Sword Art Online Progressive Japonesa

Tradução: slag

Revisão: Shisuii


Volume 1

ÁRIA EM UMA NOITE SEM ESTRELAS - PRIMEIRO ANDAR DE AINCRAD, NOVEMBRO DE 2022

 

 

1

APENAS UMA VEZ, EU VI UMA ESTRELA CADENTE REAL.

Não foi em uma viagem de acampamento sob as estrelas, mas da janela do meu quarto. Isso não seria algo tão raro para aqueles que viviam em lugares com céus limpos ou que são propriamente escuros à noite, mas minha casa de catorze anos, Kawagoe na Prefeitura de Saitama, não era nada disso. Mesmo em uma noite limpa, você só conseguia ver as estrelas mais brilhantes a olho nu. Mas em uma noite de inverno, lancei um olhar pela janela e peguei um vislumbre de uma brilhância momentânea caindo verticalmente através de um céu noturno estrelado pálido com a luz da cidade. Eu estava na quarta ou quinta série na época, e em minha inocente juventude, decidi fazer um pedido ... apenas para desperdiçá-lo na coisa mais sem sentido imaginável.

— Desejo que o próximo mob drope um item raro.

Eu estava no meio de  um farme para subir de nível em meu MMORPG favorito na época. Vi outra estrela cadente da mesma cor e velocidade três (ou talvez quatro) anos depois. Mas isso não foi a olho nu, e não brilhou contra o céu noturno cinza. Isso aconteceu nas profundezas sombrias de um labirinto criado pelo «NerveGear» — a primeira interface de realidade virtual imersiva completa do mundo.

A forma como o esgrimista lutou me fez pensar na palavra possuído.

Ele se esquivou do machado grosseiro do Soldado Kobold em Ruínas de nível 6 de uma maneira tão apertada que senti um arrepio na espinha. Após três esquivas bem-sucedidas, o equilíbrio do kobold foi totalmente perdido, e ele desferiu uma habilidade de espada de força total na criatura indefesa. Ele usou o «Linear», um simples avanço que era o primeiro ataque que qualquer um aprendia na categoria de esgrima. Era um ataque muito comum, um avanço torcido diretamente de uma posição central, mas sua velocidade era impressionante. 

Claramente, não era apenas o sistema de assistência de movimento do jogo funcionando, mas sim o produto de sua própria habilidade atlética. Eu já tinha visto outros jogadores e até mobs usarem a mesma habilidade inúmeras vezes durante o beta, mas tudo que eu conseguia captar desta vez era o efeito visual da trajetória da espada, e não um vislumbre da lâmina em si. 

O repentino flash de luz pura no meio do breu da masmorra trouxe à minha mente a memória daquela estrela cadente.

Após três repetições do mesmo padrão de esquivar-se do combo do kobold e responder com «Linear», o esgrimista havia derrotado a criatura — uma das mais difíceis da masmorra — sem levar um arranhão. Mas não foi uma batalha preguiçosa ou fácil. Assim que a última investida rasgou o peito do kobold e o transformou em estilhaços poligonais vazios, ele recuou e bateu contra a parede, como se a desintegração da criatura o tivesse empurrado para trás. 

O homem escorregou pela parede até sentar no chão, respirando com dificuldade. Ele não tinha me notado parado em um cruzamento de túneis a cerca de quinze metros de distância. Minha atividade normal neste ponto seria desaparecer silenciosamente e encontrar minha própria presa para caçar. Desde que tomei a decisão há um mês de jogar como um jogador solo egoísta, nunca fui até outra pessoa. A única exceção seria se eu visse alguém em perigo mortal, mas o esgrimista nunca caiu abaixo de sua saúde total. Pelo menos, ele não parecia precisar que ninguém chegasse oferecendo ajuda.

Mas ainda assim…. Ele era magro e de estatura pequena, vestindo uma breastplate de bronze leve sobre uma túnica de couro vermelho profundo, calças de couro justas e botas até o joelho. Seu rosto estava escondido sob um capuz com uma capa que ia da cabeça à cintura. 

Tudo, exceto a capa, era uma armadura leve adequada para um esgrimista ágil, mas também era semelhante à roupa do meu espadachim. Minha amada «Anneal Blade», uma recompensa por uma missão de alto nível, era tão pesada que eu precisava cortar o equipamento volumoso para manter meus movimentos afiados — eu não usava nada mais pesado do que um casaco de couro cinza escuro e uma pequena breastplate.

O esgrimista deu um salto quando ouviu meus passos, mas não se afastou mais. Ele teria visto a cor verde do meu cursor para tranquilizá-lo de que eu não era um mob. Sua cabeça permaneceu pendurada entre seus joelhos virados para cima, um claro sinal de que ele queria que eu continuasse andando, mas parei a alguns metros de distância.

— Um pouco overkill, na minha opinião.

Os ombros esguios sob a capa espessa deram de ombros novamente. O capuz se moveu para trás apenas um ou dois centímetros, e vi dois olhos afiados me encarando. Tudo o que pude ver foram duas íris castanhas claras; os contornos de seu rosto ainda estavam escondidos. Depois de vários segundos de um olhar tão penetrante quanto aqueles golpes de espada, ele inclinou levemente a cabeça para o lado. Parecia sugerir que ele não entendia o que eu queria dizer.

Interiormente, suspirei resignado. 

Havia um grande incômodo em minha mente que me impedia de continuar meu caminho solitário. O «Linear» do esgrimista era assustadoramente perfeito. Não apenas os movimentos pré e pós — eram extremamente breves, o próprio ataque era mais rápido do que eu podia ver. Nunca estive na presença de uma habilidade de espada tão aterrorizante e bela antes.

A princípio, presumi que ele fosse um ex-beta tester. Aquela velocidade tinha que ter vindo de muita experiência ganha, antes que este mundo mergulhasse em seu estado mortal. Mas quando vi aquele «Linear» pela segunda vez, comecei a questionar a minha suposição. Em comparação com a excelência de seu ataque, o fluxo de batalha do esgrimista era imprudente. 

Sim, a estratégia defensiva de esquivar-se dos golpes inimigos com o mínimo de movimento levava a contra-ataques mais rápidos do que bloquear ou aparar, além de economizar o desgaste do equipamento. 

Mas as consequências do fracasso superavam em muito esses aspectos positivos. No pior cenário, um acerto bem-sucedido pelo inimigo poderia ser tratado como um contra-ataque que incluísse um breve efeito de atordoamento. Para um lutador solo, ser atordoado era um beijo da morte.

Não fazia sentido — esgrima brilhante combinada com uma estratégia francamente imprudente. Eu queria saber o porquê, então me aproximei e perguntei em voz alta se poderia ser overkill.

Mas ele nem mesmo entendia aquele termo online extremamente comum. O esgrimista sentado no chão aqui não poderia ser um beta-tester. Ele nem mesmo poderia ter sido um jogador de MMO antes de vir para este jogo.

Respirei fundo e comecei uma explicação.

— Overkill é um termo usado quando você causa muito mais dano do que a quantidade de vida que o mob tem restante. Após o seu segundo «Linear», aquele kobold estava quase morto. Ele tinha apenas dois ou três pixels restantes em sua barra de HP. Você poderia tê-lo finalizado facilmente com um ataque leve, em vez de ir para uma habilidade completa de espada.

Quantos dias fazia desde que eu tinha dito tantas palavras de uma vez? Quantas semanas? Sendo um pobre estudante japonês, minha explicação foi tão elegante quanto um ensaio, mas o esgrimista não mostrou resposta por dez segundos inteiros. Finalmente, uma voz suave murmurou das profundezas do capuz.

— Há algum problema em causar muito dano?

Finalmente, após tanto tempo, percebi que o esgrimista agachado era o encontro mais raro neste mundo inteiro, para não mencionar nas profundezas de uma dungeon — não um jogador masculino, mas uma jogadora.

O primeiro VRMMORPG do mundo, Sword Art Online, havia aberto suas portas virtuais quase um mês antes. Em um MMO comum, os jogadores estariam atingindo o limite inicial de nível e o mundo inteiro do jogo teria sido explorado de ponta a ponta. Mas aqui em SAO, mesmo os melhores jogadores mal chegavam ao nível 10 — e ninguém sabia qual era o limite. Apenas alguns porcentos do cenário do jogo, o castelo flutuante Aincrad, haviam sido mapeados.

SAO não era mais exatamente um jogo. Era mais uma prisão. Sair do jogo era impossível, e a morte do avatar do jogador resultava na morte do corpo do jogador, ponto final. Sob essas circunstâncias severas, poucas pessoas se arriscavam com os perigos dos mobs e armadilhas de uma dungeon.

Além disso, o mestre de jogo forçava o avatar de cada jogador para o gênero real deles, o que significava uma escassez massiva de mulheres no jogo. Eu tinha assumido que a maioria delas ainda estava acampada no refúgio seguro da «Town of Beginnings», a cidade inicial. 

Eu tinha visto garotas apenas duas ou três vezes neste enorme dungeon — o labirinto do primeiro andar — e todas estavam no meio de grandes grupos de aventureiros. Assim, nunca me ocorreu que este esgrimista solitário à beira do território inexplorado, no fundo da dungeon, pudesse ser realmente uma garota.

Breve consideração de murmurar um pedido de desculpas e sair às pressas. Eu não estava em uma cruzada contra os homens que sempre faziam questão de falar com qualquer jogadora que vissem sem hesitação, mas definitivamente não queria ser identificado como um deles.

Se ela tivesse respondido com um 'cuida da tua vida' ou 'eu faço o que quiser', eu não teria escolha senão concordar e seguir em frente. Mas a resposta do esgrimista pareceu ser uma pergunta honesta, então parei e tentei elaborar uma explicação adequada.

— Bem ... não há penalidade no jogo por overkilling — é apenas ineficiente. As habilidades de espada requerem muita concentração, então quanto mais você as usa, mais exausto fica. Você ainda precisa voltar para casa, certo? Você deveria tentar conservar mais energia.

— Voltar para casa…….?

A voz do capuz questionou novamente. 

Era um monótono esfarrapado, aparentemente exausto, mas achei bonito. Eu não disse isso em voz alta, é claro. Em vez disso, tentei elaborar.

— Sim. Vai levar uma boa hora para sair do labirinto deste ponto, e até a cidade mais próxima fica a mais trinta minutos daqui, certo? Você vai cometer mais erros quando estiver cansada. Você parece ser uma jogadora solo; esses erros podem facilmente se tornar fatais.

Enquanto falava, me perguntava por que estava a aconselhando tão sinceramente. Não era porque ela era uma menina, pensei. Eu tinha iniciado essa conversa antes de perceber seu gênero.

Se os papeis fossem invertidos e alguém estivesse me dando uma palestra arrogante sobre o que eu deveria fazer, certamente mandaria a pessoa se ferrar. Uma vez que percebi o quão contraditórias eram minhas ações com minha personalidade, o esgrimista finalmente reagiu.

— Nesse caso, não há problema. Eu não vou para casa.

— Huh? Você não... não vai voltar para a cidade? Mas e quanto a recarga de poções, reparar equipamentos, dormir...?

Perguntei, incrédulo. Ela deu de ombros.

— Não preciso de poções se não tomar dano, e comprei cinco da mesma espada. Se precisar dormir, é só fazer isso na área segura próxima. 

Ela disse roucamente. 

Eu não tinha resposta. A área segura era uma pequena sala localizada dentro da dungeon que nunca corria o risco de gerar mobs. Era facilmente distinguida por suas tochas coloridas em cada canto da sala. Eram úteis como um ponto de apoio ao caçar ou mapear uma dungeon, mas não eram destinadas a mais do que uma soneca de uma hora. 

Os quartos não tinham camas, apenas pisos de pedra dura, e a porta aberta não impedia os incessantes sons de passos monstruosos e rosnados no corredor do lado de fora. Nem mesmo os mais corajosos dos aventureiros conseguiam dormir honestamente nessas condições.

Mas se eu fosse levar a sério o que ela disse, ela estava usando aquela câmara de pedra apertada como substituto de um quarto de pousada adequado para acampar permanentemente dentro da dungeon. 

Isso poderia estar certo?

— Um… há quantas horas você está aqui dentro?

Perguntei, com medo de saber a resposta. Ela exalou lentamente. 

— Três dias ... talvez quatro. Você terminou? O próximo mob vai aparecer em breve, então preciso continuar.

Ela colocou uma mão frágil e enluvada na parede da dungeon e subiu instavelmente. Com a rapieira pendurada em sua mão tão pesada quanto uma espada de duas mãos, ela virou as costas para mim.

Conforme ela avançava, vi rasgos rasgados na capa que falavam de sua péssima condição. Na verdade, era um milagre que, após quatro dias acampando em uma dungeon, o pano frágil estivesse intacto. Talvez sua afirmação de não receber nenhum dano não fosse apenas uma jactância ociosa...

Mesmo eu não esperava as palavras que saíram da minha boca para as costas dela. 

— Se você continuar lutando assim, vai morrer.

Ela parou e deixou o ombro direito descansar contra a parede antes de se virar. Os olhos que eu pensava serem cor de avelã sob aquele capuz agora pareciam piscar de um vermelho pálido e penetrante.

— Todos nós vamos morrer de qualquer maneira.

Sua voz rouca e quebrada parecia aprofundar o frio do ar da dungeon.

— Duas mil pessoas morreram em um único mês. E nem terminamos o primeiro andar. Não há como vencer este jogo. A única diferença é quando e onde você morre, mais cedo... ou mais tarde...

A declaração mais longa e emocional que ela havia proferido até então passou por seus lábios e pairou no ar.

Instintivamente, dei um passo à frente e depois observei enquanto ela caía silenciosamente no chão, como se atingida por uma paralisia invisível.

2

O MOMENTO EM QUE ELA ATINGIU O CHÃO, O ÚNICO pensamento que passou por sua mente foi a pergunta mundana — Eu me pergunto o que acontece quando você desmaia em um mundo virtual? Desmaiar era um desligamento momentâneo do cérebro, causado pela interrupção do fluxo sanguíneo. O sangue poderia parar de circular por uma variedade de motivos — mau funcionamento do coração ou dos vasos sanguíneos, anemia, pressão sanguínea baixa, hiperventilação — mas em um mergulho completo em VR, o corpo físico já estava completamente imóvel em uma cama ou poltrona reclinável. 

Além disso, todos presos neste jogo específico de morte presumivelmente haviam sido transferidos para uma instalação médica próxima, onde estariam passando por monitoramento regular e administração de medicamentos e fluidos necessários. Era difícil imaginar alguém desmaiando por motivos puramente físicos.

Esses pensamentos passaram por sua consciência desvanecente e eventualmente se coalesceram em uma afirmação simples: Eu simplesmente não me importo mais. Nada importava. Ela ia morrer ali. Se ela desmaiasse no meio de um labirinto guardado por mobs mortais, não havia como ela sair em segurança. Havia outro jogador por perto, mas ele não arriscaria a própria vida apenas para salvar uma estranha.

Além disso, como ele a salvaria? O peso que um jogador poderia carregar neste mundo virtual era estritamente controlado pelo sistema do jogo. Profundamente em uma dungeon perigosa como este, qualquer jogador estaria lotado de poções e suprimentos de emergência, sem mencionar todo o loot que haviam adquirido pelo caminho. Era impossível imaginar alguém carregando outro ser humano além de tudo isso.

Então ela percebeu algo. Para pensamentos fugazes escapando de seu cérebro momentos antes de ela perder a consciência, eles certamente duravam um bom tempo. Além disso, era apenas pedra dura sob seu corpo, então por que ela sentia algo tão macio e suave pressionando contra suas costas? Ela se sentia aquecida, de alguma forma. Havia até uma brisa leve acariciando sua bochecha.

Com um sobressalto, seus olhos se abriram subitamente. Ela não estava em uma dungeon úmida cercado por paredes de pedra úmida. Era uma clareira no meio de uma floresta, cercada por árvores antigas gravadas com musgo dourado e arbustos espinhosos com pequenas flores. Ela tinha desmaiado — não, estava dormindo — em um leito de grama tão macio quanto carpete no meio da clareira redonda, com cerca de oito metros de diâmetro.

Mas ... como? Ela tinha perdido a consciência no fundo daquela dungeon, então como poderia ter chegado a essa área ao ar livre? A resposta estava a noventa graus à sua direita.

Havia uma sombra cinzenta encolhida aos pés de uma árvore especialmente grande na borda do espaço aberto. Ele segurava uma grande espada com ambas as mãos e tinha a cabeça apoiada na bainha. Seu rosto estava escondido sob longos cabelos pretos, mas com base no equipamento e perfil, tinha que ser o jogador que havia estado conversando com ela momentos antes de ela desmaiar.

Ele deve ter encontrado alguma maneira de carregá-la para fora da dungeon para esta floresta. Ela examinou a linha de árvores, até que à sua esquerda finalmente avistou uma torre massiva se estendendo para cima até o teto, a algumas centenas de metros de distância — o labirinto do primeiro andar de Aincrad.

Ela se virou para a direita. Talvez sentindo seu movimento, os ombros do garoto se contraíram sob o casaco de couro cinza, e sua cabeça se ergueu ligeiramente. Mesmo no meio do sol da floresta ao meio-dia, seus olhos eram negros como uma noite sem estrelas. No instante em que cruzou olhares com aqueles olhos negros como piche, um pequeno foguete explodiu fundo em sua mente.

— Você não deveria... ter se incomodado.

Rosnou Asuna Yuuki entre dentes cerrados. Desde o momento em que ficou presa neste mundo, Asuna se fez as mesmas perguntas centenas de vezes, se não milhares.

Por que ela decidiu jogar com aquele console, quando nem era dela? Por que ela colocou o capacete na cabeça, afundou na poltrona de malha com encosto alto e pronunciou o comando de inicialização?

Asuna não comprou o «NerveGear», a interface de VR-de-sonhos-transformada-em-ferramenta-maldita-da-morte, ou o cartão de jogo para Sword Art Online, vasta prisão de almas — isso foi seu irmão mais velho, Kouichirou. 

Sendo que ele nunca foi um fã de videogames, muito menos de MMORPGs. Como filho do diretor representante da RCT, uma das maiores fabricantes de eletrônicos do país, ele passou por todos os tipos de educação necessários para ser o sucessor de seu pai, e tudo o que não se encaixava nesse dever foi eliminado de sua vida. Por que ele se interessou pelo «NerveGear» — por que escolheu SAO — ainda era um mistério para ela.

Mas ironicamente, Kouichirou nunca teve a chance de jogar o primeiro videogame que comprou. No dia em que SAO foi lançado, ele foi enviado em uma viagem de negócios ao exterior. Na mesa do jantar na noite anterior, ele tentou rir da frustração, mas ela podia sentir que ele realmente estava desapontado.

A vida de Asuna não foi tão rigorosa quanto a de Kouichirou, mas ela também tinha pouca experiência com jogos além dos gratuitos em seu telefone, até sua idade atual, no nono ano. Ela estava ciente da presença de jogos online, mas os exames de entrada para o ensino médio estavam se aproximando rapidamente, e ela não tinha motivo ou motivo para procurá-los — supostamente.

Então, mesmo ela não tinha explicação do porquê, na tarde de 6 de novembro de 2022, ela entrou sorrateiramente no quarto vago de seu irmão, colocou o «NerveGear» já preparado em sua cabeça e pronunciou o comando «Link start». A única coisa que ela poderia dizer era que tudo mudou naquele dia. 

Tudo tinha acabado.

Asuna se trancou em um quarto de hospedaria na cidade inicial, esperando que o sofrimento acabasse, mas quando nem uma única mensagem conseguiu atravessar do mundo real em duas semanas, ela desistiu da esperança de resgate de fora. E com mais de mil jogadores já mortos e a primeira dungeon do jogo ainda  não havia sido limpa, ela entendeu que derrotar o jogo de dentro era igualmente impossível.

A única escolha restante era em como morrer. Ela tinha a opção de esperar meses, talvez anos, dentro da segurança da cidade. Mas ninguém podia garantir que a regra de que mobs não podiam invadir cidades nunca seria quebrada.

Asuna preferia sair da cidade em vez de se encolher em uma bola no escuro, vivendo com medo do futuro. Ela usaria todos os seus instintos para lutar, aprender e crescer. Se eventualmente ela ficasse sem energia e perecesse, pelo menos ela não passaria seus dias restantes lamentando as decisões do passado e chorando pelo futuro perdido.

Corra, avance e desapareça. Como um meteoro queimando através da atmosfera. Esse era o estado de espírito de Asuna quando deixou a hospedaria e partiu para a selva, totalmente ignorante de um único termo de MMORPG. Ela escolheu uma arma, aprendeu uma única habilidade e encontrou o caminho para o labirinto que ninguém mais havia conquistado com sucesso.

Finalmente, às quatro da manhã de sexta-feira, 2 de dezembro, o acúmulo de tantas batalhas fez com que ela desmaiasse de exaustão, e sua jornada deveria ter acabado. O nome ASUNA gravado no Monumento da Vida sob o «Black Iron Palace» seria riscado, e tudo chegaria ao fim.

Bom, pelo era para ter sido.

— Você não deveria.

Asuna repetiu. O espadachim de cabelos pretos e curvado baixou os olhos escuros como a noite para o chão. Ele parecia ser ligeiramente mais velho que ela, mas a surpreendente ingenuidade de seu gesto a surpreendeu. Alguns segundos depois, sua suspeita original retornou como um sorriso cínico. 

— Eu não te salvei. 

Ele disse baixinho. Era a voz de um garoto, mas algo nela disfarçava sua idade real.

— Por que você não me deixou lá atrás, então?

— Eu só queria salvar os dados do seu mapa. Se você passou quatro dias na dungeon, deve ter mapeado uma boa parte da terra inexplorada. Seria um desperdício deixar isso desaparecer.

Ela inspirou fundo diante da lógica e eficiência de sua explicação. Ela esperava a mesma resposta que a maioria das pessoas que conheceu lhe deu, algum papo furado sobre a importância da vida, ou a necessidade de todos se unirem. Ela estava preparada para cortar todo esse absurdo — verbalmente, é claro —, mas a praticidade de sua resposta a deixou sem palavras.

— Tudo bem. Pegue — Murmurou, abrindo sua janela. Ela finalmente havia se acostumado com o sistema de menu, acessando sua informação de mapa e copiando-a para um pergaminho. Um outro comando de botão materializou o pergaminho como um objeto no jogo, e ela o jogou aos pés do garoto. 

— Agora você tem o que queria. Sayōnara.

Ela colocou uma mão na grama para se levantar, mas suas pernas não ficaram firmes. O relógio em sua janela mostrava que ela tinha ficado fora quase sete horas, mas sua exaustão ainda não havia passado completamente. No entanto, ela ainda tinha mais três rapieiras. Ela havia prometido a si mesma antes de sair que ficaria dentro da torre até que a durabilidade da última estivesse abaixo da metade.

Ainda havia algumas suspeitas pairando em sua mente. Como o espadachim de capa cinza conseguiu trazê-la para fora da dungeon para esta clareira na floresta? E por que ele a levou até o lado de fora, em vez de apenas até a zona segura próxima dentro da torre? No entanto, elas não valiam a pena voltar para perguntar a ele. Então, Asuna virou à esquerda, na direção do labirinto negro e imponente, e começou a marchar.

— Espere, espadachim.

………….

Ela o ignorou e continuou andando, mas o que ele disse em seguida a fez parar subitamente.

— Você está fazendo tudo isso com o propósito de vencer o jogo, certo? Não apenas para morrer em uma dungeon. Então, por que você não vem para a reunião?

— Reunião?

Ela perguntou em voz alta. A explicação do espadachim alcançou seus ouvidos na brisa suave da floresta.

— Haverá uma reunião hoje à noite na cidade de Tolbana perto da torre. Eles vão planejar como vencer o boss do labirinto do primeiro andar.

3

AINCRAD ERA AMPLAMENTE CÔNICO EM FORMA, ENTÃO O andar mais baixo era, portanto, o maior. O andar circular tinha cerca de dez quilômetros de diâmetro com uma superfície de mais de oitenta quilômetros quadrados. Em comparação, a cidade de Kawagoe, na província de Saitama, lar de mais de trezentos mil habitantes, tinha pouco mais de noventa e oito quilômetros quadrados.

