MUTTER
Capítulo 2: Sangue por Sangue
A criatura cortava armaduras como papel usando suas garras, cada um de seus golpes analisado pelo próximo oponente.
"Isso… Então isso é um Transformado? É a primeira vez que vejo um tão de perto!" Vast engoliu em seco, torcendo para acordar daquele pesadelo.
Antigamente era conhecido como Vampiro de 2° Grau, mas isso não significa que a criatura era formada em um ensino superior. Digo, de certa forma era.
Acima do Indulgente e Vagante, em alguns casos, superando até os Descendentes. O Vampiro Transformado era o tipo que havia recebido sangue de um dos Quatro Originais, o que geralmente causava uma perda total do auto controle.
GYAAARGH!!
Tal fato era mais que evidente nesta amostra viva, isenta de um traço sequer de consciência. Cada golpe imitava o lobo cujo corpo havia sido imitado, arranhando como um filhote que ainda aprendia a caçar, com a diferença de ser tão forte quanto dez homens adultos.
— PRÍNCIPE VAST! VAMOS SAIR DAQUI!!
A desesperada Emilia puxou-lhe pelo braço, mas seus olhos se recusavam a desviar do vampiro por qualquer coisa, o mesmo acontecia com seu mestre.
O rapaz tomou sua decisão.
— Para trás, Emilia! — Se soltou dos braços da garota e pulou por cima do corrimão.
O pouso forçado seguiu-se de um repentino e potente torcer de seus ossos — um contido grito dolorido ao final. No entanto, tal sofrimento converteu-se numa luz branca ao redor de pelo menos cinco soldados à frente. Se antes estavam gravemente feridos, agora se sentiam no auge da juventude.
Todos miraram o novo desafiante, o desespero duplicado.
— Príncipe Vast! Não se aproxime mais!!
O soldado viu apenas um vulto passar, só percebendo instantes depois que a lança que carregava também havia sumido.
PRÍNCIPE!! Todos que deveriam protegê-lo clamaram pelo seu retorno ao vê-lo avançar contra o vampiro, mas nenhuma voz o alcançaria mais.
O Transformado atacou com um brutal e enfadonho arranhar, tão reto que arquitetos ficariam maravilhados, evitado com um simples salto para o lado.
A poucos centímetros do alvo, Vast empalou o pescoço da criatura e girou, rasgando a pouca pele que mantinha a cabeça conectada ao corpo.
A força extra de sua Maldição ajudava, porém a habilidade não se aplicava diretamente à arma que empunhava. Um cálculo mal feito e a lança se quebraria como um galho devido o excesso de força.
Seu olhar voltou para Emilia, ainda apoiada no corrimão no segundo andar. Preocupada. O único herdeiro de um Reino cujo governante estava em seus últimos dias arriscava a vida de tal forma.
Vast sorriu para ela, disposto a usar o momento como prova de sua capacidade. Para provar a si mesmo e aos outros que era forte o suficiente para sair do castelo sozinho, ele derrotaria este vampiro e ganharia a permissão do pai para…
Crunch! A pontada foi a resposta da realidade ao seu pensamento.
A cabeça decepada da criatura o alcançou, seus caninos alcançando os ossos do antebraço do príncipe.
Antes que a mordida arrancasse seu membro, bateu-a contra o chão e forçou a soltar. Restos cerebrais espirraram pelo chão. Liberto, afastou-se e recuperou a postura.
O corpo permaneceu de pé, recuperando a cabeça e afundando um osso no outro como quem finca uma estaca no chão.
"Gurh! Esse cara… Como?"
Vast tinha a lança, porém o braço direito — seu dominante — foi imobilizado pela mordida. O formigamento se espalhou para o resto do corpo, o efeito de sua habilidade causando dormência dos pés à cabeça.
Droga…! Cerrou os olhos para que o oponente não sumisse de vista, uma ação simples com o efeito oposto ao desejado.
No tempo de um piscar de olhos, o Transformado cortou a distância entre os dois, agarrando a lança e a separando do príncipe ao atingi-lo com um soco na lateral do torso. Sua queda amortecida pelos guardas pelo caminho.
GURYAAAH!! A criatura rugiu, ansiosa. Seus olhos que nem funcionavam vagaram pelo salão e, após encontrarem algo interessante, resultaram num largo sorrio podre. O corpo se inclinou num ângulo como um verdadeiro lanceiro e, antes que qualquer um reagisse, a arma foi arremessada.
O objeto rasgou o ar abafado do salão, trazendo um frescor momentâneo junto do inconfundível cheiro de morte. Um trajeto calculado aos milímetros, tendo como alvo a pessoa que aparentava ser a mais frágil do lugar, talvez pela mera luxúria que sentia com a violência para com os mais fracos.
Ainda no segundo andar, um curto sobressalto foi a única reação de Emilia antes de ser acertada em cheio, arrastada através de várias paredes pela força brutal da lança.
