Volume 1
Capítulo 3: Apartamento New Hill, 403 (Parte 3)
Ele realmente não tinha conseguido se adaptar bem ao lugar. Conversou — ou pelo menos tentou — com todos que encontrava no caminho, nenhum conhecido em canto algum. Já estava frustrado, parecia extremamente difícil manter uma conversa com qualquer um ali, talvez porque ninguém quisesse começar uma nova amizade agora ou simplesmente estivessem chapados demais.
Renan estava ao lado de uma Drop no meio do corredor do andar, escolhendo e esperando sua bebida — uma das poucas que ainda não haviam sido tomadas dali — cair. Assim como pelas ruas, cada andar do prédio também era lotado de Drops de todos os tipos, mas, seguindo o padrão da fabricante, apenas alguns poucos não eram de bebidas alcoólicas e cigarros.
— Saco! — A máquina não parecia conseguir reconhecer seu pagamento com o maldito Drex, algo errado estava acontecendo ali e sua bebida não foi liberada. — Que merda! — Ele chutou a máquina com todas as suas forças, fazendo-a cambalear e lançar um tremendo estrondo pelo corredor levemente ecoante e infestado de música, bêbados e drogados.
— Que isso, garoto — a voz descontraída dela surgiu detrás de Renan, em meio a uma risadinha alegre e reconfortante aos ouvidos.
— O quê? Essa droga de Drop não serve de nada!
A moça fez gargalhar mais uma vez.
— Também não precisa disso, né?
Ela se aproximou e parou ao lado de Renan, que primeiro notou sua roupa collant roxa de corpo inteiro. Haviam alguns poucos detalhes em verde e azul espalhados pelo que parecia o macacão mais justo do mundo, não havia mangas.
— Veja e aprenda, moleque — disse ela, jogando seus longos cabelos pretos como a noite do campo por cima dos ombros.
Seguido da roupa, a segunda coisa que saltou aos olhos do jovem foi o brilho azul ciano do interior dos cabelos sedosos da moça. Uma pintura capilar fluorescente e de aparente boa qualidade.
— Pera aí… — O cérebro de Renan pareceu começar a funcionar. — É você? — perguntou, finalmente focando na face até então inédita da moça. Ele havia se lembrado bem desta aparência.
Sem responder, a mulher misteriosa o olhou de canto de olho e sua pupila reluziu em verde limão. No instante seguinte a máquina de Drop pareceu explodir e pôs tudo que continha para fora numa força e velocidade absurda.
Bebidas, cigarros sobrantes, isqueiros e acendedores variados, tudo inundou o corredor num piscar barulhento de olhos.
— Quê que…!
E não era apenas aquela máquina que estourou, segundos depois todo o prédio estava em comoção com o milagre que havia acabado de acontecer.
— Todos os Drops… Tu explodiu todos eles?! — Renan estava incrédulo com o ocorrido. Pessoas que estavam no mesmo corredor que eles no momento avançaram nas máquinas mais próximas e começaram a saquear tudo.
— Pega! Pega! Pega! Junta! Pega tudo! — exclamavam, jogados ao chão. — Meus heróis! Obrigado! — gritou outro que vira tudo que a moça fizera.
Não demorou muito para que todo o túmulo chamasse atenção dos guardas do condomínio, que imediatamente detectaram a origem do comando irradiante de liberação das máquinas e subiram diretamente ao andar onde Renan e a moça estavam.
Os jovens — alguns não tanto e outros até demais — bêbados pouco deram bola para a ação truculenta dos guardas, focaram em pegar e consumir o máximo que conseguiam antes de serem expulsos. Os que viram o ocorrido de perto e estavam mais sóbrios logo abriram o bico e o casal infrator já estava na mira.
— Vocês aí! Parados! — O guarda mais a frente de um grupo de quatro exclamou, apontando sua pistola de pulso eletrônico para os dois.
A arma, que se encontrava ligada diretamente à cintura dos guardas por um cabo, já estava carregada no máximo — criando, por consequência, um brilho azul característico nos entremeios da arma e roupa-armadura, demonstrando como um aviso a capacidade energética do equipamento.
— Muito bem — disse a moça, sua voz suave quase trazia calma à inquietude das mãos de Renan. — Vamos nessa.
— Como?
A hacker misteriosa agarrou o pulso de Renan e saiu em disparada em direção ao apartamento de Paty, alguns metros à frente. Os quatro guardas imediatamente correram atrás deles, os outros três passaram a carregar suas armas de pulso enquanto o mais a frente começou seus disparos contra o casal.