Devido ao seu tamanho, na verdade havia uma variedade considerável de terrenos para serem encontrados. Na ponta sul do território estava a «Town of Beginnings», uma cidade com mais de um quilômetro de diâmetro, cercada por uma parede semicircular. Fora da cidade havia planícies onduladas cheias de javalis e lobos, bem como mobs insetos como vermes, besouros e vespas. Do outro lado do campo, ao noroeste, havia uma floresta densa, enquanto o nordeste tinha terras baixas pantanosas pontilhadas de lagos. 

Além dessas regiões, havia montanhas, vales e ruínas, cada um cheio de variedades adequadas de mobs. No extremo norte do andar havia uma torre baixa com trezentos metros de diâmetro e cem metros de altura — o labirinto do primeiro andar.

Além da «Town of Beginnings», o andar estava pontilhado com uma série de outros locais de vários tamanhos, o maior dos quais — embora apenas duzentos metros de uma ponta a outra — era «Tolbana», uma cidade do vale mais próxima do labirinto do andar.

A primeira visita de um jogador a esta tranquila cidade alinhada com moinhos de vento maciços foi três semanas após o lançamento oficial de Sword Art Online. Naquela época, mais de mil e oitocentos jogadores já haviam perecido. A misteriosa espadachim e eu saímos da floresta — não juntos, mas a uma distância desconfortável — e passamos pelo portão norte de «Tolbana».

Uma mensagem roxa em meu campo de visão indicando «REFÚGIO SEGURO» indicava que estávamos dentro dos limites da cidade. Instantaneamente, senti o cansaço do longo dia se instalar em meus ombros. Um suspiro escapou de meus lábios. Se eu me sentisse tão mal depois de sair da cidade apenas naquela manhã, a espadachim atrás de mim devia se sentir muito pior.

Voltei para verificar, mas suas botas de cano alto não vacilaram. Algumas horas de sono não poderiam ter apagado a fadiga de três dias seguidos de combate. Parecia que voltar à cidade deveria ser motivo para relaxar tanto a mente quanto o corpo (e neste ambiente virtual, eram a mesma coisa), mas ela não parecia estar com disposição para sugestões. Em vez disso, mantive as coisas curtas e doces. 

— A reunião é na praça da cidade, às quatro da tarde.

..…….

O rosto dentro do capuz assentiu levemente, mas ela continuou caminhando direto por mim. Uma leve brisa correndo pela cidade do vale fez sua capa ondular enquanto ela passava. Eu brevemente abri minha boca, mas não encontrei nada pra dizer. Passei o último mês evitando vigorosamente todo contato humano como um jogador solo; eu não tinha o direito de esperar que alguém me recebesse de braços abertos. Minha única preocupação era salvar minha própria vida.

— Garota estranha, né?

Uma voz murmurou atrás de mim. Tirei meu olhar da espadachim e me virei. 

— Parece estar à beira da morte, mas nunca morre. Claramente é uma novata, mas seus movimentos são afiados como aço. Quem será ela?

A voz, um choro agudo que se transformava em um estranho gemido nasal no final de cada frase, pertencia a uma jogadora escorregadia, inteiramente uma cabeça mais baixo do que eu. Assim como eu, ela usava apenas armadura de pano e couro. As armas em sua cintura eram uma pequena garra e algumas agulhas de arremesso. Não parecia o tipo de coisa que a levaria para essa zona perigosa, mas a maior arma dessa pessoa não tinha lâmina.

— Você conhece aquela jogadora?

Eu perguntei automaticamente a ela, depois fiz uma careta, antecipando sua resposta. Certamente, a pequena garota levantou uma mão, todos os cinco dedos estendidos.

— Eu faço barato. Quinhentos col?

O rosto sorridente tinha uma característica muito distinta. Ela usava um item cosmético para desenhar três linhas em cada bochecha no estilo de bigodes de animal. Combinado com seus cachos curtos e castanhos, o efeito geral era inconfundivelmente semelhante ao de um roedor.

Já havia perguntado por que ela escolheu essa aparência antes, mas sua única resposta foi: — Não se pergunta a uma garota o motivo de ela usar maquiagem, né? Eu te conto por cem mil col — Então a resposta ainda era um mistério. Silenciosamente, jurei a mim mesmo que um dia, realmente negociaria um item raro e pagaria a taxa exorbitante, apenas para conseguir uma resposta dela.

— Não me sinto confortável negociando com informações privadas de uma garota — Murmurei severamente.

— Nee-hee! Boa mentalidade — Ela disse, esfregando. Argo, a Rata, a primeira negociante de informações em Aincrad, riu.

Tenha cuidado. Cinco minutos conversando com a Rata, e ela terá arrancado cem col de você, alguém já me avisara. Mas segundo Argo, ela nunca vendeu uma peça de informação cuja verificação não fosse clara. Ela sempre pagava a fonte por informações que considerava valiosas e só as transformava em produto para vender depois de ter certeza de que a história era sólida. Parecia claro para mim que uma única peça de má informação vendida por dinheiro arruinaria sua reputação, então, embora não fosse exatamente a mesma coisa de lootear itens em dungeons e vendê-los para NPCs, como negócio, tinha seu próprio conjunto de perigos.

Embora eu soubesse que meu ceticismo era sexista, não pude deixar de me perguntar por que uma jogadora escolheria se envolver em um trabalho tão perigoso. Mas eu sabia que se perguntasse, ela me cobraria outra taxa de cem mil col, então limpei a garganta e fiz uma pergunta diferente.

— Bem? Hoje é a negociação de proxy usual, em vez do seu negócio principal?

Agora era a vez de Argo franzir a testa. Ela olhou para os lados, depois cutucou minhas costas com o dedo, me guiando para uma rua próxima. Com a reunião do boss a duas horas de distância, havia poucos jogadores circulando pela cidade, mas parecia importante que ela não fosse ouvida — provavelmente algo relacionado à sua reputação como guardiã de segredos.

Argo parou no beco estreito e apoiou as costas na parede da casa (habitada por um NPC, é claro) antes de assentir.

— Sim, é isso mesmo. Eles vão até vinte e nove mil e oitocentos col.

— Vinte e nove, hem? —  Eu fiz uma careta e dei de ombros — Desculpe ... minha resposta é a mesma, não importa o número. Não vou vender.

— Foi o que eu disse ao cliente, mas o que você pode fazer?

O principal negócio de Argo era vender informações, mas ela usava sua excelente estatística de agilidade para trabalhar como mensageira. Normalmente, ela simplesmente transmitia breves mensagens verbais ou escritas, mas na semana passada, ela tinha sido uma intermediária para mim por alguém muito insistente, se não arrogante.

Ele (ou ela) queria comprar minha Espada de Forja +6 (3S3D). O sistema de upgrade de armas em SAO era relativamente simples para um MMORPG moderno. Havia cinco parâmetros: Sharpness, Quickness, Accuracy, Heaviness e Durability. Por um preço, um NPC ou jogador ferreiro podia tentar aumentar um determinado atributo para você. 

O processo exigia materiais de fabricação específicos, dependendo do atributo, e sempre havia uma probabilidade de falha. Isso era semelhante ao que acontecia em outros jogos. Cada vez que um parâmetro era aumentado com sucesso, o nome da arma ganhava um +1, ou +2, e assim por diante, mas a estatística real afetada não era clara até você tocar diretamente nas propriedades do item. 

Como seria um incômodo dizer — mais um para precisão e mais dois para peso —  toda vez ao negociar com outros jogadores, era comum abreviar as informações. Portanto, uma arma +4 com 1 para accuracy, 2 para heaviness e 1 para durability seria rotulada como (1A2H1D).

Minha Espada de Forja +6 (3S3D) aumentava o sharpness e a durability em três pontos cada. Levou bastante persistência e boa sorte para melhorá-la tanto no primeiro andar. Poucos jogadores se incomodaram em trabalhar na habilidade de Ferreiro — que não tinha influência em suas chances de sobrevivência — e apesar da aparência anã dos ferreiros NPCs, sua habilidade real era extremamente decepcionante.

Mesmo a arma base era a recompensa de uma missão extremamente difícil, então os valores atuais da espada tinham que ser aproximadamente o máximo que um jogador poderia esperar encontrar no primeiro andar. Mas ainda era um equipamento inicial. Talvez eu a melhorasse mais algumas vezes, mas encontraria uma espada melhor no terceiro ou quarto andar, e o processo começaria novamente.

Por esse motivo, tive dificuldade em compreender o motivo do cliente de Argo pagar a quantia massiva de 29.800 col por uma arma dessas. Em uma negociação face a face, eu poderia simplesmente perguntar ao comprador, mas sem um nome para rastrear, não havia como descobrir sobre ele.

— E quanto eles estão te pagando para ficar calada? Mil? 

— Sim, diria que sim. Sente vontade de aumentar a aposta?

— Hmm... mil, né? Hmmmm.

Era uma taxa que o misterioso comprador estava pagando a Argo para manter sua identidade oculta. Se eu oferecesse para pagar 1.100 col, Argo transmitiria essa oferta via mensagem instantânea, até que voltassem com 1.200 col. Então eu seria solicitado a pagar 1.300, e assim por diante. Se acabasse vencendo a guerra de lances, descobriria quem queria comprar minha espada, mas acabaria perdendo uma quantia significativa de dinheiro. Isso claramente seria um resultado idiota.

— Ótimo ... Então você é uma corretora de informações que ganha dinheiro mesmo quando não vende? Tenho que admirar sua dedicação ao seu negócio.

Resmunguei. O rosto com bigodes de Argo se abriu em um sorriso e ela riu.

— Essa é a melhor parte, entende? No momento em que vendo uma informação, tenho um produto novinho em folha para vender: Fulano acabou de comprar tal e tal informação. É o dobro do lucro!

Na vida real, um advogado nunca revelaria o nome de seu cliente, mas dado o lema da Rata de que toda informação tem um preço, ela parecia não honrar esse tabu. Qualquer pessoa que quisesse fazer um acordo com ela precisava saber antecipadamente que suas próprias informações poderiam ser vendidas, mas quando seu produto era excelente, quem poderia reclamar do preço?

—Se alguma jogadora quiser minhas informações pessoais, me avise para que eu possa comprar as delas primeiro.

Eu disse, cansado. Argo riu novamente, depois assumiu uma expressão séria.

4

PARA SUA PRIMEIRA REFEIÇÃO EM TRÊS OU POSSIVELMENTE ATÉ quatro dias, Asuna escolheu um pedaço do pão preto mais barato que os NPCs da cidade vendiam, além da água grátis disponível nas muitas fontes ao redor do local.

Ela nunca tinha apreciado muito comer na vida real, mas o vazio total de comer neste mundo era difícil de descrever. Não importa quão magnífica parecesse a festa, nem um único grão de açúcar ou sal alcançava seu corpo real. Parecia para ela que deveriam ter eliminado completamente o conceito de fome e saciedade, mas o corpo virtual ansiava por comida três vezes ao dia, e as dores não desapareciam a menos que comida virtual fosse ingerida.

Ela aprendeu a ignorar a sensação de fome através de pura força de vontade enquanto se esgueirava na dungeon, mas não havia como esconder a necessidade uma vez de volta à cidade. Como um ato de protesto, ela sempre escolhia a opção mais barata possível, mas isso a deixava irritada, de certa forma, que até o pão preto áspero, comido aos poucos, realmente tinha um gosto bom.

Asuna estava sentada em um banco de madeira simples ao lado da praça da fonte no centro de «Tolbana», mastigando com o capuz puxado para baixo. Por custar apenas um col, o pão era bastante grande. Assim que ela terminou metade dele.

— É bem bom, não é?

Veio uma voz do seu lado direito. Seus dedos pararam no ato de arrancar outro pedaço livre, e ela lançou um olhar afiado naquela direção. Era o garoto que ela acabara de deixar para trás na entrada da cidade há alguns minutos, o espadachim de cabelos negros de casaco cinza. O estranho intrometido que de alguma forma transportou seu corpo inconsciente para fora da dungeon, mantendo sua jornada quando deveria ter terminado.

Suas bochechas de repente ficaram quentes com o pensamento. Depois de todas as suas afirmações audaciosas sobre morrer, não só ela estava viva, mas ele a viu devorando uma refeição. Todo o seu ser estava tomado de vergonha, e ela congelou com pão em suas mãos, incerta de como responder. O homem eventualmente tossiu educadamente e perguntou.

— Posso sentar ao seu lado?

Normalmente, ela se levantaria silenciosamente e sairia sem nem olhar para trás, mas nesta situação desconhecida, ela estava perdida. Levando a falta de resposta de Asuna como permissão silenciosa, ele se sentou no canto direito do banco e remexeu no bolso, dando a ela o máximo de espaço possível. Quando sua mão reapareceu, estava segurando um objeto redondo e preto — um rolo de pão preto de um col.

Por um instante, Asuna esqueceu sua vergonha e confusão e olhou para ele com simples espanto. Se ele era bom o suficiente para ter alcançado um ponto tão profundo no labirinto e ter um equipamento tão excelente, este espadachim devia ter dinheiro suficiente para pagar uma refeição completa em um restaurante agradável. Será que ele era só mesquinho? Ou…

— Você realmente acha que isso tem bom gosto?

Ela perguntou, antes que pudesse se conter. Suas sobrancelhas assumiram uma expressão de dignidade magoada, e ele assentiu vigorosamente.

— Claro. Eu como um todos os dias desde que cheguei a esta cidade. Claro, eu acrescento um pequeno detalhe.

— Detalhe…?

Ela inclinou a cabeça em confusão sob o capuz. Em vez de explicar em voz alta, o espadachim alcançou o outro bolso e produziu um pequeno frasco de porcelana. Ele o colocou no banco entre eles e disse.

— Use isso no seu pão.

Por um momento, ela não sabia o que ele queria dizer, então percebeu que era uma frase comum nos jogos. Use a chave na porta, use a garrafa na mola, e assim por diante. Ela relutantemente estendeu a mão e tocou a tampa do frasco com a ponta do dedo. Ela selecionou «Usar» no menu pop-up que apareceu, e seu dedo começou a brilhar roxo, o sinal para «Modo de seleção de alvo». 

Ao tocar o pão preto em sua mão esquerda, os objetos interagiriam. Com um breve tilintar, o pão de repente ficou branco, revestido — não, coberto — com uma substância espessa que parecia ser….

— Creme? De onde você tirou isso?

— Foi a recompensa pela missão «Revenge of the Cows» na última cidade. Leva muito tempo para completar, então acho que poucas pessoas se incomodaram em terminá-la. 

Ele disse seriamente, usando o frasco em seu pão com um movimento praticado. Deve ter sido o último do recipiente, porque o frasco piscou, tilintou e desapareceu. Ele abriu bem a boca e deu uma grande mordida em seu pão coberto de creme. Sua mastigação era tão vigorosa que ela praticamente podia ouvir os efeitos sonoros, e Asuna percebeu que pela primeira vez em muito tempo, as dores de estômago não eram uma dor desagradável, mas o sinal saudável de uma fome honesta.

Ela deu uma mordida hesitante no pão cremoso em sua mão. De repente, o pão áspero e seco que ela estava comendo se transformou em um bolo pesado e rústico. O creme era doce e suave, com uma acidez refrescante como iogurte. Asuna deu mais algumas mordidas extasiadas, suas bochechas cheias com uma sensação amortecedora de contentamento.

No momento seguinte, não havia um único farelo do item em suas mãos. Ela olhou com um sobressalto para ver que tinha terminado sua comida apenas dois segundos antes do espadachim. Dominada pela vergonha novamente, ela queria se levantar e fugir, mas não conseguia se permitir ser tão rude com o garoto que acabara de lhe proporcionar uma refeição saborosa. Respirando com dificuldade, tentando colocar sua mente em ordem, Asuna finalmente conseguiu murmurar uma resposta educada.

— Obrigada pela comida …..

— De nada.

Terminada sua refeição, o espadachim bateu suas mãos sem dedos de luva juntas e continuou. 

— Se você quiser fazer aquela missão das vacas que mencionei, há um truque nisso. Se você for eficiente, pode completá-la em apenas duas horas.

………

Ela não podia negar a tentação. Com aquele creme de iogurte, seu pão preto barato se transformou em uma festa adequada. Era apenas uma satisfação artificial criada pelo sistema de modelagem de sabor do jogo, mas ela queria isso de novo — todos os dias, se possível. Mas… Asuna olhou para baixo e balançou a cabeça silenciosamente. 

— Vou passar. Não vim a esta cidade para comer comida boa.

— Entendo. Então por quê? 

Embora a voz do espadachim não fosse particularmente melodiosa, havia uma inflexão juvenil nela que não desagradava seus ouvidos nem um pouco. Talvez fosse essa característica que a levou a falar o que estava em sua mente, algo que não tinha feito com mais ninguém neste mundo.

— Para que … eu possa ser eu mesma. Se eu fosse apenas me esconder na primeira cidade e definhar, prefiro ser eu mesma até o último momento. Mesmo que signifique morrer pelas mãos de um mob … Eu não quero deixar este jogo me vencer. Não vou deixar isso acontecer.

Os quinze anos de vida de Asuna Yuuki foram uma longa série de batalhas. Começou com os exames de admissão ao jardim de infância e seguiu com uma sucessão interminável de testes grandes e pequenos. Ela venceu todos eles. Perder em uma única instância significaria que sua vida não tinha mais valor algum, e ela havia suportado com sucesso essa pressão desde o início.

Mas depois de quinze anos de vitórias, este teste, Sword Art Online, provavelmente seria o fim dela. Era muito misterioso para ela, uma cultura imersa em regras estrangeiras e desconhecidas, e não era o tipo de batalha que poderia ser vencida sozinha.

O único meio de vitória era alcançar o topo do gigantesco castelo flutuante, cem andares acima, e derrotar o inimigo final. Mas um mês após o início do jogo, um quinto dos jogadores já havia ido embora, e a maioria deles era experiente nos caminhos dessas coisas. As forças deixadas para trás eram muito fracas, e o caminho à frente era muito, muito longo…

Como se a torneira que segurava seus sentimentos mais íntimos tivesse sido aberta apenas um pouquinho, as palavras escorriam gota a gota de sua boca. A confissão veio em fragmentos, pedaços de lógica que não se completavam em frases inteiras, mas o espadachim de cabelos negros sentou-se e ouviu em silêncio. Quando a voz de Asuna se calou na brisa da tarde, ele finalmente falou.

— Desculpe….

Alguns segundos depois, Asuna se perguntou ceticamente por que ele diria isso. Ela o conheceu apenas hoje. Ele não tinha motivo para se desculpar com ela. Ela olhou para o lado direito e viu que ele estava curvado no banco, com os cotovelos nos joelhos. Seus lábios se moveram, e mais palavras fracas alcançaram seus ouvidos.

— Desculpe … Essa situação atual — a razão pela qual você se sente tão pressionada — é minha...

Mas ela não conseguiu entender o resto. O moinho de vento especialmente grande no centro da cidade começou a tocar seu sino de relógio movido a vento. Era quatro horas, hora da reunião. Ela olhou para cima e viu que um grande número de jogadores havia se reunido do outro lado da praça da fonte.

— Vamos. Você me convidou para esta reunião, afinal — Asuna disse, levantando-se. 

Ele assentiu e se levantou lentamente. 

O que ele ia dizer? No final das contas, não importava, porque ela nunca mais ia falar com ele, mas o pensamento cutucava seu lado como um pequeno espinho. 

Quero saber. Não quero saber.  Nem mesmo Asuna sabia qual desejo era mais forte.

5

QUARENTA E QUATRO. Esse era o número de jogadores que se reuniram na fonte em «Tolbana».

Eu tinha que admitir, estava bem abaixo das minhas expectativas — das minhas esperanças. Uma party oficial em SAO poderia ter até seis jogadores, e uma multidão de oito dessas, quarenta e oito pessoas no total, era uma festa de raid de tamanho completo. Minha experiência no beta me ensinou que a melhor maneira de lidar com um boss de andar sem nenhuma baixa era com duas party de raid se revezando, mas isso nem era suficiente para uma.

Eu respirei fundo para um suspiro, mas segurei quando uma voz veio de trás de mim. 

— Há.... tantos…..

Era a espadachim na capa com capuz. Eu me virei e respondi.

— Muitos ...? Você chama isso de muitos?

— Sim. Todos estão aqui para a primeira tentativa de matar o chefão desse andar, certo? Sabendo que todos podem morrer no processo...

— Entendi.

Eu assenti e olhei em volta para os pequenos grupos de guerreiros agrupados em toda a praça. Havia cinco ou seis jogadores que eu conhecia pelo nome, e outros quinze ou mais eram rostos familiares que eu tinha encontrado ao longo do tempo. Os vinte e poucos restantes eram todos novos para mim. 

Naturalmente, o equilíbrio de gênero era extremamente desigual. Pelo que pude perceber, a espadachim era a única mulher do grupo, mas com seu capuz puxado tão baixo, não era muito aparente, e eu estava certo de que qualquer outra pessoa observando assumiria que eram todos homens. 

Do outro lado da praça, Argo, a Rata, estava empoleirada em um muro alto, mas ela não participaria da batalha. A espadachim estava certa — todos eles enfrentariam o boss do primeiro andar, um inimigo que ninguém tinha visto antes, pelo menos no Aincrad oficial. De todas as batalhas que se poderia enfrentar no primeiro andar, essa teria o maior risco de morte. 

Isso significava que todos os jogadores aqui estavam preparados para a possibilidade de morte, para servir como um trampolim para aqueles que viessem depois deles. No entanto...

— Eu... não tenho tanta certeza.

Murmurei. Ela se virou para mim, seus olhos piscavam com dúvida dentro do capuz. Escolhi minhas palavras cuidadosamente.

— Eu não acho que se aplique a todos, mas acho que um bom número deles não está fazendo isso por sacrifício próprio, mas porque simplesmente não querem ficar para trás. Se é que isso faz sentido, eu seria um dos últimos, eu mesmo.

— Ficar para trás? Atrás do quê?

— Atrás da linha de frente. O pensamento de morrer é assustador, mas também é a ideia de que o boss está sendo derrotado sem você.

O capuz de pano abaixou ligeiramente. Eu imaginei que, sendo uma iniciante total em MMOs, ela não entenderia o que eu estava dizendo. Mas eu estava errado.

— É o mesmo tipo de motivação... como quando você não quer cair abaixo dos dez primeiros da classe, ou quer ficar acima do septuagésimo percentil, ou qualquer coisa do tipo?

…......

Agora era minha vez de perder a voz. Eventualmente, concordei. 

— Sim... hum... acho que sim...

Os lábios bem delineados visíveis através do capuz se curvaram em um pequeno sorriso, e ouvi alguns suspiros baixos. 

Ela estava... rindo? A portadora daquele ultra preciso «Linear», que me mandou cuidar da minha própria vida quando a tirei da dungeon? Eu estava quase prestes a olhar rude e diretamente sob o capuz, mas fui salvo desse falso passo pelo som de aplausos altos e um grito que ecoou pela praça.

— Ok, pessoal! Já são cinco minutos atrasados, então vamos começar! Reúnam-se, pessoal — você aí, três passos mais perto!

O orador era um espadachim vestido em armadura de metal cintilante. Ele saltou ágil sobre a borda da fonte no centro da praça de uma posição em pé. Um único salto daquela altura vestindo uma armadura pesada deixava claro que ele tinha excelente força e agilidade.

Alguns na multidão de quarenta e poucos começaram a se mexer quando ele se virou para observar o grupo. Fazia sentido — o homem em pé na borda da fonte era tão incrivelmente bonito que você tinha que se perguntar por que ele se incomodaria em jogar um VRMMO em primeiro lugar. 

Além disso, as mechas onduladas que emolduravam seu rosto estavam tingidas de um azul brilhante. Tinta de cabelo não era vendida em fornecedores de NPC no primeiro andar, então ele deve ter conseguido como uma gota rara de um mob.

