Volume 1

Capítulo 6: Não falhe! (Parte 1)

Renan insistiu que seu sobrenome ser Riesiges era apenas uma mera coincidência infeliz, mas ninguém deu qualquer tipo de bola. 

Não foi a primeira vez que esse tipo de confusão aconteceu com ele. Durante a infância, na escola, muitos colegas de sala tentavam se chegar ou fazer amizade pensando que Renan vinha da lendária família criadora dos robôs. Claro, quando pequeno, nenhuma daquelas iniciativas eram maldosas ou com duplas intenções, não passavam de fascínio infantil. Durante o ensino médio, por sua vez, o que era motivo de reconhecimento e status se tornou descrença.

“Um descendente do Erich Karl Riesiges no Brasil?”, era motivo de piada. A situação piorava ainda mais quando a cidade em que moravam era citada na conversa. “Ainda mais em Recife! Perdeu tudo mesmo e tá só de aluguel, né?”. Renan se cansava de ouvir comentários ácidos de adolescentes incrédulos e debochados. Alguns mais gentis apenas achavam graça da coincidência e não pegavam no seu pé.

Em todos os seus anos de vida ele nunca achou que alguém realmente pudesse confundir ou acreditar em algo assim, mesmo quando criança ele mesmo não acreditava nisso.

Sempre pensou e sempre brincou: “Impossível alguém realmente pensar isso! Tem que ser muito burro!”. Aparentemente, seu ceticismo em relação ao assunto caía por terra a cada segundo que se passava..

A expressão confiante da Hacker derretendo aos poucos enquanto ele implorava para que entendessem que era somente uma infelizmente coincidência demarcou exatamente a sensação de cair na realidade. Ah, a dura realidade que se formava bem em sua frente: Alguém pensou que ele era um Riesiges.

Um sonho de infância, algo que ele sempre quis que fosse verdade para salva-lo da pobreza de Recife, quem diria que esse sonho de ser reconhecido assim realmente se realizaria — mas também só piorava sua situação.

O garoto foi basicamente posto para fora do galpão a pontapés — no caso, tiros de rifles nas pontas dos pés — e deixado com a ordem de aguardar a próxima convocação. Renan podia sentir o calor da vergonha credcendo no rosto da Hacker e sentiu-se estupefato com todo o ocorrido.

— Drogado… para isso? — A situação passou novamente por sua mente, martelava e martelava todo o terror que foi imposto. — Por um engano…?

De uma hora para outra, o que antes era medo e um sentimento de subserviência forçada tornou-se, agora, um vazio profundo, como um poço. Cada segundo que ele mergulhava nesse poço o preenchia com uma raiva incontrolável.

Um engano, um erro, uma burrice. Ele não podia acreditar que sua vida tinha sido arruinada pela incapacidade alheia.

E foi em meio a esses repetecos de memória e raiva cíclicos que o jovem voltou para sua casa, sempre resmungando e sempre que possível descontando sua ira pelas paredes e postes da rua com socos e chutes.

Definitivamente, não foi uma boa noite para ele.

 

 

Apesar de tudo, Renan conseguiu ter uma boa noite de sono — ao menos, o que havia sobrado dela. Acordou em sua cama, sentiu-se péssimo. Os efeitos da droga já haviam sido metabolizados, não eram feitos para durar sequer um dia completo.

A primeira coisa que fez ao acordar foi imediatamente tomar sua dose que, aparentemente, viria a se tornar diária a partir de hoje. Alguns poucos minutos depois já estava se sentindo bem novamente, pronto para começar o dia e cheio da energia. Inicializou o sistema de seu neurocell, informações básicas foram surgindo perante seus olhos como hologramas e então, por fim, a interface do sistema. Viu no canto inferior esquerdo o horário já corrigido pela reinicialização. Era pouco antes de meio-dia.

Por curiosidade, acessou seus dados vitais. Totalmente verde escuro, era um ótimo sinal. A sensação de alívio, portanto, era verdadeira e não meramente uma camuflagem psicológica da droga. Seu corpo inteiro era afetado pela substância e se sentia bem.

Andou para fora de seu quarto, sem sinal de Casé por ali. Já era segunda-feira novamente, dada a hora, Casé deveria estar na faculdade. Infelizmente Renan teve que faltar esse dia — que pena! —, precisava regular seu sono novamente além de entender o tempo limite da droga. Aproveitou o seu triste dia de descanso comendo e deitado no sofá, de frente à televisão. Vez por outra mexia em algum programa, não chegou nem perto de qualquer projeto da faculdade. 