Uma densa nuvem de poeira inundou os corredores acima. O tempo parou por um breve segundo para Vast, cujo acabava de se recuperar da tontura, seu corpo tomado pelo desespero ao ver o caos.
— EMILIAAAA!!
Antes que suas pernas o levassem atrás da mulher, o joelho do Transformado acertou suas costas. Todos os seus músculos cederam como se desconectados do corpo, afogando-se em espasmos de dor. Se arranhões surgiriam numa pessoa normal, Vast sentia a dor de feridas abertas por causa da Maldição.
Amedrontados, os guardas ao redor se afastaram na menor ameaça da criatura em avançar sobre eles. Fez do príncipe o seu tapete, a saliva misturada a resíduos do intestino podre desmaiando os mais próximos, sua sede tão grande que todos sentiram o próprio sangue tentar escapar das veias, querendo voar para longe do predador.
— Pro-Protegam o Rei! — ordenou o líder entre os guardas.
Vast, ainda consciente, sabia o que isso significava.
“Eu subestimei… a força dos vampiros.” Se sua boca ainda fosse capaz de se mexer, ele agradeceria aos soldados.
Para o príncipe, os guardas tomaram a escolha certa ao abandoná-lo. Notaram que já era impossível salvá-lo e, portanto, decidiram prezar pela vida de quem tinha mais chance de sobreviver. Do seu ponto de vista como — até então — futuro Rei, esta foi uma decisão bastante sábia.
Enxergava perfeitamente. O Vampiro encarou-lhe de cima e abriu a boca, lentamente aproximando as presas de seu pescoço.
"Eu não posso morrer aqui! Ainda tenho… que visitar a Torre!"
As presas alcançaram sua carne, penetrando com certa dificuldade. Ambas estavam agora dentro de si, e o sangue que corria até o cérebro para mantê-lo vivo começou a escapar através do par de agulhas invasoras.
Em mente, chamou por Emilia, desejando que pudesse vê-la uma última vez, independente do estado em que estivesse agora. Para isso, usou a força que ainda lhe restava no momento para mover todo o sangue ainda no corpo para o braço, sendo capaz de apertar o pescoço do inimigo.
“E eu nem consegui me declarar apropriadamente. Eu não sou um cavalheiro, sou apenas um covarde.”
O rosto estava virado na direção da sacada, com um olhar esperançoso de ver a amada surgir com um sorriso gentil para confortá-lo, mas isso não aconteceu. Ao invés, sentiu uma gota quente cair em sua bochecha, seguida de outra e mais outra.
O líquido escorreu até sua boca, e por mais que já estivesse cheia do mesmo conteúdo, reconheceu o sabor de seu próprio sangue misturado com o do Vampiro.
Huh!? Seu resmungo trouxe-lhe para a realidade. As presas não mais se afundavam em seu pescoço, e para a surpresa de todos, os gritos que se seguiram não vinham de qualquer pessoa ferida.
UGYYAAARRH!!!
O Vampiro se debatia desesperadamente, tal como fazia um animal preso por uma cruel armadilha que não matava na hora. Mas, neste caso, ver tamanha agonia encheu os corações humanos de satisfação.
Tentava à todo custo limpar sua língua, usando suas mãos sujas para tal e apenas piorando a situação com os arranhões que causava no órgão.
“Mas que…!” Vast encarou a cena por alguns segundos, para só então se dar conta da chance que ganhou.
Procurou rapidamente ao seu redor e encontrou uma espada. Ergueu-a e saltou sem mais hesitar contra a criatura!
S
L
A
S
H
!!
A cabeça foi separada do corpo com um corte perfeito, um tump a ecoar pelo salão marcou o fim do ataque e, também, a vitória.
Todos arfavam fortemente, espantados com o rápido desenrolar da situação. Só após o que pareceu um minuto inteiro que a primeira voz — do líder dos soldados — ecoou para quebrar o silêncio.
— Ganhamos… GANHAMOS! O Vampiro foi derrotado!!
ÔÔÔÔÔÔÔÔÔ
Os urros de glória tomaram conta do salão. Graças à cura gerada pela maldição de Vast, nenhum soldado acabou falecendo, apesar de possuírem alguns ferimentos que precisariam ser tratados.
— Parabéns pela vitória, príncipe Vast! — disse o líder do esquadrão ao se aproximar. — Não teríamos conseguido sem Vossa Alteza.
O príncipe não reagiu, ainda que a situação dos guardas falarem consigo fosse de cair o queixo. De todas as coisas que poderia fazer neste momento — cair de exaustão sendo uma delas —, Vast alcançou o segundo andar em um único salto. Para os outros, sua figura havia simplesmente desaparecido, tamanha foi sua velocidade.