Se ele tivesse se dado todo esse trabalho apenas para parecer bom na frente da multidão, eu assumia que ele devia estar decepcionado, dado que havia apenas uma mulher no grupo (e não estava claro se ela era uma, dado o capuz), mas o homem deu um sorriso encantador que sugeriu que ele nunca se rebaixaria a pensar em uma coisa dessas.

— Obrigado a todos por atenderem ao meu chamado hoje! Tenho certeza de que alguns de vocês já me conhecem, mas só para garantir, meu nome é Diavel e gosto de pensar em mim mesmo como um cavaleiro!

Aqueles mais próximos da fonte começaram a vaiar e assobiar, e alguém gritou. 

— Aposto que você queria dizer que está jogando de herói!

Não havia classes de personagens oficiais em Sword Art Online. Cada jogador tinha um número de espaços de habilidades, e eles eram livres para escolher quais habilidades equipar e avançar. Como exemplo, jogadores que se concentravam em habilidades de fabricação ou troca poderiam ser chamados de ferreiros, alfaiates ou cozinheiros ... mas eu nunca tinha ouvido falar de alguém chamado de cavaleiro ou herói.

Por outro lado, se alguém quisesse ser conhecido por esse título, era seu direito. Diavel tinha armadura de bronze no peito, ombros, braços e canelas, além de uma espada longa na cintura e um escudo de pipa nas costas. Somados, eles certamente compunham a vestimenta adequada de um cavaleiro.

Observando seu orgulhoso desempenho da última fila, rapidamente consultei minha memória. O equipamento e o cabelo eram diferentes, então era difícil dizer, mas eu poderia jurar que tinha visto aquele rosto algumas vezes antes em cidades ao redor do primeiro andar. 

E antes, no outro Aincrad? Eu não reconhecia o nome...

— Agora, vocês são todos jogadores de elite no jogo, ativos na linha de frente de nosso progresso, e dificilmente preciso lembrá-los do motivo de estarmos aqui.

Continuou o discurso de Diavel. Parei de tentar lembrar e me concentrei em suas palavras. O cavaleiro de cabelos azuis levantou uma mão e fez um gesto para a torre massiva — o labirinto do primeiro andar — fora dos limites da cidade.

— Hoje, nosso grupo descobriu a escada que leva ao andar superior dessa torre. O que significa que amanhã ou depois de amanhã, finalmente alcançaremos... a câmara do boss do primeiro andar!

A multidão se agitou. Eu também fiquei surpreso. O labirinto do primeiro andar era uma torre de vinte andares, e eu (e a espadachim) havíamos acabado de chegar ao início do décimo nono andar hoje. Eu não tinha ideia de que outros já haviam mapeado tanto desse andar.

— Um mês. Levou um mês inteiro... mas ainda temos que ser um exemplo. Temos que vencer o boss, alcançar o segundo andar e mostrar a todos da «Town of Beginnings» que um dia podemos vencer esse jogo da morte. Essa é a obrigação de todos os jogadores de alto nível aqui! Não é mesmo?

Outro brado surgiu. Agora não eram apenas os amigos de Diavel, mas outros na multidão também aplaudiram. O que ele disse era nobre e impecável. Na verdade, qualquer um que procurasse falha nisso teria que estar louco. 

Decidi que o cavaleiro que se levantou e assumiu o papel de unir os jogadores dispersos na linha de frente merecia alguns aplausos de minha parte, quando—

— Espere só um segundo, Senhor Cavaleiro.

Uma voz calmamente surgiu. Os aplausos pararam e as pessoas na frente se afastaram. De pé no meio do espaço aberto estava um homem baixo mas sólido. Tudo o que eu podia ver da minha posição era uma grande espada e cabelos marrons espetados que evocavam a imagem de um cacto.

O cacto deu um passo à frente e rosnou em um sibilo totalmente diferente da voz suave de Diavel.

— Tenho que tirar isso do meu peito antes de podermos brincar de amigos de mentirinha.

Diavel não pestanejou com essa interrupção repentina. Ele fez um sinal para o homem baixo com um sorriso confiante. 

— O que está em sua mente, amigo? Estou aberto a opiniões. Se você vai oferecer a sua, no entanto, peço que se apresente primeiro.

— Hmpf.

O homem de cabeça de cacto resmungou, deu alguns passos para a frente até estar bem na frente da fonte, depois virou-se para a multidão. 

— Me chamo Kibaou.

O espadachim de cabelos espetados com o nome feroz encarou a reunião com olhos pequenos mas penetrantes. À medida que varriam de lado, tive a impressão passageira de que pararam em meu rosto por um momento. Mas eu nunca tinha ouvido o nome dele e não me lembrava de tê-lo conhecido antes. Depois de sua longa pesquisa da reunião, Kibaou rosnou novamente.

— Deve haver cinco ou dez pessoas neste meio que devem um pedido de desculpas primeiro.

— Desculpa? Para quem?

Diavel, o cavaleiro, ainda de pé na borda da fonte atrás dele, fez um gesto grandioso com as duas mãos. Kibaou cuspiu com raiva, sem se dar ao trabalho de se virar. 

— Hah! Não está óbvio? Para as duas mil pessoas que já morreram. Duas mil pessoas morreram porque eles monopolizaram tudo para si mesmos! Não é verdade?!

A murmúria da multidão de quarenta ou mais subitamente ficou silenciosa. Eles finalmente entenderam o que Kibaou estava tentando dizer. Eu também.

O único som através do pesado silêncio eram os distantes acordes dos músicos NPCs tocando o BGM da noite. Ninguém disse uma palavra. Todos pareciam entender que se falassem, seriam rotulados como um deles. Certamente era esse medo que dominava minha mente naquele momento.

— Senhor Kibaou, quando você se refere a eles, eu suponho que você esteja se referindo... aos antigos beta testers?

Perguntou Diavel, com os braços cruzados, uma expressão de severidade grave em seu rosto.

— Obviamente.

Kibaou falou ao cavaleiro atrás dele com um olhar, as espessas malhas de escamas costuradas em uma estrutura de couro tilintando quando ele se virou. 

— No dia em que esse maldito jogo começou, todos aqueles beta testers saíram correndo direto da primeira cidade. Eles abandonaram nove mil pessoas que não sabiam nem direita de esquerda. Eles monopolizaram todos os melhores pontos de caça e missões lucrativas para poderem subir de nível, e não olharam para trás para ninguém. Eu sei que deve haver mais de um ou dois aqui agora, achando que podem participar da ação do boss sem que ninguém saiba. Se eles não se ajoelharem e pedirem desculpas, e doarem seus estoques de col e itens para a causa de lutar contra esse boss, eu não vou colocar minha vida nas mãos deles, é o que estou dizendo!

Assim como o kiba em seu nome — a palavra para presas — sugeria, ele terminou com um rosnado de dentes à mostra. Não surpreendentemente, ninguém falou nada. Como um ex-beta-tester eu mesmo, cerrei os dentes, prendi a respiração e não emiti um som.

Não é como se eu não quisesse gritar de volta para ele, perguntar se ele pensava que nenhum beta-tester tinha morrido ainda. Uma semana antes, comprei uma informação de Argo — tecnicamente, a fiz investigar algo para mim. Eu queria o total de beta testers mortos.

O beta fechado de SAO, que aconteceu durante as férias de verão, tinha apenas mil vagas abertas. Cada membro também tinha os direitos exclusivos de comprar a edição oficial do pacote quando fosse lançada. 

Com base no número de pessoas conectadas no final do beta, estimei que nem todo mundo continuaria jogando quando o jogo fosse lançado. Provavelmente seriam setecentos ou oitocentos — essa era minha estimativa para o número total de beta-testers presentes no início do jogo da morte.

Descobrir quem era um beta-tester era a parte complicada. Se houvesse um marca β ao lado do cursor de cor do jogador, isso resolveria o problema de uma vez, mas (felizmente) esse não era o caso. 

E a aparência física também não era um fator, já que o «GM» Akihiko Kayaba garantira que cada jogador fosse modelado após sua própria aparência na vida real. A única pista era o nome do jogador, mas muitos deles poderiam ter mudado de nome entre o beta e o lançamento completo. O motivo pelo qual Argo e eu nos reconhecemos como beta-tester tinha a ver com as circunstâncias de nosso primeiro encontro, mas essa é uma história para outra hora.

De qualquer forma, a investigação de Argo deveria ter sido incrivelmente difícil. No entanto, ela voltou para mim com um número após apenas três dias. Em sua estimativa, o número total de beta testers que agora estavam mortos era cerca de trezentos. Se esse número estivesse correto, significava que das duas mil mortes, mil e setecentas eram de novos jogadores. Em termos percentuais, isso significava que a taxa de mortalidade dos novos jogadores era de 18 por cento — mas a taxa de mortalidade dos beta testers estava mais próxima de 40.

Conhecimento e experiência nem sempre se traduziam em segurança. Às vezes, podiam ser a ruína de alguém. Eu mesmo quase morri na primeira missão que segui depois que o jogo da morte começou. Havia fatores externos também. O terreno, itens e mobs eram virtualmente os mesmos no jogo final que no beta, mas apenas a mais leve diferença poderia surgir, tão pequena e mortal quanto uma agulha de veneno...

— Posso falar?

Uma voz de barítono rico ecoou por toda a praça à noite. Olhei para cima assustado para ver uma silhueta avançando do extremo esquerdo da reunião.

Ele era grande, facilmente com mais de 1,80m de altura. O tamanho do avatar não deveria ter efeito sobre as estatísticas, mas ele fazia o machado de batalha de duas mãos preso às suas costas parecer leve. Seu rosto era tão ameaçador quanto a arma. Seu couro cabeludo era completamente careca e marrom chocolate, mas os traços cinzelados em seu rosto se encaixavam muito bem nesse visual ousado. 

Ele nem parecia japonês — pelo que eu sabia, talvez fosse de uma raça diferente.

À medida que o homem robusto alcançava a borda da fonte, ele se virou e curvou-se para a multidão de quarenta antes de voltar sua atenção para o desproporcionalmente grande Kibaou.

— Meu nome é Agil. Se entendi corretamente, Kibaou, você está afirmando que muitos novatos morreram porque os antigos beta testers não os ajudaram, e portanto eles deveriam pedir desculpas e pagar reparações? É isso mesmo?

— S... Sim.

Kibaou foi momentaneamente pego de surpresa, mas se recuperou e ficou de pé, encarando o guerreiro de machado Agil com seus olhos brilhantes. 

— Se eles não tivessem abandonado o resto de nós, não haveria duas mil mortes agora! E isso não é apenas duas mil pessoas aleatórias, são os melhores dos melhores MMOs que perdemos! Se esses malditos beta testers tivessem a decência de compartilhar seu loot e conhecimento, teríamos dez vezes mais pessoas aqui... Na verdade, estaríamos no segundo ou terceiro andar agora!

Trezentas das pessoas que você está lamentando são aqueles malditos, idiota! Eu queria gritar, mas segurei o impulso. Eu não tinha nenhuma prova que respaldasse esse número, e, em termos mais egoístas, simplesmente não queria ser destacado. Isso estava claro: Me expor como um ex-beta-tester não poderia, de forma alguma, ajudar minha situação.

Os quatro ou cinco centenas de beta testers restantes estavam escondidos entre os jogadores novos no jogo. Em termos de nível e equipamento, provavelmente não eram diferentes dos outros principais jogadores. Mas se eu me levantasse e revelasse meu histórico, não apenas isso não suavizaria as tensões entre os dois grupos, mas provavelmente acabaria apenas com uma caça às bruxas. 

O pior resultado possível era a briga entre os novos jogadores e beta testers entre os jogadores de elite na linha de frente. Tínhamos que evitar esse resultado a todo custo. Quer nos campos ou nas masmorras, as áreas ao ar livre de SAO eram território livre para atacar outros jogadores.

— Então você afirma, Kibaou. Embora eu não possa discordar do loot, certamente tivemos as informações disponíveis.

Falou Agil com seu rico barítono enquanto eu baixava a cabeça pateticamente. Ele tirou um livro simples de um saco na cintura da armadura de couro esticada sobre seus músculos definidos. Na capa havia um ícone simples de um rato com orelhas redondas e três bigodes de cada lado.

— Você também conseguiu um desses guias, não é? Eles estavam distribuindo de graça nas lojas de itens em Horunka e Medai.

— D-De graça?

Como o ícone na capa sugeria, era um guia da área que Argo, a Rata, vendia para outros jogadores. Ele continha mapas detalhados e listas de mobs, seus drops de itens e até informações sobre missões. 

O grande texto na parte inferior da capa que dizia — Não se preocupe, este é o guia de Argo — não era apenas um enfeite bobo. Admito que comprei o conjunto inteiro para manter minha memória fresca — mas pelo que me lembro, eles custavam o preço substancial de quinhentos col cada...

— Eu também peguei um.

Sussurrou a espadachim até então silenciosa. Quando perguntei se tinha sido de graça, ela assentiu. 

— Estava disponível na loja de itens em consignação, mas o preço estava listado como zero col, então todo mundo pegou um. Foi realmente útil.

— Mas... o que diabos...?

A Rata — uma negociante ardilosa que venderia seus próprios números de status pelo preço certo — dando informações de graça? Era inimaginável! Lancei um olhar de relance para a parede de pedra onde ela estava sentada minutos atrás, mas não havia ninguém lá. Fiz uma nota mental para perguntar o motivo na próxima vez que a visse, então reconsiderava quando ouvia sua voz dentro da minha cabeça dizendo: — Isso vai custar mil, tá?

— Sim, eu peguei um. E daí?

Rosnou Kibaou, trazendo-me de volta para a cena presente. Agil guardou o guia de estratégia em sua bolsa e cruzou os braços.

— Toda vez que eu chegava a uma nova cidade ou vila, sempre havia um desses livros na loja de itens. O mesmo aconteceu com você, certo? Não achou estranho a rapidez com que as informações foram compiladas?

— Qual é o ponto se é rápido demais?

— Quero dizer que as únicas pessoas que poderiam ter oferecido essas informações e dados de mapa ao informante são os antigos beta testers.

A multidão se agitou. A boca de Kibaou se fechou, e Diavel, o cavaleiro, concordou com um aceno. Agil olhou novamente para o grupo e falou em seu barítono alto. 

— Escutem, as informações estavam disponíveis. E mesmo assim, as pessoas ainda morreram. Estou pensando que foi porque eram jogadores veteranos de MMO. Eles presumiram que SAO funcionava com os mesmos princípios e padrões que outros títulos, e falharam em recuar quando precisavam. Mas agora não é o momento de responsabilizar ninguém por isso. Parece-me que esta reunião vai determinar se encontraremos o mesmo destino ou não.

O tom do guerreiro de Machado Agil era ousado, mas razoável, e seu argumento era tão sólido que Kibaou não teve uma resposta imediata. Se alguém além de Agil tivesse argumentado a mesma coisa, Kibaou provavelmente o teria acusado de ser um beta tester ele mesmo, mas neste caso, ele só podia encarar o homem grande com olhos de raiva.

Atrás dos dois debatedores silenciosos, de pé na borda da fonte, com seu cabelo longo e fluído quase roxo sob a luz do sol poente, Diavel acenou magnanimamente.

— Seu ponto é bem compreendido, Kibaou. Eu mesmo quase morri em várias ocasiões devido à minha ignorância da natureza selvagem. Mas, como Agil disse, não é este o momento de olhar para trás? Se vamos vencer o boss do andar, precisaremos até dos ex-beta-testers... não, especialmente dos ex-beta-testers. Se os excluirmos e fomos aniquilados, então qual foi o ponto de tudo isso?

Foi um discurso abrangente mais do que digno de um nobre cavaleiro. Muitos na multidão acenaram em concordância. Enquanto o clima parecia inclinar-se para o perdão dos testers, suspirei com alívio e não sem um pouco de vergonha. 

Diavel continuou.

— Tenho certeza de que todos vocês têm seus próprios pensamentos sobre o assunto, mas por enquanto, gostaria da ajuda de vocês para limpar o primeiro andar. Se você simplesmente não suportar a ideia de lutar ao lado dos beta testers, então perderemos você, mas não vou forçá-los a participar. Trabalho em party é a parte mais importante de qualquer raid.

Seu olhar percorreu lentamente a multidão até se fixar em Kibaou. O espadachim de cabeça de cacto encontrou o olhar por vários momentos longos, então resmungou alto e rosnou.

— Tá bom... eu vou jogar junto por enquanto. Mas assim que a luta com o boss acabar, vamos resolver isso de uma vez por todas.

Ele se virou, com a malha de escamas tilintando, e voltou para a primeira fila da multidão. Agil espalhou as mãos, sinalizando que não tinha mais nada a dizer, e voltou para seu lugar. No final, esta cena foi o destaque da reunião. Havia apenas um planejamento detalhado a ser feito para uma batalha quando acabávamos de alcançar o andar onde a criatura estava. Como alguém planeja uma luta contra um boss quando ninguém nem o viu ainda?

Bem, isso não era totalmente verdade. Eu sabia que o boss do primeiro andar era um kobold enorme, que empunhava um enorme talwar, e que estava acompanhado por uma comitiva de cerca de doze kobolds pesadamente armados.

Se eu revelasse que era um ex-beta tester e oferecesse meu conhecimento sobre o boss, nossas chances de sucesso poderiam aumentar. Mas se eu fizesse isso, as pessoas perguntariam por que eu não tinha falado antes, e isso poderia inflamar novamente o subcorrente de raiva contra os betas.

Além disso, meu conhecimento era apenas da encarnação anterior de Aincrad, e sempre havia a possibilidade de que a versão de lançamento de SAO tivesse um boss redesenhado ou rebalanceado. Se formulássemos um plano com base nas informações do beta e entrássemos na sala apenas para descobrir que ele tinha uma aparência diferente e um padrão de ataque diferente, a confusão resultante seria a ruína da raid. 

Em última análise, até que alguém abrisse a porta da câmara do boss e o fizesse aparecer no mundo, não poderíamos começar a planejar. Esta foi a desculpa que me disse para manter meu silêncio.

No final da reunião, Diavel liderou um grito otimista e conseguiu fazer o resto da reunião gritar em aprovação. Ergui um punho em solidariedade, mas a espadachim ao meu lado nem tirou uma mão de sua capa, muito menos se juntou ao grito. 

Ela se virou para sair antes mesmo do chamado de Dispensado! ecoar. Antes de ir, ela falou em um sussurro que só eu podia ouvir.

— Qualquer coisa que você estava prestes a dizer antes da reunião... Me diga, se ambos sobrevivermos à batalha.

Enquanto ela seguia para um beco escuro, respondi silenciosamente. 

Sim, eu vou te dizer. Vou te dizer como deixei tudo para trás pelo bem de manter-me vivo.

6

NÃO HOUVE DISCUSSÃO DE QUALQUER MÉRITO ESTRATÉGICO na reunião, mas claramente serviu ao valioso propósito de fortalecer a moral, pois o vigésimo andar do labirinto foi mapeado com uma velocidade sem precedentes. 

No sábado, 30 de dezembro, no dia seguinte à reunião, a primeira party (novamente, a banda de seis de Diavel) descobriu as portas duplas da câmara do boss. Eu soube quando aconteceu porque estava me aventurando só nas proximidades e ouvi os gritos.

Corajosamente, eles abriram a porta para dar uma olhada no morador. Na reunião da tarde na fonte de «Tolbana», o cavaleiro de cabelos azuis anunciou orgulhosamente suas descobertas.

O boss era um kobold enorme que se erguia a mais de seis pés de altura. Seu nome era «Illfang The Lord Kobold» e sua arma caía na categoria Lâmina Curva. Ele estava acompanhado por três Sentinelas Kobold Rui com armaduras de metal e alabardas.

Isso era o mesmo do beta. Do que me lembro, os sentinelas ressurgiam a cada uma das quatro etapas da barra de HP do boss, totalizando doze ao longo da batalha, mas, como de costume, não tive coragem de dizer isso em voz alta. Isso ficaria claro enquanto tentavam algumas escaramuças de teste, eu me dizia. 

Como acabou, eu não precisava me preocupar, porque algo esclareceu tudo no meio da reunião.

Por coincidência, a barraca da loja NPC no canto da praça da fonte começou a vender um item muito familiar. Três folhas de pergaminho juntas, mais um folheto do que um livro. Era o Guia do Boss do Primeiro Andar de Argo. Preço: zero col. 

A reunião foi temporariamente suspensa para que todos pudessem comprar uma cópia do NPC e examinar o conteúdo.

Como sempre, a quantidade de informações era impressionante. As três primeiras páginas estavam repletas de todo tipo de detalhes: o nome do Boss recém-revelado, HP estimado, o alcance e a velocidade de sua talwar, dano, até mesmo habilidades de espada. A quarta página cobria os Sentinelas Kobold acompanhantes, incluindo uma nota de que eles ressurgiam quatro vezes, totalizando doze.

Na contracapa do livro, havia uma mensagem em uma fonte vermelha que não estava presente em nenhum dos outros guias de Argo. Lia-se: — Esta informação é do beta de SAO. Os detalhes podem não corresponder à versão atual do jogo.

Quando vi isso, olhei para cima, procurando por Argo ao redor da praça. Mas não vi sinal da Rata ou de sua simples armadura de couro hoje. Olhei para baixo novamente e murmurei.

— Ela está realmente se arriscando...

Este aviso vermelho iria derrubar a postura habitual de Argo de — esta é apenas informações que comprei de alguns ex-beta testers, identidade desconhecida — Qualquer um que lesse este aviso suspeitaria que a própria Rata fosse uma ex-beta tester. Não havia prova, é claro, mas com a crescente lacuna de sentimento entre os novos jogadores e os beta testers, ela estava claramente se colocando em risco de ser a primeira a ser caçada.

Por outro lado, ficou claro que este guia eliminaria a necessidade de missões de exploração cansativas e perigosas. Uma vez que todos os mais de quarenta jogadores terminassem de ler, eles olhavam mais uma vez para o cavaleiro de cabelos azuis de pé na beira da fonte, como se colocassem sua decisão nas mãos de um líder.

A cabeça de Diavel permaneceu baixa por muitos longos segundos, mergulhada em pensamento, antes que ele finalmente se endireitasse para se dirigir à multidão.

— Sejamos gratos por esta informação, meus amigos!

A multidão murmurou. Isso claramente era um apelo pela paz com os beta testers em vez de antagonismo. Pensei que Kibaou pudesse se levantar para protestar, mas os cabelos castanhos de cacto perto da frente da reunião permaneceram firmemente no lugar.

— Independentemente de sua origem, este guia vai nos poupar dois ou três dias de exploração do Boss. Estou realmente grato por isso. São as missões de reconhecimento que carregam o maior risco de fatalidades, afinal.

Cabeças de várias cores acenaram por toda a praça.

— Se esses números estiverem corretos, as estatísticas numéricas do boss não são muito perigosas. Se SAO fosse um MMO normal, provavelmente poderíamos derrotá-lo com um nível médio três — não, cinco níveis abaixo do inimigo. Então, se trabalharmos em nossas táticas e viermos equipados com muitas poções de cura, deve ser possível vencer sem nenhuma morte. Não, deixe-me reformular isso: Não vamos ter nenhuma morte, ponto final. Pela minha honra como cavaleiro, juro isso a vocês!

Alguém na multidão levantou um brado, e uma rodada de aplausos seguiu. Mesmo como um solitário distorcido, tive que admitir que Diavel tinha um dom para liderança. A função de guilda só seria desbloqueada no terceiro andar, mas ele certamente teria a sua quando chegássemos tão longe.

Mas minha respiração ficou presa na garganta com suas próximas palavras.

— Tudo bem, agora acho que é hora de realmente começarmos a planejar a batalha! Afinal, não podemos começar a tomar papeis até formarmos uma raid party adequada. Primeiro, formem grupos com seus amigos e outros ao seu redor!

...... O quê? Ele soava como um professor de Educação Física em uma escola primária. 

