Sputnik Saga Brasileira

Autor(a): Safe_Project


MUTTER

Capítulo 9: Problemas

Vast lentamente abriu os olhos, encontrando paredes e teto feitos de uma madeira meio podre em algumas partes. Outra vez, um teto desconhecido. Poderia se levantar de súbito, mas as vozes familiares ao redor lhe mantiveram tranquilo.

— Va-Vast! Finalmente acordou! Graças ao Rei Eterno!!

O rosto de Vincent surgiu em seu campo de visão. Com a ajuda de empregadas ao redor, foi capaz de se sentar. Como pensou, estava no cômodo de uma casa velha. Na porta estavam dois idosos — provavelmente os donos originais do local.

O príncipe analisou o próprio corpo. Coberto de ataduras, sendo possível resumi-lo numa múmia. Apesar disto, o fato de ser o único em tal situação o tirou um suspiro aliviado.

— O que aconteceu? — perguntou, cerrando o olhar. — Ele está morto?

Engraçado pensar que Vincent nem sabia do que exatamente ele estava falando. As pessoas só chegaram a ver enormes mosquitos voando, e talvez fosse melhor assim. Uma mente normal deveria ser poupada da visão de um Descendente sedento por sangue.

A última coisa que se lembrava era de ter causado o colapsar da mansão. Caso aquela coisa ainda estivesse viva…

— Está morto. Encontramos o corpo já se desfazendo, a cabeça havia sido esmagada por um dos escombros. Agora não passa de uma pilha de cinzas.

Vast o fitou por alguns segundos, a garantir que a alegria naquele rosto era verdadeira. Com a certeza, despencou sobre a cama novamente, acompanhado de um longo suspiro.

Ótimo! Ali, debruçado e enrolado como uma faraó antigo — até a parte de não ter sangue era um evento canônico —, ele finalmente relaxou um pouco. Claro, durou extremamente pouco.

Se levantou no mesmo momento, questionando:

— Espera um momento… Há quanto tempo eu desmaiei!?

— Então… — O sorriso desapareceu. Pelo jeito ele esperava que Vast demorasse um pouco mais para se lembrar do detalhe. — Você dormiu por dois dias inteiros.

— O QUÊ?! OUTRA VEZ?

Se ergueu como se completamente curado de seus ferimentos. Dois dias, significava que, dos vinte  no total e contando com o último desmaio, restavam 13 dias para chegar até a Torre antes que a maldição lhe acometesse.

Para piorar, não estava tão longe, talvez perto da metade do caminho. O plano original era chegar até a Torre com tempo de sobra, uns três dias, no mínimo, mas lá estava ele, estourado na primeira cidade que parou após sair do reino.

— Príncipe Vast, eu sei que é complicado ter que ouvir isto, mas… — Vincent sentou-se na beirada da cama, a encará-lo. — Por favor, volte para casa.

O semblante do rapaz se fechou, mas longe do suficiente para ser considerado uma careta. Mesmo com tão pouca reação, Vincent foi capaz de ouvir as palavras seguintes antes delas sequer serem ditas.

— Não posso. Não vou voltar para casa depois das coisas que presenciei. Os traidores do reino, os vampiros… a Emilia! Eu vou cuidar de cada um destes assuntos nem que custe minha vida!

O homem suspirou, acompanhado do baixar da cabeça de cada um dos serviçais na sala. Cada um ali presente desejava apenas o melhor para o príncipe, algo óbvio na atmosfera do quarto. Como último recurso, Vincent teve de usar de algo que poderia machucar seu herói, mas era a opção necessária.

— Vast, por favor, entenda que apenas queremos o seu bem. Os traidores e os vampiros são realmente um problema, todos nós queremos que algo seja feito à respeito disso. — Vast estava prestes a erguer a voz, interrompido pela finalização do homem: — Mas a Emilia está morta, meu senhor. O que você acha que ela diria caso o visse neste estado e ainda por cima querendo continuar viagem, onde inimigos muito piores do que este que acabou de enfrentar se encontram?

A Emilia Ele cerrou os punhos, uma onda de cura acertou em cheio todos no quarto. Energias completamente renovadas ao passo que um fio de sangue escorria entre os dedos do príncipe.