A agilidade da moça de longos cabelos pretos era surpreendente, tão rápida e esguia que Renan não conseguia acompanhar e saiu tropeçando enquanto quase era arrastado. Os tiros de pulso — como raios azuis — quase acertaram Renan, mas não foi o caso. Outros convidados da festa foram pegos de relance pelos disparos perdidos e tiveram seus Neurocells e implantes queimados. Era o suficiente para desmaiar qualquer um instantaneamente.
— Bora, por aqui! — ela exclamou, já arrastando o garoto em direção da sacada do apartamento.
— O quê?! Não! — Renan tentou resistir, mas logo viu que não tinha chances para se defender contra os guardas e foi junto.
No instante seguinte, a hacker já havia se jogado da sacada e pareceu sumir numa queda livre. Renan, meio sem escolha e sendo puxado, pulou seguindo-a e caiu na varanda do apartamento inferior.
— Ai! Porra… — Os nervos do pé do garoto pareciam ter recebido uma discarga elétrica, logo dando espaço para uma dor aguda. Mas a moça ao seu lado parecia mal ter sentido a queda. — Porra, tamo preso!
A porta de alumínio e liga de aço que dava entrada ao apartamento estava trancada por dentro, mas, para a sorte deles, o painel de acesso também era disposto do lado de fora. A hacker desferiu um chute contra a capa de plástico preto parafusado que contornava a tela desligada do painel, quebrando-o em pedacinhos. Viu que tinha uma entrada de chip e inseriu o seu pendrive-in nele. Renan assistia toda a situação hipnotizado. Notou que o pendrive-in saía da nuca da moça, diretamente de seu Neurocell, customização que o dele não tinha.
Os olhos da moça brilharam o mesmo verde limão que antes e um segundo depois as portas se abriram. Todo o hack durou menos de três segundos, ele estava completamente impressionado.
— Vai ficar? Temos pouco tempo. — A moça já estava dentro da casa escura, belíssima invasão a domicílio.
Renan não perdeu tempo e a seguiu por dentro da casa. Ele percebeu que era exatamente igual a Paty — sala grande, suíte, quarto, banheiro social e cozinha —, mas sem os bêbados, o vômito e as drogas espalhados por todo o recinto. Era bastante limpo e branco, poucos decorativos. Os donos da casa pareciam dormir em seus quartos.
Saíram pela porta de entrada — repetindo o mesmo hack usado na varanda —, dando numa cópia do corredor de onde haviam fugido. Até a visão era parecida, alguns universitários bebiam por aí os drops que a hacker tinha liberado e outros pareciam não dar tanta bola assim ao generoso presente. Aproveitaram que não havia nenhum guarda a vista no momento e correram para a saída de emergência do prédio o mais rápido que seus corações acelerados permitiam — bom, no caso de Renan, pelo menos —, onde desceram correndo e saltando alguns degraus. Renan teve a impressão de escutar os guardas vindo atrás deles por alguns andares do prédio, mas não viu nenhum realmente.
Saíram pelo lobby secundário e vazaram do condomínio pela área de descarte do lixo, não enfrentaram muitas dificuldades após isso.
As pontes de Nova Recife são conhecidas por suas lindas luzes e reflexões nas águas de seus rios. Diversos shows de luzes já foram performados sobre elas, sendo outra atração turística inevitável durante o carnaval e a saída do monumental Galo da Meia-noite.
— Você é louca, né?
— Ah, vai, cê gostou dessa brincadeira.
Os fugitivos caminhavam sentindo a leve brisa refrescante da noite em seus rostos. Haviam acabado de pôr seus pés na ponte Maurício de Nassau, belissimamente iluminada com um sóbrio branco e resguardada por suas estátuas históricas. Havia um bom movimento no momento que passavam, carros de trabalhadores, ricos correndo, motos e bicicletas elétricas formando quase um engarrafamento.
— Muito inteligente aquele seu hack, a propósito.
— Ah, então você entendeu? — A moça encostou-se no parapeito da ponte, apoiando seus cotovelos nele. Neste momento, Renan percebeu a altura consideravelmente menor da hacker, que o olhava de baixo. — Não é muito difícil, não é?
— Não é… — Renan a acompanhou, escorando-se logo ao lado. — Não com ajuda, sozinha você nunca faria naquela velocidade.
A hacker deixou escapar um riso de canto de boca e desviou seu olhar, prestando atenção em um bêbado que passava do outro lado da ponte, cambaleando de um lado ao outro e quase sendo atropelado diversas vezes.
