta custaria o preço surpreendente de cem mil col.
Mas na recente batalha contra o boss, eu havia assumido o manto de um beater, distinguindo-me da maioria dos beta-test, incluindo Argo, e afastando a ira dos novos jogadores de varejo deles. Depois disso, ela me enviou uma mensagem de agradecimento, oferecendo uma única informação gratuita. Eu disse a ela que queria saber a razão dos seus bigodes.
Eu quis fazer uma piada leve para aliviar a gravidade da situação, mas isso só fez Argo pressionar o rosto ainda mais contra minhas costas.
— Certo, eu vou te contar. Apenas espere para que eu possa tirar a tinta…
Huh? A tinta… significando seus bigodes? Então ela ia me mostrar seu rosto limpo, algo que ela nunca havia mostrado a ninguém no jogo? Isso tinha um significado simbólico mais profundo?
Minha ansiedade social subiu a um nível perigoso. Antes que ela pudesse me soltar, gritei.
— N-Não importa, tive uma ideia melhor! Que tal você me contar os detalhes daquela habilidade oculta sobre a qual aqueles caras estavam falando?!
🗡メ
Quando Argo me soltou e veio para a minha frente, felizmente ainda tinha os três grandes bigodes em cada bochecha. Eu poderia jurar que, pouco antes de me soltar, ela murmurou um fraco ou covarde. Ou foi minha imaginação?
De volta ao seu habitual olhar impertinente, a Rata cruzou os braços e resmungou.
— Bem, eu disse que te contaria uma coisa, e um trato é um trato. Mas você precisa me prometer algo também, Kii-boy. Você não pode me culpar pelo que acontecer, não importa o quê!
— Você disse a mesma coisa para aqueles ninjas antes. O que você quis dizer com isso? Por que alguém guardaria rancor de você por vender informações sobre uma Habilidade Extra que todos querem?
Argo respondeu à minha pergunta com seu familiar sorriso sarcástico.
— Essa vai te custar, Kii-boy.
Sufoquei um suspiro.
— Tudo bem, eu prometo. Juro por Deus — quero dizer, juro pelo sistema, não importa o que aconteça, eu não vou te culpar.
Mesmo que essa busca por uma Habilidade Extra fosse potencialmente mortal, eu poderia determinar isso por conta própria. Argo assentiu e me chamou para segui-la.
A rota que percorremos a partir dali nunca teria ocorrido a mim sem um item de mapa, ou infinita curiosidade e persistência.
Ela me levou pela lateral de uma das muitas montanhas de topo plano que pontuavam o segundo andar — que era do mesmo tamanho que o primeiro — depois para uma pequena caverna e por um rio subterrâneo como um toboágua. Encontramos três batalhas no caminho, mas com meu nivelamento cuidadoso em preparação ao boss do primeiro andar, não foram um grande problema. A viagem levou cerca de trinta minutos ao todo.
Com base na nossa localização no mapa, parecia que quase escalamos a montanha rochosa que se erguia na borda leste do segundo andar. Estávamos em uma pequena clareira cercada por paredes de rocha pura por todos os lados, com nada além de uma nascente de água, uma única árvore — e um pequeno barracão.
— ….É isso?
Argo assentiu. Caminhei até o edifício. Parecia não haver perigo, pelo menos até agora. De repente, a porta diante de mim se abriu.
Dentro havia alguns móveis e um NPC. Era um homem grande e idoso, todo músculo e osso, careca como uma bola de bilhar, com uma magnífica barba. Havia uma exclamação dourada acima de sua cabeça, o sinal de uma missão.
Olhei para Argo e ela assentiu.
— Esse é o NPC que te dá a Habilidade Extra, «Martial Arts». Isso é tudo que posso te dizer. Cabe a você aceitar a missão ou não.
— «M... Martial Arts»?
Nunca tinha ouvido esse termo no beta. Argo ofereceu alguns detalhes extras, afirmando que eram gratuitos.
— «Martial Arts» é o termo abrangente para ataques usando apenas as mãos, sem armas, eu imagino. Será útil quando você perder sua arma ou ela ficar sem durabilidade e quebrar.
— Whoa... Sim, isso parece realmente útil, ao contrário de «Meditation». Nesse caso... acho que posso entender por que aqueles ninjas estavam tão determinados a obtê-la para si.
Argo parecia confusa, então ofereci uma explicação minha, por conta da casa.
— As pessoas pensam que ninjas usam uma lâmina ninja e shurikens, mas é um pouco diferente no mundo dos jogos. Um bom golpe de pulso no pescoço, e a cabeça voa. Por qualquer motivo, esse tem sido o ápice do estilo de qualquer ninja em jogos. Então Kotaro e Isuke queriam a habilidade de «Martial Arts» para completar sua imagem perfeita de um ninja. Mas, nesse caso... se eles não sabiam onde encontrar este lugar, como sabiam que envolvia a habilidade, e que você sabia sobre isso também?
— Essa é dupla por conta da casa. No final do beta, um NPC no sétimo andar revelou algumas informações sobre o mestre de Artes Marciais no segundo andar. Eu o havia encontrado muito antes disso, claro, mas estou supondo que os ninjas ouviram isso desse cara no sétimo andar. Então, quando comecei a entrar no negócio de guias de estratégia aqui, eles vieram até mim para obter detalhes sobre a Habilidade Extra.
— Então... por que você não disse simplesmente que não sabia? Assim eles não te incomodariam tanto…
Ela fez uma careta à minha pergunta direta.
— Acho que meu orgulho como comerciante de informações me impediu de simplesmente dizer — não sei.
