Sputnik Saga Brasileira

Autor(a): Safe_Project


MUTTER

Capítulo 1: Aqueles Abaixo de Mim

Oeste, Reino de Von Legurn

No salão real, conselheiros discutiam com o Rei sobre o declínio cada vez maior da população. A fome dos vampiros permanecia igual, e mesmo assim pessoas desapareciam sem parar, e nenhum corpo era encontrado.

Como sempre, interrompidos. Um guarda rompeu por um dos vitrais, a metade inferior de seu corpo estraçalhada. Suas últimas forças feitas na forma de um aviso:

— Meu Rei, os espiões confirmaram a suspeita, mas é tarde! Um vampiro está vindo!

Caiu morto em seguida, honrado pela breve reza do Rei em sua homenagem. Seu comando de preparação das forças reais viria em seguida, e ainda assim foi atrasada.

Sem qualquer aviso, uma figura surgiu no centro do salão. Alta, dotada de magníficas curvas, vestindo uma roupa incrível. Bem, talvez esta fosse a descrição, pois o que todos viram desfilar pelo tapete vermelho foi uma literal sombra, a silhueta do invasor perfeitamente coberta por escuridão, mesmo que o local estivesse muito bem iluminado.

— Protejam Von Legurn com suas vidas! — o Rei clamou, sacando a espada escondida atrás do trono.

A resposta da criatura foi um breve sorriso, e então avançou, não se sabe ao certo contra quem, muito menos como. Os gritos, fossem de determinação ou desespero, foram calados antes mesmo de escaparem das bocas ensanguentadas.

 

Minutos depois, a figura sombria caminhava sozinha pelos largos corredores vazios do castelo. Procurava algo em específico, encontrado sozinho num berço no quarto mais alto da torre mais alta.

Um bebê de poucos meses, os cabelos esverdeados começando a crescer. O abrir forçado das pálpebras pelos dedos do invasor revelaram o sedento par de olhos escuros, que lutariam pela sobrevivência à sua forma se necessário.

Sem qualquer palavra, a figura agarrou o pequeno com cuidado de mãe — ou dona de um novo animal fofo —, e carinhosamente depositou os dentes em seu pescoço reconchudo. O bebê sequer sentiu, na verdade, dormiu logo em seguida, e o invasor desapareceu no instante em que seus olhos fecharam.

Mesmo anos depois, ninguém nunca descobriu quem, muito menos o que invadiu o castelo de Von Legurn. O motivo para isto são vários, mas tal investigação pode ser deixada para outros mais interessados.

 

***

 

Alguns anos depois

A empregada correu pelo grande e vazio castelo de Von Legurn, seus passos apressados para uma senhora no auge de seus 70 anos impressionavam fantasmas alheios. Todo o esforço levou-a até o salão onde ficava o grande e único relógio do castelo, que nem funcionava mais, travado às 9 horas em ponto.

Vazio, uma sala do trono desprovida do item que levava seu nome. Na parede virada para a porta, ao invés do trono, havia um vitral que não representava nada. Sentado dramaticamente sobre o ponteiro das horas, observando o horizonte vazio pelas fissuras planejadas da parede, estava o alvo da mulher.

— Príncipe Vast, por favor, desça já daí!

O par de olhos escuros veio ao seu encontro. O cabelo esverdeado mais vivo que a grama e o rabo de cavalo tão bem cuidado quanto o dos próprios equinos — sequer havia algum no reino, todos transformados em comida.

A mulher repetiu: — Desça antes que se machuque!

A luz que passava pelos grandes vitrais azulados revelou a figura de um jovem adulto, trajado nas dignas, extravagantes e exageradamente detalhadas roupas de um membro da realeza.

— Algumas pessoas — disse ele —, elas me entregaram dinheiro hoje. As crianças ainda me chamam de "Príncipe Pobre". Por que será?

— Deve ser por causa dessa sua falta de modos! Um príncipe não escala uma parede de trinta metros para ficar sentado em um relógio!