Aqueles estavam sendo os dias mais fáceis em muito tempo para o jovem, só não sabia diferenciar se estava sendo tão proveitoso assim devido seu cérebro levemente entorpecido ou não, bom, ele não sabia o quão de boa estava.

Quando sentia fome ia roer alguma coisa na cozinha. Conseguiu ser contratado por algumas pessoas na ultranet para fazer alguns programas ou revisões rápidas, era freelancer nesse sentido. Conseguiu algum pouco dinheiro nessa brincadeira, percebeu que talvez a Hacker estivesse certa em trazê-lo para seu grupo, era bastante habilidoso mesmo. 

Casé foi chegar somente de noite, o trânsito não tinha sido piedoso naquele dia. — Pra você ter uma ideia, a gente foi liberado meia hora mais cedo hoje, cara! — resmungava. Normalmente saíam às 17:00 horas.

— Caramba… Olha que já são seis horas… — disse Renan, focado em outra coisa em seu neuro.

Casé, estressado, sumiu dentro de seu quarto e apenas saiu para comer alguma besteira mais tarde.

Renan estava gostando e muito da calmaria daquele dia, até sentiu vontade de repetir a dose no dia seguinte, e no seguinte, bom, repetir até quando se enjoasse de descansar.

— Ai, droga… — Infelizmente, não seria possível. — Mas já? Não faz nem um dia, cara… 

Uma mensagem do número desconhecido, bem, desconhecido até aquele momento. Renan o salvou com o nome de “Hacker” logo depois de ler suas mais novas mensagens.

Hacker: Nova missão: Furto Pacífico 

Hacker: Você vai roubar um pendrive com informações importantes para nosso cliente.

Renan: Onde?

Hacker: UFPE, na Divisão de Inteligência Integrada do Estado.

— Como é? Na minha faculdade?

Pelo visto, o jeito era adiar suas férias mesmo.

 

 

Para a alegria de todos, tudo convergiu perfeitamente para aquele trabalho. Por mais que não quisesse, Renan seria forçado a ser útil de uma forma ou de outra.

— Você vai me pagar o gasto com essa sua droguinha, moleque — dizia a Hacker, na ligação. — Queira você ou não!

— Tá bom, eu já entendi, saco! Nem fui eu que pedi por isso!

— E então, pessoal, vamos repassar o plano?

Outras três vozes além da sua ressoavam dentro da cabeça de Renan. Era uma ligação em grupo, estavam todos presentes nela.

— É o seguinte, prestem atenção — começou a voz suave do ruivo, também conhecido como Cypher. — Essa é uma missão secreta de furto, fomos contratados por um acumulador anônimo para conseguir uma rede de dados da D.I.I.E. da UFPE. A renda dele já foi comprovada e a grana por cabeça é de R$4200.

Um acumulador. Renan já havia escutado esse termo antes, normalmente era designado a pessoas que buscam guardar a maior quantidade de informações possível a fim de revende-las no mercado ilegal ou não. Muitos apenas tinham isso como um hobbie.

— Isso aí! Não esperava menos do meu conector favorito! — aclamou a Hacker. Renan entendeu no momento o papel de Cypher, ele era a conexão do grupo, quem encontrava os trabalhos e arrumava compradores para o grupo. — Então o plano é o seguinte, Renan vai entrar na faculdade e aproveitar seus privilégios de estudante para poder entrar na secretaria sem muitas suspeitas. Gab, nossa programadora profissional, vai dar cobertura a todo momento.

— Já estou instalada no sistema de câmeras, entrando agora no sistema de som e imagens, rastreando também os roteiros de seguranças e trabalhadores. — A voz de Gab era calma, um tanto andrógina, mais puxada para o feminino.

— Perfeito — disse a Hacker, animada. — Estamos entendidos, Renan? Seu roteiro é simples e direto, você vai rodar pela área da secretaria sem levantar muitas suspeitas e esperar a deixa de Gab. Quando ela mandar, você entra, pega o pendrive no lugar indicado e vaza, é simples.

— Tá… Entendi… — disse Renan, relutante. Seu coração palpitava, nunca havia sentido tamanha animação e leveza, parecia anestesiado.

— Roberto estará por perto da saída do campus, ele estará monitorando cada movimento suspeito seu, moleque. — O jovem engoliu em seco. A Hacker prosseguiu dizendo: — Não se esqueça, essa missão é o seu teste de admissão. Isso vai provar o seu valor. Se fizer uma denúncia, meu vírus vai detonar seu cérebro, se fugir, Roberto vai te matar, se falhar, seu suprimento de droga acaba hoje!

