MUTTER
Capítulo 6: Pacto
Já era tarde, o horizonte lentamente banhado num vermelho fogo, pronto para ser tomado pela noite de novo. Nisso, algo que mais parecia uma sombra saltava entre os telhados visando uma direção bastante clara, a casa de Vincent.
"Não acho que algum vampiro irá atacar tão cedo, ainda mais depois daquele que eu matei. Devo aproveitar este pequeno tempo extra o máximo possível!"
Com saltos poderosos, Vast logo se viu diante do grande portão de grades que separava a casa do resto da cidade. Rente à entrada, um quarteto de guardas, dois de cada lado, recepcionaram o príncipe.
— Prí-Príncipe Vast!? O que faz aqui sem companhia?
— Desejo ver o Vincent. Abram caminho.
Avançou sem esperar por uma resposta, apenas ações obedientes, mas o que ganhou foi o total oposto.
As lanças empunhadas pelos homens se transformaram numa barreira, impedindo o caminhar de Vast. Rapidamente fitou ambos os soldados, questionando a ação. Tremeram ante seu encarar.
— Príncipe Vast, o Sr. Vincent está passando por um momento muito difícil. Nossas ordens são para barrar qualquer um que tente entrar, independente de quem seja.
Com uma das mãos sob o queixo, ponderou por breves segundos, o suficiente para se decidir.
— Entendo, no entanto, terei de confirmar esta ordem por mim mesmo.
Confusão e medo inundaram o semblante dos guardas. As lanças que bloqueavam o caminho foram torcidas ao ponto de agora parecerem anzóis gigantes, um feito realizado pelo príncipe com suas mãos nuas.
Desta mesma forma ele passou pelo portão, as barras de ferro se torceram quase que por vontade própria, abrindo caminho para o futuro rei de Von Legurn. Quando menos notou, estava diante delas, das portas da mansão. Abriu sem hesitar, de cara para o salão principal.
Entre os candelabros de ouro e as várias empregadas que corriam apressadas de um lado para o outro, avistou, sentado quase em posição fetal numa poltrona de frente para uma lareira, a figura cabisbaixa de um homem que nem se deu ao trabalho de ver quem invadia sua casa.
Vincent! A voz de Vast ecoou por todo o lugar, mas apenas seu aproximar trouxe para si o olhar aflito do homem que um dia foi capaz de lhe causar alguns arrepios.
— Va-Vast…
As olheiras tomavam conta de metade de seu rosto, o cabelo castanho cobria a testa numa franja irregular, cachos pelos quais o medo escorria em forma líquida. A roupa sofria a consequência da catarata que o rosto se tornou.
— O que faz aqui!? Numa hora como esta?? A-A-A maldição! Há quanto tempo está fora do castelo?
— Exatamente dois dias, amanhã será o terceiro. Mas eu peço que sejamos rápidos aqui, afinal eu nunca perderia tempo com alguém que não me importo.
Dizia isto apenas para soar intimidante. Sendo alguém que se importava com todo e qualquer cidadão de seu reino, Vast deveria prezar pela segurança de todos o máximo possível. Esta era uma das formas. Se algum vampiro estivesse à espreita de sua conversa, provavelmente tinha acabado de perder a opção de usar alguém ali de refém numa provável luta.
A única pessoa com quem deveria se preocupar agora em ser sequestrada seria Vincent.
— Me-Meu Príncipe… Eu realmente não sei o que dizer… Eu sou, sem dúvidas, um incompetente!
O homem, já destruído por dentro e por fora, caiu em lágrimas. As empregadas se aproximaram no instante seguinte, afastadas por um simples e singelo olhar de Vast.
— Já estou um pouco por dentro do que está acontecendo aqui, mas preciso ouvir os detalhes de alguém que confio. — Com uma das mãos, ergueu o rosto do colega. — Por favor, conte-me tudo que lhe aflige.