Ela continuou reclamando por algum tempo, insistindo que o garoto saísse de lá. E assim ele o fez. Num suspiro meio risonho, ele apenas deixou o corpo tombar para o lado.

— E-ESPERA!! NÃO FAÇA ISSO!!

Caiu em linha reta, em rota de colisão com o chão feito do mais duro concreto conhecido, mas sua aterrissagem fez-se leve tal como a de um pássaro. A empregada se desesperou por um instante, tomada de surpresa no instante que notou a total plenitude do jovem mestre.

Ah… Hã!? Trinta metros e nenhum arranhão? Até ontem o limite era de vinte metros!

— Parece que o treinamento está funcionando no fim das…

TRULK!! Foi o som de interrupção, seguido pelo despencar do corpo contra o chão e a voz aterrorizada chamando-lhe: PRÍNCIPE VAST!!

 

 

O sol da tarde entrava no quarto pela grande janela, curioso, visto que o tempo era sempre nublado em La Serva.

Aconchegado na beirada de sua enorme cama, Vast ajeitou os cabelos esverdeados e refez o rabo de cavalo ao sentar. Num breve suspiro satisfeito, seu olhar caiu sobre a única acompanhante no cômodo.

Teve de aceitar os cuidados da empregada que tanto quis lhe convencer de não subir em lugares altos. Agora que havia se machucado — um pouco pior do que o de costume —, sua expressão mostrava uma mescla de satisfação e preocupação.

— Pelo menos foi bom pra você — disse Vast, alisando o rosto da mulher. — Ficou com quantos anos desta vez?

— Nã-Não diga uma coisa dessas, meu príncipe!

Ao contrário da voz rouca de uma senhora mais velha que o próprio Reino, seus ouvidos eram agora agraciados com os murmúrios envergonhados de uma jovem senhorita na flor da idade. Sua pele branca, cabelos ruivos e olhos esverdeados tornavam-na uma personagem de conto de fadas, por vezes levando Vast a se questionar se ela era realmente real.

O feito extraordinário de rejuvenescer não foi, entretanto, por uma bênção, como normalmente poderia se pensar. Na verdade, era o total oposto.

Quando um vampiro compartilha seu sangue com um humano, intencional ou não, podem haver três resultados possíveis: Morte (80% dos casos), Amaldiçoado (20%) e Transformação em vampiro (esta ainda é pouco clara como acontece).

Indivíduo amaldiçoados carregariam esta marca consigo pelo resto da vida, sendo seus efeitos diferentes para cada pessoa. A única coisa em comum deste estranho fenômeno era seu equilíbrio funcional. Para uma vantagem, há uma desvantagem. O motivo para os humanos terem nomeado desta forma.

A Maldição do único herdeiro do trono de Von Legurn, Vast Los Filho, se chama [Mutter].

Em seu caso, suas capacidades físicas eram mais altas que a de um homem comum, no entanto, para todo e qualquer dano que recebesse, a sensação das feridas seria duas vezes pior do que o normal. Por exemplo, ser furado por uma agulha teria dor equivalente a ser empalado por uma estaca. Para completar, o ser vivo mais próximo de si no momento da lesão teria suas próprias lesões curadas proporcionalmente ao dano causado no príncipe.

No caso da empregada chamada Emilia, que não estava de forma alguma machucada no momento, a cura de Vast atuou em sua idade, tornando-a de volta numa jovem moça que deveria ter pelo menos 22 anos.

— Por favor, mesmo que até a sua recuperação seja mais acelerada, o senhor não deve se arriscar de tais maneiras. Deve melhorar seu comportamento para quando assumir o trono!

Ela era fofa quando ficava corada, o vermelho das bochechas a realçar o brilho em seus olhos esmeralda. Levaria algum tempo até o rapaz esquecer a aparência idosa de algumas horas atrás.

— Eu já falei, tenho planos diferentes. Eu pretendo passar o trono para alguém de confiança e resolver alguns assuntos fora do castelo.

Emilia fez biquinho, mas não de raiva. Ao se levantar, pegou as toalhas que usava para limpar Vast e, após as deixar na bacia ao lado, sentou-se na beirada da cama.