Fiz alguns cálculos rápidos. Uma party completa em SAO tinha seis membros, e havia quarenta e quatro presentes, então... isso daria sete parties com dois sobrando. Devemos mirar na média, e ter quatro parties de seis e quatro parties de cinco? Mas isso dificilmente aconteceria por conta própria se nosso líder não desse a ordem...

Todo o meu pensamento de alta velocidade foi desperdiçado. Em menos de um minuto a partir da sugestão de Diavel, havia sete parties completas de seis membros cada. Obviamente, ele já tinha sua própria party de seis, mas eu não esperava que lobos solitários como Kibaou e Agil encontrassem seus próprios grupos tão rápido. 

Comecei a me perguntar se eu era seriamente a única pessoa que não recebeu nenhum tipo de convite. Mas eu não era. Depois de uma rápida varredura na multidão, avistei uma capa com capuz familiar, parada um pouco afastada dos outros, e me aproximei dela.

— Então você também foi deixada de fora, huh?

Perguntei, apenas para ser recebido com um olhar como aço derretido. Ela murmurou uma resposta irritada.

— Eu não fui deixada de lado. Só não quis me intrometer, porque parecia que todo mundo já tinha seus próprios amigos.

Decidi sabiamente não apontar que ela havia definido perfeitamente um — rejeitado —, e fiz uma cara séria em vez disso. 

— Por que você não se junta a mim, então? Uma raid vai até oito parties, então é a única maneira de participarmos.

Basear minha sugestão nas propriedades do sistema de jogo foi um sucesso, já que ela pareceu brevemente hesitante, depois resmungou.

— Eu poderia considerar, se você me mandar o convite.

Desde retrucar — Foi minha ideia primeiro, então você deveria enviar o convite — era o tipo de infantilidade que eu havia deixado para trás desde que fiquei preso aqui no mês passado, eu assenti obedientemente e toquei no cursor da espadachim, enviando um convite de grupo. Ela aceitou displicentemente, e um segundo, menor medidor de HP apareceu no lado esquerdo do meu campo de visão.

Eu fiquei olhando para a lista de letras abaixo da barra. Asuna. Esse era o nome da estranha espadachim com a «Linear» sobrenatural.

A liderança de Diavel, o cavaleiro, não se limitava ao seu discurso. Ele examinou cada uma das sete parties completas que haviam sido formadas, e com um mínimo de trocas de membros, as ajustou em grupos distintos com seu próprio propósito na batalha. 

Havia dois esquadrões de tanques pesadamente blindados, três grupos de atacantes com alta potência ofensiva e dois times de suporte armados com armas de longo alcance.

Os dois esquadrões de tanques se revezariam puxando a atenção do Kobold Lord — absorvendo seus ataques e atenção. Dois dos times de ataque se concentrariam no boss, enquanto o terceiro ficaria encarregado de conter seus seguidores. 

Os times de suporte, equipados com armas de haste longa, empregariam habilidades de delay e interrupção o máximo possível para evitar que os inimigos atacassem.

Eu achei que era um bom arranjo — simples e menos propenso a desmoronar. O cavaleiro retribuiu minha estima examinando a party restante (a espadachim e eu, é claro) por alguns longos momentos antes de oferecer alguns conselhos agradáveis.

— Vocês podem apoiar o time E para garantir que nenhum dos kobolds passem?

Traduzido, parecia que ele estava perguntando se poderíamos ficar perto do fundo e não atrapalhar ninguém. Eu podia sentir a espadachim chamada Asuna se preparando para fazer um gesto muito antipático, então coloquei a mão na frente dela e sorri.

— Entendido. Esse é um papel importante. Vocês podem contar conosco.

— Muito obrigado.

O cavaleiro mostrou seus dentes brancos e voltou para a fonte. Uma voz irritada sussurrou em meu ouvido. 

— Como isso é importante? Não vamos dar um único golpe no boss antes que ele morra.

— B-Bem, o que mais podemos fazer? Só temos nós dois. Nem podemos fazer o switch e durar tempo suficiente para a reabastecer as poções.

— Switch...? Poções...?

Ao ouvir seu murmúrio desconfiado, parei para pensar. Ela havia deixado a cidade inicial como uma noob absoluta, e chegou até aqui sozinha, usando nada mais do que um pacote de cinco rapieiras básicas compradas de um NPC e a habilidade de espada «Linear».

— Explicarei tudo mais tarde. Levará muito tempo para explicar tudo aqui.

Imaginei que ela provavelmente responderia que não precisava saber de qualquer maneira, mas para minha surpresa, ela ficou em silêncio por vários momentos antes de concordar humildemente.

A segunda reunião do comitê de estratégia do Boss terminou com saudações rápidas dos líderes das parties A a G e um plano oficial de distribuição para o col e itens que o Boss soltaria. O grande guerreiro de machado Agil era o líder do time de tanques B, enquanto o antagonista Kibaou liderava o time de ataque E. 

O time E era o grupo designado para deter os kobolds errantes, então como os sobrantes, era nosso trabalho ajudar Kibaou. Eu realmente não queria ter nada a ver com ele, mas ele não sabia que eu era um ex-beta tester — por enquanto. No final, Argo, a Rata, nunca apareceu na reunião. Eu não iria culpá-la, é claro. Seu guia era mais do que suficiente.

Os drops pelo boss seriam automaticamente divididos igualmente entre todos os quarenta e quatro membros da raid, e os itens eram distribuídos com base no sistema Quem achar fica. MMOs contemporâneos haviam feito a transição para um sistema no qual os jogadores poderiam optar por reivindicar um item e lançar dados para ver quem o ganharia, mas SAO escolheu o método mais primitivo. 

Os itens cairiam automaticamente no inventário de um jogador, e ninguém seria o mais sábio. Em outras palavras, se o grupo decidisse que todos os itens do boss deveriam ser distribuídos por sorteio, todos os jogadores teriam que abrir mão voluntariamente desses itens para a loteria primeiro. 

Como eu sabia por experiência pessoal no beta, isso era um teste doloroso de força de vontade. Várias vezes, experimentei a separação desagradável de um grupo quando ninguém se apresentava com o loot após uma grande luta, o que significava que alguém deveria estar mentindo sobre seus ganhos.

Era provável que fosse a intenção de Diavel evitar esse resultado desagradável ao aplicar a regra de Quem achar fica. 

Nosso atencioso cavaleiro de armadura brilhante. Às cinco e meia, como no dia anterior, encerramos com um brado e a reunião se desfez em pequenos grupos para encontrar bares e restaurantes para visitar. Rolei os ombros, que pareciam anormalmente rígidos, imaginando se era apenas uma ilusão ou algum tipo de tensão física real que estava passando para este mundo virtual.

— E então... onde você vai me dar essa explicação?

Pensei no que ela estava falando por um momento, depois me virei em surpresa nervosa. 

— Oh... eu-eu posso falar em qualquer lugar que você quiser. Que tal um bar por aqui?

— Não. Eu não quero que ninguém veja.

Fui brevemente ferido por sua implicação, mas recuperei meu orgulho escolhendo interpretar o significado dela como — visto com um homem — em vez de apenas — visto comigo.

— Ok, que tal a casa de um NPC? Mas ainda assim, alguém poderia entrar... Podemos pegar um quarto em uma estalagem para trancar a porta, mas isso é obviamente impossível.

— Claro que é.

Dessa vez, sofri um dano perfurante com essa resposta, que era tão afiada quanto a ponta de sua espada. Eu poderia lidar com uma conversa com uma jogadora feminina porque este era um mundo virtual, mas apenas um mês antes, eu era um adolescente terrivelmente desajeitado e antissocial que mal conseguia falar com minha própria irmã. 

Eu não deveria estar defendendo minha posição como jogador solo? 

Por que eu estava nessa situação em primeiro lugar? 

Obviamente, eu não seria útil em uma batalha de boss sem me juntar a um grupo, mas os outros sete grupos eram todos homens, então eu me sentiria muito menos desconfortável se tivesse simplesmente me juntado a eles...

Enquanto minha mente girava em círculos cada vez mais auto-comiserativos, a espadachim suspirou e continuou.

— Além disso, os quartos de estalagem deste lugar mal merecem o nome. São como caixas minúsculas com uma cama e uma mesa, e esperam que você pague cinquenta col por noite? Eu não me importo com comida, mas o sono que você precisa é real, então eles poderiam pelo menos nos dar acomodações melhores.

— E... Hm? Você acha? — Perguntei, surpreso. — Você sabe que existem lugares melhores disponíveis se você procurar, certo? Eles só custam um pouco mais.

— Quão difícil você precisa procurar? Só existem três estalagens na cidade, e são todas iguais.

Finalmente entendi. 

— Ah... entendi. Você só verificou os lugares com as grandes placas de INN, certo?

— Bem... não é auto explicativo? Uma estalagem é uma estalagem.

— Sim, mas isso só se refere aos lugares mais baratos possíveis para passar a noite aqui no primeiro andar. As estalagens não são o único lugar para pagar por um quarto.

Seus lábios se cerraram de repente.

— B-Bem ... por que você não disse isso antes?

Ela retrucou. Eu sabia que tinha a vantagem agora, então descrevi orgulhosamente meu local favorito na cidade.

— Fico no segundo andar de uma fazenda na cidade por oitenta por noite, mas vem com todo o leite que você quiser, tem uma cama confortável e espaçosa e uma bela vista, sem mencionar a banheira...

Na última frase, ela reagiu. Com a velocidade do «Linear» que eu tinha visto nas profundezas da dungeon, sua mão saltou e agarrou a gola do meu casaco cinza, quase com força suficiente para acionar o código anti-crime do jogo. Sua voz estava firme e ameaçadora.

— O que você acabou de dizer?

7

COMO ELA HAVIA MENCIONADO ANTES, ERA A CRENÇA DE ASUNA que, de todas as ações possíveis neste mundo virtual, a única real era dormir. 

O resto era uma farsa. Andar, correr, falar, comer e lutar. Todas essas coisas eram simples códigos digitais enviados do servidor de Sword Art Online. Nada que o avatar in-game fizesse causava um único movimento de dedo no corpo da vida real, recostado na cama. 

A única exceção ocorria quando o avatar se deitava à noite, e o cérebro real se engajava no que deveria ser o sono. Portanto, acima de tudo, ela queria garantir uma boa noite de sono nas pousadas da cidade. 

Provou ser mais difícil do que parecia.

O estresse constante e o ritmo da batalha na selva e nas masmorras não deixavam tempo para reflexão, mas quando ela voltava à cidade e se deitava na cama, ela caía em uma reprodução interminável de suas ações de um mês antes. 

Por que ela tinha se entregado a um capricho tão estranho naquele dia? 

Por que ela não estava satisfeita apenas tocando no NerveGear? 

Por que ela colocou o formidável capacete e disse «link start»?

Sempre que ela caía em um sono leve refletindo sobre aquele arrependimento particular, ela tinha pesadelos. Era um momento crucial para ela — o inverno de seu terceiro e último ano do ensino médio — e por causa desse estúpido jogo, os colegas de classe de Asuna sem dúvida estavam rindo de sua falha. 

Seus parentes estavam com pena por ter saído do caminho da carreira que tinha anos para se desenrolar. Mas pior de tudo, seus pais, olhando para baixo para seu corpo comatoso em algum quarto de hospital, seus rostos escondidos...

Ela se mexeria e acordaria com um solavanco, então olharia para o relógio no canto inferior esquerdo de sua visão e descobriria que, na melhor das hipóteses, tinha dormido apenas três horas. Depois disso, não importava o quanto ficasse deitada na cama com os olhos fechados, o sono não voltaria. 

De certa forma, se ela simplesmente conseguisse uma boa noite de sono, Asuna não teria se lançado em dolorosas incursões em dungeons por três ou quatro dias seguidos.

Então, à medida que os cols se acumulavam em seu inventário, Asuna desejava cada vez mais um quarto e uma cama agradáveis para gastá-los. As pousadas deste mundo eram apertadas e sombrias, e as camas, independente do material, eram barulhentas e duras.

Ela não precisava de espuma de poliuretano de alta resistência feita na Itália... mas talvez o látex simples ao menos prolongasse seu descanso de três horas para quatro. E além disso, uma banheira, ou pelo menos um chuveiro, seria bom. 

No que diz respeito ao banho, seu corpo da vida real quase certamente estava sendo regularmente limpo no hospital, mas isso era uma questão de conforto. Ela estava pronta para morrer sozinha em uma dungeon se fosse necessário, mas se ela pudesse ter a chance, apenas uma vez, de esticar as pernas e mergulhar em um banho quente agradável...

Esse desejo fervoroso saltou para o primeiro plano de sua mente nas palavras do espadachim de cabelos pretos.

— O que você acabou de dizer?

Asuna repetiu, sem perceber que o tinha agarrado pela gola. A menos que tivesse sofrido alguma alucinação, ela poderia jurar que ele acabara de dizer...

— Toda a quantidade de leite que você pode beber...?

— Depois disso.

— C-Cama confortável e espaçosa e uma bela vista...?

— Depois disso.

— C-Com uma banheira...?

Então ela não tinha ouvido errado. Asuna soltou a gola de sua jaqueta e continuou, nervosa. 

— Você disse que este quarto era oitenta col por noite?

— Eu... eu disse.

— Quantos quartos extras esta pousada tem? Onde é? Eu vou pegar um quarto, só me mostre o caminho.

Finalmente, ele parecia entender a situação. Ele tossiu e declarou solenemente.

— Bem, eu te disse que estava alugando o segundo andar, certo?

— Você disse.

— O que eu quis dizer foi que estou alugando o segundo andar inteiro. Não há quartos disponíveis. E eles não tinham nenhum para alugar no primeiro andar.

— O quê…? — Ela teve que manter os pés firmes para não cair de joelhos. — Então... o quarto é todo…

Ele pareceu entender o que ela estava tentando perguntar e respondeu com pesar, os olhos vagando. 

— Bem, eu tive uma boa semana de diversão no lugar, então adoraria trocar com você... mas na verdade eu comprei o tempo máximo de estadia com antecedência — dez dias. E a transação não pode ser cancelada.

— O quê…?

Novamente, ela quase desabou, mas se manteve firme. Asuna estava terrivelmente em conflito. Ele acabara de dizer que havia lugares para ficar além das pousadas, e alguns eram muito melhores. 

Portanto, se ela apenas procurasse ao redor de «Tolbana», talvez houvesse outro local com uma banheira. Por outro lado, atualmente havia várias dezenas de jogadores na cidade com o objetivo de vencer o boss do andar. Muito provavelmente, qualquer quarto melhor já estaria ocupado, que era sem dúvida o motivo pelo qual ele havia reservado o seu para uma estadia tão longa.

Ela deveria tentar verificar na última cidade antes dessa? Mas os campos ao redor estavam cheios de bestas perigosas após o pôr do sol, e eles se encontrariam na fonte às dez da manhã seguinte. Ela não estava muito animada com esse esforço de grupo para lutar contra o boss, mas agora que estava participando — por mais marginalmente que fosse — ela não iria chegar atrasada ou pular completamente.

Isso deixava apenas uma opção. Por vários segundos, o corpo e a alma de Asuna foram um campo de batalha de desejos conflitantes. Ela nunca, em um milhão de anos, consideraria essa opção no mundo real. Mas tudo aqui era apenas dados digitais, não reais, incluindo seu próprio avatar. 

E este não era mais um completo estranho. Eles haviam compartilhado pão com creme, estavam assumindo o mesmo papel na batalha do boss e, espere, ele não acabara de dizer que ia explicar algo para ela mais cedo? Essa explicação serviria como uma boa desculpa... certo?

O espadachim ainda olhava atentamente para todos os lugares, menos para Asuna, quando ela baixou a cabeça e disse com uma voz mal alta o suficiente para alcançar seus ouvidos.

— Me deixe usar a sua banheira….

 

🗡メ

 

A fazenda onde o espadachim estava hospedado ficava na borda de um pequeno campo a leste de «Tolbana». O prédio era maior do que ela esperava; o tamanho combinado do estábulo e da própria casa poderia ser maior que a casa de Asuna na vida real.

Um riacho imaculado corria por um canto do terreno, empurrando uma pequena roda d'água com rangidos agradáveis. A casa de dois andares era ocupada no primeiro andar por uma família de fazendeiros NPCs. 

Quando Asuna atravessou a porta da frente, a esposa do fazendeiro lhe deu um sorriso radiante. Ela não pôde deixar de notar que a avó dormindo em uma cadeira de balanço ao lado do fogo tinha um ponto de exclamação dourado sobre a cabeça — o sinal de uma missão —, mas decidiu deixar passar por enquanto.

O espadachim a conduziu por uma escada pesada até um corredor curto com uma única porta no final. Ele tocou na maçaneta e ela se abriu automaticamente com o som de clique de uma trava sendo destrancada. Se Asuna tivesse tocado nela, nada teria acontecido. Nem mesmo habilidades de arrombamento de fechaduras tinham efeito na porta de um quarto alugado por um jogador.

— Um... bem, entre.

Ele empurrou a porta aberta e a convidou desajeitadamente.

— Obrigada — ela disse baixinho e deu um passo para dentro — então gritou. — O que é isso? É tão grande! E... e isso é apenas trinta col mais caro do que o lugar que estou alugando? É tão barato...

— Ser capaz de encontrar lugares como este é uma habilidade especial — simplesmente não está na sua ficha de personagem. Claro, no meu caso...

Ele parou no meio da frase. Ela olhou para ele curiosamente, mas ele apenas balançou a cabeça. 

Asuna deu uma olhada rápida no quarto e suspirou.

O quarto em que estavam agora deveria ter pelo menos trezentos pés quadrados. Se a porta na parede leste levasse ao quarto, deveria ter mais ou menos o mesmo tamanho. Na parede oeste, havia outra porta com uma placa escrito «BANHEIRO»

A escrita decorativa de forma estranha parecia ter uma sucção mágica, puxando Asuna para mais perto. Embora o design do lugar fosse rústico, era muito confortável e aconchegante. O espadachim tirou sua espada e botas e afundou no sofá macio.

Depois de um esticão luxuoso, ele olhou para cima como se apenas lembrasse que Asuna estava ali e tossiu constrangido.

— Um, bem, como você pode ver, o banheiro é por ali, então... fique à vontade.

— Ah... o-obrigada.

Sentiu-se um pouco rude visitar o quarto de alguém e mergulhar diretamente no banho, mas era tarde demais para observar restrições agora. Ela aceitou a oferta dele e estava indo em direção à porta quando sua voz chegou até ela.

— Ah, só para você saber, tomar banho não é exatamente a mesma coisa que na vida real. O «NerveGear» não lida muito bem com sensações líquidas... então, não espere muito.

» Contanto que tenha bastante água quente, não estou pedindo mais nada.

Falou ela honestamente, enquanto abria a porta do banheiro. Ela deslizou para dentro e fechou a porta atrás de si. Exceto talvez por uma trava, ela pensou. Infelizmente, quando se virou para verificar, seu desejo não foi realizado. Não havia botões ou trincos ao redor da porta. Ela tentou bater na porta apenas por precaução, mas como não era a atual dona do quarto, Asuna não podia chamar um menu.

Por outro lado, neste ponto, a presença ou ausência de uma trava era largamente irrelevante. Ela já estava no banheiro de um rapaz que conheceu apenas ontem, prestes a usar sua banheira. O espadachim de cabelos pretos — cujo nome ela ainda não sabia — era difícil de avaliar em termos de personalidade e idade, mas ele não era o tipo de pessoa que entraria em um banheiro sem avisar... ela pensava. 

E se ele tentasse, estavam dentro dos limites seguros da cidade, o que significava que o código anti-crime estava em vigor.

Asuna desviou o olhar da porta e olhou para o sul. 

— Uau..…

Murmurou. Até o banheiro era grande. A metade norte era a área de troca, completa com um tapete grosso e macio e prateleiras de madeira bruta nas paredes. A metade sul era de azulejo de pedra polida, a maior parte coberta por uma grande banheira branca em forma de barco.

No alto da parede de tijolos havia uma torneira em forma de rosto monstruoso, e líquido transparente estava jorrando dela com uma força tremenda. A água quente e seu vapor branco e espesso enchiam a banheira até a borda e escorriam pelo chão de azulejos, onde se dirigiam para um ralo no canto.

O bom senso dizia que não havia como os palácios medievais europeus que este prédio fora modelado conterem uma tubulação de água quente de luxo como essa. Asuna não ia culpar as imprecisões de design deste mundo virtual, no entanto. 

Com os joelhos trêmulos, ela abriu a janela de menu e apertou o botão de remoção de equipamentos no manequim que ocupava metade da tela direita.

Todas as coisas que ela estava usando há dias e semanas — o manto com capuz, a armadura de bronze que cobria seu peito, as luvas e botas compridas e a espada na cintura — desapareceram instantaneamente, e seu longo cabelo castanho caiu por suas costas. Tudo o que restou foi uma túnica de lã de manga três-quartos e calças de couro justas. 

O botão de equipamento agora dizia «REMOVER TODAS AS ROUPAS», então ela pressionou novamente. O topo e a parte inferior desapareceram, deixando apenas duas peças de roupa íntima simples.

Asuna deu mais uma olhada rápida na porta e pressionou o botão pela última vez, que agora dizia «REMOVER TODA A ROUPA» Com apenas três pressões de botão, seu avatar virtual estava completamente nuo, e ela sentiu um frio na pele virtual. 

O castelo flutuante com o nome estranho de Aincrad parecia seguir o conceito de estações, e o quarto estava bastante frio, condizente com a data do início de dezembro.

Ela cruzou rapidamente o quarto e se sentou na banheira de cerâmica. Quando seu pé esquerdo afundou na água, os sinais sensoriais atingiram seu cérebro como uma parede. Ela colocou a cabeça sob o fluxo de água da torneira, resistindo ao impulso de deslizar completamente abaixo da superfície por enquanto. Só quando o calor cobriu todo o corpo e tirou o frio do ar é que ela se inclinou para trás na água quente com um splash.

... Ahh...

Não teve como segurar aquele suspiro de contentamento. Como o espadachim de cabelos pretos a havia avisado, não era uma representação perfeita de um banho. A maioria dos detalhes estava apenas um pouco fora — a conexão entre a pele e a água, a pressão sobre o corpo, o reflexo cintilante da luz na parte de baixo do rosto. Mas assim como com a comida, havia sensações suficientemente programadas de banho predefinidas no sistema para que ela conseguisse fechar os olhos, esticar os membros e relaxar. 

Era um banho. 

E não apenas um banho qualquer, mas um de luxo com quase dois metros de comprimento e cheio até a borda. Ela afundou até os lábios, olhos fechados, deixando todos os músculos relaxarem, e pensou, Posso morrer feliz agora. Não tenho mais arrependimentos.

Desde que ela havia deixado a cidade inicial há duas semanas atrás, os pensamentos de Asuna haviam seguido uma filosofia marcante: Enquanto esse jogo mortal fosse efetivamente impossível de vencer, todos os dez mil jogadores eventualmente morreriam. Em um mundo onde tudo era falso, morrer mais cedo ou mais tarde não fazia diferença, caso em que ela preferia continuar avançando o mais rápido possível, até não poder mais prosseguir.

Nas reuniões de estratégia nos últimos dois dias, Asuna observara a cena com desinteresse frio. Quem era um ex-beta tester (o que quer que isso fosse), como o loot  seria distribuído — essas coisas não importavam. 

Amanhã de manhã, eles tentariam o maior desafio do primeiro andar de Aincrad, que já havia reivindicado duas mil vítimas. Meros quarenta e poucos pessoas nunca superariam um obstáculo tão grande na primeira tentativa. Havia uma probabilidade muito alta de que todos morressem.

A razão pela qual Asuna estava tão disposta a sair de sua zona de conforto normal para esse banho era porque ela só queria mais um antes de morrer. Agora que seu desejo tinha sido realizado, ela estava completamente preparada para desaparecer deste mundo para sempre na batalha do boss de amanhã...

Aquele pão preto com creme por cima. O que eu não daria por mais um desses antes de morrer...

Asuna ficou perturbada pelo desejo que surgiu dentro dela de repente. Ela abriu os olhos e sentou-se ligeiramente.