Renan se lembrou da dor que seu corpo sentiu, toda a dor e desconforto infligidos de uma vez. Faria de tudo para não sofrer aquilo novamente.

— Entendido, garoto? — A voz sugestiva da Hacker beirava o hipnotizante.

— Entendido…! — Estava começando a se sentir pronto, como se tivesse nascido, crescido, estudado, namorado e se drogado para isso.

Renan se deu dois tapas no rosto em sinal de preparação, olhou os arredores de onde estava, era a praça universitária da faculdade. Recém reformada, o campus havia se tornado um lugar totalmente diferente de antes. Recheado das praças e lugares ao ar livre, buscava evocar nos estudantes um sentimento de liberdade e naturalidade. Por isso tinham algumas plantas mal cuidadas e mortas por aí, uma grama obviamente falsa nos espaços mais abertos e uma falta incomum de prédios e estruturas de concreto e metal. Não tentava ser colorido ou animado, qualquer pintura não autorizada no espaço era crime. Podia-se dizer que a tentativa de reforma espacial foi, na verdade, um completo fracasso.

Renan se escorava em uma pilastra de maneira que buscava se camuflar de alguma forma ao ambiente, na sua frente havia uma escadaria que levava ao segundo e último andar daquele bloco estudantil. Era subindo por ela, pegando a esquerda, depois à direita e na última porta do corredor estava o alvo. Em alguma mesa daquela sala estava o pendrive mais caro que o jovem pegaria nas mãos.

Renan escutou o ruivo se despedindo e desligando, seu trabalho estava feito ali. Em seguida, Roberto. Entendeu na hora que qualquer tentativa de fuga neste instante seria relatada por Gab imediatamente. As hackers permaneceram na ligação, Gab começou o plano.

— Três na sala, o alvo não está à vista.

— Não posso me passar por um aluno buscando ajuda e vasculhar lá dentro? 

— Se você tiver a sagacidade para fazer isso na frente dos três, fique à vontade, garoto.

Renan começou a se mexer, caminhou vagarosamente pela praça em direção a escadaria de ferro levemente enferrujado.

— Então me parece simples, basta atrair eles para algum lugar longe da sala, não é? — Ele andava sempre olhando em volta. Alguns alunos passavam por ele, outros o olhavam torto, terceiros estavam apenas largados pelo espaço, gazeando aula ou aproveitando um bom entorpecente.

— Pessoas não são como NPCs, seu idiota. Como vou atrair eles?

— Emita um falso recado! Você não está no sistema da faculdade? Com certeza tem acesso aos e-mails deles, se passe pela direção convocando uma reunião — dizia, quase sussurrando.

— Eu tenho um plano melhor, garoto — disse Gab, num tom apático, quase robótico. — Apenas siga o que digo.

Renan devaneou por um segundo, não tinha visto a aparência de sua condutora até o momento, mesmo sua foto de perfil da ligação era um símbolo — parecido com a foto padrão do chat que usavam, mas personalizado à sua maneira; A Hacker também usava a foto padrão de perfil, mas ao finalmente salvar o número pôde ver que sua foto de verdade, era uma personagem de anime. 

Renan até se animou com a ideia de Gab ser uma androide, mas mediante a cidade em que vivia e em especial a parte em que ela vivia — considerada uma das mais pobres da região —, achou improvável ser o caso.

— Suba agora para a secretaria — ordenou Gab.

— Agora? Você já tirou eles de lá…? — Renan havia parado de se mexer, no meio de algum corredor da área. 

Ele fez menção de olhar para trás, mas uma câmera bem na sua frente o parou. A câmera se mexeu, uma câmera alongada antiga — porém bastante funcional — estava apontada diretamente para o jovem.

— Estou te vendo — anunciou Gab, que voltou a mexer a câmera para os arredores. — Mudarei todas as câmeras para pontos diferentes, assim seu trajeto será um ponto cego.

Renan admirou-se com a situação, entendeu que os mínimos detalhes estavam sendo pensados pela inteligência do grupo. Adoraria saber também qual das duas hackers era essa inteligência em questão. Se inclinou a pensar que a inteligência não tinha cabelos longos, pretos e azuis.

— Estou subindo — informou o garoto já no pé da escadaria de metal. Subiu com o pé direito, seguiu o trajeto de pontos cegos até a porta da sala alvo. — Vou acessar.

Gab deu o aval. Renan pediu a liberação da porta — normalmente se encontrava sempre trancada por dentro e só podia ser acessada por algum efetivo do departamento —, poucos segundos depois foi aberta por um homem, alto, levemente esguio.