— Se refere à Torre do Conquistador novamente? Quantas vezes precisamos repetir, meu príncipe, aquele lugar é perigoso demais para ir, mesmo quando falamos do senhor.

Ele franziu o cenho, como se repreendido pela própria mãe.

Muitos Amaldiçoados tinham este sonho: alcançar a Torre que ficava no centro da terra de La Serva. Qualquer um que entrasse no local teria a oportunidade de realizar um desejo, seja ele qual fosse. Tudo isso graças à figura que lá vivia, a quem todos chamavam de Rei Eterno.

Vast carecia de um motivo pessoal para ir até a Torre, porém seu coração tinha anseio pelo local. Algo o esperava por lá, grandioso, revelador a pontos inimagináveis, uma atração semelhante à do Escolhido que lia nos contos heroicos.

Ninguém o impediria se tentasse ir. Por algum motivo, o número de trabalhadores no castelo diminuiu e os poucos que sobraram — alguns guardas e seu pai, o Rei — nunca conversaram direito consigo, sempre alegando terem coisas para fazer sendo que só ficavam parados no salão o tempo inteiro. A única exceção era Emilia, que nunca faltava um dia em puxar conversa.

Entretanto, o brilho que surgiu em seus olhos escuros já era fácil para a moça compreender. Um suspiro bastava, pois era fato que nunca seria capaz de tirar a ideia da mente do príncipe.

— Emilia, conseguiu falar o que pedi com o meu pai?

Ela negou com a cabeça e respondeu: — Vossa Alteza diz não haver tempo para as suas conversas, o de sempre. Temo que ele diga isso por causa das recentes tensões entre os grandes poderes.

Vast murmurou em desapontamento. Tal conflito entre a Realeza, a Igreja e o Exército se estendia há certo tempo, e o resultado pouco lhe importava. Sua maior preocupação recaía, diferentemente dos outros, naqueles que sequer eram incluídos em tal triângulo desarmônico.

— Pelo menos os nobres estão aprovando algumas boas leis. Vejo que, mesmo que pouco, ainda se lembram que existem súditos que merecem cuidado.

Emilia resmungou um sim e olhou para o chão. Seu desconforto chamou a atenção do príncipe, que pensou ser pelo mesmo motivo de sempre.

Era bastante comum a mulher ficar deste jeito quando tentava adentrar em algum assunto que envolvesse política, provavelmente por alguma coisa que aconteceu em seu passado ou simplesmente por falta de interesse. Diferente dos outros serviçais, ela mantinha uma honestidade tão grande com seu mestre que às vezes pareciam ser melhores amigos. Não que não fossem de fato.

Vast já tentou avançar em Emilia algumas vezes, e de uma forma bastante cavalheiresca, um tanto quanto manso. No entanto, sempre que tentava era impedido por uma intensa atmosfera aterradora que surgia ao redor da mulher. Muito possível que fosse a tão famigerada "aura feminina", mas era apenas especulação sua.

— Meu príncipe, sabendo que eu não serei capaz de lhe impedir de partir para a Torre em algum momento, eu gostaria de lhe contar uma coisa importante, mas… — Ela levantou, ajoelhando-se no chão logo à frente e virada para o príncipe. — Preciso que prometa não contar a mais ninguém. Se souberem que contei-lhe isso, podem buscar por minha cabeça.

Pela primeira vez, ele engoliu seco. A atitude na empregada era uma novidade, um evento inesperado até para quem o buscava.

— É claro que eu não contarei. Alguma vez eu já contei um de seus segredos pra alguém?

Ela deu um breve sorriso, satisfeita. Ao passo de sua longa e pesada respiração, o coração de Vast saltava mais forte a cada segundo. Incerto de uma declaração de amor ou má notícia. Infelizmente, descobriu ser a pior das opções.

— Esta nobreza que tanto admira, meu príncipe… Eu acredito que o massacre crescente da população seja causa deles.

Um breve momento de silêncio. O quê?, murmurou sem ar, tendo esquecido de respirar antes de falar.

Ele perguntou uma, duas, três vezes, mas Emilia sempre lhe dava a mesma resposta.