Aquele sabor não era ruim. Mas era uma completa farsa. Era um modelo poligonal ligado a algumas variáveis simples que ditavam seu sabor. Mas então, o mesmo poderia ser dito deste banho. O que parecia água quente era simplesmente um limite no jogo com números de transparência e refração calculados para parecerem reais. O calor que envolvia seu corpo era apenas uma sequência de números sendo enviada para seu cérebro pelo NerveGear.

Mas... mas. Mesmo de volta ao mundo real, o mundo em que ela havia vivido toda a sua vida até um mês antes, ela já quis comer algo tão intensamente quanto agora? 

Já quis tomar um banho tão desesperadamente quanto antes neste exato momento?

Os menus completos de comida orgânica que ela havia comido obedientemente, mas mecanicamente, conforme seus pais ordenavam, ou o rolo virtual de pão que seu corpo desejava tanto que a fazia babar: — Qual era a coisa real?

Sentindo que ela estava considerando algo muito, muito importante, Asuna prendeu a respiração.

8

QUEM DIRIA QUE APENAS MANTER MEU OLHAR LONGE DO BANHEIRO EXIGIRIA um teste de resistência tão difícil contra a tentação? Eu estava deitado profundamente no sofá, concentrando toda a minha atenção no exemplar do Guia do Primeiro Andar do Castelo de Argo que eu havia recebido mais cedo naquele dia. 

Mas, não importa quantas vezes meus olhos passassem pela fonte simples e fácil de ler, nenhum dos conteúdos ficava na minha mente. Bem, ainda é melhor do que seria na vida real. Vamos dizer que esta fosse minha casa em Kawagoe, Saitama, e minha mãe e irmã estivessem fora, e uma colega de classe minha entrasse para tomar um banho por algum motivo. 

O que eu faria? A resposta era óbvia. Eu silenciosamente sairia pela porta da frente, pularia na minha amada bicicleta de montanha e partiria pela Rota 51 em direção a Arakawa. 

Felizmente, ao invés disso, eu estava no andar de cima de uma grande fazenda nos arredores de Tolbana, no primeiro andar do castelo flutuante Aincrad, e eu não era um adolescente nerd fanático por MMOs, mas Kirito, o espadachim. 

Enquanto meu corpo fosse este avatar virtual, nada aconteceria comigo, mesmo depois que Asuna, a espadachim, saísse do banheiro. Claro, sempre havia a possibilidade de que isso fosse uma armadilha astuta e que enquanto eu estivesse tomando meu banho, ela esvaziasse o baú nesta sala principal e desaparecesse, mas o máximo que ela encontraria lá seriam alguns ingredientes de baixo nível de mobs fracos. 

Na verdade, não havia necessidade de eu tomar meu turno após o dela. Ela sairia e eu diria: — Boa sorte amanhã, — e a mandaria embora. Fim. 

Balancei a cabeça rapidamente e estava colocando o guia na mesa de café quando ouvi algo. Havia um som rítmico na porta — para o corredor, não para o banheiro — tap, tap-tap-tap. 

Alguém estava batendo, mas não era a esposa do fazendeiro. Esse ritmo em particular era a assinatura de outra pessoa. Saltei com um susto e virei nervosamente na direção da porta de carvalho grossa e da pessoa do outro lado — Argo, a Rata. 

Para o jardim da frente pela janela voltada para o sul, para o jumento amarrado do lado de fora do estábulo, e depois pelo caminho através da floresta e para o labirinto, o pensamento ocorreu a mim, mesmo que brevemente. 

Mas montar animais no SAO era uma tarefa extremamente difícil. Eles se comportariam melhor à medida que a habilidade de Montaria aumentasse, mas eu não tinha espaço de habilidade para desperdiçar com uma habilidade de hobby como essa. 

Em vez disso, saltei do sofá e fui verificar o banheiro. A Senhorita Asuna estaria no meio de seu banho luxuoso agora. Se Argo sequer desconfiasse disso, haveria um novo pedaço de informação em seu livro de segredos: Kirito é o tipo de homem que atrai uma garota para seu quarto no primeiro encontro. 

Eu não poderia possivelmente servir de modelo para jogadores solitários se uma notícia assim vazasse. 

Mas felizmente, todas as portas neste mundo eram completamente à prova de som, com algumas exceções. Até onde eu sabia, havia apenas três coisas que poderiam passar por uma porta: gritos, batidas e efeitos sonoros de batalha. Conversas normais e os sons do banho não vazariam, mesmo com o ouvido na porta. 

Então eu poderia deixar alguém entrar no quarto, e eles não teriam ideia de que alguém estava se banhando na banheira. E se a espadachim abrisse a porta enquanto Argo estivesse aqui — bem, sempre havia aquele jumento. 

Os pensamentos acima passaram pela minha mente tão rápido quanto reações de combate, e eu me aproximei da porta do corredor, me preparei e a abri. Uma vez que confirmei quem era, dei-lhe minha linha preparada. 

— Estranho você vir me visitar no meu quarto diretamente.

A face desenhada de Argo parecia suspeita por um momento, então ela deu de ombros. 

— Suponho. O cliente disse que tenho que obter uma resposta de você antes do fim do dia.

Ela atravessou confortavelmente o quarto e se jogou no exato lugar do sofá que eu acabara de usar. Fechei a porta e me virei para a bandeja no canto para servir dois copos de leite fresco da jarra grande ali, mantendo-me muito cuidadosamente de olhar para a porta do banheiro enquanto voltava para o sofá e colocava o leite na mesa. 

Argo levantou uma sobrancelha e sorriu de lado. 

— Parece consideração demais para você, Kii-boy. Misturou um pouco de pó para dormir ali, né?

— Você sabe que esse tipo de coisa não funciona em jogadores. Mesmo que funcionasse, estamos dentro dos limites da cidade.

Argo pausou um momento para refletir, então admitiu que eu tinha um ponto. Ela levantou o copo e o esvaziou de uma vez só. 

— Isso foi bom. Configurações de sabor bem altas para um tudo que você pode beber. Acha que poderia engarrafar e vender?

— Infelizmente, só é válido por cinco minutos depois de sair do prédio. Ainda pior, não desaparece, fica absolutamente nojento….

— Ooh, eu não sabia disso. Nada mais assustador do que comida grátis.

Eu continuei rezando para que ela chegasse logo ao ponto, mas não havia como prever o que aconteceria se ela sentisse minha impaciência. Com uma expressão séria, peguei o guia que havia deixado na mesa e bati nele. 

— Falando em coisas grátis, e isso aqui? Agora, sou um cliente satisfeito do seu trabalho, mas estava comprando esses livros por quinhentos col cada. Então, na reunião de ontem, o Agil, o guerreiro do machado, disse que você está distribuindo de graça?

Disse azedo. Ela riu com um sibilo. 

— Foi graças a você e aos outros líderes comprando o primeiro lote que consegui fazer uma segunda impressão para distribuir de graça. Mas não se preocupe, todas as primeiras impressões têm uma autêntica assinatura da Argo dentro.

— Entendo. Bem, essa é uma ótima razão para continuar comprando.

Esta distribuição gratuita deve ter sido a maneira de Argo de assumir a responsabilidade por sua origem de beta tester.

 Eu queria abrir e perguntar diretamente a ela sobre isso, mas mesmo entre nós, havia um tabu não falado sobre discutir o beta. Além disso, como um ex-beta tester que nunca levantou um dedo para ajudar a população de jogadores, eu não tinha o direito de perguntar. 

Argo balançou seus cachos castanhos e cortou o pesado silêncio. 

— Bem, você se importa se eu for direto ao ponto?

Por favor, por favor, por favor, gritei silenciosamente, assentindo educadamente. 

— Como você provavelmente pode deduzir pelo fato de eu ter mencionado um cliente, isso se refere ao potencial comprador de sua espada. Se você aceitar hoje, a oferta será de trinta e nove mil, oitocentos col.

— Tr ...

Trinta e nove?! Eu quase gritei, mas me contive. Depois de respirar fundo e vários segundos, finalmente falei. 

— Eu não quero desrespeitá-la... mas você tem certeza de que isso não é algum tipo de golpe? Quarenta mil é mais do que essa arma vale. A Lâmina de Anel básica custa cerca de quinze mil col, certo? Com mais vinte mil, você pode comprar todos os materiais para aumentá-la até o +6 sem nenhum problema. Pode levar um pouco de tempo, mas com apenas trinta e cinco mil col, você poderia obter a mesma arma que a minha.

— Eu disse exatamente a mesma coisa três vezes, só para ter certeza!

Falou Argo, espalhando as mãos, uma expressão rara de incredulidade em seu rosto. Eu cruzei os braços e recostei-me no sofá, todo pensamento sobre a situação no banheiro esquecido agora que esse novo tópico exigia minha atenção. A ideia de perder dinheiro com essa situação me queimava por dentro, mas me sentia pior deixando minha curiosidade sem resposta. 

Foi um ato de vontade fazer uma contra oferta para a primeira negociante de informações de Aincrad. 

— Argo... Eu vou pagar mil e quinhentos col pelo nome do seu cliente. Verifique com o outro lado para ver se eles vão acrescentar a isso.

— Tudo bem.

Argo assentiu, abrindo sua janela e enviando uma mensagem instantânea com os dedos voando. 

Quando a resposta chegou um minuto depois, ela ergueu uma sobrancelha e deu de ombros amplamente. 

— Diz que não se importam em te contar.

Eu estava completamente intrigado agora, mas abri minha janela e extraí 1.500 col de qualquer maneira, empilhando as seis moedas na mesa na frente de Argo. Ela as pegou e as lançou uma por uma no armazenamento com o polegar, dando um sinal de conclusão do acordo. 

— Na verdade, Kii-boy, você já conhece o rosto e o nome dele. Ele causou uma verdadeira cena na reunião estratégica de ontem.

— Você quer dizer... Kibaou?

Sussurrei. Ela assentiu. Kibaou. O homem que ardia em uma fúria justa em relação aos beta testers anteriores. 

Ele era quem estava pagando quarenta mil pela minha espada? Eu me lembro que a arma pendurada em suas costas era uma espada de uma mão, assim como a minha. Mas ontem foi a primeira vez que estivemos frente a frente. E fazia mais de uma semana desde que Argo me trouxera a primeira oferta deste cliente em particular. 

A informação pela qual paguei 1.500 col me deixou ainda mais confuso do que antes. Cruzei as pernas no almofadão para pensar sobre esse desenvolvimento. 

Apenas para ter certeza, Argo me perguntou: — Então não haverá acordo na espada novamente?

— Não...

Eu não ia me separar da minha espada favorita por qualquer quantia de dinheiro. Assenti minha afirmação e senti Argo se levantando. 

— Bem, melhor eu ir então. Faça bom uso deste guia, tá?

— Sim...

— Ah, e antes de ir, vou pegar emprestado o seu outro quarto. Preciso trocar para meu equipamento noturno.

— Sim...

Enquanto eu vasculhava minha memória, me lembrei que quando Kibaou tinha se levantado na frente da multidão e encarado todos, seus olhos pararam em mim por um momento. 

Será que isso significava que ele não suspeitava que eu fosse um beta tester, mas que estava avaliando minha espada? Ou poderia ser ambos...? 

Espere um segundo. O que Argo acabou de dizer? 

Olhei para cima, 80 por cento da minha mente ainda concentrada no tópico de Kibaou. Do canto do meu olho, vi Argo girando a maçaneta. Não a porta principal para o corredor do andar de cima ou a porta do quarto na parede leste — a que ficava embaixo da placa proclamando BANHEIRO

E enquanto eu assistia, atordoado, Argo desapareceu no banheiro. Três segundos depois— 

— Whoa—?!

— Eeyaaaaaaa!!

Um grito tremendo sacudiu o prédio. A próxima coisa que vi foi uma jogadora que não era Argo sair pela porta. Nenhuma memória permanece do que aconteceu depois.

9

10:00 DA MANHÃ, DOMINGO, 4 DE DEZEMBRO. O jogo foi lançado às 13:00 do domingo, 6 de novembro, então em três horas, seriam exatamente quatro semanas desde que tudo começou. 

Quando percebi pela primeira vez a falta do botão de logout, presumi que fosse apenas um erro do sistema e, na pior das hipóteses, seria uma questão de minutos antes que a ordem fosse restaurada e eu pudesse sair. 

Mas em pouco tempo, Akihiko Kayaba, sob a aparência de um «GM» sem rosto, nos designou a tarefa de limpar todos os cem andares de Aincrad. Na época, previa um aprisionamento de cem dias. Em essência, esperava que conseguíssemos avançar cerca de um andar por dia. Agora, haviam se passado quatro semanas inteiras — e nem sequer tínhamos terminado o primeiro andar ainda. 

Só podia rir do meu otimismo, e dependendo do resultado da batalha de hoje contra o boss, poderia ficar brutalmente claro que o tempo não era o verdadeiro problema para nossa fuga. 

Os quarenta e quatro jogadores na praça da fonte de «Tolbana» eram os melhores dos melhores no jogo no momento atual. Se esse esquadrão falhasse completamente ou mesmo perdesse metade de seus membros, a notícia se espalharia pelo andar, e uma visão predominante se formaria: SAO era imbatível. 

Ninguém podia dizer quanto tempo levaria para formar uma segunda party de incursão — poderia nunca haver outra tentativa contra o boss. Nem mesmo fazer grind por níveis era uma opção, já que o ganho de experiência efetiva dos mobs no primeiro andar já havia passado do seu pico. Tudo dependia de se as estatísticas de «Illfang The Lord Kobold», boss do primeiro andar, haviam sido alteradas desde o beta. 

Se o rei dos kobolds fosse apenas tão resistente quanto eu me lembrava, não deveria ser impossível passar pela luta sem nenhuma fatalidade, mesmo com nossos níveis e equipamentos limitados. Dependia apenas se todos poderiam permanecer calmos e executar seus deveres sabendo que suas vidas estavam em jogo… 

Com o cérebro superaquecendo com todos os cálculos mentais, olhei para a jogadora ao meu lado, respirei fundo e soltei um sorriso desajeitado. O perfil lateral de Asuna, a espadachim, meio oculto por seu capuz profundo, não parecia diferente da primeira vez que a vi no labirinto, duas manhãs antes. 

Era tanto fugaz quanto frágil como uma estrela cadente, e tão afiada quanto o aço. Comparado à sua maneira calma, diferente de mim. Continuei olhando até que ela virou de repente e me lançou um olhar frio. 

— O que você está olhando? 

Sussurrou, a voz quieta, mas cheia de ameaça. Balancei a cabeça rapidamente. Ela me avisou esta manhã que, se eu sequer lembrasse o motivo pelo qual ela estava furiosa, ela me faria engolir um barril inteiro de leite azedo. Seja o que fosse que aconteceu, foi um borrão em branco na minha mente. 

— N-Nada.

Tentei dizer de forma não chalante. Ela me lançou outro olhar tão afiado quanto a ponta de sua rapieira e se virou. Comecei a me perguntar se esse mau humor poderia afetar a batalha de hoje. Verdade, ninguém mais contava conosco para ajudar — praticamente éramos figurantes — mas mesmo assim. 

— Ei.

Veio uma voz decididamente hostil de trás. Virei-me. Um homem com cabelos curtos castanhos em forma de espinhos estava diante de mim. Recuei. De todas as pessoas que eu esperava que poderiam falar comigo hoje, Kibaou era a última. Fiquei ali, pasmo. Ele me encarou e rosnou.

— Escute bem — vocês ficam no fundo hoje. Não esqueça seu papel: — você é o suporte do nosso grupo, nada mais.

........

Eu já era quieto por natureza, mas ninguém poderia ter pensado em uma resposta melhor. Este era o homem que tentou comprar minha arma por quarenta mil col ontem e contratou um agente para garantir que sua identidade ficasse escondida, ambos falhando espetacularmente. Tipicamente, uma pessoa sob essas circunstâncias embaraçosas e constrangedoras preferiria ficar pelo menos cinquenta metros longe de mim. 

Mas a atitude de Kibaou parecia sugerir que eu deveria estar me sentindo intimidado. Ele me olhou com arrogância uma última vez e cuspiu.

— Seja um bom garoto e pegue os restos de kobolds que deixarmos cair da mesa.

E com um globo de saliva no chão para um floreio final, Kibaou virou-se nos calcanhares e voltou para seu grupo, o time E. Ainda estava olhando em estupefação quando uma voz ao meu lado me trouxe de volta à realidade. 

— O que houve com ele?

Era Asuna, a outra metade. Seu olhar era cerca de 30 por cento mais assustador do que o que acabara de ser fixado em mim. 

— N-Não sei... Acho que ele acha que jogadores solo não devem se achar.

 Murmurei sem pensar, então acrescentei um adendo silencioso. 

Ou talvez os beta testers não devam se encher de si mesmos. Se esse pressentimento estivesse correto, Kibaou quase certamente suspeitava que eu era um ex-beta tester. Mas com base em quais evidências? Nem mesmo Argo, a Rata, jamais usaria a identidade dos betas testers como produto comercial. E eu nunca falei uma palavra sobre minha história do beta para ninguém. Eu observei as costas de Kibaou se afastando com o mesmo sentimento de desconforto que senti ontem. 

— Huh...?

E sem perceber, soltei um grunhido de compreensão. Ontem, ele tentou comprar minha «Anneal Blade» +6 pelo preço maciço de quarenta mil col. Isso era um fato inegável. Claramente, ele pretendia usá-la na batalha de hoje. Deixando de lado se ele poderia lidar com o peso extra dos pontos que investi em durabilidade, seu motivo me parecia óbvio o suficiente: ele queria mostrar uma arma poderosa em um momento crucial para aumentar sua influência e qualidades de liderança. 

Mas se esse fosse o caso, ele deveria ter usado esses quarenta mil col em um conjunto diferente de armas ou armaduras quando o acordo falhou. Hoje era o grande dia. Mas a cota de malha de Kibaou e a espada de uma mão em suas costas eram as mesmas que ele usara na reunião de planejamento. 

Não era uma má arma, mas ele tinha tempo e dinheiro mais do que suficiente para arranjar algo melhor. Na verdade, por meu conselho, Asuna havia melhorado sua arma da rapieira de ferro comprada na loja para uma arma de queda rara, um «Wind Fleuret» +4. 

Qual era o sentido de manter quarenta mil col no armazenamento quando você estava prestes a empreender uma batalha que poderia facilmente ser fatal? 

Não tive mais tempo para seguir essa linha de pensamento. Diavel, o cavaleiro de cabelos azuis, estava de pé em seu local familiar na borda da fonte, exercitando sua voz clara e alta. 

— Ok, pessoal — primeiro, obrigado! Temos todos os quarenta e quatro membros dos oito times presentes!

Um grito rasgou a praça, seguido por uma salva de palmas. Abandonei relutantemente minha reflexão e aplaudi junto com os outros. Com um sorriso caloroso para a multidão, o cavaleiro levantou um punho e gritou: — Para ser honesto, eu estava preparado para cancelar toda a operação se alguém não aparecesse! Mas... parece que até mesmo entreter essa possibilidade foi um insulto ao resto de vocês! Não consigo dizer o quão feliz estou. Temos o melhor grupo de incursão que você poderia querer... exceto por alguns corpos a mais para nos completar a um número legal e uniforme!

Alguns riram, alguns assobiaram, alguns ergueram os punhos exatamente como ele.

Não havia dúvidas quanto à liderança de Diavel. Mas interiormente, eu me perguntava se ele estava animando a multidão um pouco demais. Assim como muita tensão poderia levar ao medo venenoso, muito otimismo causava descuido. Era fácil rir de alguns erros no beta, mas o fracasso aqui levaria à morte. Ser um pouco mais tenso era preferível neste caso.

Escaneei a multidão ao meu redor e vi o guerreiro de machado Agil e o time B, com os braços cruzados, seus rostos sérios. Eles podiam ser contados em uma emergência. Kibaou estava de costas para mim, então não pude ler sua expressão.

Depois que todos fizeram suas brincadeiras, Diavel levantou as mãos no ar para um último brado. 

— Escutem, pessoal... Eu só tenho mais uma coisa a dizer!

Ele se inclinou e puxou sua espada longa de prata, brandindo-a alto. 

— Vamos ganhar isso!!

Não pude deixar de sentir que o rugido de excitação que se seguiu tinha mais do que um pouco de semelhança com os gritos de dez mil que ouvi no centro da «Town of Beginnings» quatro semanas antes.

10

A MARCHA DE «TOLBANA» PARA A TORRE DO LABIRINTO fez Asuna sentir arrepios. Depois de alguns minutos pensando sobre isso, finalmente ela percebeu o que estava lembrando.

A excursão escolar de janeiro. Eles viajaram para Queensland, na Austrália. Seus colegas de classe ficaram agitados com a mudança do inverno de Tóquio para o verão escaldante na Costa Dourada. Estavam extasiados, não importava para onde fossem.

Não havia nada, absolutamente nada, que ligasse as duas experiências, mas ela sentia que a atmosfera emanada dos quarenta jogadores marchando pelo caminho arborizado era muito semelhante à de seus colegas de classe. Conversas intermináveis, risadas frequentes; a única coisa que parecia diferente era a presença de mobs que podiam sair das árvores a qualquer momento. 

Mas com esses guerreiros confiantes, eles seriam capazes de despedaçar qualquer inimigo em segundos. Asuna e o espadachim ao seu lado estavam na retaguarda da procissão. Ela se virou para ele e começou uma conversa, optando por ignorar a atrocidade que havia ocorrido na noite anterior.

— Ei, antes de vir aqui, você jogava outros ... jogos MMO? É assim que você os chama?

— Um... sim, suponho.

Ele concordou com a cabeça, ainda um pouco intimidado.

— Viajar por outros jogos parece com isso? Sabe... como uma caminhada…

— Ha-ha. Quem dera — ele riu, depois deu de ombros. — Infelizmente, não é assim em outros games. Veja bem, se você não está em imersão total, tem que usar um teclado ou um mouse ou um controle para se mover. Você mal tem tempo para digitar algo na janela de bate-papo.

— Ah... entendi...

— É claro, também há jogos com suporte para bate-papo por voz, mas nunca joguei nenhum desses.

— Ahh.

Asuna tentou imaginar uma multidão de personagens de jogo correndo silenciosamente em um monitor de tela plana. 

— Eu me pergunto... como seria a coisa real.

— Eh? Coisa real?

Ele lançou um olhar cético para ela. Ela tentou descrever a imagem em sua cabeça. 

— Se realmente houvesse um mundo de fantasia como este... e um monte de lutadores e magos se unissem em uma aventura para derrotar um mob terrível. Sobre o que eles conversariam no caminho enquanto viajam? Ou eles apenas marchariam em silêncio? É isso que eu quero dizer.

.........

O espadachim ficou em silêncio por alguns momentos desconcertantes, e quando Asuna finalmente olhou para ele, ela percebeu que a pergunta que havia feito era na verdade bastante infantil. Ela se virou e tentou murmurar um breve — Deixa pra lá, — mas ele falou primeiro.

— O caminho para a morte ou a glória — ele murmurou. — Se as pessoas ganhassem a vida fazendo isso, aposto que não seria diferente de sair para jantar em um restaurante. Se você tem algo a dizer, diz. Se não, não diz. Em algum momento, aposto que essas incursões contra bosses serão tão comuns. Supondo que possamos fazer o suficiente delas para que se tornem assim.

— Heh... haha.

Ela não pôde deixar de rir da bobagem daquela afirmação, depois se desculpou rapidamente para disfarçar.

—Desculpe, não quis rir. Mas... isso é realmente estranho. Este lugar é o oposto polar do comum. Como você pode fazer qualquer coisa aqui se tornar normal?

— Haha... Boa observação — ele riu baixinho. — Mas hoje faz quatro semanas completas aqui dentro. Mesmo que vençamos esse boss, ainda há noventa e nove andares pela frente. Eu estava esperando que isso levasse dois, talvez três anos. Se durar tanto tempo, até o extraordinário se tornará comum.