As empregadas ao redor inventaram cerca de trinta fanfics BL em sua cabeças num intervalo de 0,01 segundos antes de retornarem ao serviço.
Mais algumas lágrimas escorreram e uns poucos minutos se passaram antes de Vincent recuperar o suficiente de sua postura. Logo que o fez, limpou o suor remanescente e se pôs de frente para o príncipe, que até então permanecia de pé ao seu lado.
— Vampiros, meu senhor, são sempre esses… malditos vampiros!
Uma resposta que qualquer um esperaria. Com um rápido olhar, Vast constatou apenas pelo semblante dos outros que todos sabiam da situação. Em outras palavras, todos haviam visto a mesma coisa. Seriam testemunhas para garantir que Vincent não estava sobre o efeito de algum tipo de lavagem cerebral. Aguardou pelo o que ainda havia de ser dito.
— Algumas semanas atrás, Ormstade recebeu a visita de uma certa trupe não muito convencional. Traziam consigo pessoas, se é que posso chamá-las assim, que mais pareciam animais, cachorros vorazes que atacariam qualquer um com o mais simples dos comandos.
Vast logo fez relação. Apenas dois dias se passaram desde a última vez que viu uma figura semelhante.
"Transformados."
Pelo jeito que Vincent falava, deviam haver alguns vários deles. Para tal tipo de Vampiro geralmente descontrolado como uma besta sem qualquer razão de vida passear por aí com calma sem destruir a cidade, só poderia significar uma única coisa.
Vast fez a suposição, e Vincent a completou.
— Então não é apenas um Descendente, quer dizer que, neste momento, esta cidade também está abrigando um…
— Um Vampiro Original, meu príncipe.
Uma pressão avassaladora tomou conta do ambiente. Algumas empregadas chegaram a deixar cair a louça que carregavam, um erro totalmente perdoável nesta ocasião.
Vampiro Original era um termo pouco usado, não por ser raro de encontrar um, mas pelo efeito dominó gerado pela sua pronúncia. Uma sequência simples: Descrença - Medo - Ansiedade - Alucinação - Morte. Era algo muito comum de se ver nos mais desacostumados com os vampiros.
— E você sabe me dizer qual deles seria? — perguntou Vast.
Seria uma ótima informação, e bem simples, por sinal, visto que existiam apenas quatro vampiros nesta categoria. Sempre foram e, até certo ponto, seriam quatro.
— Nã-Não, meu príncipe. Sinto muito, eu não cheguei a ver ele, apenas o outro que o acompanhava…
Outro? Logo questionou, ciente de que Vincent falava devia falar do Descendente.
— Aquela criatura… meu príncipe, por favor, se estiver aqui para lutar contra ele, eu peço para que…!
Vast o parou com o simples estender de seu braço. Apenas isto fez Vincent desistir completamente de qualquer outra tentativa e prosseguir com o que importava.
— Mosquitos. É um Vampiro Descendente com a habilidade de criar e controlar mosquitos gigantes.
Sim, isto já era bem notável. A questão favorável seria o fato de que apenas um não mataria uma pessoa, sendo necessário uma horda para lidar com alguém como Vast. No caso, um Amaldiçoado. Porém, tudo que ouviu ainda era insuficiente. Havia uma, apenas uma coisa a mais que queria descobrir, e para tal, questionou:
— Vincent, agora me diga… — Seus olhos estreitaram, ansiosos. — Que relação você tem com estes vampiros.
Ele não mentiria. Confiava neste homem como uma criança confiava em seus pais, poderia até mesmo dizer que acreditava mais nele do que em seu próprio pai, com o qual sua relação estava longe de ser das mais estreitas. Só precisava ouvir o que ele tinha a dizer para saber se era verdade ou não.
Entre as lágrimas que ainda escorriam, ele disse com dificuldade.
— A família Barskerville, eles forçaram a cidade inteira num contrato suicida com o Vampiro Original. Eles… Eles abandonaram a própria humanidade!!