— Eles escondem isso do senhor para impedi-lo de tomar qualquer providência. Sabem muito bem da influência que possui sendo herdeiro do trono. — Estufou o peito e repetiu, pela quinta vez: — A nobreza está vendendo os cidadãos para os vampiros em troca de poder! Por favor, acredite em mim!

Ele nunca sequer duvidaria. Já havia perdido as contas de quantas vezes confiou seus próprios segredos à mulher. O relacionamento deles, apesar de não tão avançado quanto gostaria, era profundo o bastante para tal nível de confiança.

"Esses… droga!"

Ele não disse em voz alta, premeditando a inevitável hesitação. Podia dizer o quanto quisesse que confiava em Emilia, mas era incapaz de negar a crença que tinha em seu pai e nos nobres de seu reino, afinal foi ensinado a confiar neles desde que era uma criança.

Incrédulo, tirou os olhos da mulher para descansá-los no colchão. Uma das mãos foi até a boca, e alguns resmungos começaram a sair sem que percebesse.

— Vender pessoas? Que tipo de ser humano perturbado faria uma coisa dessas? Eles… Eles não fariam uma coisa assim…!!

O rosto de Emilia misturava emoções, tantas que Vast foi incapaz de identificar uma sequer. Num suspiro, ela apenas comentou:

— Muitos matariam por esta sua ingenuidade, meu príncipe. — E estalou os dedos, chamando a atenção para si.

Ele ergueu a cabeça num frenesi que faria qualquer um duvidar de seus machucados, abrindo a boca prestes a questionar ainda mais sua serviçal sobre a questão. Porém, quando a encarou, os olhos levemente marejados que antes fitavam o chão de repente se arregalam, jogando para longe as poucas lágrimas. Ao longe, uma presença inédita se aproximava.

— Essa sensação…?!

TURRUUUM!! 

Não somente o grande quarto, toda a estrutura do castelo em si tremeu como se um terremoto começasse logo abaixo. Garrafas e lustres despencaram na mesma hora, fissuras surgiram nas paredes como tubarões ao redor de um cadáver e um grito animalesco rasgou seu caminho por todo o castelo.

— O quê!? Emilia, vá para um lugar seguro!

— Eu ficarei ao seu lado, senhor!!

Sabendo que não adiantaria reclamar, ele se levantou da cama, testando a perna antes machucada e confirmando a total recuperação.

Vamos! Seguido pela empregada, desceu as escadas do castelo ao mesmo tempo que perseguia as fissuras, esperançoso de que encontraria o motivo do abalo na fonte delas.

Em menos de um minuto, alcançou as escadas que levariam para o grande salão do trono. Lá estava o Rei e os seus dez soldados. Todos, sem exceção, miravam a coisa à frente.

"Merda!! Essa aura maldita…!!"

De uma pequena cratera no centro do salão, uma figura negra e com o corpo coberto de pelos emergiu. Semelhante a um grande lobo desnutrido. Sem carne, seus ossos e pele eram sustentados pelos próprios tendões, expostos em partes aleatórias do corpo, contorcendo como vermes em busca do próximo hospedeiro.

No mesmo instante em que seus olhos caíram sobre o invasor, a aura, pairando no formato de uma tela digital sobre a criatura, revelou de quem exatamente se tratava.

 

Transformado

Força 35/100

Agilidade 28/100

Inteligência 2/100

 

Esta aparição que fez metade daqueles na sala desmaiar era…

— UM VAMPIRO!! — gritou um dos guardas na lateral. — PROTEJAM O REI!!

Os guerreiros em armaduras prateadas formaram uma barreira, empunhando lanças e espadas douradas na direção da criatura. De cima, Vast analisou a aparição enquanto se colocava à frente da assustada Emilia.

"Como ele invadiu? Nenhum vampiro comum deveria ser capaz de entrar no reino, quem dirá do castelo!!"

Não havia tempo e muito menos razão para buscar uma resposta neste momento, apenas uma coisa importava: esta criatura tinha que morrer!

 

 

 


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