Antes, a enormidade dessas palavras teria deixado Asuna em choque e desespero. Mas agora, a única coisa que atravessava seu coração era o vento seco da resignação.

— Você é muito forte. Eu não acho que eu possa fazer isso — sobreviver aqui por anos e anos... Isso é muito mais assustador para mim do que morrer na batalha de hoje.

O espadachim lhe deu um breve olhar, enfiou as mãos nos bolsos de seu casaco cinza e murmurou: — Sabe, haverá banhos ainda melhores nos andares mais altos, se conseguirmos chegar lá.

— É-É sério?

Ela perguntou sem pensar, depois ofegou. Ela reprimiu sua crescente vergonha e lhe deu um aviso silencioso. 

— Então... você lembrou. Nesse caso, eu vou te alimentar com um barril inteiro de leite azedo.

— O que significa que você terá que sobreviver a esta batalha primeiro — Ele respondeu, sorrindo.

11

ÀS ONZE HORAS EM PONTO, CHEGAMOS AO LABIRINTO.

À uma e meia, estávamos no último andar.

Eu estava secretamente aliviado que até agora não tínhamos perdido ninguém. Afinal, a maioria dos membros do nosso grupo estava, sem dúvida, experimentando sua primeira incursão em capacidade quase total. E neste mundo, cada experiência estava repleta de possibilidades de acidentes.

Senti arrepios em três ocasiões separadas. Os grupos F e G, que estavam equipados com armas longas como lanças e alabardas, foram emboscados em seus flancos por kobolds em corredores estreitos. Durante batalhas em proximidade em SAO, acertar outro jogador por acidente com um golpe não causava dano (e, portanto, nenhum crime), mas atuava como um obstáculo bloqueador que cancelava qualquer habilidade de espada de nível baixo. Isso acontecia com mais frequência com lanças, dada sua longa alcance, tornando os ataques surpresa por inimigos de curto alcance bastante perigosos.

Diavel fez excelente uso de suas qualidades de liderança diante dessa situação. Ele comandou corajosamente os outros membros, exceto um único líder de party, a recuar, usou uma habilidade de espada pesada para desequilibrar os mobs e então trocou por lutadores de curto alcance. Foi o tipo de estratégia que apenas alguém familiarizado com liderança de party poderia empregar tão rapidamente e com tanta certeza.

Nesse sentido, talvez tenha sido presumido para um jogador solo se preocupar com muita emoção antes de partirmos. Diavel tinha sua própria filosofia sobre como liderar e, como membro desta incursão que chegou até aqui, agora era meu dever depositar total confiança nele.

 

🗡メ

 

Finalmente, as enormes portas ficaram visíveis à frente. Eu me levantei nas pontas dos pés para ver sobre o resto do grupo.

A superfície de pedra cinza estava adornada com relevos de humanoides terríveis com cabeças de bestas. Na maioria dos MMOs, o kobold não passava de um mob inicial típico, mas em SAO, eram temíveis semi-humanos. Eles brandiam espadas e machados, o que significava que podiam usar habilidades de espada próprias. 

Como as habilidades eram muito mais rápidas, fortes e precisas do que simples ataques de balanço, mesmo uma habilidade de nível baixo poderia causar danos impressionantes se acertasse um alvo desprotegido em um acerto crítico. O fato de Asuna ter chegado ao último nível do labirinto usando apenas o simples ataque Linear provou quão poderosas as habilidades de espada poderiam ser nas mãos certas.

— Escute por um segundo — murmurei para Asuna, me aproximando. — Os Sentinelas Kobold da Ruína que vamos enfrentar são apenas como guarda-costas para o boss real, mas são bastante difíceis. Como expliquei ontem, suas cabeças e peitos estão protegidos, então simplesmente atacá-los com Linear repetidamente não vai funcionar.

O olhar penetrante da espadachim voltou para mim de baixo de seu capuz. 

— Eu sei disso. Tenho que acertá-los diretamente na garganta.

— Isso mesmo. Vou usar minhas habilidades de espada para afastar suas alabardas, e então você entra e os finaliza.

Ela assentiu e virou-se para as portas gigantes. Eu olhei para o perfil dela por mais alguns segundos.

A única diferença é quando e onde você morre, mais cedo ou mais tarde, ela afirmara em nosso primeiro encontro. Eu não podia deixá-la provar essa afirmação. O «Linear» de Asuna sugeriu um talento incrível, e ela não tinha ideia. Nem todas as estrelas cadentes queimavam na atmosfera. Algumas delas resistiam às chamas e encontravam o caminho à terra.

Se ela sobrevivesse à batalha de hoje, eu tinha certeza de que ela seria conhecida em todo Aincrad como a espadachim mais rápida e bela do jogo. Incontáveis jogadores, esmagados pelo medo e desespero, poderiam olhar para sua luz guia. Eu estava certo disso. Esse papel era algo que eu nunca poderia desempenhar, com meu passado de beta-test.

Engoli minha determinação e olhei para frente. Diavel acabara de organizar as outras sete parties em formação perfeita.

Mesmo nosso líder carismático não poderia simplesmente liderar um grito alegre agora. mobs humanoides detectariam os gritos e viriam correndo.

Em vez disso, Diavel ergueu sua espada longa e deu um aceno vigoroso. Quarenta e três outros brandiram suas armas e sinalizaram de volta. Com seus cabelos azuis ao vento, o cavaleiro colocou sua outra mão no centro da porta. 

— Vamos lá!

Ele gritou, e empurrou com força. Sempre foi tão vasto assim? Meu primeiro pensamento ao colocar os pés na câmara do boss do primeiro andar depois de quatro meses foi ceticismo.

Era uma sala retangular que se estendia para longe de nós. Devia ter aproximadamente sessenta pés de lado a lado e mais perto de trezentos da parede distante até a porta. Dado que o restante do andar tinha sido mapeado, o espaço vazio restante no mapa era uma boa indicação do tamanho da sala, mas parecia muito maior pessoalmente do que parecia na página.

Essa distância era realmente bastante problemática. As enormes portas das câmaras de Boss de Aincrad não se fechavam durante uma batalha. Se tudo parecesse perdido, sempre havia a opção de correr de volta para a porta para evitar uma derrota total. 

No entanto, virar as costas para o oponente deixava um jogador indefeso contra habilidades de espada de longa distância que poderiam causar delay de movimento, se não um efeito de atordoamento total. 

Portanto, era melhor recuar para trás enquanto ainda enfrentava o boss. Em uma sala vasta como essa, essa distância poderia parecer interminável. O recuo seria mais fácil nas batalhas de bosses de andares mais altos, depois que os jogadores tivessem ganhado os cristais de teleporte que permitiam a fuga instantânea. Por outro lado, eles eram extremamente caros, então usá-los seria uma retirada muito custosa, de fato.

Enquanto ponderava os vários cenários de retirada, uma tocha grosseira na parede direita da câmara escura se acendeu audivelmente. Uma após a outra, tochas se acenderam pelas paredes.

Com cada fonte sucessiva de luz, o nível gama na sala aumentou. Pedras de pavimentação rachadas e paredes. Incontáveis crânios de vários tamanhos. Um trono feio, mas massivo, no final da sala, e uma silhueta sentada nele...

Diavel abaixou sua espada na direção dele. Com esse sinal, quarenta e quatro guerreiros soltaram um rugido valente e correram pela câmara.

O primeiro a descer pela câmara foi um lutador com martelo e um grande escudo redondo como uma placa de metal, o líder da party A. Logo atrás deles e à esquerda estavam Agil, o guerreiro do machado, e sua party B. À direita estavam as parties C, formada por Diavel e seus cinco companheiros de party, e a party D, liderada por um homem com uma grande espada alta. Atrás dessa linha estavam a party E de Kibaou e as duas parties de alabarda, F e G.

E por último, dois esquecidos retardatários.

Assim que o líder à frente da party A alcançou sessenta pés do trono, a figura previamente imóvel saltou ferozmente. Ele deu um mortal no ar e pousou com um estrondo, então abriu uma mandíbula semelhante a um lobo e rugiu.

— Grruaaah!!

A aparição de «Illfang The Lord Kobold», rei dos bestiais, era exatamente como eu me lembrava. Seu corpo robusto estava coberto de pelos acinzentados e tinha facilmente mais de seis pés de altura. Seus olhos vermelho-dourados cintilavam ameaçadoramente, sedentos por sangue. Em sua mão direita havia um machado feito de osso, e na esquerda, um escudo de peles e couro. Pendurado na parte de trás de sua cintura havia um talwar massivo que devia ter quase cinco pés de comprimento.

The lord Kobold ergueu seu machado de osso e o desceu com toda a sua força sobre o líder da party A. O espesso escudo redondo recebeu o impacto de frente, e um clarão brilhante e um tremor feroz encheram a sala.

Como se aquele som fosse um sinal, três mobs fortemente armados saltaram de buracos nas paredes laterais. Estes eram os Sentinelas Kobold da Ruína que acompanhavam seu líder. A party E de Kibaou e sua party de apoio G desceram sobre os três para atrair sua atenção. Asuna e eu trocamos olhares e corremos para o kobold mais próximo.

E assim, às 12:40 em 4 de dezembro, o primeiro mob boss em Aincrad foi finalmente desafiado.

A barra de HP de «Illfang» tinha quatro partes. Ele lutou com seu machado e escudo até a terceira barra, mas na fase final, ele jogaria-os de lado e sacaria seu talwar gigante. A mudança em seus padrões de ataque foi o maior desafio na luta, mas essa transição foi detalhada completamente no guia de Argo. Na reunião de ontem, passamos bastante tempo estudando a mudança em suas habilidades de espada ao mudar para o talwar, e como contra-atacá-las.

Enquanto lidava com os sentinelas que escapavam das parties E e G, mantive um olho no estado da linha de frente. Parecia que a estratégia se manteria forte. As switches e a rotação de poções dos tanques e atacantes estavam funcionando sem problemas, e as leituras médias de HP de todas as parties individuais listadas no lado esquerdo da minha visão mostravam um sólido 80 por cento em toda a linha.

Por favor, por favor, que isso se mantenha, orei com todo o meu ser — algo que nunca fiz como jogador solo.

12

NO PONTO EM QUE ELE A TRANSPORTARA PARA FORA da torre do labirinto (por meios desconhecidos), Asuna tinha a sensação de que o espadachim de cabelos negros era talentoso. Mas ao testemunhá-lo corretamente em batalha pela primeira vez, ela percebeu o quão inadequada era aquela descrição.

Ele era forte.

Na verdade, havia algo dentro de sua luta que não podia ser simplesmente resumido pela força.

Algo que transcendia poder ou velocidade, algo que sugeria a próxima dimensão.

Asuna não tinha experiência com jogos online ou sistemas de imersão total, então ela não sabia como colocar essa ideia em palavras. Se ela tivesse que descrever, ele estava "otimizado". Não havia movimento desperdiçado em nada que ele fizesse. 

Suas habilidades eram precisas e seus golpes eram pesados. Com um movimento rápido, ele jogou a assustadora alabarda do guerreiro kobold para o alto, gritou um comando de "switch" e flutuou para trás. Quando Asuna saltou para ocupar seu lugar, o kobold ainda estava no processo de recuperar o equilíbrio, deixando-lhe tempo suficiente para desferir um impulso Linear em sua garganta fraca. 

Tudo muito simples.

Ela pensou no que ele havia dito em seu primeiro encontro: 

— Seus ataques são excessivos; são ineficientes.

Ao que ela havia perguntado o que havia de errado em ser minucioso. Neste ponto, ela entendeu que havia muita coisa errada com isso. 

Eliminar o desperdício criava melhor equilíbrio, e o equilíbrio ampliava sua visão. Esses Sentinelas Kobold supostamente eram muito mais difíceis do que os Troopers Kobold com os quais ela havia lutado naquela época, mas ela podia ver claramente os movimentos de cada criatura.

Depois que seu «Linear» atingiu seu ponto fraco crítico, o kobold só tinha uma pequena fração de vida restante. A antiga Asuna teria evitado o ataque do inimigo por um triz e depois desferido outro Linear, mas isso teria sido excessivo. Assim que a pausa após sua habilidade de espada acabou, ela cutucou o mesmo local com um esforço mínimo. Isso foi o suficiente para reduzir o HP do inimigo a zero. Ele se desfez em fragmentos azuis e desapareceu.

— GJ.

Veio a voz do espadachim atrás dela. Ela não sabia o que aquilo significava, então ofereceu-lhe um — Você também — neutro.

(N/T: GJ É good job.)

Neste ponto, a primeira barra de HP do boss kobold acabara de se esvaziar. Diavel gritou.

— Para o segundo.

E mais Sentinelas Kobold saíram dos buracos nas paredes.

Esquecendo brevemente que deveriam ser apenas apoio, Asuna se juntou ao seu parceiro em correr atrás do kobold mais próximo. A espada em sua mão era novinha em folha, mas já parecia familiar e precisa na palma de sua mão. Era como se tudo na espada, desde o cabo de couro até sua ponta afiada e brilhante, fosse uma extensão de seu próprio braço.

Se isso é o que constitui uma verdadeira batalha neste mundo, então o que eu estava fazendo antes de hoje era algo semelhante, mas muito diferente. Deve haver algo mais. Este espadachim está muito, muito à minha frente nesse caminho. Este é um mundo virtual e ilusório, e tudo o que faço aqui é falso… mas… essa sensação, pelo menos, é verdadeira: que eu quero ver o que ele vê.

O espadachim jogou o machado do sentinela para o alto. No próximo momento, Asuna gritou o comando de switch por conta própria e saltou com sua nova lâmina favorita.

13

A BATALHA CONTRA O THE LORD Kobold E SEUS SENTINELAS contra quarenta e quatro jogadores estava indo muito mais suavemente do que eu jamais esperava.

A party C de Diavel derrubou a primeira barra de HP, a party D foi responsável pela segunda, e agora as parties F e G eram a principal força de ataque pela metade da terceira barra. O pior que havia acontecido até agora eram os tanks nas parties A e B chegando à zona amarela em seus HP. Ninguém tinha caído na zona de perigo vermelha ainda. A party E e os dois extras haviam feito um trabalho tão fácil com os ajudantes do kobold que a party G, o outro grupo de apoio, foi capaz de mudar para o boss principal.

O que mais me chamou a atenção foi o esforço de Asuna a espadachim. Seu «Linear» já havia me impressionado em nosso primeiro encontro, e com uma arma melhor, estava ainda mais afiado, perfurando as gargantas dos Sentinelas Kobold com facilidade e precisão. A quantidade de tempo que levava desde o movimento inicial até a infligição de dano tinha que ser a metade do tempo ordinário quando permitindo que o sistema automático de assistência assumisse o controle. 

Eu estive estudando e praticando maneiras de aumentar intencionalmente minhas habilidades de espada desde o beta, e nem mesmo eu estava certo se poderia igualar essa velocidade.

E isso era de uma novata total que só conhecia uma habilidade. Um arrepio percorreu minhas costas ao pensar em seu potencial ilimitado se ela acrescentasse mais conhecimento e refinasse seus instintos.

Se possível, eu queria ver essa transformação acontecer com meus próprios olhos — mas rapidamente descartei essa ideia. Quando escolhi o caminho de um jogador solo interessado apenas em si mesmo há um mês, perdi qualquer direito de me conectar com os outros. Meu primeiro amigo neste mundo, Klein, provavelmente ainda estava ocupado subindo de nível ao redor da «Town of Beginnings», tentando manter todos os membros de seu grupo vivos...

Não relacionado às minhas próprias reminiscências amargas, Asuna estava apenas finalizando sua segunda vítima. Os Sentinelas Kobold da Ruína eram mobs raros que não apareciam em nenhum outro lugar, então mesmo que não fossem tão lucrativos quanto o boss em si, eles ainda deixavam cair muita experiência, col e itens. 

O dinheiro era dividido automaticamente entre todos os membros do grupo de raid, mas a experiência pertencia apenas a Asuna e a mim por nosso esforço direto em derrotar a criatura, e os itens loteados eram seu bônus por infligir o golpe final.

Por essa razão, se Kibaou estivesse sendo perfeitamente honesto, ele queria que a party E fizesse todo o trabalho de matar sozinha. Mas nós dois, os supostos "sobras", estávamos eliminando nossos alvos muito mais rapidamente do que o grupo completo de seis. Certamente ele não poderia reclamar disso.

Mas assim que o pensamento passou pela minha mente, a voz rouca de Kibaou soou atrás de mim. 

— Seu plano deu errado, né? Bem feito.

— O quê?

Eu me virei, confuso. Apenas dois dos três sentinelas que apareceram na terceira etapa da batalha restavam, e eles estavam quase mortos. Tínhamos tempo suficiente para uma breve conversa antes que mais deles aparecessem. O espadachim de cabeça de cacto franziu os olhos para mim e elevou a voz.

— Abandone a atuação lamentável. Eu já sei exatamente por que vocês se infiltraram nessa luta contra o boss.

— Por quê? Você quer dizer... para derrotar o boss? Que outro motivo poderia haver?

— Oh, então você vai negar? Você sabe o que está procurando!

Claramente, não estávamos vendo as coisas da mesma maneira em relação ao conteúdo da conversa. Eu cerrei os dentes de frustração e raiva. Kibaou finalmente disse o que estava em sua mente.

— Você acha que eu não sei? Ouvi tudo sobre seu estilo... como você sempre usou truques sujos para roubar o LH de todos os bosses!

— O quê…?

  1. Last Hit.

De certa forma, ele estava certo. Eu tinha uma prática sólida de tentar deixar a menor quantidade de vida possível e então desencadear minha habilidade de espada mais poderosa para obter o maior bônus de LH possível. Mas isso não tinha nada a ver com as nossas circunstâncias atuais — era apenas durante o beta fechado de Sword Art Online que havia terminado há muito tempo.

Kibaou sabia que eu não era apenas um beta-tester, mas também sabia como eu tinha jogado. Mas... peraí. Ele acabara de dizer que tinha — ouvido falar — do meu estilo. O que significava que deve ter vindo de outra pessoa. 

Mas quem teria...? Um segundo lampejo de entendimento percorreu meu cérebro.

Kibaou estava tentando comprar minha «Anneal Blade» +6 por um preço absurdo através de Argo, a Rata. Ontem, ele finalmente aumentou sua oferta acima da taxa de mercado para quarenta mil col. No entanto, quando recusei sua oferta, ele não gastou esse dinheiro em outro lugar.

Não. Ele não podia gastar esse dinheiro. Não era dele.

Kibaou era apenas mais um intermediário, como Argo depois dele. Foi assim que ele pôde falar comigo no dia seguinte como se nada tivesse acontecido. O verdadeiro comprador era outra pessoa, e essa era a fonte dos quarenta mil col. Colocando outra pessoa entre eles e Argo, nenhuma quantia de dinheiro que eu pagasse até o topo da linha poderia comprar o nome do verdadeiro comprador.

Esse conspirador havia dado informações beta a Kibaou, manipulando-o e incitando seu ódio pelos betas-test anteriores. O que significava que a intenção desse comprador misterioso não era ganhar a «Anneal Blade» +6 para melhorar os pontos de ataque. Talvez isso fosse um benefício secundário, mas o ponto real era outro. Eles queriam reduzir meu poder de ataque, impedindo-me de usar minha habilidade de obter bônus de LH…

— Kibaou… Quem lhe contou essa história, como eles conseguiram essas informações sobre o beta?

— Não é óbvio? Eles pagaram uma grana preta para comprar as informações da Rata. Tudo isso para farejar as hienas do grupo.

Aquilo era mentira. Argo poderia vender seus próprios números de status pelo preço certo, mas ela nunca venderia informações do beta.

Eu rangei os dentes de fúria, mas fui momentaneamente distraído por um grito de triunfo lá na frente. A barra de HP longa e de quatro estágios do boss finalmente estava no último passo. Eu não pude deixar de assistir. Depois de eliminarem a terceira barra, as parties de lança F e G recuaram, deixando a party C totalmente recuperada para avançar e enfrentar o boss. Diavel, o cavaleiro de cabelos azuis, líder do grupo e comandante do raid, brilhava deslumbrantemente na escuridão do suja dungeon.

— Ugruoooaaah!!

«Illfang The Lord Kobold» Rugiu, seu mais alto e feroz até agora. O trio final de Sentinelas Kobold da Ruína apareceu dos buracos nas paredes.

— Vá em frente, pegue um desses pequenos kobolds. Pegue seu LH.

Kibaou rosnou, sua voz gotejando de desprezo, e correu de volta para seus parceiros da party E. Eu não tinha me recuperado do choque e da confusão de nossa conversa, mas não tive escolha a não ser voltar para encontrar Asuna.

— Sobre o que vocês estavam falando?

Ela perguntou baixinho, mas eu não tive tempo para fazer nada além de balançar a cabeça.

— Nada... Vamos apenas derrotar esses inimigos.

— Tudo bem.

Nós voltamos nossas lâminas para o sentinel que se aproximava. No instante seguinte, eu senti algo e olhei brevemente para a batalha principal.

The lord Kobold acabara de jogar seu machado de osso e seu escudo de couro de lado. Ele rugiu mais uma vez e alcançou atrás de sua cintura, agarrou uma alça envolta em trapos grosseiros e puxou para fora a longa e maligna «talwar».

Eu tinha visto essa transição nos padrões de ataque muitas vezes durante o beta. A partir deste ponto até sua morte,«Illfang» usaria apenas habilidades de espada curva. Ele fazia uma visão terrível em sua raiva berserk, mas era realmente mais fácil de lidar do que antes, se você apenas soubesse como. 

Seus ataques eram todos fatias verticais de longo alcance, então, desde que você identificasse para onde ele estava mirando quando atacava, era fácil desviar, mesmo a curta distância.

Por ordens de Diavel, os seis membros da party C giraram em círculo em torno do boss. Esta formação não teria funcionado contra seus largos golpes horizontais com o machado de osso. A ordem era tão precisa e confiante que você nunca imaginaria que ele não tinha mais do que um guia de estratégia frágil para seguir. 

Agora, os seis poderiam continuar atacando e evitando os balanços da talwar até a batalha ser...

— Hgk…?

Um pequeno grunhido escapou da minha garganta.

Ao dar a Kibaou quarenta mil col e tentar comprar minha arma de mim, o Jogador X estava tentando me impedir de marcar o último golpe para ganho pessoal — ou assim presumi. Enquanto eu ainda tinha minha espada, o objetivo de X estava essencialmente cumprido neste ponto. Eu era um retardatário na borda mais distante da raid, enfrentando esses sentinelas fracos. Eu não chegaria a seis metros do boss.

Mas nesse caso….. A identidade do Jogador X seria de quem estava prestes a marcar aquele LH agora? Não fazia sentido desembolsar tanto dinheiro apenas para me impedir de ser bem-sucedido. A única maneira de esse tipo de gasto fazer sentido era se o gastador quisesse derrubar o boss ele mesmo.

Significando... o jogador misterioso que estava manipulando Kibaou e sabia do meu passado de beta-test não era ninguém menos que—

— Aí vem!

Asuna gritou, tirando-me de meus devaneios. O Sentinel Kobold avançou com sua alabarda, e apenas uma reação instantânea com a habilidade de espada Inclinada foi capaz de parar o golpe.

— Switch!

Eu dei um salto para trás e Asuna assumiu a linha de frente. Novamente, olhei para a batalha principal, a uns vinte metros à nossa esquerda.

A animação de transição invencível do boss terminou, e o combate estava prestes a recomeçar. O primeiro a chamar minha atenção foi o cavaleiro de cabelos azuis, que se preparou para desviar do ataque inicial do boss.

Era você? Diavel, o cavaleiro... foi você quem organizou tudo isso?

Não havia resposta para minha pergunta silenciosa, é claro. «Illfang» rugiu e levantou sua lâmina curva bem acima da cabeça. Novamente, algo passou pela minha mente.

Era alienígena. Algo estava errado. Havia uma diferença entre The lord Kobold que eu conhecia e esse boss. Não era sua cor, nem seu tamanho, nem seu rosto ou voz. A diferença não estava na criatura... mas na arma que ele segurava. Da minha posição, eu só podia ver uma silhueta vaga da lâmina... mas ela sempre foi tão estreita? 