— Vincent, ela está viva!

Os lábios do homem tremularam, prontos para negar aquela convicta afirmação, mas foram mais lentos que os de Vast.

— Ela não está morta, e… ao mesmo tempo não está viva. Sei que ela pode não ser mais a mesma pessoa que ficou ao meu lado por tanto tempo. Mas aqui… — A mão em punho desceu contra seu peito. — Enquanto esta chama arder, ela continuará sendo a mulher que eu amo.

Um breve momento de silêncio, quebrado pelo suspiro que veio acompanhado de um curto sorriso no rosto de cada um no cômodo.

Vincent imitou o resto do pessoal. Poderia insistir, mas tanto sua mente quanto seu coração sabiam muito bem que o homem diante de seus olhos não seria convencido por meras palavras.

— Se é isso que acredita ser o certo, então eu rezo pela sua segurança, príncipe Vast!

— Eu que agradeço. Obrigado por tudo que fez por mim até agora, Vincent. O Reino de Von Legurn será eternamente grato para com sua pessoa.

Jogou o lençol para longe, revelando o corpo que nem as várias camadas de ataduras conseguiam esconder o quão definido era. O trabalho duro na sua mais pura forma.

A muda nova de roupas já estava preparada. Um conjunto semelhante às suas roupas reais, de cor predominantemente preta mas com detalhes em dourado — as barras e os botões da camisa. Além disso, ela havia sido adaptada para o Atirador Rubro. Em outras palavras, não precisava rasgá-la para abrir caminho para os tubos por onde corria seu sangue.

Após se despedir de todos que zelaram por sua segurança, Vast desapareceu da cidade como uma sombra quando atingida pelo sol. O tempo era agora mais do que curto. Uma boa distância ainda separava ele da Torre do Conquistador, e uma maior ainda se colocava entre sua ignorância e a verdade das coisas.

"Carmilla... Por quê?"

Um Vampiro Original. Emilia... Carmilla era realmente aquilo? A pergunta era até desnecessária, visto que era impossível manipular a aura de qualquer maneira, independente do quão poderoso fosse o indivíduo. Vast ao menos nunca conheceu ninguém capaz de fazê-lo.

"Por quê...?" As batidas do coração vacilaram num instante, obrigando-o a parar a corrida bruscamente.

A freada digna de um carro de rally fazendo drift levantou uma massa de terra, o suficiente para que parasse de vez e posasse dramaticamente na direção da cidade.

A mansão, o local em que viu aquela figura pela última vez, estava destruída. Porém, a base que sustentava o coração de Vast estava tão sólida quanto nunca.

"Vamos conversar depois, Carmilla."

Poderia nem sequer ouvir falar da Vampira novamente, mas algo lhe fazia sentir que o momento chegaria alguma hora.

Tump! Bem, definitivamente não era agora. Tump! Os passos pesados e meio abafados logo atrás indicavam presença do inimigo. Roawr! Um bem incomum, pelo rugido.

Vast se virou com calma. Diante de si, uma massa de gordura que se colocou sobre duas patas para atingir intimidantes três metros de altura.

— Um urso pardo? Eis algo que não se vê todo dia. De qualquer forma, chegou em ótimo momento.

Ele mirou com o Atirador Rubro. Dois disparos, um arrancou a orelha esquerda do animal, enquanto o outro tornou-se numa corda que Vast tomou em mãos.

O animal se preparou para fugir na mesma hora, mas já era tarde. O príncipe segurou-o por uma das patas e o encarou nos olhos.

— Muito bem, papai urso... — Esticou a corda. Um som de chibata. — Fique de quatro.

Ur!? Por mais que quisesse recusar, ele não teve direito de escolher.

Vast montou nas costas do urso. Com certeza estava longe de ser algo como um cavalo branco, mas em muito lhe faltava qualquer intenção de surpreender alguma dama além de Emilia.

"Certo, melhor me apressar antes que mais complicações apareçam."

Vast puxou as rédeas e, num poderoso rugido, o urso disparou — uma almôndega gigante se visto de cima — em direção à Torre do Conquistador.

