Volume 1

Capítulo 2: Apartamento New Hill, 403 (Parte 2)

Era por volta das cinco e vinte da tarde quando ele acordou. A dor de cabeça havia passado, não muito, mas o suficiente para não causar o incômodo do latejamento. 

Tomou um banho e se arrumou para festa, como prometido. Estava marcada às sete da noite, mas ninguém nunca realmente chegava no horário, então quando deu sete e meia Renan e Casé saíram de casa no Auto-Uber. Conversaram pouco sobre os detalhes da festa, o assunto principal de Casé era sobre como e quantas garotas ele ia pegar.

A inteligência artificial que controlava o carro, vez ou outra, tentava se meter no assunto deles, uma espécie de socialização forçada e artificial feita com a intenção de criar um ambiente confortável. Nada que um simples “Quieto” a cada cinco minutos não resolvesse.

O trânsito não foi nada muito complicado, seria pior se fizessem a passagem entre o Velho e o Novo Recife. Porém, já morando ambos no novo, era questão de tempo passar pelas avenidas levemente cheias dos trabalhadores voltando de seus empregos ou saindo para mais uma noitada.

Os postes começaram a se acender uma hora antes, naquele momento os LEDs brancos davam vista à rua, e os LEDs coloridos das placas de posto, restaurante e lojas traziam características à noite, cada uma a seu modo. Sem contar com as pichações fluorescentes, eram o charme para os turistas, a decepção para a Nova parte e o orgulho da Velha.

Os olhos de Renan brilharam junto do show luminescente das ruas. O Honda de última geração — feito propriamente para viagens em uma parceria bilionária com a Uber — em que eles se encontrava estava com seu modo noturno aceso, criando uma ambientação agradável no interior do carro.

A viagem levou por volta de 20 minutos, tendo seu tempo contabilizado numa tela atrás da cabeça do banco do copiloto. A estimativa dada pelo aplicativo era de 15 minutos e foi oferecido um desconto baseado na minutagem extra da viagem, mas apenas se decidirem pagar em Drex. Casé, extremamente orgulhoso, aceitou e pagou, recebendo seu desconto. Renan deu de ombros, sabia que Casé não poderia ser mau avaliado pela empresa, de qualquer forma.

Desceram do carro já na frente do condomínio onde já acontecia a festa. Era um prédio altíssimo de 25 andares. A festa se dividia entre dois espaços principais, a piscina/churrasqueira e o apartamento 403, casa da própria dona, em ambos o som era altíssimo e muito bem escutável já do lado de fora.

— É aqui, é? — perguntou Renan, olhando a enorme porta de vidro perante eles de cima a baixo.

— O quê? Nunca veio na casa de Paty, não?

O tom debochado e de falsa surpresa de Casé, como se Renan fizesse um absurdo de nunca ter comparecido na casa de Paty, trouxe profundo amargor à boca do jovem. Seu instinto mais primitivo foi saltar direto na garganta do amigo.

— Não diga como se todos já tivessem vindo aqui, pra começo de conversa — disse, subindo os degraus em direção à porta de vidro que deveria estar aberta.

Deveria, de fato, era esperado alguns convidados para uma festa no prédio, mas por algum motivo não estava.

Tum!!

— Há! Te liga, otário! — Casé gargalhou.

O mundo girou para Renan, que imediatamente deu uma volta e se sentou, segurando a testa com a mão direita. Quem o visse veria logo os olhos arregalados e, por baixo da mão, um vermelho inconcebivelmente cômico.

Se ainda havia alguns vestígios de dores de cabeça no jovem, bom, de alguma maneira foram arremessados longe. Renan, por um instante, pensou ter entendido a verdade do universo.

— Coé, vai deixar nois nessa? Abre aí — disse Casé mal se aguentando depois da gargalhada ao porteiro, subindo os mesmos degraus que Renan.

Ainda perguntou ao seu amigo se estava bem da cabeçada, aquele vidro da porta era mais que reforçado e deveria ter se abrido sem nem precisar de um toque, bastava se aproximar que o detector de movimento já faria o trabalho.

Claro, faria se estivesse liberado a entrada para todos.

— Quem são? — disse uma voz robotizada da guarita, pouco acima da esquerda deles. — Se identifiquem.

— Coé, cara, festa da Paty, abre aí.

— Festa? Onde?

— Onde?! — entrou Renan no papo, sentindo seu sangue ferver. — Não tá escutando essa barulheira?!

— Foi mal, troca de turno. — A voz sintetizada parecia sincera.

— Paty, cara, abre logo isso! 

— Quem?

— Patrícia, seu maldito.

A vermelhidão da testa de Renan pareceu melhorar aos poucos, talvez fosse o sangue da fúria subindo diretamente para a cabeça.