Um denso arrepio correu o corpo de Vast, que levantou de súbito. Sua respiração ficou mais pesada, densa como um predador em fúria. No Atirador Rubro, era possível ver o sangue estocado borbulhar graças à sua raiva.
"Como eu temia, eles não apenas traíram o reino, como também foram para o outro lado. Eles negaram a própria humanidade."
Se não pode com o inimigo, junte-se a ele. Era este o ditado famoso dito em tempos de guerra, mas considerado válido apenas pelos loucos quando se falava dos inimigos atuais. Se juntar aos vampiros era, como dito por Vincent, o mesmo que deixar de ser um Humano.
"Baskerville… A família com o brasão de espada. Há quanto tempo eles tramavam isso? Aquele Transformado do castelo também foi obra deste mesmo pacto?"
Fosse ou não, era imutável a atitude que tomaria contra estes traidores. O punho cerrado erguido à frente de seu corpo deixava claro qual era.
Entretanto, mesmo a mais sanguinária das vinganças precisava de planejamento. Para Vast, o mínimo do mínimo já era o suficiente.
— O que estes vampiros estão organizando? Você deve ter alguma ideia, certo?
Vincent se atrapalhou um pouco ao ouvir. Entendeu as intenções apressadas de seu príncipe e na mesma velocidade lembrou que seria incapaz de pará-lo. No fim, apenas colaborou.
— Em três dias teremos o festival tradicional da cidade. Creio que o plano dos vampiros é usar a oportunidade para eliminar quantos humanos conseguirem. Nosso festival sempre atrai mais de dez mil pessoas todos os anos.
"Um prato cheio. Até que eles são mais espertos do que eu pensei." Uma pena não serem burros como os Transformados, lamentou. — Sobre o pacto que você falou. Disse que eles forçaram a cidade inteira nisto, certo? Poderia me explicar melhor o que seria este pacto?
O termo era desconhecido, ao menos não se lembrava de Emilia ter-lhe dito algo à respeito. Talvez uma habilidade de algum vampiro em específico, ou, na pior das hipóteses, algo novo que qualquer um conseguiria desenvolver com o treino certo.
— Não tenho muitos detalhes, apenas relatos dos guardas… — Engoliu seco, se lembrando da cena que chegou a ver de longe. — Aparentemente, os vampiros fizeram algo logo que chegaram. Você não viu quando chegou pois elas foram enterradas, mas a cidade foi completamente cercada por uma corda feita de tripas humanas, uma longa e extensa corda, onde era notável os nós brutos feitos para amarrar umas às outras. Argh! Quantos será que morreram para tamanha atrocidade!?
Consolou o colega com tapas nas costas, não se afastando mesmo sobre a notável ameaça de receber um jato de vômito. Ao invés disto, disse em tom calmo:
— Entendo. Tem alguma ideia de onde os vampiros estão neste momento?
— Er~… A-Acredito que na prefeitura, meu príncipe.
— Ótimo, vejo vocês em algumas horas, então.
Vast imediatamente se virou e caminhou em direção à porta. Vincent e até as empregadas estenderam mãos em sua direção. A mesma situação que no castelo.
Todos queriam impedi-lo, e sabia que não por maldade. Todos queriam; desejavam fazer algo, mas eram incapazes. Agora, quando diante de alguém que era verdadeiramente capaz de mudar as coisas, tentavam manter esta pessoa perto, temendo que ela — a única chama de esperança — fosse também reduzida ao nada.
Podia-se dizer que era egoísmo, mas Vast chamava de instinto de sobrevivência. E se era assim que eles o encaravam, pois que assim fosse.
"Um Vampiro Original e um Descendente… Se eu conseguir eliminar ambos, o poderio do inimigo vai diminuir drasticamente. Com isso… eu posso… continu…"
Poft! E num baque seco e sem aviso, o até então saudável corpo do príncipe de Von Legurn, Vast Los Filho, caiu completamente duro no chão.
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