Correu pelo corredor, apressado e apreensivo. Não havia qualquer rastro de sangue, e muito menos sinal de uma presença viva no silêncio que rasgava seus ouvidos.
— EMILIA!! — Sem resposta. Chamou por incontáveis vezes até chegar no fim do corredor.
Enfrentou a nuvem de poeira, o cheiro de pedra esfarelada destruindo seus sentidos. Superada a cortina, o fim do corredor resultava numa parede destruída, uma visão assustadora do céu cinzento de Von Legurn. Com um rombo destes, era improvável que a lança tivesse parado ao colidir com a parede, mesmo assim, Vast se obrigou a olhar para baixo.
Nada, somente os detritos de pedregulho estavam jogados por toda a parte. Por mais que procurasse desesperado, foi incapaz de encontrar um sinal sequer da presença de sua amada.
Voltou às pressas para o salão, uma esperança cega. Apenas os guardas permaneciam lá, estáticos até o surgir de sua figura, como se não existissem quando afastados de si.
— Príncipe Vast, pode nos ajudar com isto?
Estava pronto para gritar contra eles. A mente emaranhada numa floresta de espinhos, latejando a cada tentativa frustrada de encontrar respostas plausíveis. Porém, sem lhe dar um segundo sequer para processar tudo, o mundo lhe lançava outra dor de cabeça.
Os guardas apontavam para o que, até então, era o Transformado.
— I-Isso é…!!
O soldado estava tão chocado quanto. Aquele Transformado, ou o que deveria ser o seu cadáver, evaporou-se numa névoa. Isto era comum para os vampiros após sua morte, mas o problema estava no que havia restado da fumaça pútrida.
Das cinzas esbranquiçadas, a figura de um homem surgiu. Sem presas, orelhas pontudas ou qualquer coisa que o identificasse como um Vampiro Humanoide. Além disso, o brasão simples em sua camisa indicava do que ele fazia parte.
"Um nobre do Reino?!"
O príncipe sentiu imensa vontade de xingar, mas as incontáveis aulas de etiqueta enraizadas em sua cabeça o impediram.
Vampiros são criaturas que se opõem às leis humanas, afinal estavam bem acima delas. Muitas vezes brincavam com os sentimentos alheios e pouco se importavam em estragar uma reunião política com informações ultra sigilosas por pura diversão.
Pelo visto, alguém usou este fato para escolher seu lado na guerra.
“Emilia, desculpe por duvidar de você, mesmo que só um pouco.”
O símbolo de uma espada longa foi marcado com brasa no pescoço da vítima, bem abaixo da marca de mordida do vampiro num tipo de zombaria.
O Reino de Von Legurn usava um arco e flecha como representação em sua bandeira. Já no interno, armas de combate a médio e curto alcance eram usadas para facções do reino, ou melhor dizendo, as famílias nobres.
Cada peça duvidosa que fazia parte do quebra-cabeça infantil de Vast encontrou um espaço em que se encaixava perfeitamente, corrompendo as peças utópicas para torná-las em peças compostas da mais pura realidade.
“Traidores!” Foi tudo que conseguiu pensar.
Ninguém aqui era capaz de sentir auras além do próprio príncipe, ou pelo menos deveria ser isso. Se não, por qual outro motivo as pessoas teriam parado de celebrar a vitória e se focado nele? Simples, por causa da intensa atmosfera que o circundava.
Se um Amaldiçoado tinha a presença de um enorme tubarão, Vast agora equiparava-se com um cardume de dezenas destas feras. Ele exibia suas presas e as rangia sem medo de mostrar o ódio que até então aprisionava em seu interior, contido com algemas de ignorância e libertado pela chave da descrença.
Agora que as amarras se romperam de vez, nada podia lhe impedir de colocar sua mais ousada decisão em prática.
— Eu estou indo…
Foi o que ele disse após longos suspiros. Ainda não estava calmo, mas definitivamente era um humano, por maior que fosse a dúvida de todos presentes.
— Indo? — os guardas perguntaram. — O que quer dizer, Príncipe Vast?
— Eu estou indo. Vou atrás daqueles que ousaram trair Von Legurn e os mostrarei a ira do Reino com minhas próprias mãos.
Ergueu a cabeça, mirando o grande rombo no teto causado pela entrada avassaladora do Vampiro.
No horizonte, com seu topo escondido além de onde sua visão alcançava, se colocava a Torre. Uma estrutura com as proporções de uma metrópole, coberta num material negro tão duro quanto diamante. O lar do único cuja soberania era incontestável, e também onde poderia cumprir seu verdadeiro desejo.
"Me desculpe, Emilia. Peço que espere apenas um pouco, prometo que vou trazê-la de volta!"
— Amanhã de manhã, eu vou partir — virou-se para seus expectadores, encarando além do que os olhos enxergavam. Havia se decidido. — para a Torre do Conquistador!
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