A curva suave era o mesmo formato que eu lembrava, mas a largura e seu brilho eram diferentes. Aquela textura não era ferro fundido bruto. Era o aspecto temperado e afiado do aço. Uma vez eu tinha visto uma arma assim... no décimo andar de Aincrad. 

Uma arma carregada pelos mais temíveis inimigos que encontrei no beta, vestidos em sua armadura vermelha. Aquela era uma arma exclusiva de mob, algo não disponível para nenhum jogador...

— Ah... aaah!

Eu respirei fundo, forçando mais ar nos meus pulmões tensos para poder gritar com toda minha voz.

— Não, recuem!! Todos, pulem para trás o máximo que puderem!!

Mas meu aviso foi abafado pelo efeito sonoro da habilidade de espada de «Illfang». O volume maciço do kobold se abaixou no chão e saltou para cima. Ele girou seu corpo no ar, construindo momentum para seu golpe. Ao cair, todo aquele poder acumulado irrompeu em um redemoinho carmesim.

Plano: horizontal. Ângulo: 360 graus.

Uma habilidade de katana de ampla área chamada «Tsumuji-guruma» — «Spiral Wheel».

As seis luzes que saíram de «Illfang» eram vermelhas como jatos de sangue. A leitura média de HP da party C no lado esquerdo da minha visão instantaneamente caiu abaixo da metade, na zona amarela. Eu poderia ver totais individuais se tocasse aquela barra com o meu dedo, mas não havia motivo para fazer isso. Eles claramente sofreram todos a mesma quantidade de dano.

Já era ruim o suficiente que um ataque de área ampla tirasse mais da metade da vida de um jogador, mas os efeitos deste ataque não pararam por aí. Os seis membros caídos no chão tinham círculos amarelos borrados ao redor de suas cabeças. Estavam afligidos com paralisia temporária — um efeito de atordoamento.

Entre as dezenas de efeitos negativos em SAO, nada era pior do que paralisia ou cegueira. No máximo, os efeitos duravam apenas dez segundos. Mas por causa desse curto período, não havia métodos de recuperação. 

Se um membro da linha de frente fosse atordoado, seus parceiros tinham que intervir sem esperar pelo chamado de troca e tentar chamar a atenção do inimigo.

No entanto, eles estavam todos atordoados. A estratégia de luta havia sido meticulosamente planejada antecipadamente. Tudo parecia estar progredindo bem. E Diavel, o líder confiável e capaz, estava estirado no chão. Todas essas razões combinadas mantiveram as outras parties da raid paralisadas no lugar. No meio desse silêncio sinistro, The lord Kobold se recuperou de seu ataque massivo e se preparou para retomar a luta.

Finalmente, eu voltei a meus sentidos.

— Cuidado com o contra-ataque—

Tentei gritar, enquanto Agil e seu grupo se aproximavam para ajudar. Mas não foram rápidos o suficiente.

— Urgruaah!!

A besta uivou, e balançou sua lâmina de duas mãos diretamente para cima de sua posição de descanso perto do chão — a habilidade de espada «Ukifune», ou «Floating Ship». Estava mirando direto em Diavel, que ainda estava deitado no chão. Seu corpo de armadura prateada se ergueu do chão, como se fosse puxado para cima pelo arco de luz vermelho pálido. O dano desse movimento não era tão ruim, mas também não era o fim do assalto do kobold.

Sua grande boca de lobo se abriu em um sorriso feroz. A lâmina da espada brilhou vermelha novamente. «Ukifune» era apenas o movimento inicial de um combo de habilidade. A melhor resposta quando erguido no ar assim era se encolher em uma bola e focar em maximizar a defesa, mas era impossível saber disso ao enfrentá-lo pela primeira vez.

Diavel recuou sua espada longa no ar, esperando revidar com uma habilidade de espada. Mas o sistema não reconheceu seu movimento desesperado como a iniciação de uma habilidade. A espada gigante de «Illfang» acertou em cheio o cavaleiro.

Dois golpes de cima para baixo mais rápidos do que o olho podia seguir, então uma breve pausa e um empurrão. Se eu me lembrava corretamente, esse combo de três golpes era chamado de «Hiougi» — «scarlet fan».

Os golpes no corpo do cavaleiro explodiram com cores brilhantes e sons estrondosos, os indicadores de golpes críticos. Seu avatar voou dezoito metros pelo ar, bem acima das cabeças da party da raid, até cair bem ao meu lado. Seu medidor de HP estava no vermelho e diminuía rapidamente.

….. !!

Um estranho guincho borbulhou na minha garganta. Eu acertei a alabarda do sentinel que se aproximava com um poderoso Inclinado. Ele pegou o cabo da arma, quebrando-o ao meio e atordoando o kobold. Asuna rapidamente avançou e desferiu o golpe fatal em sua garganta.

Eu me virei, ignorando a animação explosiva de morte do mob para olhar para Diavel. Uma vez que finalmente tranquei olhares com ele a uma distância de meros metros, faíscas estouraram em meu cérebro.

Conheço esse jogador.

O nome e a aparência eram diferentes, mas eu estava certo de que no antigo Aincrad, eu tinha visto esse jogador, talvez até falado com ele. Diavel era um ex-beta-test, assim como eu. E como eu, ele havia mantido seu passado escondido. Na verdade, ele havia encontrado parceiros, então a pressão para manter esse segredo escondido devia ser muito pior que a minha.

Mas aquele conhecimento de beta-test estava envenenando-o, com o crucial momento do final do primeiro andar à vista.

Eu não o reconhecia, mas ele me conhecia, e sabia que eu marcava bônus LH dezenas de vezes no beta de Aincrad. Ele suspeitava que eu faria a mesma coisa desta vez. Era altamente provável que o boss do andar largasse itens únicos, o que aumentaria drasticamente os atributos de qualquer pessoa. Agora que SAO era mortal, poder aumentado significava sobrevivência aumentada. Diavel queria fazer qualquer coisa em seu poder para obter o loot raro de «Illfang» a fim de sobreviver aos desafios de SAO — não como um jogador solitário e egoísta, mas como líder de um grupo.

Diavel parecia entender minha conclusão. Seus olhos, azuis como seu cabelo, se estreitaram com raiva por um momento, e então assumiram uma luz serena. Seus lábios tremeram e se abriram para pronunciar palavras que só eu podia ouvir.

— Você tem que continuar daqui, Kirito. Mate o ... b—

Ele não conseguiu terminar sua frase. Diavel, o cavaleiro, líder da primeira party de raid em Aincrad, virou vidro azul e se desfez.

14

Um RUGIDO — OU TALVEZ UM GRITO — PREENCHEU A CÂMARA DO BOSS.

Quase todo membro da party da raid estava agarrando sua arma como se estivesse desesperado por algo para se agarrar, olhos arregalados. Mas ninguém se moveu. A ideia de que seu líder seria o primeiro a cair, a morrer, estava tão fora das expectativas que ninguém sabia como reagir.

Eu não era diferente.

Duas opções alternavam dentro da minha cabeça. 

Correr ou lutar?

Tínhamos sofrido dois golpes principais: A arma e as habilidades do boss não eram o que esperávamos, e nosso líder estava caído. O grupo deveria recuar imediatamente da câmara do boss. Mas se virássemos as costas para Illfang para correr, suas habilidades de katana de longo alcance atordoariam pelo menos os dez mais próximos dele, se não mais, e levariam a muitas mais mortes nas mãos do combo que matou Diavel. 

Por outro lado, seria difícil recuar enquanto tentava enfrentar a besta e se defender contra habilidades desconhecidas. Devido ao tempo extra que essa viagem levaria em comparação com virar e correr, a perda gradual de HP poderia eventualmente reivindicar tantas vítimas.

Mais importante de tudo, se sofressemos tantas fatalidades, incluindo nosso líder, e a batalha terminasse em derrota, talvez nunca mais conseguíssemos organizar uma party de raid dessa magnitude. Isso poderia significar um desastre para nossa possibilidade de derrotar SAO

Os oito mil sobreviventes seriam prisioneiros permanentes em vez de guerreiros, presos no primeiro andar até alguma conclusão final, desconhecida...

Dois sons simultâneos me tiraram da minha hesitação.

Um era o som de «Illfang», recém-saído do tempo de recarga do seu combo, começando outro ataque: estrondos e gritos, o som do dano ecoando pela escuridão.

O outro era a voz de Kibaou, caído de joelhos ao meu lado. 

— Por que ... por quê? Você era nosso líder, Diavel. Como pode ser o primeiro a ir...?

Seria fácil dizer que foi porque ele era ganancioso e tentou conseguir o LH. Mas eu não podia fazer isso.

Eu voltei àquela cena onde Kibaou atacou Diavel durante a primeira reunião de planejamento. Kibaou exigiu que os ex-beta-test se desculpassem e entregassem seus loots ilegais ou enfrentassem o ostracismo. Diavel não anulou sua opinião — ele permitiu que fosse discutida abertamente.

Talvez esse pequeno ato fosse a oferta de Diavel para Kibaou, seu preço em troca. Por assumir a tarefa de negociar a venda da minha espada, Diavel concedeu a Kibaou um palco público para expressar suas queixas sobre os ex-beta-test. 

Isso não ganhou força, graças à resposta ponderada de Agil, mas se tudo tivesse corrido conforme o planejado com essa batalha contra o boss, Kibaou sem dúvida planejava trazer o tópico à tona novamente. Claramente, ele não tinha uma única gota de suspeita em sua mente de que Diavel poderia realmente ser um desses beta-test. 

Ele confiava em Diavel, pensando nele como o modelo de um jogador varejista digno, alguém que se destacaria em contraste com os beta-test desonestos. 

Poderia haver uma cena mais devastadora para ele testemunhar?

Eu tinha que ser o único a colocar a mão em seu ombro e forçá-lo a se levantar.

— Não há tempo para decepção!

Rosnei. Seus olhos cintilaram com aquele ódio familiar. 

— O quê... o que?

— Você é o líder da party E! Se perder a cabeça, sua party morrerá! Ainda podem haver mais sentinelas a caminho... De fato, tenho certeza disso. Você precisa cuidar deles!

— Bem... e você, então? Vai apenas correr para longe?

— Claro que não. Isso deveria ser óbvio...

Eu apontei a «Anneal Blade» na minha mão direita ameaçadoramente. 

— Vou marcar o LH no boss.

Cada escolha que fiz no último mês desde ser aprisionado por este reino foi para o bem da minha própria sobrevivência, nada mais. Eu não compartilhei a vasta quantidade de conhecimento que adquiri no beta. Eu colhi os benefícios de todas as melhores áreas de caça e missões. Eu me concentrei apenas em me fortalecer.

Se eu fosse manter esse princípio, esta era minha chance de fazer uma pausa para a saída, enquanto muitas outras pessoas estavam entre mim e o boss. Eu deveria garantir minha própria segurança, deixando o louco The Lord Kobold sacrificar meus companheiros, usando-os como escudos.

Mas não havia um traço dessa ideia passando pela minha mente agora. Algo como fogo disparou pelas minhas veias, empurrando meus pés em direção ao precipício entre a vida e a morte. Talvez minha fonte de inspiração fosse a mensagem final de Diavel.

— Mate o boss, — ele estava tentando dizer. Não — ajude todos a escapar. Ele morreu porque tentou ajustar as probabilidades para lhe dar a melhor chance de conseguir aquele cobiçado last hit ao boss, mas não havia como duvidar da excelência de sua liderança. Sua ordem final não foi recuar, mas lutar. Como membro da raid, eu tinha que seguir seu plano... sua última vontade.

Havia apenas uma preocupação que não conseguia apagar.

Antes da batalha, prometi a mim mesmo que, acontecesse o que acontecesse, protegeria a vida de Asuna. Ela havia mostrado um brilho de talento além mesmo do meu. Como fã do gênero VRMMO, não podia suportar ver um potencial como aquele ceifado antes de ter a chance de florescer.

Virei-me para Asuna, me preparando para avisá-la para ficar para trás e fugir se a linha de frente desmoronasse. Mas como se ela soubesse o que eu ia dizer, ela me interrompeu primeiro.

— Eu também vou. Sou sua parceira.

Não tive tempo de desencorajá-la ou explicar por que não deveria. Tive que simplesmente ignorar minha indecisão e aceitar.

— Tudo bem. Vamos fazer isso.

Começamos a correr em direção ao lado oposto da câmara. Rugidos e gritos nos inundaram. Ninguém além de Diavel havia morrido ainda, mas os lutadores na frente estavam todos abaixo da metade de seus HPs, e a liderança da party C estava abaixo de 20%. Alguns jogadores haviam entrado em pânico total e abandonado suas posições. Levaria menos de um minuto para o grupo perder completamente o controle a esse ritmo.

O primeiro passo era acalmar a party. Mas um comando meio-frouxo seria engolido pelo caos. Eu precisava de algo curto e poderoso, mas não tinha experiência liderando um grupo e não tinha ideia do que dizer...

Para minha surpresa, Asuna irritadamente agarrou sua capa com capuz e a arrancou.

Ela brilhava como se todas as tochas penduradas nas paredes tivessem sido condensadas em uma única fonte de luz. Seu longo cabelo castanho parecia afastar a escuridão da câmara com uma luz dourada profunda.

A imagem de Asuna correndo, cabelo ondulando ao vento, era como uma estrela cadente no meio da dungeon. Até mesmo os jogadores em pânico ficaram atordoados em silêncio com a beleza sobrenatural dela. 

Eu aproveitei esse instante miraculoso de silêncio e gritei uma ordem com toda a minha força. 

— Todos, dez passos em direção à saída! O boss não usará um ataque de área se não estiver cercado!

Quando o último eco da minha voz morreu, o tempo pareceu fluir mais uma vez. Os jogadores na frente se abriram para os lados para nos deixar passar. Como se estivesse seguindo esse raciocínio, «Illfang» virou-se para nos encarar.

— Mesma ordem que usamos contra os sentinelas, Asuna! Lá vamos nós!

A espadachim me lançou um olhar quando a chamei pelo nome, mas ela voltou a olhar para frente tão rapidamente. 

— Tudo bem!

The lord Kobold tirou a mão esquerda da longa katana e a colocou na cintura. Aquilo parecia a animação para—

……!!

Segurei minha respiração e iniciei minha própria habilidade de espada. Minha mão direita e a espada foram da direita para o lado esquerdo da minha cintura, e me curvei para frente até que pudesse virar. 

Se o ângulo não fosse afiado o suficiente, o sistema do jogo não o reconheceria como o início da habilidade. Pulei com minha perna direita de uma posição inicial tão baixa que eu quase estava rastejando, meu corpo brilhando de azul. Levei apenas um instante para atravessar os trinta metros até o boss. Este era o «Rage Spike», uma habilidade de carga de espada de uma mão.

A katana do boss assumiu um brilho verde liso e se moveu mais rápido do que meu olho podia acompanhar em uma habilidade de katana direta e de longo alcance: «Tsujikaze», ou «Cyclone». 

Era um ataque instantâneo que atingia assim que começava, então não havia como reagir depois de iniciado.

— Aaahh!!

Eu gritei, trazendo minha espada da esquerda para o caminho da lâmina de «Illfang». Faíscas explodiram com um clangido agudo, e ambos fomos arremessados para trás vários metros pela força da colisão.

Asuna, que vinha seguindo de perto minha explosão de velocidade, não perdeu essa oportunidade. 

— Seyaa!!

Seu «Linear» atingiu fundo o lado direito The Lord Kobold. Sua quarta barra de HP diminuiu — não muito, mas foi o suficiente.

Mesmo sentindo o tremor do impacto em minha mão direita, tentei calcular o risco da nossa situação.

Quando enfrentei as habilidades de talwar de «Illfang» no beta, eu não era forte o suficiente para cancelar seus ataques com os meus. 

Mas como esta katana era mais leve que o «talwar», eu não perdi nenhum HP em nosso choque. A compensação era que seus movimentos agora eram muito mais rápidos. 

Seria possível desviar e bloquear sua investida iminente sem errar em nenhum ponto?

Havia mais uma coisa. O «Linear» de Asuna poderia derrotar um Tropa Kobold com três hits e um Sentinela com quatro, mas os HP deste mob boss eram muito, muito além de um inimigo simples. 

Eu não conseguia adivinhar quantos hits seriam necessários para ela acabar com a barra final de HP dele. Uma das vantagens para os jogadores lutando contra um boss era que o tamanho maciço do inimigo facilitava para muitas pessoas atacá-lo ao mesmo tempo, então idealmente teríamos mais um causador de dano de cada lado. Mas todas as parties de A a G estavam gravemente danificadas no momento. Não poderíamos pedir ajuda até que eles se curassem com poções.

Asuna e eu tínhamos que nos segurar sozinhos. 

E eu não estava originalmente esperando para tentar isso sozinho? Bem, agora eu tinha o dobro de ajuda, então o que mais eu poderia querer?

— Lá vem ele novamente!

Eu gritei assim que saí do meu delay pós-habilidade, concentrando toda minha força de vontade na lâmina maciça do boss.

No beta fechado de Sword Art Online com mil pessoas no mês anterior de agosto, cheguei até o décimo andar de Aincrad, mas nunca vi o boss lá.

O labirinto desse andar foi apelidado de Castelo das Mil Serpentes, e eu simplesmente não conseguia passar pelo local guardado por um tipo especialmente resistente de mob samurai chamado Guarda de Elite Orochi. Eles usavam habilidades de katana desconcertantes e de forma livre que nenhum jogador conseguia empunhar. 

Cada ataque sofrido adicionava os nomes e descrições das habilidades ao meu menu de referência, que eu consultava desesperadamente para memorizar as informações. Quando finalmente pude reconhecer o início de cada habilidade, era 31 de agosto, o fim do teste.

Os Orochis e «Illfang» eram completamente diferentes em forma e tamanho, mas ambos eram humanoides e seus ataques eram, até onde eu podia dizer, os mesmos. Consegui seguir minha memória de quatro meses atrás para cancelar todos os ataques, até os instantâneos.

Não é preciso dizer que foi um ato de equilíbrio. Os ataques cortantes do boss tinham um dano básico tão alto que, ao usar os golpes «Slant» ou «Horizontal» com a assistência do sistema, eu era jogado para trás. Eu precisava usá-los enquanto empurrava meu corpo ao longo do impulso das habilidades para aumentar sua potência até o ponto em que eu realmente pudesse parar os golpes.

Esse tipo de técnica independente do sistema poderia ser muito poderosa se bem-sucedida, mas não estava isenta de riscos. Um movimento errado poderia interferir na assistência automática do sistema, talvez até cancelar a habilidade de espada completamente.

Nos dois meses que joguei SAO, tanto beta quanto lançamento, nunca usei tanta concentração por tanto tempo até agora.

E depois do décimo quinto ou décimo sexto bloqueio, finalmente escorreguei.

— Maldição!

Eu sibilei e tentei cancelar minha habilidade «Vertical» meio iniciada. Li o movimento de «Illfang» como um golpe de cima para baixo, mas ele girou em um meio-círculo para atacar de baixo para cima. Este era o «Gengetsu», ou «Phantom Moon», um ataque que acertava alto ou baixo com uma chance aleatória, apesar de começar com a mesma animação. Trago minha «Anneal Blade» de volta com pressa, mas era tarde demais. Um choque desagradável atingiu meu corpo e me deixou imóvel.

— Ah!

Asuna gritou ao meu lado, mas a katana atingiu diretamente na minha frente. Houve um choque agudo, frio como gelo. Meu corpo inteiro ficou dormente, e minha barra de HP perdeu quase um terço de seus pontos.

Enquanto caía de joelhos com o impacto do golpe, Asuna se lançou em direção ao rei kobold. Tentei dizer a ela para não — Gengetsu tinha um período de recuperação muito rápido. A lâmina acabou alta no ar depois de seu ataque em mim, e agora começou a brilhar novamente. Era o «Hiougi», o combo de três partes que matou Diavel...

— Nnnraaah!!

Um rugido ressoou antes da katana atingir Asuna. Uma arma verde maciça e brilhante girou apenas por cima de sua cabeça, utilizando a habilidade de machado de duas mãos, «Maelstrom».

A katana e o machado giratório se chocaram. Seu impacto sacudiu toda a câmara, e «Illfang» foi arremessado para trás. Por outro lado, o atacante se manteve firme com nada mais do que sandálias de couro e recuou apenas alguns metros. 

Era o corpulento líder da party B, Agil. Ele me lançou um sorriso enquanto eu vasculhava os bolsos do casaco.

— Vamos apoiá-lo até você terminar suas poções. Não podemos continuar forçando um causador de dano a fazer o trabalho de um tanque.

— Obrigado, cara.

Eu respondi, reprimindo a sensação estranha que estava surgindo no meu peito com uma poção de cura. Agil não foi o único a avançar. Vários outros jogadores, principalmente da party B, haviam terminado de se recuperar e estavam prontos para retomar o combate. Lancei um olhar para Asuna que dizia que estava tudo bem, e gritei o mais alto que pude para o resto do grupo.

— Se vocês cercarem o boss completamente, ele vai desencadear seu ataque de círculo completo! Vou avisar sobre a trajetória do ataque dele, para que quem estiver na frente possa se preparar para bloqueá-lo! Não precisa cancelar com uma habilidade de espada; apenas desviá-lo com um escudo ou arma deve reduzir a maior parte do dano!

— Ok!

Os outros rugiram em resposta. The lord Kobold acrescentou seu próprio brado à confusão. Parecia haver um leve toque de irritação nisso.

— Verifiquei o resto do grupo enquanto eu recuava e me recuperava com algumas poções de cura de baixo nível.

Como eu temia quando percebi que a arma do boss tinha sido alterada, eles adicionaram sentinelas Ruin Kobold extras à batalha também. A party E de Kibaou e a party de alabardas relativamente não ferida G estavam lidando com quatro das criaturas agora. Eles não tinham sofrido muito até agora, mas eu tinha a sensação de que grupos de quatro sentinelas continuariam aparecendo em intervalos regulares enquanto «Illfang» estivesse vivo. Sem ajuda, as duas partes eventualmente teriam as mãos cheias.

Entre a linha de trás e a frente, os membros do grupo mais gravemente feridos, como os sobreviventes da party C, estavam se curando. Frustrantemente, as poções neste jogo funcionavam com base em cura ao longo do tempo. Em vez de se recuperarem instantaneamente, o medidor seria preenchido pixel por pixel. 

Além disso, uma vez que a poção estivesse vazia, um ícone de cooldown aparecia na parte inferior da visão do jogador, significando que até que o efeito se dissipasse, poções extras não forneceriam nenhum benefício. Para completar, as poções fracas dos NPCs do primeiro andar tinham um gosto horrível.

Por causa desse temporizador de cooldown, leva um tempo significativo para se recuperar de danos graves. A estratégia comum era, portanto, trocar com outro membro depois de sofrer um dano equivalente ao de uma poção completa — também conhecido como "rotação de poções" —, mas esse padrão se desfazia quando havia muitos feridos para substituir na luta. 

Em andares mais altos, haveria cristais de cura valiosos que agiam instantaneamente, desde que você não se preocupasse com o preço surpreendente, mas isso não era uma opção para nós aqui embaixo.

Então, a batalha seria determinada pelo tempo que o grupo de seis de Agil conseguisse resistir aos ataques ferozes de «Illfang». E para dar a eles uma chance de lutar, eu tinha que identificar suas habilidades assim que o sinal aparecesse.

Ajoelhei e concentrei todos os meus sentidos no kobold boss, gritando alertas como "corte reto da direita" ou "descendente da esquerda" assim que os reconheci.

O grupo de Agil seguiu minhas instruções, priorizando a defesa com seus escudos ou armas grandes, em vez de apostar em um contra-ataque neutralizador. Como construtores de tanques, eles tinham excelente defesa e HP, mas não o suficiente para reduzir os ataques de espada do boss a zero de dano. Suas barras de HP encolhiam pouco a pouco a cada efeito sonoro de impacto.