— Sim? — disse o homem, parado na frente da entrada, olhando-o com olhos de peixe morto. — O que deseja?

Renan engoliu em seco, cerrou os punhos e foi em frente com o plano: — Eu preciso de ajuda, estou em dúvida em uma informação e preciso que consultem aí no sistema de vocês… Hehe, será que rola…? — O sorriso cínico e um tanto nervoso do jovem não era nada convincente, não que ele tivesse qualquer noção disso.

— Dúvida… E é? — O homem não se moveu um único centímetro, pelo contrário, cruzou os braços e pendeu a cabeça para o lado. — Que informação você está procurando, exatamente?

— Hmmn… Bem… — Renan deixou seu olhar desviar para o lado, em específico, o lado do display da trava da porta. O homem alto não deixou de notar o tique nervoso nas mãos do jovem e a falta de assunto do potencial mentiroso.

— Senhor? Qual a informação? — Sua voz impaciente transmitia, também, imponência e gerava desconcerto no garoto. — Não está me fazendo perder tempo, não é?

— Ah…! Não, não, é que… — Renan pôs o cérebro para trabalhar, tentou sair do ciclo vicioso de temor que a sombra do homem sobre ele causava-lhe e buscou alguma desculpa, algo palpável. — É meio… vergonhoso, sabe?

O homem perante ele franziu o cenho, o olhou no fundo dos olhos e cerrou seus dentes de forma que o jovem visse sua dentição dourada. — Fala de uma vez, moleque! Não tenho tempo pra perder com você não!

— Eu perdi meu e-mail institucional! Foi isso, fiz um cadastro errado num site estranho e perdi o e-mail — disse Renan, com toda sua convicção. Estava duro, estatelado, não sabia mentir direito.

— Em que site estranho, moleque?

— Não importa, porra, vai logo! Vai me ajudar ou não?

O homem de dentes dourados bateu com tudo no arco da porta, ressoando por todo o espaço. Renan conseguiu ver as outras duas mulheres de dentro da sala pulando de susto.

— Olha como cê fala comigo, entendeu!

O jovem pegou ar, cerrou seus punhos e já se preparou para cair na porrada com o funcionário. Sentiu o sangue subindo para sua cabeça, o efeito da adrenalina misturada com a droga e achou que podia até mesmo voar e partir paredes.

— Vai me dizer que site é, ou não?! Foi algum pornô, né? Diz aí, eu sei que você é um bostinha desses.

— Ora, seu…!

— Alerta! Alerta! Evacuação imediata!

Os dois briguentos surpreenderam-se. No instante seguinte, todas as sirenes do prédio começaram a tocar no seu volume máximo, uma após a outra. Segundos depois alguns alunos e funcionários começaram a sair de suas salas, confusos, e se retirarem do bloco.

— Enrolou bem, novato — disse Gab, na ligação. — Eu que acionei o alarme, essa é sua deixa.

Naquele momento, Renan se perguntou se realmente era necessário todo o bate-boca que ele puxou com aquele homem. Não poderia simplesmente ter esperado que Gab ligasse o alerta? Poderia somente ter poupado sua dignidade?

— Saco, deve ser um desses sociopatas de novo — disse o funcionário, descruzando os braços e olhando para o teto. — Vamo nessa, pessoal, expediente terminou mais cedo.

As mulheres da sala suspiraram de alívio e se levantaram de suas mesas. Juntaram as coisas bem rapidinho e logo saíram do recinto. O funcionário olhou para Renan e o empurrou para longe, tentando o afugentar.

— Bora, cai fora, moleque — disse, encarando-o e se afastando da porta aberta já com suas coisas.

Aquela era a oportunidade perfeita e Renan sacou isso. Um segundo depois de fazer o último contato visual com o homem, o garoto jogou uma caneta para dentro da sala. — Opa! Deixei cair! — exclamou, saltando para dentro da sala.

O funcionário ainda tentou o segurar, exclamando para que parasse, mas era tarde. Renan, em um coice certeiro no display da tranca, fechou a porta com tudo e rapidamente a trancou por dentro.

— Saia daí! — gritou o funcionário, sua voz era levemente audível por entre as sirenes do corredor. — Eu vou chamar os guardas, seu bostinha!

— Tenta a sorte, otário! — gritou Renan, num tom vitorioso.

O garoto se situou no recinto, o homem batia incessantemente na porta de ferro, promovendo um som mais alto que as sirenes.

— Beleza, tô dentro! — exclamou Renan, calçando luvas cirúrgicas que havia levado consigo. Mesmo na sala o som de alerta era ensurdecedor. — E agora?!

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