— Então você disse que sabia, mas que não venderia. Bem... acho que posso entender por que você faria essa afirmação...
Sufoquei um suspiro e olhei de volta para o NPC, que havia assumido uma posição Zen em um pequeno tapete parecido com tatame no centro da cabana.
— E você não vendeu porque tinha medo de que seu comprador te culpasse por isso. Bem, se você me perguntar, parece que você já fez mais do que alguns inimigos…
— Qualquer rancor sobre informações vendidas ou compradas só dura três dias! Mas esse é diferente! Pode durar a vida toda…
O pequeno corpo de Argo tremeu. Pensei por vários segundos, então cheguei a uma conclusão.
— Então acho que só tenho que descobrir o que acontece depois deste ponto por mim mesmo. Tudo bem, você tem um trato: O que quer que aconteça, eu não vou te culpar.
Entrei na cabana e fiquei na frente do homem meditando. Ele estava vestindo uma roupa esfarrapada que parecia uma túnica.
— Você quer seguir minha escola?
— Isso mesmo.
— A estrada do treinamento é longa e repleta de perigos.
— É isso que eu gosto de ouvir.
A exclamação acima da cabeça dele se transformou em um ponto de interrogação, e o registro de aceitação da missão rolou diante dos meus olhos.
Meu novo mestre me escoltou para fora da cabana até uma pedra maciça na borda de seu jardim revestido de pedras. Ele caminhou até a pedra e a acariciou, com bons seis pés de altura e cinco de largura, depois esfregou os bigodes com a outra mão.
— Seu treinamento é simples: Divida esta pedra com seus dois punhos. Se você conseguir, eu te ensinarei todos os meus segredos.
— U-Um… tempo.
Surpreso por esse desafio inesperado, dei uma leve batida na grande pedra. Quando você se acostuma ao jogo, pode dizer a durabilidade de um alvo com base na sensação física. O que senti foi uma superfície ultra-rígida, apenas um degrau abaixo de um objeto imortal.
Sim. Não dá pra fazer isso. Virei-me para o professor, pronto para cancelar a missão. Mas antes que eu pudesse falar—
— Você não tem permissão para descer esta montanha até quebrar a pedra. Vou colocar o sinal em você agora.
Falou o professor enquanto tirava dois objetos dos bolsos do seu manto. Em sua mão esquerda havia um pequeno pote. Na direita, um pincel grosso e magnífico.
De repente, tive uma sensação tão ruim sobre isso que as palavras uma sensação ruim praticamente surgiram na minha cabeça. Antes que eu pudesse anunciar que estava desistindo da escola de artes marciais, a mão do mestre disparou com uma velocidade incrível. Ele mergulhou a ponta do pincel no pote e o passou pelo meu rosto.
Foi nesse momento exato que entendi de onde vinham os bigodes de Argo. Ela havia encontrado esse velho por conta própria durante o beta e aceitado sua missão. Quem não aceitaria? Ele ordenou que ela quebrasse a pedra e desenhou em seu rosto — três bigodes grossos em cada bochecha.
— Q-Queee?!
Gritei lamentavelmente e caí para trás. Meu olhar encontrou o de Argo. Seu rosto de ratinha estava cheio de profunda tristeza, empatia — e a tensão de quem estava segurando a maior risada de barriga que já teve.
Livre do ataque do pincel, tentei esfregar meu rosto com as mãos. Mas a tinta era ultra rápida para secar, e nada saiu nos meus dedos. O mestre acenou satisfeito com seu trabalho e então fez uma proclamação chocante, mas tristemente previsível.
— Esse sinal não desaparecerá até que você quebre esta pedra e complete seu treinamento. Tenho fé em seu potencial, meu aprendiz.
E ele caminhou de volta para sua cabana e entrou pela porta.
Depois de bons dez segundos parados, olhei para Argo, cujo rosto ainda era uma mistura sutil de emoções.
— Entendo… Então você aceitou essa missão durante o beta… e teve que desistir. Você jogou até o fim do beta com esses bigodes ainda desenhados no seu rosto. No fim das contas, isso ajudou a desenvolver a persona da Rata, então você manteve a tradição da pintura quando o jogo foi lançado… Tudo faz sentido.
— Brilhante dedução! — Ela aplaudiu. — Você não é sortudo, Kii-boy? Você descobriu tanto a razão dos meus bigodes quanto os detalhes da Habilidade Extra, tudo junto! Na verdade, vou até te dar mais uma informação. Aquela pedra… é dura pra caramba!
— Isso era de se esperar.
Resisti à vontade de cair no chão e perguntei a Argo uma última coisa, minha última esperança.
— Ei… ele pintou bigodes no meu rosto igual aos seus?
— Hmm, não são os mesmos.
— Oh…? C-Como eles são?
Se não fossem muito óbvios, ou até parecessem legais, eu teria a opção de voltar à minha vida normal com um visual ligeiramente diferente. Eu não tive coragem de olhar meu reflexo na lagoa, então deixei Argo me encarar por mais três segundos.
— Se eu tivesse que te descrever em uma palavra, seria… Kiriemon.
Isso foi a gota d'água para ela. Ela caiu no chão, debatendo os pés e gritando de tanto rir. Repetidas vezes.
Depois de três dias inteiros na montanha e incontáveis tentativas dolorosas, eu quebrei aquela pedra. Fico feliz por não ter que odiar Argo pelo resto da minha vida.
Este capítulo foi traduzido pela Mahou Scan. Entre no nosso Discord para apoiar nosso trabalho!