O porteiro pareceu bastante triste com a ofensa gratuita de Casé, mas não demorou mais para ativar a entrada automática geral. Finalmente dentro, Renan passou a reparar em detalhes do espaço.

O exterior do prédio era pintado por holofotes vindos do térreo, mudando de cores a cada minuto. Passaram pela grama artificial que continham alguns arbustos e árvores — poucos deles falsos — aparentemente bem cuidados. Logo chegaram na área da piscina, havia bastante gente já curtindo o espaço.

— Ei, Casé! — Uma voz feminina surgiu da multidão, os dois amigos procuraram por todos os lados até então a encontraram. — Achei que não vinha! — exclamou Paty, sua voz anasalada causou arrepios por toda a espinha de Renan. 

Ele percebeu, logo em seguida, os dedos de metal e plástico caríssimos dela. Belíssimos implantes de dedos biônicos extremamente bem polidos e lindamente projetados, as palmas eram uma mistura de plástico e fibra de carbono pretos, tudo alta e simplesmente estético.

— E esse aí? Bonitinho. — Paty se inclinou para o lado, tentando ver o jovem garoto que aparentava tentar se esconder atrás de seu colega de quarto.

O jovem, na verdade, sentia seu coração apertar e bater bastante com medo de que logo percebessem que ele não foi convidado — logo veria que Paty ou qualquer um dali pouco ligavam para quem quer que entrasse.

Casé, num reflexo rápido, empurrou Renan para frente, segurou e amassou seus ombros para que não fugisse, abrindo um largo e simpático sorriso

— Esse é o meu salvador! Renan, se apresente rapaz! — disse, largando-o e dando-lhe um tapa nas costas.

— Ah, sim… — Os olhos do jovem perfuraram o peito de seu colega inúmeras vezes, que simplesmente mantinha o sorriso agora sacana no rosto. — Bom, estudo engenharia de software, muito legal te conhecer.

Por mais que o som fosse bastante alto no lugar, pareceu que um silêncio ceifador havia tomado controle daquelas terras por séculos. 

Nenhum dos três — ou qualquer outra alma dos arredores — tomou qualquer iniciativa para quebrar o desagradável gelo instaurado. Renan piscou, ela piscou, Casé ficou estático quase indo embora — ainda chegou a dar um ou dois passos para trás e para o lado.

— Ah… Engenheiro de software? Legal… — Paty o olhou de cima a baixo de forma bastante desconfortável.

— Ainda não me formei, sabe, mesma facul de vocês… — Renan deu um riso fraco e sem jeito, se afastando devagar como se deslizasse no gelo do ambiente.

— Sabe, nunca vi você por lá não, anda com esse daí? — E apontou para Casé, dando uma gargalhada cínica, quase de desprezo. — Enfim, aproveita aí, tá? Tem meu AP lá em cima também se quiser, as bebidas tão principalmente lá. Só não alopra, viu!

Antes que os garotos pudessem responder, Paty já havia se distanciado e engajado outra conversa por aí, seu implante de dedos biônicos ainda reluziu mais uma vez ao longe, incomodando os olhos de Renan.

— Cê curtiu ela, não curtiu? — perguntou Casé, com uma cara de garoto atentado. — Esse cabelo lourinho dela, é natural, tá?! Ela te deu foi mole, cai dentro!

Renan fez que não com a cabeça. 

— Acho que você não vê bem as coisas… Tem certeza que já não precisa trocar esse olho?

— Eu sei bem o que vejo. — Renan contou cada dente da boca de Casé de tão largo e contínuo que foi o sorriso malicioso.

— Deixa quieto, tô aqui pra te acompanhar, só. Mal conheço alguém daqui.

O colega pareceu decepcionado com a resposta, deixou quieto. Os dois ainda saíram pelo espaço andando e cumprimentando as pessoas em busca de alguém conhecido para chegarem perto. Não muito difícil pro outro, mas pro engenheiro de software… Em pouco tempo Casé estava muito bem enturmado com o pessoal, infinitas conversas que Renan nem conseguia acompanhar.

Ele decidiu que ali não era o lugar dele, talvez o apartamento em si fosse diferente e subiu pelo elevador muito bem acompanhado de um casal extremamente animado em suas pegas.

Apoie a Novel Mania

Chega de anúncios irritantes, agora a Novel Mania será mantida exclusivamente pelos leitores, ou seja, sem anúncios ou assinaturas pagas. Para continuarmos online e sem interrupções, precisamos do seu apoio! Sua contribuição nos ajuda a manter a qualidade e incentivar a equipe a continuar trazendos mais conteúdos.

Novas traduções

Novels originais

Experiência sem anúncios

Doar agora