Quanto mais rápido fosse, maiores seriam as chances de evitar inimigos e mais facilmente recuperaria o tempo perdido. No entanto, o mundo já estava mais adiantado comparado à ele.

 

***

 

No cair da noite do mesmo dia, os destroços da mansão de Vincent foram cercados por faixas preto e amarelo, mas um aviso tão simples era pouco para impedir o casal de figuras fazer sua presença dramática sobre o palco de uma feroz batalha.

— Vast Los Filho... Estamos realmente falando do mesmo moleque que você comentou anos atrás?

A figura masculina e ameaçadora — com uma sensualidade estranhamente mal encaixada nesta cena — mirou com o par de olhos sedentos a mulher relaxada logo ao lado. Sem resposta imediata, gritou:

— Me responda, Carmilla!

Ein? Ah! Desculpe, estava pensando em outra coisa aqui.

— Sua...! Aff! Tanto faz. Aquele moleque já arranjou problemas demais. O que vai fazer sobre isso?

Ele se levantou, colocando uma das pernas sobre um pequeno amontoado de escombros e posando para a lua.

— Nada. Ele tá no seu território, não no meu! — Ela sorriu triunfantemente. — Além disso, não faço nada de graça.

Ah~! Ele suspirou como um galã, virando numa velocidade suficiente para que a franja balançasse como num dia chuvoso — ainda que o céu estivesse completamente limpo.

— Parece que não tem jeito mesmo. Bem, de qualquer maneira já enviei meus melhores lacaios atrás dele. — Fitou a mulher novamente. — Não se importa com o que vai acontecer?

Ela encarou de volta por alguns segundos, inexpressiva. Por fim, cruzou os braços e suspirou uma última vez, um sentimento impossível de identificar.

— O que acontece entre mim e um Amaldiçoado não deve ser do seu interesse.

He! Se você diz… Só espero que não se importe de receber um cadáver de presente qualquer dia desses.

— Se for o de uma gostosa, posso até pensar em te agradecer.

Aff! Você nunca muda… De qualquer forma, você conseguiu alguma resposta daquele engomadinho?

Com movimentos lentos, Carmilla levou uma das mãos entre seus seios, de onde tirou uma flor, uma rosa vermelha em perfeitas condições, a qual estendeu para o outro e mandou:

— Manda para dentro!

O galã hesitou, mas acabou forçado ao reconhecer o discreto tom de comando. Apesar da aparência normal, um simples toque revelou que não se tratava de uma flor comum.

— Ele não confia em mim, por acaso? Tsk! Usando truques como este… ele vai ter que ouvir umas boas depois.

Ele podia reclamar, mas não recusar. Sua boca abriu ao ponto de a mandíbula se quebrou, tornando a boca tão grande quanto a de um lagarto.  A flor foi engolida numa bocada só, e o rosto regenerado ao estado normal no instante seguinte.

He! Vocês rapazes são tão idiotas.

— O que disse?

— Nada.

Ele a ignorou e, já sem paciência, desfez a pose sensual e estalou os dedos.

— Lacaio N°1!

Uma sombra surgiu imediatamente ao seu lado. Face escondida pela escuridão, sendo notável apenas uma esfera ao seu lado — destacada a estampa xadrez que possuía.

— Diga, Mestre Eduardo!

— Fique de olho naquele príncipe. Vou precisar que cuide dele caso os idiotas que enviei falhem na tarefa. Aliás, caso isso aconteça, faça questão de eliminá-los.

— Sim, Mestre! Continue brilhando e deixe todo o trabalho comigo!

Ele disse numa satisfação que tirou um sorriso de Eduardo, um que não foi visto pelo lacaio antes que desaparecesse num piscar de olhos.

— Sim, pode ter certeza, vou mostrar para este mundo um brilho do qual eles nunca irão esquecer!

Ele sorriu malandramente, mirando o resto da cidade que no momento era tomada pela noite.

Para as pessoas, um brilho excruciante se aproximava, mas Vast iria ver apenas a densa escuridão escondida atrás de tanta luz.

 

 

 


Gostou da obra? Confira meus outros projetos:
https://linktr.ee/safe_project



Comentários