E entre todos eles, uma espadachim dançava ágil aqui e ali: Asuna. Ela tinha o cuidado de nunca passar pela frente ou pela traseira de «Illfang», e sempre que houvesse algum delay em seu movimento, ela desferia um poderoso «Linear». Com o tempo, isso aumentaria o nível de aggro dele em relação a Asuna, mas os seis tanques realizavam regularmente habilidades de aggro como «Howl» para chamar a atenção do inimigo.

Por quase cinco minutos, esse jogo perigoso e delicado continuou, ameaçando desmoronar assim que um único passo do processo falhasse. Finalmente, o HP do boss caiu abaixo de 30 por cento, e sua última barra ficou vermelha.

Em um momento de alívio, um dos tanques perdeu o foco e tropeçou. Ele se desviou para o lado e só se equilibrou quando estava diretamente atrás de «Illfang».

— Movam-se!

Eu gritei, mas fui um décimo de segundo tarde demais. O boss sentiu que estava cercado e soltou um terrível rugido.

O corpo grande afundou no chão e depois se lançou diretamente para o ar. Seu corpo e katana giravam e giravam, tornando-se um único redemoinho — o mortal «Tsumuji-guruma» completo...

— Aaah!

Eu uivei e, esquecendo que meu HP ainda não estava totalmente curado, pulei da parede.

Joguei minha espada sobre o ombro direito e empurrei com força com o pé esquerdo. Minhas costas foram atingidas por uma sensação de aceleração que não deveria ser possível com base em minha agilidade, enquanto meu corpo voava como um foguete diagonalmente pelo ar. A habilidade de investida de espada de uma mão «Sonic Leap» tinha um alcance mais curto do que «Rage Spike», mas também podia ser direcionada para cima no ar.

A espada assumiu um brilho verde neon brilhante. À minha frente, a katana de «Illfang» era um vermelho ardente. 

— Chegue lá... a... tempo!!

Girei, estendendo meu braço o mais longe que podia. A ponta da minha «Anneal Blade» +6 seguiu um amplo arco e mal pegou a cintura de «Illfang»antes que ele pudesse desencadear seu «Tsumuji-guruma».

Houve um som pesado e nítido e o poderoso e inconfundível flash de um acerto crítico. O grande corpo do kobold afundou no ar e ele caiu no chão sem produzir seu mortal redemoinho.

— Gruhh!

Ele rosnou e se debatia freneticamente na tentativa de se levantar. Eu o afetara com o status de Tombamento que era exclusivo para mobs humanoides.

De alguma forma, consegui pousar em equilíbrio e, sem perder o ritmo, expeli todo o ar dos pulmões.

— Ataque total, pessoal!! Cerquem-no!!

— Raaahh!!

O grupo de seis de Agil liberou toda a frustração de seu longo turno defensivo. Eles se espalharam ao redor de Illfang e o dilaceraram com habilidades de espada «Verticais». Machados, maças e martelos brilharam em um espectro de cores e golpearam o corpo do kobold. A explosão de luz e som começou a morder pedaços sérios da barra de HP do inimigo, que estava fixada no topo da visão de cada jogador.

Era uma aposta. Se conseguíssemos reduzir o HP restante The lord Kobold a nada antes que ele se levantasse novamente, vencíamos. Mas se ele se recuperasse de seu estado e instantaneamente realizasse outro «Tsumuji-guruma», ele certamente nos cortaria desta vez. 

Meu «Sonic Leap» estava em cooldown. Eu não poderia atacá-lo no meio do ar novamente.

O grupo de Agil terminou as animações de suas habilidades e iniciou os movimentos preliminares para a próxima rodada, quando de repente «Illfang» parou de lutar e abruptamente se sentou.

— Não conseguimos a tempo — eu sibilei, quando percebi que Asuna estava parada bem ao meu lado. — Asuna, prepare-se para fazer seu Linear final comigo!

— Ok!

Tive que sorrir com o quão rapidamente sua resposta ecoou no meu comando.

Seis armas rugiram de uma vez, e o boss foi engolido por um turbilhão de luzes piscantes novamente. Mas ele não esperou que seu ataque terminasse. «Illfang» rugiu e se levantou. Havia apenas 3 por cento restantes em sua barra de HP, mas ali brilhava, vermelho e proeminente.

Agil estava sob um delay e não conseguia se mover. «Illfang» estava imune a atordoamentos ou empurrões agora que havia se recuperado do tombamento — ele se transformou suavemente em seu movimento de salto.

— Vamos!!

Eu gritei. Asuna e eu saltamos juntos. Ela se infiltrou entre os tanques e desferiu um «Linear» furioso diretamente no flanco esquerdo do boss. Um segundo depois, minha espada iluminada de azul rasgou do ombro direito até a barriga do rei kobold.

Apenas um único pixel permanecia na barra de HP dele. O homem-fera parecia sorrir. Eu devolvi um sorriso feroz e virei meu pulso para trás. 

— Raaaahh!!

Levantei minha espada com um rugido de alma. A lâmina, marcada aqui e ali após o árduo desafio, rasgou para cima até o ombro esquerdo de «Illfang» para completar uma forma de V: uma combinação de espada em duas partes, «Vertical Arc».

A grande forma do kobold de repente tremeu fracamente e recuou. Seu rosto lupino virou-se para o teto e emitiu um lamento agudo. Incontáveis pequenas rachaduras surgiram por todo o seu corpo. Seu aperto afrouxou, e a katana caiu no chão.

«Illfang the Lord Kobold», boss do primeiro andar de Aincrad, se despedaçou em um milhão de pequenos pedaços de vidro.

Enquanto eu desabava no chão sob alguma pressão invisível, uma mensagem silenciosa na fonte do sistema roxa dizia: Você conseguiu o last hit!!

15

OS SENTINELAS RESTANTES FORAM OBLITERADOS ao mesmo tempo que o boss deles. As tochas nas paredes mudaram de um laranja pálido para um amarelo brilhante, removendo a penumbra que envolvia a câmara. Uma brisa fresca varreu o ambiente, levando o calor da batalha consigo.

Ninguém queria quebrar o silêncio que se seguiu. As parties E e G estavam ao fundo, os grupos centrais A, C, D e F estavam ajoelhados em modo de recuperação, e a party B de Agil, a última linha de defesa de tanque, sentou-se no chão, todos olhando ao redor cautelosamente. Era como se todos temessem que o senhor das feras pudesse voltar à vida a qualquer momento.

Até eu estava imóvel, minha espada ainda levantada no final do golpe final.

Seria realmente o fim? Ou haveria outra surpresa, outra alteração em relação ao beta?

Uma pequena mão pálida tocou meu braço, gentilmente abaixando a espada. Era Asuna, a espadachim. Seus cabelos castanho-claros ondulavam na brisa enquanto ela me encarava.

Só agora, com sua capa encapuzada removida, percebi o quão linda ela era. Nenhuma jogadora poderia ser verdadeiramente tão deslumbrante. Asuna aceitou meu olhar atônito sem reclamar — algo que provavelmente nunca mais aconteceria — por vários momentos, então disse calmamente.

— Bom trabalho.

Finalmente, caiu a ficha. 

Acabou... Finalmente removemos a barreira que poderia ter aprisionado oito mil jogadores no primeiro andar para sempre.

Como se o jogo estivesse esperando eu perceber isso, uma nova mensagem surgiu repentinamente. Experiência adquirida, col distribuído... e loot.

Os rostos dos outros membros finalmente voltaram ao normal ao receberem a mesma mensagem. Uma explosão de alegria rompeu o silêncio.

Alguns rugiram com os punhos no ar. Alguns abraçaram seus parceiros. Alguns fizeram danças absurdas.

No meio da tempestade de celebração, um homem se levantou e se aproximou. 

Era Agil.

— Isso foi um comando brilhante e uma esgrima ainda melhor. Congratulations — esta vitória pertence a você.

Não pude deixar de notar que ele pronunciou a palavra "congratulations" em inglês com perfeita entonação. O grandalhão sorriu amplamente e estendeu um punho grosso.

Pensei em como responder a isso e, tristemente, não consegui pensar em nada melhor do que murmurar.

— Não...

Levantei meu próprio punho para pelo menos dar um soquinho quando alguém gritou atrás de mim.

— Por quê?!

A sala inteira caiu em silêncio novamente com o grito agonizante e choroso. Desviei meu olhar de Asuna e Agil para olhar para um homem com armadura leve e uma cimitarra. Não o reconheci a princípio, mas quando as próximas palavras saíram de seus lábios contorcidos, finalmente entendi.

— Por que você abandonou Diavel para morrer?!

Ele era da party C, um dos amigos do falecido cavaleiro Diavel. Atrás dele, os outros quatro membros estavam de pé, seus rostos vermelhos e miseráveis. Alguns até choravam.

— Abandonar...?

— Você sabe o que fez! Você... você conhecia os movimentos que o boss estava usando! Se tivesse nos dito isso desde o início, Diavel não teria morrido!

Os outros membros do ataque se agitaram com essas palavras, murmurando entre si. 

— Agora que você mencionou…

— Como ele sabia? Essas coisas não estavam no guia de estratégia...

Para minha surpresa, Kibaou não seguiu essas suspeitas. Ele estava parado ao lado, com os lábios firmemente fechados, como se estivesse lutando com a indecisão. Em vez disso, outro membro da party E avançou e apontou um dedo acusador para mim.

— Eu... eu sei a verdade! Ele é um beta-test! por isso sabia os padrões do boss! Ele conhece todas as melhores missões e áreas de caça! Ele estava escondendo isso de nós!!

Não houve surpresa nos rostos da party C. Duvidava que Diavel lhes tivesse dito pessoalmente — ele não traria à tona o tópico do beta por conta própria, pois estava escondendo sua participação nele — mas todos provavelmente tiveram a mesma suspeita quando identifiquei aquelas habilidades de katana.

Os olhos do homem da cimitarra transbordaram de ódio, e ele se preparou para lançar outra acusação aos meus pés quando um guerreiro da party de tanques de Agil levantou a mão e falou calmamente.

— Mas o guia de estratégia que recebemos ontem disse que foi baseado nos padrões de ataque do boss no beta. Se ele é realmente um beta-test, todo o seu conhecimento não seria baseado no que aprendemos com isso?

— B-Bem...

O portador da cimitarra avançou com raiva, falando pelo resto de seus companheiros de party. 

— Esse guia de estratégia era tudo falso. Argo nos vendeu um monte de mentiras. Ela também é uma ex-beta-tester; não há como ela dar a verdade de graça.

Uh-oh. Isso estava indo em uma direção ruim.

Prendi a respiração. Eu podia aguentar qualquer crítica direcionada a mim, mas precisávamos evitar uma caça às bruxas aberta contra Argo e os outros beta-test. Mas como evitar que seu ódio fugisse do controle...?

Olhei para o chão escuro, onde as mensagens do sistema em vista tornaram-se mais nítidas. Minha experiência, col e itens...

Uma ideia surgiu abruptamente em minha mente, seguida por uma terrível indecisão. Se eu fizesse essa escolha, não haveria como prever o que poderia acontecer comigo. Eu poderia até ser assassinado quando menos esperasse, como uma vez temi. Mas, pelo menos, poderia redirecionar a raiva de Argo...

Agil e Asuna finalmente ouviram o suficiente. Eles falaram simultaneamente. 

— Ah, vamos...

— Ouça...

Eu os interrompi com um gesto e avancei, assumindo uma expressão arrogante e encarando friamente os olhos do homem com a cimitarra. Encolhi os ombros e falei com a voz mais sem emoção que consegui.

— Um ex-beta-tester? Por favor... não me trate como esses noobs.

— Uh... o que...?

— Pense bem. As chances eram contra qualquer um tentando entrar no beta fechado de SAO. Quantos dos mil que conseguiram entrar você acha que eram verdadeiros fãs de MMO? Eles eram todos novatos que mal entendiam como subir de nível. Vocês são muito mais espertos sobre este jogo do que eles jamais foram.

Quarenta e dois jogadores absorveram silenciosamente minhas palavras desdenhosas. Havia um frio no ar, uma lâmina invisível que traçava a pele, assim como antes de enfrentarmos o boss.

— Mas eu não sou como eles — eu sorri de forma arrogante. — Eu cheguei a um andar que ninguém mais no beta alcançou. Eu conhecia os ataques de katana do boss porque lutei contra mobs em um andar muito mais alto que usavam os mesmos movimentos. Eu sei muito sobre este jogo — muito mais do que Argo.

— O que... você quer dizer...? — Perguntou o homem da party E que primeiro me rotulou de beta-test. — Você é... você é pior do que um beta-test... Você é um cheater! Um cheater!

Chamadas de cheater e beta cheater soaram ao meu redor. Eventualmente, elas se misturaram em uma nova palavra estranha.

— beater.

— Um beater? Eu gosto do som disso — proclamei em voz alta para todo o grupo ouvir, fixando-os todos com um olhar firme. — Isso mesmo, eu sou um beater. Nunca ousem insultar minhas habilidades chamando-me de ex-beta-tester.

Foi para o melhor.

Agora, os quatro ou cinco centenas de beta-testers ainda presentes no jogo poderiam ser amplamente divididos em duas categorias. A grande maioria era de — simples e amadores — e apenas alguns poucos eram — sujos que guardavam suas informações.

A hostilidade dos jogadores comuns seria direcionada aos beta-testers sujos. Qualquer um que fosse descoberto como beta-test não necessariamente teria que temer retaliação.

Em troca, eu nunca seria convidado a me juntar a nenhuma das guildas ou grupos de elite... mas isso não era diferente do jeito que eu já jogava. Eu sempre fui um jogador solitário, e continuaria sendo. Era simples assim.

Eu desviei o olhar do espadachim de rosto pálido e dos outros dos times E e C, abri minha janela de jogador e mexi em meu manequim de equipamentos.

Ao invés do velho casaco de couro cinza escuro, coloquei a nova armadura única que acabara de receber do boss, «Coat of Midnight». Pequenas luzes cobriam meu peito e o material cinza velho desbotado se transformou em couro preto elegante. Era também um casaco longo; a barra descia abaixo dos meus joelhos.

Com um gesto de meu novo casaco, dei meia volta e encarei a pequena porta nos fundos da câmara do boss.

— Eu vou ativar o portão de teletransporte no segundo andar. Há uma caminhada pela selva para chegar à cidade principal depois que você sai pela saída lá em cima, então você pode acompanhar, se não tiver medo de ser massacrado por mobs desconhecidos.

Agil e Asuna me olharam enquanto eu avançava. Seus olhos diziam que sabiam o que eu estava fazendo. Isso, pelo menos, era algum conforto. Eu dei a eles um leve sorriso, aumentei o passo e empurrei a porta na parede de trás atrás do trono vazio.

No topo de uma estreita escada em espiral, havia outra porta. Eu a abri gentilmente e me deparei com uma visão deslumbrante. A porta se abria diretamente do meio de um penhasco íngreme, com uma estreita escadaria em estilo terraço esculpida na rocha à esquerda. Por enquanto, apenas absorvi a vista do segundo andar.

Ao contrário do terreno variado do primeiro andar, o segundo era uma série de mesetas rochosas de ponta a ponta. As áreas superiores das montanhas eram cobertas por gramíneas verdes macias, pastagem para grandes mobs bovinos.

«Urbus», a cidade principal do segundo andar, estava esculpida diretamente no topo de uma dessas mesetas. Tudo o que eu tinha que fazer era descer essas escadas, caminhar meia milha até «Urbus», e então tocar o portão de teletransporte no centro da cidade para ativá-lo. Nesse ponto, ele estaria conectado ao teletransportador na «Town of Beginnings» abaixo, e qualquer um poderia viajar entre os dois.

Se eu realmente morresse na curta jornada — ou apenas ficasse aqui sentado sem fazer nada —, o teletransportador ativaria automaticamente de qualquer maneira, duas horas após a destruição do boss. Mas sem dúvida a notícia do ataque ao boss de hoje já havia se espalhado para a «Town of Beginnings», e eu podia imaginar uma multidão de jogadores esperando no centro da cidade, aguardando o momento em que o portal azul de teletransporte aparecesse. Eu queria chegar a «Urbus» e abri-lo para eles... mas eu tinha o direito de parar e apreciar a paisagem por um minuto antes.

Eu avancei e me sentei na borda do terraço esculpido na rocha. Além das muitas montanhas rochosas, havia uma pequena fatia de céu azul na periferia externa de Aincrad.

Quantos minutos fiquei lá? Eventualmente, ouvi passos leves subindo a escadaria em espiral atrás de mim. Não me virei. O dono dos passos chegou à porta e parou, então suspirou e veio sentar-se ao meu lado.

— Eu te disse para não vir.

Murmurei. Ela pareceu ofendida. 

— Não, você não disse. Você disse para me juntar se eu não tivesse medo de morrer.

— Ah … certo. Desculpe.

Eu abaixei a cabeça envergonhado e olhei para Asuna, cujo rosto era bonito de qualquer ângulo. Seus olhos castanhos claros olharam brevemente para mim, depois voltaram para a paisagem abaixo. Ela suspirou e disse.

— É tão bonito.

Depois de um minuto de silêncio, ela falou novamente. 

— Tenho mensagens do Agil e do Kibaou.

— Ah... o que eles disseram?

— Agil disse que deveríamos enfrentar o boss do segundo andar também. E o Kibaou disse — Ela limpou a garganta, com expressão séria, e tentou desajeitadamente recriar o sotaque Kansai dele. — Você salvou minha pele desta vez, mas ainda não consigo me dar bem com você. Vou fazer as coisas do meu jeito para vencer este jogo, entendeu?

— Entendi.

As palavras ecoaram na minha cabeça algumas vezes. Eventualmente, Asuna tossiu novamente e virou a cabeça significativamente para o lado.

— Também... tenho uma mensagem minha.

— Um... sim?

— Você chamou meu nome durante a batalha.

Levei um momento para lembrar. Sim, talvez eu a tivesse dado uma ordem diretamente pelo nome.

— D-Desculpe, não foi minha intenção desrespeitá-la, se é isso que você pensa... Ou... pronunciei errado?

Agora era a vez de Asuna parecer cética.

— Pronunciar errado...? Como você sequer sabia meu nome? Eu nunca te disse meu nome, nem você me disse o seu.

— Como é?!

Eu gritei. O que ela queria dizer? Ainda estávamos registrados em uma party, então havia duas barras de HP no canto superior esquerdo da minha visão. Abaixo da mais baixa das duas havia uma pequena etiqueta que dizia — Asuna...

— Espera... você está dizendo... que esta é a sua primeira vez em uma party?

— Sim.

— Ah..

Estendi minha mão direita e apontei para o lado esquerdo do rosto de Asuna. 

— Você vê uma barra de HP extra aqui, além da sua própria? Tem algo escrito abaixo dela?

— Um...

Asuna virou a cabeça, então eu estendi a mão e parei com meus dedos.

— Não, se você virar o rosto, as leituras se moverão com ele. Mantenha sua cabeça quieta e olhe para a esquerda.

— Assim...?

Seus olhos castanhos rolaram desajeitadamente para a esquerda, encontrando uma sequência de letras que eu não conseguia ver. Seus lábios graciosos soletraram três sílabas.

— Ki... ri... to. Kirito? Esse é o seu nome?

— Sim.

— Oh... então estava escrito aqui o tempo todo...

De repente, Asuna deu um pulo de surpresa. Percebi que tinha mantido minha mão em sua bochecha por vários segundos, quase como se estivesse iniciando um movimento para uma habilidade.

Rapidamente, recuei minhas mãos, quase fazendo um som de zoom. Depois de alguns segundos, pensei ter ouvido um riso suave. Será que ela estava rindo? Asuna, a exterminadora de kobolds, mestra do perfeito Linear thrust? Essa era uma visão que eu queria ver, mas resisti à vontade de me virar.

O riso acabou rápido demais, e ela seguiu com uma declaração suave. 

— Na verdade, Kirito, subi aqui para te agradecer.

— Pelo... pão de creme e pelo banho?

Perguntei sem pensar. Ela negou isso de uma maneira levemente aterrorizante, então pensou um pouco e concordou que fazia parte.

— É por... muitas outras coisas. Obrigada por tudo. Acho que... finalmente encontrei algo aqui que quero fazer, um objetivo que quero alcançar.

— Oh? O que é?

Olhei para ela. Asuna sorriu por apenas um instante.

— É segredo — ela se levantou e deu um passo para trás. — Vou continuar tentando. Vou tentar sobreviver, ficar mais forte. Até poder alcançar o lugar onde quero estar.

Assenti sem me virar.

— Eu sei... Você pode ser mais forte. Não apenas em termos de habilidade de luta, mas em um sentido muito mais importante. Então, aceite isso de mim... se alguém em quem você confia te convidar para uma guilda, não recuse. Há um limite absoluto para o que você pode alcançar jogando sozinho...

Por vários segundos, o único som era a respiração de Asuna. Quando ela finalmente falou, não foi o que eu esperava ouvir.

— Da próxima vez que nos encontrarmos, me conte como me tirou daquele labirinto.

— Claro — eu estava prestes a dizer que era simples, então me detive e acrescentei. — Pode apostar. Na verdade... há mais uma coisa que devo te dizer. O que eu estava prestes a dizer antes da reunião de dois dias atrás...

Isso mesmo. Eu lhe devia uma explicação. Ela deveria saber que as mortes de dois mil e sua terrível desesperança eram, em parte, minha responsabilidade por ser um beta-test egoísta... um beater.

Mas, assim que estava prestes a contar isso a ela, Asuna o ignorou com um gesto.

— Está tudo bem. Eu entendo. Eu sei pelo que você passou para chegar aqui... e para onde irá sozinho daqui. Mas... algum dia, eu….

Ela se interrompeu com um sussurro. Depois de um breve silêncio, sua voz estava calma, mas firme. 

— Nos vemos por aí, Kirito.

Ouvi o rangido de uma porta se abrindo. Passos. O baque de ela se fechando.

Fiquei sentado na beira do terraço que se projetava da montanha até que a informação sensorial do cheiro de Asuna desaparecesse do ar virtual. Tentei entender o que ela queria dizer, mas decidi que não precisava saber disso agora.

Com uma respiração profunda, me levantei, olhei para a porta pela qual Asuna acabara de passar e então me virei e comecei a descer os degraus.

Conforme eles se enrolavam pelo lado da encosta, me vi contando os degraus. A cada quarenta e oito passos, eles viravam para o outro lado em um padrão ziguezagueante. Eventualmente, o significado por trás disso ficou claro. Quarenta e oito eram seis vezes oito — o número de pessoas em uma party de raid completa. Se tivéssemos uma party completa e derrotássemos o boss sem nenhuma fatalidade, poderíamos preencher um voo inteiro de andar a andar, com um degrau para cada membro.

Eu duvidava que o designer dessa característica imaginasse apenas um jogador descendo esses degraus. O caminho parecia prever minhas viagens futuras. Olhando para frente ou para trás, não havia alma à vista. Continuei caminhando, para baixo e para baixo, completamente sozinho...

Mas, após o enésimo patamar da escadaria infinita, notei um pequeno ícone de envelope piscando no lado direito da minha visão. Era uma mensagem de amigo, uma forma de comunicação que poderia atravessar qualquer andar de Aincrad. Havia apenas dois jogadores na minha lista de amigos. Meu primeiro amigo, Klein — e Argo, a Rata.

Abri a mensagem para descobrir que era dela.

[Parece que realmente te fiz passar por maus bocados, Kii-boy.]

Maravilhei-me com a rapidez com que ela trabalhava. Rolei para baixo para ler mais, mas a mensagem era muito curta.

[Vou te compensar dando uma informação por conta da casa.]

Ah? Sorri diabolicamente e abri o teclado holográfico enquanto continuava a descer os degraus, digitando minha resposta.

[Por que os bigodes?]

Apertei o botão de enviar, sorri novamente e finalmente pus o pé no solo do segundo andar de Aincrad e comecei a caminhar na direção de «Urbus».

 

 


Este capítulo foi traduzido pela Mahou Scan. Entre no nosso Discord para apoiar nosso trabalho!


 



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