Por um instante, o jovem pensou que a hacker pudesse estar envergonhada. No mundo dos quebradores de código depender totalmente de um programa não era a coisa mais bem vista, muitas vezes sendo realmente ocultado por seus usuários.
— É, esse é meu segredo, menino. — Tornou a olhar para Renan. — Mas você foi bastante perspicaz em perceber.
— Não, qualquer otário notaria que tinha algo errado. — Fez um gesto apontando para atrás da cabeça. — Você usou isso aí, essa modificação na cabeça. Lançou um vírus. Isso deveria ser um pendrive implantado?
— Sabe, garoto, as coisas são bem customizáveis hoje em dia.
Ela levou a mão direita até a cabeça e puxou o dispositivo. Era, realmente, um pendrive modificado, entrada universal, estava preso por um cabo de fibra óptica e conectado diretamente ao seu neurocell. Era retrátil. Definitivamente estava longe de ser um implante comum, na verdade Renan nunca tinha visto algo igual antes.
— É chamado pendrive-in — explicou a moça, voz apática como se já tivesse explicado isso milhares de vezes. — Permite entrar diretamente na rede e/ou na programação alvo. Enquanto o neurocell e a ultranet são visões mais gerais, o pendrive-in me pluga direto e exclusivamente no dispositivo.
Renan não entendeu o ponto, para ele, baseado em tudo que já havia estudado e numa visão própria das coisas, fechar sua visão para um só dispositivo não era nada prático ou até útil dentro da net.
— Não é bom se limitar — ele disse.
— Você que pensa, garoto. — A moça tornou a olhar os arredores, não parecia preocupada com algo, apesar da fuga recente. — Às vezes é muito útil se isolar de alguma rede perigosa durante o hack, sabe?
— Uhum, tô sabendo. — Não sabia. Podia até saber mexer com programação, mas redes e hacks não eram exatamente seu forte. Olhou de canto de olho para o disponível sendo retraído de volta ao crânio da moça e depois a encarou novamente. — Bem que podia me ensinar essas coisas, hein?
A moça o olhou erguendo o cenho, abriu um sorriso de menosprezo, mas que pincelava e trazia um certo reconforto.
— Ensinar? Pra quê? Tá achando que tem moral comigo, é? — ela disse, sua voz parecia debochar do menino.
— Claro? Você me arrancou do meu lanche hoje de manhã! Acha que eu esqueci assim, otária?
Renan viu no rosto da mulher todas as peças se encaixarem. Uma feição de surpresa se montou aos poucos e depois um sorriso incontrolável que a fez ficar com cara de besta.
— É você?! — disse, apontando para o garoto e não se aguentando logo em seguida.
Renan não tava achando tanta graça quanto a gargalhada da moça indicava ter, até que tentou ver algo na coincidência de se trombarem ainda no mesmo dia, mas não desceu.
— E aí, vai ou racha?
— Ai, meu Deus, cê acha que isso vale um salgado do Adalberto?! — E curvou-se para trás de gargalhar novamente.
Renan perdeu a paciência, cruzou os braços e bateu o pé. Pediu que deixasse o assunto para lá. A garota ainda riu bastante da cara dele antes de conseguir se repor.
— Quer parar?!
— Ai, ai… Desculpa, é só que… ai, muito bom. — Limpou suas lágrimas. — Ai, vem cá, vem.
— Pra quê? — Ele olhou desconfiado, a moça mexia no bolso de uma jaqueta.
— Cê tá meio sério, toma. — A hacker puxou do bolso uma sacolinha levemente opaca, no seu interior tinha algumas pílulas multicoloridas.
Renan olhou, olhou bastante, avaliou a situação e ponderou.
— LSD? — ele perguntou. — Meio batido.
— Pior que isso, e melhor também. — Ela estendeu o braço ainda mais. — Vai, pega aí, a noite é nossa!
— Coé, isso vai dar um rebote depois, não vai? Vou acabar destruído.
— Vai nada, garoto! Pega, vai quebrar esse teu mau humor, não me deixe só nessa.
Renan não queria admitir, ou sequer sabia o motivo e que de fato estar tão na dela. podia ter sido a adrenalina de minutos antes, talvez ainda sentisse os efeitos dela quando aceitou a droga e a tomou de uma vez.
Normalmente, em Recife — seja Nova ou Velha — não se aceita uma droga qualquer de um desconhecido, mas ele tinha a impressão de que aquela hacker que ele conhecia a menos de uma hora não era tão estranha assim.
Ele sentiu uma conexão, que para outros poderia ser ridículo.
— Ei, e você? Não vai me dizer seu nome não?
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